quinta-feira, 31 de julho de 2025

.: Entrevista: Peter LaRubia e o romance que surgiu de uma cena insuportável


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação

Quando o silêncio fala mais do que a palavra, é porque alguma coisa já morreu - e ninguém teve coragem de enterrar. É nesse terreno movediço entre o que se cala e o que se insinua que o escritor carioca Peter LaRubia finca o quarto romance escrito por ele e, talvez, o mais provocativo: "Dos Quatro Nenhum Sentou à Cabeceira". O título já é um soco educado. A história, um jantar que ninguém digere. E o autor, uma dessas presenças raras: feroz na escrita, mas discreto o suficiente para deixar desconfiado até o leitor mais atento.

Com uma trajetória marcada por frases cortantes, influências díspares (de Eurípides a Mutarelli) e um olhar clínico herdado da psicologia que nunca exerceu, Peter não oferece respostas, mas distribui feridas abertas. O novo livro, publicado pela Editora Patuá, será lançado na Flip 2025, nasceu do impacto de uma cena real: um suicídio presenciado em família. Mas o autor não buscou espetáculo, e sim abismo simbólico. Quem sobrevive a um jantar desses? Nesta entrevista, Peter encara perguntas que talvez preferisse manter sob o tapete da sala de estar. Afinal, como ele mesmo já escreveu, o silêncio também pode ser uma arma. Compre o livro "Dos Quatro Nenhum Sentou à Cabeceira", de Peter LaRubia, neste link.


Resenhando.com - Você escreve sobre o silêncio como quem traduz um grito abafado. Já pensou se, no fundo, a literatura é só um disfarce elegante para a nossa covardia de falar o que realmente sentimos?
Peter LaRubia - Gostei muito da analogia, obrigado. Agora, esse disfarce elegante algumas vezes é movido, sim, pela covardia, outras pela vaidade, outras pela curiosidade, outras vezes também pelo altruísmo, muitas vezes por uma necessidade de autocura e quase sempre por tudo isso junto. A literatura permite que o artista fale de si, mas também abre essa porta maravilhosa que é a da imaginação, a da chance de vestir várias peles e de mostrar muitos mundos.


Resenhando.com - “Dos Quatro Nenhum Sentou à Cabeceira” tem peso de tragédia grega, mas o cenário é um jantar em família. O que é mais insuportável: as tragédias mitológicas ou os almoços de domingo?
Peter LaRubia - Nenhum dos dois supera os jantares de Natal. Porque nada pode trazer alegria mais autêntica ou machucar mais fundo do que as pessoas mais próximas. O que há de trágico desde três mil anos atrás até hoje são os ciclos viciosos e a sensação de inescapibilidade deles. A sensação de que algo está escrito e que é impossível fugir. Como os comportamentos repetitivos que temos com os outros e de como não conseguimos - quase sempre nem nos damos conta - escapar dessa repetição.


Resenhando.com - Um homem se mata diante da ex-mulher e das filhas. Você rumina essa cena há 20 anos. Não seria esse tempo uma espécie de luto emprestado, uma tentativa de ressignificar a própria dor através da dor alheia?
Peter LaRubia - Pode ser. Não saberia dizer. Precisaria de alguns anos de análise pra dar essa resposta. Mas fugi da análise. Talvez por isso tenha escrito o livro. De qualquer forma, o livro acaba tomando um rumo bem diferente da história que ouvi. É a tal porta da imaginação que permite retrabalhar um material num diferente - alquimia das letras.


Resenhando.com - Seu livro é atravessado por mal-entendidos. Qual foi o maior mal-entendido da sua vida que, se não tivesse existido, talvez você nem escreveria?
Peter LaRubia - Impossível dizer. Mas de vez em quando lembro que quase fiz o ensino médio em zootecnia, eu gostava muito de animais e queria estudar e trabalhar com eles, principalmente insetos. Sempre me pego pensando que minha vida seria mais simples e prática, e eu seria muito mais feliz e satisfeito se tivesse tomado esse rumo.


Resenhando.com - Raduan Nassar, Cormac McCarthy, Mutarelli, Eurípides e Sófocles. Numa mesa de bar, com esses cinco, quem você acha que quebraria o silêncio primeiro?
Peter LaRubia - Nenhum. Eles se levantariam um a um se desculpando em gestos confusos e tímidos com a cabeça, sairiam do bar e tomariam o rumo de casa.


Resenhando.com - Frases curtas, imagens densas, diálogos como cordas bambas. Isso é estilo ou é o seu jeito de não deixar o leitor confortável demais?
Peter LaRubia - As duas coisas. A forma é indissociável do conteúdo. O estilo surgiu justamente porque eu precisava deixar o leitor no mesmo desconforto dos personagens.


Resenhando.com - “Entre as coisas humanas que podem nos assombrar, vem a força do verbo em primeiro lugar”, diz a epígrafe. Mas e a ausência do verbo? O que mais lhe assombra: o que foi dito ou o que nunca foi?
Peter LaRubia - O que pode ser dito é o que me dá medo. O que não consigo dizer é o que me persegue.


Resenhando.com - Você estudou Psicologia e Letras, mas nunca atuou. Isso diz mais sobre a universidade brasileira, sobre o mercado de trabalho, ou sobre sua recusa em lidar com a vida real fora da ficção?
Peter LaRubia - A terceira opção. Essa é uma resposta pro divã do terapeuta.


Resenhando.com - Campo Grande, tragédias gregas, bandas de rock alternativo e livros que não consolam. Quem é o Peter LaRubia que você teme que descubram - e quem é o que você tenta proteger?
Peter LaRubia - Independente do que eu responda cada um vai ver o que conseguir/quiser ver. E além do mais, sou apenas um rapaz latino-americano qualquer sem importância nenhuma, a não ser para a minha família e amigos íntimos. O importante mesmo para os outros, espero, são meus livros.


Resenhando.com - Você diz que cada livro é uma tentativa de responder perguntas que nem sabia que tinha. Já cogitou que talvez escreva justamente para não precisar responder a nenhuma?
Peter LaRubia - Pelo contrário, cada vez percebo mais que cada livro é justamente uma tentativa de me conhecer melhor e de lidar melhor com meus demônios.


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