terça-feira, 12 de junho de 2018

.: Crônica: Mais uma vez de... "Eu tenho, você não tem!"

Por: Mary Ellen Farias dos Santos
Em junho de 2018



Não entendo, mas gostaria de saber o que se passa na mente de uma pessoa que se sente bem diante do exibicionismo ou comparações com o que o coleguinha tem. Lembro bem de um episódio de aconteceu na casa da minha vó, em Praia Grande. Deveria ser algum aniversário ou festa junina. Há mais de 30 anos, a rua que ainda era somente de terra e estava fechada pela vizinhança que transformava aqueles dias em pura alegria. Eis que entre a criançada, surgiu um garotinho dizendo o irritante: "Eu tenho, você não tem!"

Diante de todas as outras crianças, alguns com mais possibilidades de ter o tal objeto e outros bem pobrezinhos. Lembro de eu e minha prima falarmos que era legal, mas não precisava dizer toda hora aquilo. O foco da discussão era a bendita da "Estrelinha Mágica". Quem passou dos 30 e poucos sabe bem do que se trata. Na época, para engrossar as vendas, a "Turma da Mônica" teve um desenho protagonizado pela bendita. Claro que aquilo era objeto de cobiça entre as crianças. Era Tec Toy. Contudo, o tal garotinho brincava, mas quando perdia, tornava a repetir: "Eu tenho, você não tem!"

Lembro de levá-lo para um canto e falar que ninguém se importava. Até porque, ali, ele não estava com a tal Estrelinha, o que poderia ser uma mentira -ele tinha mania de grandeza e inventava muita coisa-, além de ser algo muito, muito feio o que estava fazendo. Ninguém tinha perguntando e aquela fala tinha irritado a todos. Na hora, ele chorou, mas não contou para a mãe dele. Ninguém mais aguentava aquela chateação e ficamos todos calados sobre o motivo verdadeiro do choro. Pena que ainda era pequena e não sabia o prazer que é o de mandar enfiar... lá você sabe onde.


Semana passada, vivenciei uma situação semelhante. Como a realidade é adulta, o objeto do "Eu tenho, você não tem!" foi um carro. Do outro lado, havia um comparador, um senhor de idade próxima a de meu pai. O mesmo que riscou o meu carro com quase três meses tirado da loja? Essa é uma quase certeza, embora não tenhamos provas, mas as atitudes repetitivas sejam as mesmas de quando eu era criança e via os carros dos meus pais riscados. Curioso, não? A verdade é que a intolerância paterna me rendeu essa lembrança na lataria e uma conversa comparativa entre nossos carros. Papo chato! 

Detesto esse negócio de se enaltecer. Pois é, não sei me vender. Vivo na minha, sou assim, do jeito do meu pai. Preferimos observar mais e sempre nos calamos sobre o que temos ou o que queremos ter. Esse é o segredo! Na nossa forma de encarar a vida, o que realmente importa é ser, depois, ter. Sou feliz ao lado do meu marido, nos entendemos pelo olhar. Agradeço a Deus por tudo, desde família, incluindo a minha vó, que ligou no meu aniversário para dar parabéns por mais uma primavera minha, ao carro que está garagem com o "X" de lembrancinha. Ao fim daquele blá blá blá, fiquei com dó. O fato de você ser de pouca fala e envolvido apenas com o seu mundo, incomoda. Afinal, para algumas pessoas, a grama do vizinho sempre será mais verde.


*Mary Ellen Farias dos Santos é criadora e editora do portal cultural Resenhando.com. É formada em Comunicação Social - Jornalismo, pós-graduada em Literatura e licenciada em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos. Twitter: 
@maryellenfsm


Desenho "A Estrelinha Mágica", de 1988


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