sexta-feira, 29 de setembro de 2017

.: Virginie e a volta do Metrô, por Luiz Gomes Otero

"Nós nos identificamos muito com o pop em seu lado "antropofágico",
Virginie Boutaud, vocalista do Metrô

Por Luiz Gomes Otero*, em setembro de 2017. 



Ela tem uma voz que marcou definitivamente os anos 80. Impossível não recordar de Virginie Boutaud e o Metrô embalando uma série de hits nas rádios naquele período mágico para o rock nacional. A sonoridade, que na época trafegava pelo universo musical na new wave, se encaixa hoje em dia como uma luva no cenário indie pop. E não por acaso o grupo retomou as atividades com a sua formação original, produzindo de imediato duas canções que comprovam que o frescor dos anos 80 ainda encontram espaço nos dias atuais. Nessa entrevista para o site Resenhando, Virginie conta detalhes sobre os planos para a música e revelou ser uma artista com pés no chão, disposta firmar a carreira em alicerces firmes. "Aprendi que a música, a gentileza e o amor são geradores do bem, mais do que qualquer religião. São indispensáveis e preciosos". Para quem quiser saber mais sobre a banda, basta acessar a página oficial do grupo no Facebook neste link. Além disso, o e-mail de contato, para shows e mensagens é: grupo.metro.contato@gmail.com



Todos os integrantes sem exceção passaram por experiências diferentes nesse período de hiato do grupo. Você inclusive chegou até a trabalhar com Arrigo Barnabé durante um período. Para o Metrô, o que ficou de ensinamento desse período afastados do show business do pop?
VIRGINIE BOUTAUD - Nossa, vivi tantas coisas diferentes neste tempo. Eu diria que o mais importante foi ter percebido, morando em vários países e vendo maneiras tão diferentes de encarar a vida, que nada é definitivo, a não ser a absoluta riqueza que gera o intercâmbio, a mistura, a troca de ideias. E que existe urgência em pararmos de abusar de nosso planeta e das pessoas e animais, como andamos fazendo, por descaso, por ganância, por egoísmo. É o único lar comum que temos por enquanto, e estamos abusando, aceitando a violência e a miséria, fechando os olhos para os abusos e descasos, como a sobrepesca e a violência e mensagens truncadas da industria agro-alimentar. Existe uma urgência em mudarmos algumas tradições como tentarmos ser mais atentos ao todo e aos indivíduos, não alimentando ou admitindo racismos e sistema de castas, a exploração dos miseráveis... E me parece que estas ideias tortas não têm mais seu espaço hoje em dia, e sobretudo nenhuma justificativa, no entanto predadores continuam agindo à escuras, e até às claras, comprando e vendendo almas,  animais protegidos, minerais, dando seu aval à destruição de espécies únicas, de ecossistemas, de etnias, de línguas, dos saberes ligados a elas... Acho impressionante como podemos avançar tão rapidamente por certos lados, e continuarmos agindo como grandes ignorantes egoístas, por outro. Agora não podemos mais dizer que não sabemos ou que não vemos e devemos fazer nossas escolhas e tentar nos conformar a algumas privações que podem decorrer, parar de desperdiçar tanta comida enquanto tanta gente morre de fome sob nossos olhos cegos. E vejo com alegria que esse discurso está se tornando mais comum, e que a juventude está ligada e atuante. Mas é difícil deixar de lado certas maneiras de ser... Aprendi também que a música, a gentileza e o amor são geradores do bem, mais do que qualquer religião. São indispensáveis e preciosos.

Sua forma de cantar é bastante peculiar, com um timbre bem afinado e original. Em quem você se espelhou como intérprete no início? Fale quais foram suas principais influências.

V.B. - A lista é longa : minha mãe, Line Boutaud, que cantava o dia todo. Françoise Hardy, Edith Piaf, Suzi Quatro, Pink Floyd, Yes, Genesis, Georges Brassens, Jacqueline Boyer, Gilbert Becaud, Moustaki, Rita Pavone, Gal Costa, Chico Buarque, Maria Bethânia, Caetano, Gil, Raul Seixas, João do Vale, Annie Haslam do Renaissance, Freddie Mercury, Kate Bush, Laurie Anderson, Simon e Garfunkel, Nina Hagen, Rita Lee, Sá e Guarabira, Alceu Valença, Ney Matogrosso, Ella Fitzgerald, Tony Poncet, Ataulfo Alves, instrumentos como sopros e guitarras, ruídos da natureza, sons de animais: tudo é experimento...


Nessa nova reunião vocês parecem querer resgatar o clima e a pegada new wave dos anos 80, que conta com espaço na mídia atual. Como foi que definiram essa volta ao som do início?
V.B. - É verdade que "Dando Voltas no Mundo", a primeira música lançada pelo Metrô desde a volta em 2014, tem uma sonoridade voluntariamente anos 80. É uma comemoração composta por Yann, logo que regressou a Jericoacoara, onde mora, depois do show no qual nos reencontramos após 30 anos. Essa é a sonoridade que nos identifica. É uma de nossas curtições e temos adquirido instrumentos para continuar brincando por aí, mas não só. Xavier toca alternadamente seu baixo e um Synth Novation. Dany mixa a bateria com a bateria eletrônica. Sempre foi uma mistura que gostamos de fazer, desde o tempo de "A Gota Suspensa", quando Yann tinha comprado seu Mini Moog. “A Vida é Bela Lalaiá”, nosso segundo single desde a volta, tem outra cor porque a história dela é outra. Acho que vamos assim, como no álbum "Olhar", de 1984, passando por vários estilos e sonoridades para nos divertir e experimentar.

Como funciona o processo criativo musical da banda?

V.B. - Yann e Alec  são criadores de belas melodias, timbres, ideias, ritmos, a praia de Xav e Dany. Eu vou cantando com meu violão. As vezes acordo com uma sensação musical no coração, na cabeça, e a letra vai nascendo. Às vezes caminhando, improvisando. Cada um de nós tem musicalidade própria, na hora de tocar, os arranjos vão se tecendo, aliás acho difícil as vezes diferenciar arranjo e composição, porque uma linha de baixo, uma levada de batera, um naipe de vozes, uma harmonia fazem parte, ao meu ver da construção da própria música: "Beat Acelerado" é um exemplo do que estou querendo dizer, pois de bossa nova, ela passou a pop, em uma reunião da então "Gota Suspensa", para procura das palavras certas para colocar um refrão na composição de Vicente França. "Coração ligado, beat acelerado" chegaram quando estávamos procurando todos juntos no quarto de Alec. E depois, foi feito o arranjo pop: é assim...  Fazer e refazer, experimentar novas levadas, transformar, interpretar, citar trechos ou influências, homenageando de certa forma os nossos "mestres" ou indo atrás de algumas descobertas acidentais legais, desenrolar alguma meada. A cada ano, quando nos encontramos, sentimos que nosso som vem carregado de novas influências, 2017 foi mais rock, eu diria. Nos divertimos à beça com a participação dos Autoramas, do George Israel, do Ruben Jacobina. Assim nos alimentamos e vamos criando, juntos ou separados.


Vocês acreditam que o surgimento do movimento indie rock tenha contribuído para essa abertura (ou manutenção) do espaço para o Metrô na mídia? Há uma identificação com esse movimento no tipo de trabalho que vocês desenvolvem?
V.B. - Sei que todos adoram passear por vários estilos, seja para ouvir, ou para cantar, ou imaginar: pop, de maneira geral, synth pop, dance, rock, samba, chanson, agora, antes, depois... As sonoridades identificadas como indie pop, são com certeza da mesma família sonora do "Olhar," isso deve contribuir para que as novas gerações continuem descobrindo e ouvindo Metrô. O pop é divertido, variado, dançante, leve. "Tudo Pode Mudar" continua sendo acessada entre 7 e 11.000 vezes por dia, está bombando na trilha do filme 'Bingo" e fiquei chapada com a quantidade de versões dela que encontrei em soundcloud, com certeza ela está no ar, como "Johnny Love" e "Beat Acelerado", que são cantados do início ao fim quando nos apresentamos. Sou fascinada pela imensa criatividade e diversidade musical à qual temos acesso hoje em dia: inimaginável... Nós nos identificamos muito com o pop em seu lado "antropofágico": adoro as surpresas que pode trazer. Vejo também no indie um espaço maior para o silêncio na música, e também para as mulheres se expressarem em um meio musical ainda meio machista, isto é legal também, pois garotas, garotos, têm suas maneiras de sentir e vivenciar, portanto de se expressar para fazer rodar o mundo.

Vocês já têm duas músicas prontas. Quando vão lançar um novo álbum? Ou pretendem investir em outras formas de divulgação (streaming por exemplo)?

V.B. - Por hora vamos assim, fazendo as músicas aos poucos. A intenção é ir terminando e colocando no ar na medida que sentirmos as músicas "prontas" mesmo porque as músicas sempre são mutantes. Eu adoraria trazer um belo objeto para nossos fãs também, mas não nos parece ao mesmo tempo indispensável hoje em dia, será que é? Sei que quando fazemos shows e levamos a edição comemorativa de "Olhar", muitas pessoas ficam muito felizes em comprar...


Como estão os planos para os shows?
V.B. - Temos experimentado vários formatos, para várias dimensões possíveis, várias pistas a explorar. Existem muitos lugares menores nos procurando, em cidades distantes dos grandes eixos. Adoraríamos poder chegar até estas pessoas, por isto estamos muito a fim de curtir este lado pop enxuto, synth-pop, até algo acústico, e poder baratear os custos, pois sei que não é fácil bancar custos elevados de produção para trazer os cinco Metrô na formação original, que ainda temos a sorte de poder reunir. O importante é garantir que os shows continuem dançantes e emocionantes, trazendo todos os sucessos que as pessoas querem curtir e reviver, e também novidades e releituras para que todos saiam tendo se divertido muito e cheios de gás. Estamos disponíveis em todas as férias escolares daqui da região de Toulouse (15 dias a cada mês e meio). Temos nos encontrado a cada ano durante o período de julho e agosto e feito shows cheios de energia. Cada um de nós está com a música sempre, sabe? Ideias e participações estão previstas ou já acontecendo: Alec e Xavier estão trocando figurinhas com Autoramas e outros parceiros durante a entressafra do Metrô. Alec vai tocar com George Israel e em breve em São Paulo, Dany vai retomar a peça sobre Josefine Baker, na qual toca, atua, faz direção musical e que foi um imenso sucesso na temporada anterior na Maison de France, no Rio de Janeiro. Ele também está ao lado do Mestre Egberto Gismonti na trilha da peça "Grande Sertão Veredas", dirigida por Bia Lessa, atualmente em cartaz no Sesc Consolação, em São Paulo. Eu estou por aqui tocando e cantando muito e cuidando da voz, da família, dos contatos e da agenda. Quando nos encontramos é sempre muito gostoso colocar todas estas experiências em comum, espero que o façamos muitos mais porque ao vivo é sempre melhor, e o contato com o nosso público quando cantamos, dançamos e nos emocionamos juntos é, sem dúvida, um dos maiores prazeres na vida.

https://www.facebook.com/metrobr


"Dando Voltas no Mundo"

"A Vida É Bela Lalaiá"

"Tudo Pode Mudar"

"Ti Ti Ti"

"Beat Acelerado"

*Luiz Gomes Otero é jornalista formado em 1987 pela UniSantos - Universidade Católica de Santos. Trabalhou no jornal A Tribuna de 1996 a 2011 e atualmente é assessor de imprensa e colaborador dos sites Juicy Santos, Lérias e Lixos e Resenhando.com. Criou a página "Musicalidades", que agrega os textos escritos por ele.


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