sexta-feira, 1 de abril de 2016

.: Todos os homens do rei, por João Eduardo Hidalgo

Por João Eduardo Hidalgo*
Em abril de 2016

Quando se fala em Impeachment, sempre é lembrado o caso, e o livro, "Todos os Homens do Presidente" de Bob Woodward e Carl Bernstein que, entre 1972 e 1974, a partir de uma simples notícia de invasão na sede nacional do Partido Democrata, no conjunto Residencial e Comercial Watergate, em Washington, causaram a queda do presidente reeleito Richard Nixon.  

A qualidade da investigação baseia-se numa cuidadosa seleção de fontes primárias, de eventos que não pareciam fazer parte do mundo da política, como um simples arrombamento de uma sala e a presença de um advogado nomeado sem que nenhum dos presos tivesse tido a oportunidade de exercer seu direito, o de chamar um defensor. O cuidado de análise de pequenos atos do cotidiano, quem atua onde, como e porque e se estes atos e atitudes estão de acordo com a sua posição civil ou política; e se suas justificativas estão dimensionadas dentro de seu entorno leva a descobertas fundamentais para a sociedade. 

Contudo, devemos lembrar que os dois autores tomaram emprestado o título, ou se queiramos dizer, fizeram uma homenagem a um clássico da literatura de ficção norte-americana que é "All The King’s Men" ("Todos os Homens do Rei"), lançado em 1946 por Robert Penn Warren e que ganhou o Prêmio Pulitzer de ficção em 1947. Robert Penn Warren (1905-1989) era crítico literário, jornalista e professor e revolucionou a literatura americana da época criando um personagem calcado num conhecido político populista, que no decorrer de sua atuação confunde fins e meios, justificando (ou tentando) que buscou criar o bem a partir do mal (participando de esquemas de corrupção e alianças nefastas) com o intuito de proporcionar justiça aos privados de direitos sociais e econômicos.

No livro de Warren, a "escolha" é o ponto central da trama, pois seu personagem Willie Stark tem livre arbítrio para fazê-las e deixa que os meios contaminem os fins, não interessando mais o quão idealistas eles fossem, e explicita que o que pesará sobre o personagem (ou indivíduo) é a responsabilidade. "Todos os Homens do Rei" é um livro fundamental para entender a nossa realidade política e social atual; para quem não consiga digerir o enorme volume de mais de 600 páginas, indico o filme (baseado no mesmo) que no Brasil tem o título de "A Grande Ilusão", adaptado e dirigido por Robert Rossen, em 1949, um clássico do cinema noir americano dos anos 1940.

Falando em "Rei", vou comentar o caso da Espanha; terminada a Guerra Civil (lembremos o paralelo com os Estados Unidos), a partir de 1939 se estabelece no país uma ditadura militar liderada pelo general Francisco Franco Bahamonde. Quis o destino que o ditador tivesse somente uma filha, inepta segundo as regras que o próprio pai criou para herdar seu legado. Não vendo no horizonte (por falta de altura) uma solução, Franco nomeou seu sucessor Don Juan Carlos, que nasceu na Itália e passou a infância em Portugal,e foi colocado pelo pai sobre a tutela do ditador fascista desde tenra idade. 

Devo destacar que deste seu protetor Juan Carlos herdou o gosto pela nobre arte da caça, Juan Carlos preferindo matar elefantes enquanto estes se alimentam e Franco perdizes que os ajudantes jogavam para o ar "escondidos" atrás de uma encina (árvore típica da Espanha). Para quem queira estender o assunto recomendo a obra prima do diretor Carlos Saura, "La Caza" ("A Caça"), filme de 1965. Retomando, a vida passava tranquila no castelo de El Pardo, nos arredores de Madri, e eis que os anos 1970 chegam e os netos de Franco brincam no jardim com bonecos da "Branca de Neve e os Sete Anões" e o que fica dentro do palácio pensa: "o que deixarei para minha filha e linhagem?" (em espanhol: "qué dejaré para Carmencita coño?!"). 

E Paquito Franco faz uma escolha, transforma o seu sobrenome em um título de nobreza: De Franco, numa Espanha que a mulher mantém o nome invariável depois de casada, pois leva primeiro o paterno e depois o materno, sempre, a mulher de Paquito Franco passa a chamar-se Maria del Carmen Polo de Franco e seu primeiro neto varão terá o nome mudado, com aprovação das Cortes Madrilenas, para Francisco de Franco Martínez-Bordiú (nome paterno em segundo lugar), fato "nunca visto na história deste país". 

Lembremos o paralelo com o apelido "Lula" no Brasil. Um militar de caserna que teria jurado fazer da Espanha e de seu povo, mesmo a contragosto da maioria da opinião do mesmo, transformou-se num ser nobre e inclusive construiu um túmulo-igreja a 40 quilômetros de Madri no Valle de los Caídos. Figuras messiânicas a quem se perdoa tudo, ou que tem uma corte para apoiá-los levam seus estados para um terrível destino. E estes reis estão sempre rugindo, vejam o caso de Cuba, em que o velho dono da ilha se põe a criticar uma mudança muito sonhada pelo seu povo, única saída para a quase inanição em que vivem.

"Todos os Homens do Rei" ou "Todos os Homens do Presidente" mostram como o poder pode ser corruptor se não existe uma base sólida de ética e de valores individuais. Richard Nixon (1913-1994) já tinha um histórico de "pedaladas" corruptas e antiéticas em seu currículo, sugiro o filme "Trumbo" (2015) que faz um uso harmonioso de arquivos de época e de ficção; num dos documentos visuais dos anos 1950 vemos Nixon participando da comissão criada pelo senador Joseph MacCarthy para perseguir quem pensava diferente dele; Nixon estava alegremente em destaque na dita cuja, um crápula. Muitos políticos (reis, messias) esquecem que uma metáfora do poder é a queda, como ressalta o livro de Warren. 

Nele Willie Stark (um personagem, não um indivíduo) passou por vários estágios na sua trajetória: idealismo, desilusão e acomodação, eu acrescento um no processo pelo qual passam os líderes no caso brasileiro: escárnio. Escárnio por seus eleitores, pelas instituições, pelos seus representantes (com os quais não tenham pacto), por sua história de vida. Enfatizo, os atos dos nossos representantes eleitos são carregados de consequências, boas ou más, por isto devem ser permeadas por uma base moral e ética firme e consciente.  

O livro de Warren mostra como a democracia, se não for respeitada pelo seu líder ou lideres, pode levar ao totalitarismo. Os conluios, as maltas quando revelados trazem a marca explicita do escárnio. Como podemos conceber que a autoridade máxima de nosso país ligue para um político de seu partido comportando-se como uma secretária particular, mesmo uma muito querida. Como entender a bondade de outro com seu ex-filho, quando a maioria dos pais luta para somente manter seus filhos nas escolas públicas ou particulares. Uma política onde a situação e a oposição (esta herdeira direta dos militares e coronéis) se mostram lamentáveis e inviáveis, que destino tomar ou almejar, talvez o livro de Robert Penn Warren responda minimamente ao imbróglio brasileiro atual, pois ele criou uma tristonha metáfora da política que vem se confirmado nos últimos 60 anos.        

*João Eduardo Hidalgo é doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo e pela Universidad Complutense de Madrid. Professor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp de Bauru.

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