quinta-feira, 29 de março de 2018

.: A vestimenta de uma mulher é um ‘convite’ à violência?

Psicanalista afirma: a mulher que usa uma roupa mais sensual quer, sim, ser vista, admirada e atrair pessoas. Mas, em nenhum momento, comunica que aceita ser vítima de uma violência


No início do ano, um defensor público fez uma polêmica declaração: disse que “a vestimenta de uma mulher é parte de um simbolismo que diz muito para fins de processo, para fins de condenação ou absolvição no campo criminal”. Segundo ele, usar uma minissaia, por exemplo, faz a mulher “ficar sujeita a uma pessoa interpretar que ela está seduzindo ou por ventura dando oportunidade para uma paquera, um namoro e quem sabe até algo mais sério“.

Segundo a psicanalista Débora Damasceno, diretora da Escola de Psicanálise de São Paulo, a vestimenta de qualquer pessoa, seja homem ou mulher, é um código social que traz consigo uma comunicação. “Algumas roupas comunicam seriedade; outras, sedução. Alguns, fazem um estilo despojado, o que se reflete nas roupas que usa. Outros preferem vestes mais esportivas. E não é a toa que existem muitos sites, revistas, consultores de moda e estilo que nos ensinam o que vestir em cada ocasião”.

Especificamente sobre a minissaia, Débora recorda que quando elas surgiram, nos anos 60, tinham consigo a ideia de transgressão, para romper uma cultura social que dizia que uma saia mais curta não poderia ultrapassar a altura dos joelhos. “Encurtar 20 centímetros foi um choque para homens e mulheres também. Logo, iniciou-se um julgamento que dizia que uma mulher que usava minissaia era imoral”, reforça.

Para a psicanalista, a mulher que usa uma roupa mais sensual quer, sim, ser vista, admirada e atrair pessoas – por que não? Mas, em nenhum momento, comunica que aceita ser vítima de uma violência. “O homem que a comete, na verdade, está culpando a mulher por sua falta de civilidade. E frequentemente diz que agiu mal porque foi provocado”. A justificativa da violência contra a mulher, a apontando como culpada, é um discurso antigo que a coloca como responsável pela sexualidade do homem. “É o resgate das velhas repressões que não fazem mais sentido nos tempos atuais. Temos recursos para pensar e agir de forma diferente. Mas ainda é mais fácil responsabilizar o outro pelo que temos e fazemos de mal”.

Débora cita que até mesmo para relacionar-se com uma prostituta, o homem precisa negociar antes: onde será o encontro, por quanto tempo, quanto custará ... “Por que com uma mulher que o atraiu, por sua apresentação pessoal, não pode haver, também uma negociação social antes da aproximação?”.

Por fim, a psicanalista afirma que classificar esta discussão como “machista” ou como uma defesa do “feminismo” é muito reducionista. Para ela, a questão é muito maior: é respeitar o próximo e saber conviver com ele. “E nisto, infelizmente, a humanidade está se perdendo. Ou se resgata o relacionamento com o outro, sem impor que ele exista sob minhas regras, ou viveremos um caos”.


A Escola de Psicanálise de São Paulo é um espaço dedicado à difusão da Psicanálise por meio de cursos livres, de formação e pós-formação, que congrega profissionais idealistas para quem a Psicanálise, além de ser um campo de conhecimento fundamental para a manutenção da saúde mental e emocional, é também uma ferramenta imprescindível na interpretação do mundo contemporâneo. Débora Damasceno é bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH -USP); pós-graduada em Psicanálise pela École Doctorale Recherches en Psychanalyse (Sorbonne); especializada em Sexualidade Humana pelo Instituto de Ciências Biomédicas (USP) e tem formação em Neuropsicanálise pelo Departamento de Estudos Comportamentais da UNIFESP. É coordenadora de Psicanálise do Grupo de Estudos de Neuropsicanálise e Medicina Comportamental da Unifesp e Pesquisadora do Grupo de Estudos em Saúde Oral e Sistêmica também da Unifesp – além de dirigir a Escola de Psicanálise de São Paulo.

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