terça-feira, 12 de julho de 2016

.: “Açúcar de Melancia”, de Richard Brautigan, ícone da contracultura

Um dos representantes da geração beat, movimento contracultural que surgiu em São Francisco, nos Estados Unidos, entre os anos 1950 e 1960, Richard Brautigan teve uma vida tão incomum que seria digna de uma das ficções escritas por ele. Abandonado em um quarto de hotel aos seis anos junto com a irmã de apenas dois, aos 20, ele pediu para ser preso porque já não aguentava mais passar fome e frio. 

Da prisão, seguiu para um hospício e foi diagnosticado com esquizofrenia e depressão. Após terminar a terapia com eletrochoques, começou a escrever e publicar seus primeiros livros de poesia. Em 1967, lançou o romance “Pescar Truta na América”, que chegou a alcançar a marca de dois milhões de exemplares vendidos à época. No ano seguinte, publicou “Açúcar de Melancia”, que recebe agora, pela Editora José Olympio, sua primeira edição no Brasil, com tradução de Joca Reiners Terron.

Ambientado em um universo distópico e surrealista, onde quase tudo é feito de açúcar de melancia, o livro mostra, por meio de um narrador que nunca diz seu nome, a rotina dos moradores e dos vizinhos do vilarejo "euMORTE". Apesar do nome curioso e da paisagem mágica, como rios com um centímetro de largura, o lugar se assemelha a uma cidade qualquer. As pessoas trabalham, conversam e se relacionam.  Ao longo da narrativa, no entanto, os personagens começam a assumir posturas assustadoras, que causam bem mais estranhamento do que o cenário fantástico criado por Brautigan. Um dos momentos aterrorizantes é o desfecho da trajetória de Margaret, com quem o narrador mantinha um relacionamento.

Outro lugar que compõe a história e que instiga a atenção é “Obras Esquecidas”, uma região misteriosa, que segundo o narrador, abarca espaços temporais que não podem ser alcançados. Uma das coisas que se acumulam por lá são livros, usados como alimento para o fogo. O tradutor da edição brasileira, que também assina o posfácio da obra, relaciona o fato à ideia já explorada no filme "Fahrenheit 451", de 1953. Por meio de diálogos curtos, repetitivos e infantilizados, o escritor ironiza nosso próprio cotidiano enquanto nos lança em seu universo non-sense.

Trecho:
“Os olhos de Pauline estavam cheios de lágrimas.
- Por favor, passe a noite conosco- disse Charley
- Muito obrigado- agradeceu o irmão de Margaret.
- Vou mostrar o quarto pra você. Boa noite- disse Charley para nós;
Ele saiu com o irmão dela. Falava alguma coisa para ele.
- Vamos embora, Pauline- falei.
- Está bem, querido.
- Acho melhor você dormir comigo esta noite.
- Também acho- disse ela
Deixamos Bill empilhando os tijolos.
Eram tijolos de melancia feitos de açúcar preto e silencioso. Não faziam nenhum som ao serem empilhados por ele. Os tijolos selariam as coisas esquecidas para sempre.”

Sobre o autor
Richard Brautigan nasceu no dia 30 de janeiro de 1935, em Tacoma, Washington. É autor de dez romances, nove volumes de poesia e uma coletânea de contos. Brautigan foi ídolo literário dos anos 1960 e começo dos 1970, cujo talento cômico e visão iconoclasta do estilo de vida americana atraíram a atenção de jovens do mundo todo. Ficou conhecido como “o último dos Beats”, e seus primeiros livros se tornaram leitura obrigatória para a geração hippie. Um deus da contracultura, cometeu suicídio em Bolinas, Califórnia, aos 49 anos.

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