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sábado, 23 de agosto de 2025

.: Entrevista: Antonio Fagundes relembra papel em "Terra Nostra"


No ar como Otávio em "A Viagem", ator também poderá ser visto como Gumercindo em "Terra Nostra". Foto: Globo/divulgação


Escrita por Benedito Ruy Barbosa, autor de títulos que marcaram gerações de brasileiros, "Terra Nostra" retorna às telas da TV Globo em 1º de setembro no "Edição Especial". Com a saga da imigração italiana ao Brasil no final do século XIX e retratos da vida rural vivenciada por muitos imigrantes como pano de fundo, a novela traz Antonio Fagundes no papel de Gumercindo, um dos personagens centrais da história. “Desde a década de 70, eu já pesquisava sobre essa época, seu impacto no Brasil e algumas das questões abordadas pela novela. Esse contato anterior com o tema naturalmente contribuiu para a construção do personagem”, revela o ator.

Na trama, Gumercindo é dono de uma grande fazenda de café em decadência, sem mão de obra para o cultivo e a colheita do grão. Com a chegada dos imigrantes italianos em busca de trabalho, o coronel os contrata para dar continuidade à produção. Acostumado a não ser contrariado, ele enfrenta dificuldades para lidar com os recém-chegados, que lutam por seus direitos como trabalhadores e cidadãos no novo país. Aos poucos, no entanto, o lado justo de Gumercindo começa a reconhecer as qualidades do povo que passa a trabalhar em sua propriedade.

Casado com Maria do Socorro (Débora Duarte), Gumercindo é pai de Rosana (Carolina Kasting) e Angélica (Paloma Duarte), que sofrem com o autoritarismo do patriarca e o tratamento frio dispensado à mãe. O fazendeiro culpa a esposa por não terem tido um filho homem, seu grande sonho. A novela marcou a segunda vez em que o ator e Débora Duarte contracenaram como par romântico. Além da atriz, outros nomes estrelares integravam ou orbitavam o núcleo de Gumercindo. “Repeti a parceria com a querida Débora Duarte, com quem já havia feito par romântico em ‘Corpo a Corpo’. Foi muito bom reencontrá-la. Também tínhamos o querido Raul Cortez, Maria Fernanda Cândido, Ângela Vieira... Foi um enorme prazer”, comenta Fagundes. Com estreia marcada para 1º de setembro, logo após o "Jornal Hoje", "Terra Nostra" é uma obra de Benedito Ruy Barbosa, escrita com colaboração de Edmara Barbosa e Edilene Barbosa. A novela tem direção geral de Jayme Monjardim e direção de Marcelo Travesso e Carlos Magalhães.


Com a estreia de "Terra Nostra" no "Edição Especial", você estará no ar simultaneamente como Gumercindo e como Otávio, de "A Viagem", que está em reprise no "Vale a Pena Ver de Novo". O que mais emociona você ao revisitar esses trabalhos?
Antonio Fagundes - Talvez o trabalho do ator seja um dos poucos que permitem essa alegria de transitar por universos tão diferentes, de uma obra para outra, o que é extremamente estimulante para nós - e acredito que também para quem gosta de acompanhar novelas. Sem as reprises, o público talvez tivesse um pouco menos de percepção das diferenças entre os trabalhos de um ator, pelo fato das novelas serem mais longas e espaçadas. Com as reexibições, surgem oportunidades como essa: assistir, ao mesmo tempo, a dois personagens com características tão contrastantes.
 

O que essa novela representou para você como ator, em termos de desafio artístico e contribuição cultural?
Antonio Fagundes Por coincidência, eu vinha de um longo trabalho com um autor italiano, Dario Fo. Fiz uma peça dele no Brasil chamada "Morte Acidental de Um Anarquista", que ficou sete anos em cartaz. E, quando "Terra Nostra" estava em montagem, eu estava em cena com o espetáculo "Últimas Luas", de outro autor italiano igualmente importante, Furio Bordon. Assim, mergulhar em uma nova parte do universo italiano por meio da novela foi, para mim, um complemento muito significativo e bem-vindo. Foi marcante estar diretamente envolvido com a cultura italiana naquele período.
 

Houve algum momento da trama que tenha sido particularmente desafiador para você?
Antonio Fagundes Toda obra representa um desafio para qualquer ator, mas gosto de frisar que nosso trabalho não se resume ao período em que estamos em cena. Nós nos preparamos ao longo da vida para as histórias que vamos contar, e com essa novela não foi diferente. Realizei um trabalho muito interessante no cinema, o filme "Gaijin - Os Caminhos da Liberdade" (1979), dirigido por Tizuka Yamasaki. Embora a obra abordasse, principalmente, a imigração japonesa, ela também contemplava o contexto da imigração italiana. Desde aquela época, na década de 70, eu já pesquisava sobre esse período histórico, seu impacto no Brasil e algumas das questões que a novela trata. O contato prévio com esse universo naturalmente me ajudou na construção do Gumercindo. 


Que lembranças você guarda desse trabalho e da rotina de gravação?
Antonio Fagundes Guardo apenas boas lembranças dessa novela. O elenco era maravilhoso e o ambiente das gravações, muito harmonioso. Repeti a parceria com a querida Débora Duarte, com quem já havia feito par romântico em "Corpo a Corpo". Foi muito bom reencontrá-la nesse projeto. Também tínhamos o querido Raul Cortez, Maria Fernanda Cândido, Ângela Vieira... era muita gente boa. Foi um enorme prazer.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

.: Entrevista com Antonio Calloni: ator comemora retorno de "Terra Nostra"


Em entrevista, o ator relembra a experiência de interpretar um personagem italiano que imigrou para o Brasil, trajetória semelhante a de seu bisavô. Foto: Jorge Baumann


Uma das maiores produções do horário nobre da teledramaturgia brasileira, "Terra Nostra" volta às telas da TV Globo em 1º de setembro, no ‘Edição Especial’. Exibida originalmente em 1999, a novela retorna à programação no ano em que a emissora celebra seu 60º aniversário. A trama, que tem como pano de fundo a saga da imigração italiana ao Brasil no final do século XIX, retrata a história de diversas famílias ítalo-brasileiras, assim como a de Antonio Calloni, intérprete do personagem Bartolo. “Meu bisavô chegou ao Brasil na mesma leva de imigrantes retratada na novela, e isso tornou ainda mais emocionante participar dessa obra e contribuir para contar uma história da qual faço parte”, revela o ator.
 
Na trama, Bartolo é um italiano batalhador, que parte com sua esposa, Leonora (Lu Grimaldi), e a filha rumo ao Brasil em busca de oportunidades de trabalho. No trajeto, se torna amigo do jovem Matteo (Thiago Lacerda) e, junto a ele, o camponês e sua mulher vão trabalhar na fazenda de café de Gumercindo (Antonio Fagundes) quando chegam em São Paulo. Idealista, sincero e ciente de todos os seus direitos como cidadão no novo país, Bartolo encara a nova realidade sem medo do ofício. Descendente de italianos imigrados, Antonio Calloni tinha, em sua própria história, referências para dar vida ao personagem. “Aprendi a falar italiano antes mesmo do português, e isso, de certa forma, tornou a interpretação muito orgânica para mim - tanto no gestual quanto no sotaque”, compartilha. Com estreia marcada para 1º de setembro, logo após o "Jornal Hoje", "Terra Nostra" é uma obra de Benedito Ruy Barbosa, escrita com colaboração de Edmara Barbosa e Edilene Barbosa. A direção geral é de Jayme Monjardim, com direção de Marcelo Travesso e Carlos Magalhães.
  

Como você recebeu a notícia da reprise da novela agora, mais de duas décadas depois?
Antonio Calloni - Fiquei muito feliz com a notícia da reprise. ‘Terra Nostra’ marcou a minha vida, pois, de certa forma, retrata a história da minha própria família – como tantas outras descendentes de italianos. Meu bisavô chegou ao Brasil na mesma leva de imigração dos personagens da novela, e isso tornou ainda mais emocionante participar dessa obra e contribuir para contar uma história da qual faço parte.
 

Você se lembra do que te encantou no Bartolo quando leu o texto pela primeira vez?
Antonio Calloni - Sim, as cenas fantásticas dos primeiros capítulos, quando Bartolo e Leonora acreditam que a filha morreu. São sequências muito emocionantes. A peste estava se espalhando pelo navio, e aqueles personagens viviam um drama intenso, que resultou em cenas marcantes e comoventes, muito comentadas na época da exibição.
 

Como foi o processo de caracterização do personagem?
Antonio Calloni - Aprendi a falar italiano antes mesmo do português, e isso, de certa forma, tornou a interpretação do personagem muito orgânica para mim – tanto no gestual quanto no sotaque. Ter o italiano como primeira língua fez com que tudo fluísse de maneira natural.
 

Há alguma lembrança de bastidores com o elenco ou a equipe que tenha te marcado durante as gravações da novela?
Antonio Calloni - Sim, uma lembrança muito especial foi quando gravávamos no Memorial do Imigrante e encontrei o documento do meu bisavô lá. Naquele momento, eu estava caracterizado como Bartolo, cercado por muitos figurantes, e me vi inserido no mesmo contexto em que meu bisavô desembarcou. Foi uma experiência muito emocionante. Essa novela, sem dúvida, marcou toda a colônia italiana. Foi um enorme prazer fazer parte dela, e estou curioso para ver essa reprise. Grazie mille.
 

domingo, 17 de agosto de 2025

.: Entrevista: músico, Péri lança “Poesias Vermelhas” e expõe a nudez da palavra


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Rafael Nogueira

Há artistas que atravessam linguagens como quem muda de rua e sem medo do que vem na esquina. Péri é um desses. Cantor, compositor, produtor e agora, oficialmente, poeta, ele estreia na literatura com "Poesias Vermelhas", livro de 33 páginas que cabe no bolso, mas insiste em ocupar a cabeça por dias. São versos de resistência, desejo e liberdade que passeiam entre o quintal baiano e as esquinas paulistanas, com lirismo ora delicado, ora de combate.

Nesta conversa, reproduzida com exclusividade para o portal Resenhando.com, Péri fala sobre a cor que nomeia o livro, a travessia entre palco e papel, a herança concreta de Augusto de Campos e o que muda quando a música dá lugar ao silêncio. O resultado é um retrato sem retoques de um artista múltiplo, que agora também encontra na poesia um território para provocar, acolher e incendiar.  Compre o livro "Poesias Vermelhas", de Péri, neste link.


Resenhando.com - Você diz que agora pode se declarar oficialmente poeta. O que o impedia de fazer isso antes?
Péri - Porque até então, o que eu escrevia servia, em princípio, a só uma música. Tinha que corresponder a uma métrica musical, servia ao estilo, à forma, ao ritmo da música. Mesmo que, na minha percepção, a letra da música sempre existiu por si só, independente da música. Mas como para as pessoas, pelo menos, aquilo está associado à melodia, aquilo se transforma em canção. Então, a libertação foi poder escrever poesia sem necessariamente pensar em música. Isso foi uma libertação, uma forma boa de libertação.


Resenhando.com - “Poesias Vermelhas” nasceu fora da métrica musical. Se a canção fosse um cárcere, qual verso o libertou primeiro?
Péri - Olha, a libertação poética a que eu me refiro não quer dizer que a prisão em relação à métrica musical fosse uma coisa ruim. Era só uma questão de princípio, de rotina, de pensamento artístico. Então, a partir do momento que eu defini na minha cabeça, olhando a página em branco, puxa, não é música, é outra coisa... E poesia também não é literatura... É uma coisa diferente... É uma outra trincheira... E eu me vi liberto das amarras da métrica musical. Todos os versos me levaram pra frente.


Resenhando.com - Você cita Augusto de Campos como epígrafe. Se pudesse escolher outro poeta para duelar com você numa roda de improviso, quem seria?
Péri - Eu gosto muito de ouvir, não só ler, mas ouvir áudios e assistir vídeos do Darcy Ribeiro, um grande pensador do Brasil, foi também político, candidato a governador do Rio de Janeiro, na época, muitos anos atrás. O Rio teria muito a ganhar se ele tivesse ganho, um grande educador, um grande pensador do Brasil, um grande defensor das causas democráticas e humanistas. E eu gostava do jeito dele falar. Então, pensar uma poesia minha no sentido político, ser declamada por Darcy Ribeiro seria uma honra.


Resenhando.com - Você fala do vermelho como símbolo da paixão e da resistência. Mas e quando a poesia é azul, cinza ou bege? Ela ainda o interessa?
Péri - Esse sentimento de cores da poesia é do jeito que a gente acorda, é do jeito que a gente está aquele dia. Talvez quando o poeta põe para fora todos os seus sentimentos e resolve escrever alguma coisa, isso para mim é uma forma de cura. E o estado de espírito é fundamental. até quando o assunto não é livre quando existe um objeto literário vou escrever sobre tal assunto que está me comovendo no momento o dia que você escreve aquilo é fundamental para o desenrolar tanto é que a gente escreve depois depura muito vai afinando as palavras afinando os sentidos a sintaxe no outro dia muda de novo no outro dia muda de novo então a gente tem que publicar logo senão a gente fica mexendo sempre, porque os sentimentos se alternam sempre, a cada dia, se um dia faz sol, se um dia faz chuva, se um dia a gente acorda assim, se a gente acorda de um outro jeito, isso tudo influencia na nossa escrita. Por isso que quando se escreve, depois de burilar, é melhor publicar logo.


Resenhando.com - Entre o palco e a página, qual deixa você mais nu - o microfone ou o papel?
Péri - Hoje, com o advento das redes sociais, com a expansão das possibilidades de conexão de quem escreve para quem lê, se alargaram muito, é natural ter muitas feiras, muitos encontros em livrarias, fazer aproximação entre o público e o poeta, no caso, e ouvir o que ele tem a dizer e ouvir a forma que ele declama a sua poesia é um mapa do caminho para o leitor. Mas eu acho também que deve existir o momento do leitor sozinho, em silêncio para entender a poesia. Porque poesia, assim, você lê um dia, você entende uma coisa, se você lê uma semana depois, você vai entender outra, um ano depois, é uma outra poesia. Dez anos depois, acontece a primeira revelação uma vida inteira para você descobrir às vezes o sentido de um poema então, às vezes o silêncio a introspecção é importante e necessária.


Resenhando.com - Seu livro foi escrito entre 2020 e 2021. Que palavra o salvou durante a pandemia e que palavra você se recusa a escrever até hoje?
Péri -  Essa época 2020, 2021, uma palavra muito triste que se repetia era a "enfermidade": a enfermidade do mundo, a enfermidade das pessoas, a doença corroendo todas as coisas, os seres humanos, o seu pensamento, o seu comportamento, tanta gente sofrendo. Isso tem um impacto grande em qualquer obra artística e óbvio que teve na minha. E a emoção era tanta que só a música não foi capaz. Então, a poesia me salvou durante a pandemia. Ela foi a que realmente conseguiu me libertar E me fazer expressar o que eu estava sentindo E também dar uma contribuição de sentimento, de esperança para quem estava sofrendo tanto, né?


Resenhando.com - Você já foi gravado por vozes como Gal Costa e Margareth Menezes. Se pudesse colocar uma das suas poesias na boca de alguém improvável - digamos, um político, um pastor ou um influencer - quem você escolheria?
Péri - Olha, Augusto de Campos é uma grande referência para mim, a poesia concreta, junto com Décio Pignatari e Haroldo de Campos, sempre uma referência, uma descoberta, eu sempre estou descobrindo coisas novas, vendo a poesia concreta. E, além do mais, Augusto é um grande tradutor de outras obras, de outros artistas, um grande recriador, e ele me trouxe conhecimento da poesia do mundo. isso foi fantástico. Então, eu tenho uma referência muito forte em relação a ele como poeta e como recriador, tradutor. Mas eu pensaria também em Gregório de Matos, o baiano Boca do Inferno, porque é um dos primeiros que a gente tem notícia, escrevendo, fazendo poesia dentro de uma realidade do princípio de Salvador, do princípio da Bahia, do começo de tudo que a gente entende hoje como Salvador, como Bahia, como a classe dominante, a elite que comandava as coisas, a divisão com a religião. Gregório de Matos foi um vanguardista.


Resenhando.com - A performance é parte do lançamento. Você acredita que a poesia hoje precisa de espetáculo para ser ouvida, ou é o leitor que ficou distraído demais para escutá-la em silêncio?
Péri - O papel é muito mais íntimo. O microfone a gente se expõe muito mais, né? Se expõe na voz, se expõe no que está cantando, se expõe o corpo, a alma, espíritos, né? Subir no palco, olhar para as pessoas. É uma sensação muito forte, é uma ligação muito forte, o artista com o público na relação do palco. Quando está no papel, aí é uma intimidade, entendeu? É quase como eu posso fazer o que eu quiser e não vou ser julgado, mesmo que alguém valer aquilo depois, você colocou aquilo no papel de uma forma tão íntima que o julgamento não importa das pessoas. O que importa é o exercício do que você fez, do que você pôs ali, do que você revelou. E mesmo assim você escreve poesia de uma forma que às vezes não se revela e fica ali o mistério para sempre, ou pelo menos por algum tempo.


Resenhando.com - Como seria uma playlist para acompanhar a leitura de “Poesias Vermelhas”? Tem mais Djavan, Fela Kuti ou silêncio mesmo?
Péri - Olha, eu não consigo ler poesia ouvindo música, principalmente se tiver letra, para mim não tem como. No máximo, um Devu-si, Eric Sati, Vila-Lobos, você ouve mais as melodias tocadas por instrumentos, não com letra, porque aí existe o conflito, você está fazendo o embate entre duas poesias, a que você está lendo e da letra da música que você está ouvindo, eu acho que não combina talvez o silêncio seja a melhor companhia no máximo uma música clássica.


Resenhando.com - Se “Poesias Vermelhas” fosse um corpo, o que ela tatuaria na pele, esconderia sob a roupa e gritaria na praça pública?
Péri - Uma boa tatuagem seria: "meu sangue é vermelho e o seu também". Mostrando para todo mundo que nós todos somos iguais nesse pontinho azul perdido no meio do espaço. Somos uma obra maravilhosa da natureza, ao mesmo tempo somos tão pequenininhos e às vezes a gente se aborrece com coisas tão pequenininhas, a gente se aporrinha com minúsculas coisas, sem a menor importância. Acho que a gente tem que dar mais importância ao que nós somos de verdade, todos iguais. Pessoas passeando na poeira do espaço.







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.: Entrevista: Mateus Honori celebra o poder das narrativas nordestinas


Em entrevista ao portal Resenhando.com, Mateus Honori fala sobre fé, ancestralidade, música e as contradições de interpretar personagens que atravessam a história do sertão e da cultura nordestina. Foto: divulgação

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. 

Celebrar as raízes é mais do que um gesto de afeto, pode ser também um ato político e artístico. O ator e músico Mateus Honori parece saber disso desde sempre. Nordestino de Fortaleza, ele se entrega a personagens que não apenas contam histórias, mas também acionam memórias coletivas - de Lampião a Rodger Rogério, da poeira do sertão às canções do “Pessoal do Ceará”. Em "Guerreiros do Sol", a novela do Globoplay, é Lucínio, um coiteiro que vive entre lealdades e traições; na minissérie "Alucinação", no Canal Brasil, dá vida a Rodger, parceiro de Belchior e figura central de um dos movimentos mais efervescentes da música brasileira.

Mas a arte de Honori não se limita às telas. Ao lado da atriz e cantora Lua Martins, ele criou o projeto musical "Luar", que revisita clássicos e composições autorais com a força poética de quem olha para o passado sem perder a invenção do presente. Em setembro, eles partem em turnê pelo Ceará, levando palco adentro essa fusão de música, memória e destino. Entre quedas de cavalo milagrosamente sem arranhões, encontros com ídolos vivos e a visceralidade de filmar no sertão, Mateus Honori compartilha com exclusividade para o portal Resenhando.com a trajetória recente - e não hesita em enfrentar perguntas que cutucam o visível e o invisível.

Resenhando.com - Em “Guerreiros do Sol”, você se embrenha no cangaço com suor, poeira e transcendência. Em que momento da gravação você sentiu que não era mais o Mateus, mas sim um corpo ancestral reencarnado naquele chão?
Mateus Honori - Após a morte de Josué, quando justiça e vingança viram uma coisa só. Quando Josué morre, Lucinio, começa a trabalhar com Rosa e começa a se envolver em tramas cada vez mais perigosas, pra ele mesmo. Está vindo uma grande guerra, o ápice da série, Josué morto, sua bebê sequestrada, cabeças expostas em praça pública, Arduino um completo assassino, todo esse momento, foi marcante, pelo clima de tensão que se criou. Nessas cenas senti tudo gritando no corpo.

 
Resenhando.com - Lucínio, Jararaca, Rodger Rogério… São personagens reais ou realistas, com vidas marcadas por contradições. Qual deles mais abalou suas certezas pessoais e exigiu que você desmontasse suas próprias verdades?
Mateus Honori - Nenhum, eu não julgo os personagens, sempre encontro pontos de conexão com eles, todo ser humano é contraditório e eu acredito ser essa uma boa estratégia de abordar personagens complexos, sem hipocrisias. Encontrei três pessoas diferentes, com razões, ideais e valores diferentes, mas todos reais.

 
Resenhando.com - Você rezou no túmulo de Jararaca antes de interpretá-lo. A queda de cavalo sem nenhum arranhão foi sinal, proteção ou aviso? Você é do tipo que escuta o invisível?
Mateus Honori - Eu sou uma pessoa bastante sensível a todas as questões espirituais. Acho que foi proteção, eu pedi e ela veio.

 
Resenhando.com - Rodger Rogério brincou dizendo que você é bonito demais pra ser ele. A vaidade e a fidelidade ao retratado travaram algum duelo durante a caracterização? Já teve que ficar “menos bonito” por um papel?
Mateus Honori - Acho que não, eu estou sempre a serviço do personagem. Durante os processos de caracterização, quanto mais eu mudo, mais gosto, amo trocar de cabelo, de roupa de estilo, acho essa inclusive, uma das partes mais legais do meu trabalho. A minha vaidade não luta com isso.
 

Resenhando.com - No set de “Alucinação”, vocês recriaram o espírito de trupe dos anos 70. Existe algo de hoje que você trocaria pela liberdade (ou ilusão dela) que aquele grupo viveu na Praia de Iracema?
Mateus Honori - Gostaria de ter vivido a segurança dos 70. Violão nas ruas, cantoria nas praças, praia até de madrugada. Essa liberdade nos perdermos, pra violência.
 

Resenhando.com - Em “Luar”, você e Lua Martins criam canções que entrelaçam “natureza, o etéreo e o destino”. Alguma dessas músicas nasceu de um sonho, um delírio ou um silêncio cheio de sentido?
Mateus Honori - Todas (risos). Todas as canções autorais nascem de uma reflexão silenciosa e uma observação sensível. “A Reza” da Lua Martins, nasceu de uma só vez, ao pegar no violão, como uma psicografia. A minha “Jacarandá” nasceu de um sonho, literalmente. Era uma árvore grandiosa, cujas raízes faziam música.

 
Resenhando.com - Qual foi o momento mais delicado do processo de cantar e tocar ao vivo nas gravações de "Alucinação"? Você já teve medo de não estar à altura da memória musical do personagem?
Mateus Honori - O trabalho de prosódia, de falar e cantar como os personagens foi muito importante, meu trabalho de instrumentista me deixou confortável, em relação ao violão. Mesmo assim, bate um nervosismo, viver na tela, artistas tão importantes pra nossa história. Fagner, Rodger, Amelhinha, Ednardo e Belchior, são muito vivos na memória.


Resenhando.com - A mística nordestina do sertão está presente nos seus papéis, nas suas músicas e até nas quedas de cavalo. Qual foi o ensinamento mais cabra-macho (ou mais cabra-sensível) que o sertão já deu para você?
Mateus Honori - O sertão ensina sobre o nosso lugar no mundo. A vegetação, a aridez, o sol. Eu sempre aprendo com ele, sempre que chego em seta assim, fico mais calado e concentrado, fico bem sensível. O ser humano não é o centro do universo, viver muito tempo na cidade, faz a gente acreditar nessa falácia, ninguém ganha contra a natureza.


Resenhando.com - Ao revisitar nomes como Zé Ramalho, Dorival Caymmi e Amelinha em “Luar”, você se sente parte de uma linhagem artística? Ou ainda se vê como um curioso apaixonado, à margem da tradição?
Mateus Honori - Eu me sinto como parte dessa linhagem. Somos artistas nordestinos, todos começaram de baixo, lutaram muito pra colocar sua voz no mundo, todos fazendo uma música “alternativa” ao mainstream. No fim das contas, salvo às particularidades, somos iguais.


Resenhando.com - Se pudesse reunir Lucínio, Jararaca, Rodger e você mesmo numa mesa de bar em Fortaleza, o que eles diriam uns aos outros? Quem pagaria a conta?
Mateus Honori - Boa pergunta, engraçado pensar nisso. Todos se dariam super bem, Rodger e eu estaríamos tocando violão, Jararaca e Lucinio conversando sobre a seca e as histórias do cangaço. Rodger impressionaria a todos falando sobre de uma máquina que voa, aviação é uma grande paixão sua. Entre um violeiro boêmio, um coiteiro informante e um cangaceiro, acho que a conta ia sobrar para mim.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

.: Lindomar Wessler Boneti fala sobre a educação como antídoto


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação

Doutor em Sociologia, professor e pesquisador do curso de Ciências Sociais e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Lindomar Wessler Boneti é uma voz de referência quando o assunto é cidadania, políticas públicas e convivência democrática. Agora, como um dos organizadores do livro "Uma Pedagogia para o Viver em Comum - Direitos e Deveres dos Seres Humanos e das Comunidades", lançado pela PUCPRESS, ele propõe — junto a especialistas nacionais e internacionais — um olhar crítico e inovador sobre como educar para a vida em sociedades fragmentadas, articulando direitos e deveres como dimensões inseparáveis do viver em comum. Nesta entrevista, Boneti reflete sobre os desafios contemporâneos da democracia, a urgência de uma educação cidadã e os limites do individualismo em tempos de polarização e desigualdade. "Compre o livro "Uma Pedagogia para o Viver em Comum - Direitos e Deveres dos Seres Humanos e das Comunidades" neste link.


Resenhando.com - Em um cenário global onde direitos humanos parecem cada vez mais contestados, como “Uma Pedagogia para o Viver em Comum” desafia a dicotomia entre direitos e deveres sem cair no risco de restringir liberdades individuais?
Lindomar Wessler Boneti - "Uma Pedagogia para o Viver em Comum" propõe uma superação da dicotomia entre direitos e deveres ao deslocar o foco da individualidade isolada para o sujeito inserido em um tecido social, histórico e ético. Em vez de tratar direitos e deveres como polos opostos ou negociações formais entre o Estado e a pessoa cidadã, essa pedagogia os entende como dimensões interdependentes da convivência humana. Ela desafia a ideia de que o exercício de direitos precisa ser condicionado ao cumprimento de deveres, propondo, ao contrário, que ambos se sustentam na lógica da corresponsabilidade e da amorosidade. Ao promover uma ética do cuidado, do reconhecimento mútuo e da interdependência, essa pedagogia evita o risco de restringir liberdades individuais. Em vez de impor deveres como formas de controle, ela convida à participação ativa, consciente e solidária na vida coletiva. Isso significa que a liberdade individual não é negada, mas ressignificada: ela não se exerce à revelia da outra pessoa, mas no encontro de ambos, no entendimento de que o meu existir está condicionado ao existir da outra pessoa.


Resenhando.com - A obra propõe superar o individualismo liberal e os particularismos identitários - é possível criar uma convivência comum sem diluir as identidades culturais e políticas que definem grupos minoritários?
Lindomar Wessler Boneti - Sim, é possível criar uma convivência comum sem diluir as identidades culturais e políticas de grupos minoritários. A chave está em construir um espaço ético-político de reconhecimento mútuo, onde a diferença não seja vista como ameaça, mas como componente da própria tessitura do comum. A proposta é pensar o “viver em comum” não como uniformidade, mas como convivência solidária e dialogada, uma pedagogia da escuta, do cuidado e da coabitação respeitosa. Assim, faz-se necessário a superação tanto do individualismo liberal, que absolutiza a liberdade desvinculada da outra pessoa, quanto dos particularismos identitários, que podem cristalizar diferenças e dificultar o diálogo. A convivência comum exige o reconhecimento recíproco das vulnerabilidades, dos direitos e das potências de cada grupo, sem que isso signifique apagamento de suas singularidades. Portanto, é na valorização da pluralidade, mediada por uma ética da alteridade, que se constrói um comum inclusivo e justo.


Resenhando.com - Em que medida a educação formal no Brasil está preparada - ou não - para assumir o papel central de formar cidadãos para o viver em comum, especialmente diante da fragmentação social crescente e da banalização da intolerância?
Lindomar Wessler Boneti - A educação formal no Brasil ainda não está plenamente preparada para assumir o papel central de formar cidadãos para o viver em comum, especialmente diante da fragmentação social e da banalização da intolerância. Isso se deve a alguns fatores estruturais e culturais: Currículo centrado no conteúdo e no rendimento individual: a lógica escolar ainda valoriza fortemente o desempenho técnico e a competição, em detrimento da formação ética, da empatia e da convivência democrática; Ausência de uma pedagogia crítica e dialógica: embora exista uma base legal que promova os direitos humanos e a cidadania, como a BNCC, a prática pedagógica muitas vezes não incorpora de fato metodologias voltadas ao diálogo, à escuta ativa e à valorização da diversidade; Falta de formação docente contínua: faz-se necessário intensificar a formação docente  para lidar com conflitos sociais, discursos de ódio ou questões identitárias de maneira construtiva, isto na perspectiva do enfrentamento da intolerância e da exclusão dentro do ambiente escolar; Desigualdade estrutural: a educação ainda reproduz as desigualdades sociais. Escolas em contextos vulneráveis enfrentam dificuldades básicas que dificultam qualquer proposta de convivência ética e democrática. Portanto, apesar de haver potencial e diretrizes legais para que a educação contribua com o viver em comum, a prática cotidiana ainda está distante dessa proposta. Para que isso se concretize, é necessário investir em uma educação humanizadora, voltada à formação de sujeitos ético-políticos capazes de conviver com o diferente e agir no coletivo.


Resenhando.com - O livro aponta riscos de uma pedagogia estatal que pode se transformar em controle social. Como distinguir uma educação emancipadora de uma pedagógica autoritária em tempos de polarização política?
Lindomar Wessler Boneti - Uma educação emancipadora se distingue de uma pedagogia autoritária, especialmente em tempos de polarização política, por sua capacidade de promover autonomia crítica, diálogo e reconhecimento da pluralidade, enquanto a autoritária impõe valores únicos silenciando as pessoas. A educação emancipadora parte do reconhecimento da dignidade de cada sujeito e da complexidade do tecido social. Ela não instrumentaliza a formação para servir a um projeto político-partidário, mas estimula a construção coletiva de sentidos, o respeito às diferenças e o compromisso com os direitos humanos. Por outro lado, uma pedagogia autoritária, mesmo travestida de projeto nacional ou moral, tende a reduzir a diversidade ao consenso forçado, usando a escola como aparelho de controle e uniformização. Em contextos de polarização, o risco aumenta: o Estado pode usar a educação como ferramenta ideológica, suprimindo o pensamento crítico sob o pretexto da ordem ou da tradição. Portanto, a chave da distinção está na finalidade: se a educação visa formar sujeitos críticos, participativos e conscientes de seu papel na democracia, é emancipadora; se busca formar obedientes e homogêneos, é autoritária. O "por quê" está na própria essência da democracia: ela exige cidadãos, não apenas súditos.  É o caso, por exemplo, da distinção entre o ensinar pensar e o ensinar fazer a partir do pensamento de Paulo Freire. No Brasil se faz presente, muito mais neste momento histórico, uma defesa explícita pelas elites econômicas na perspectiva de uma política educacional voltada ao ensinar fazer mais que o pensar, interferindo em algo essencial dos direitos humanos, a autonomia pessoal.


Resenhando.com - Como o senhor avalia o papel das políticas públicas na promoção de uma cidadania ativa e solidária? Elas têm sido eficazes em romper com a exclusão estrutural ou apenas reproduzem velhas desigualdades?
Lindomar Wessler Boneti - As políticas públicas têm um papel fundamental na promoção de uma cidadania ativa e solidária, na medida em que podem criar condições concretas para o exercício de direitos, a participação social e a construção de vínculos coletivos. No entanto, sua eficácia em romper com a exclusão estrutural ainda é limitada. Em muitos casos, elas acabam por reproduzir desigualdades históricas ao priorizar interesses de grupos hegemônicos, manter práticas burocráticas excludentes ou adotar abordagens meramente compensatórias. Faz-se necessário levar em consideração que as políticas públicas não se constituem de uma outorga do Estado à sociedade civil simplesmente a partir do preceito do direito, mas resultam de uma correlação de forças sociais carregando diferentes projetos a partir de diferentes segmentos sociais.  Neste caso, são concebidas de forma verticalizada, desconectadas da realidade vivida pelos grupos sociais com maior necessidade. Porém, quando formuladas a partir de processos democráticos, com participação de diferentes segmentos sociais, com escuta ativa das comunidades e foco na justiça social, podem de fato promover a transformação social necessária. Portanto, para que sejam instrumentos de emancipação e solidariedade, as políticas públicas precisam ser pautadas por princípios de equidade, participação cidadã e reconhecimento das diversidades. Isso exige uma ação deliberada contra os mecanismos de exclusão e uma redefinição contínua do próprio sentido de cidadania.


Resenhando.com - Diante do enfraquecimento dos marcos normativos universais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, qual o papel das comunidades locais e da educação para fortalecer esses princípios? 

Lindomar Wessler Boneti - Diante do enfraquecimento dos marcos normativos universais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as comunidades locais e a educação assumem um papel estratégico na resistência e revitalização desses princípios. Em contextos marcados por retrocessos democráticos, intolerância e relativização dos direitos, são os espaços locais – escolas, movimentos sociais, associações comunitárias – que se tornam guardiões vivos da dignidade humana. A educação, nesse cenário, deve ir além da instrução técnica para o simples exercício do fazer, ou da transmissão de conteúdos neutros. Ela precisa cultivar uma pedagogia crítica, ética e dialógica, que forme individualidades capazes de reconhecer a dignidade da outra pessoa, agir com solidariedade e se comprometer com a justiça social. Faz-se essencial promover uma pedagogia para o viver em comum, que una o respeito às diferenças com a busca de valores universais, como liberdade, igualdade e fraternidade. Por outro lado, as comunidades locais, enraizadas em realidades concretas, podem traduzir os princípios abstratos dos direitos humanos em práticas cotidianas, mobilizando saberes populares e vínculos de solidariedade. Elas têm o potencial de reconstruir o sentido dos direitos a partir da base, tornando-os mais acessíveis, contextualizados e legítimos. Portanto, em tempos de tamanha destruição dos consensos globais, é na articulação entre educação transformadora e mobilização comunitária que reside a esperança do reencanto e da defesa dos direitos humanos.


Resenhando.com - A obra trata também das questões de gênero como eixo estruturante da convivência democrática. Como a pedagogia para o viver em comum pode lidar com os conservadorismos e retrocessos no debate sobre gênero no Brasil?
Lindomar Wessler Boneti - A pedagogia para o viver em comum entende que as questões de gênero constituem temáticas centrais na discussão com a perspectiva da construção de uma convivência verdadeiramente democrática. Isto por entender que tais questões dizem respeito diretamente à justiça, à igualdade e ao reconhecimento da diversidade humana. Diante do conservadorismo e do retrocesso no debate sobre gênero no Brasil, essa pedagogia propõe um caminho baseado no diálogo, no respeito às diferenças e na formação ética dos sujeitos. Em vez de impor verdades absolutas, ela busca criar espaços educativos onde as desigualdades de gênero possam ser problematizadas de forma crítica, mas também sensível, com a perspectiva do acolhimento em sua pluralidade. Essa abordagem é fundamental porque o conservadorismo tende a reforçar hierarquias e estigmas, enquanto a pedagogia para o viver em comum aposta na emancipação e na convivência solidária. Lidar com retrocessos, portanto, exige uma educação que não apenas informe, mas forme sujeitos capazes de reconhecer e transformar realidades excludentes.


Resenhando.com - Na sua experiência, que práticas pedagógicas concretas conseguem transformar a educação cidadã em uma experiência genuína de reconhecimento e cuidado com o outro?
Lindomar Wessler Boneti - Na minha experiência, práticas pedagógicas que promovem a educação cidadã como uma experiência genuína de reconhecimento e cuidado com a outra pessoa envolvem, especialmente: 1. Dialogicidade e escuta ativa: criar espaços onde as crianças possam expressar suas vivências, ouvir os (as) colegas e refletir coletivamente. Isso fortalece o respeito às diferenças e o reconhecimento da outra pessoa como sujeito; 2. Aprendizagem colaborativa, com atividades em grupo que exigem cooperação e responsabilidade compartilhada estimulam o cuidado mútuo e a solidariedade; 3. Projetos de intervenção social, envolvendo estudantes em ações concretas na comunidade com a perspectiva de despertar o senso de pertencimento e compromisso ético, aproximando o ambiente escolar com a prática da vida; 4. Educação envolvendo subjetividades, emoções e empatia, trabalhar o reconhecimento dos próprios sentimentos das outras pessoas ajuda a construir relações baseadas no respeito e na compreensão. Essas práticas são importantes porque reforçam o sentimento do ser social assim como o do ser cidadão, cidadã, não entendendo a cidadania como um conceito abstrato, mas com fortalecimento de vínculos entre as individualidades e a comunidade. O processo educativo deixa de ser uma simples transmissão de conteúdos para se tornar uma experiência transformadora, de convivência e de solidariedade.


Resenhando.com - Com tantos especialistas nacionais e internacionais colaborando, quais foram os principais desafios de articular uma visão interdisciplinar para enfrentar crises tão complexas como as de identidade, democracia e justiça social?
Lindomar Wessler Boneti - Os principais desafios de articular uma visão interdisciplinar para enfrentar crises complexas como as de identidade, democracia e justiça social residem, sobretudo, na diversidade de perspectivas, metodologias e linguagens próprias de cada área do conhecimento. Especialistas nacionais e internacionais trazem saberes distintos que, muitas vezes, partem de pressupostos técnicos, teóricos e valores diversos, dificultando a construção de um diálogo fluido e integrado. Além disso, essas crises são multifacetadas e interligadas, identidades envolvendo aspectos culturais, psicológicos e sociais. Mas a democracia perpassa as dimensões políticas, históricas e econômicas e a justiça social exige entendimento jurídico, ético e econômico. Por isso, articular um olhar interdisciplinar exige não apenas conhecimento técnico, mas também sensibilidade para reconhecer as interdependências e evitar reducionismos. Outro desafio importante é o contexto sociopolítico, marcado por polarizações e tensões que dificultam consensos e a formulação de estratégias conjuntas. Nesse sentido, a interdisciplinaridade precisa também incorporar a dimensão ética e política da escuta e do respeito às diferenças para promover respostas efetivas e democráticas. Por essas razões, construir uma visão interdisciplinar não é apenas um exercício acadêmico, mas um processo dinâmico de mediação e diálogo que busca integrar saberes e práticas para enfrentar crises que, por sua complexidade, não podem ser resolvidas isoladamente.


Resenhando.com - Como o senhor vislumbra o futuro da sociologia da educação e dos direitos humanos diante do avanço das tecnologias digitais que, ao mesmo tempo que aproximam, também podem aprofundar a fragmentação social?
Lindomar Wessler Boneti - O futuro da sociologia da educação e dos direitos humanos, diante do avanço das tecnologias digitais, apresenta-se como um campo de grandes desafios e ao mesmo tempo de oportunidades. As tecnologias digitais têm o potencial de ampliar o acesso ao conhecimento, criar novas formas de comunicação e fortalecer redes de solidariedade, aproximando pessoas de diferentes contextos sociais e culturais. Contudo, esse mesmo avanço pode aprofundar a fragmentação social ao intensificar desigualdades no acesso às tecnologias, reforçar bolhas informacionais e facilitar a disseminação de discursos de ódio e de intolerância. Além disso, algo mais grave vislumbra-se com o avanço das tecnologias digitais, a invasão da essência do ser humano, o ato do pensar. Nesse cenário, a sociologia da educação precisa ampliar seu olhar para compreender essas novas dinâmicas, investigando como a educação pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico e da cidadania digital. A mediação pedagógica deve promover o uso consciente e ético das tecnologias, combatendo as desigualdades estruturais e incentivando a construção de espaços democráticos de diálogo. Os direitos humanos, por outro lado, enfrentam o desafio de se reafirmar em ambientes digitais, onde a privacidade, a liberdade de expressão e o combate à discriminação se tornam temas centrais. É fundamental que políticas públicas e práticas educativas dialoguem para garantir que as tecnologias não sejam instrumentos de exclusão, mas sim de inclusão e fortalecimento dos direitos fundamentais. Portanto, o futuro desses campos depende de uma ação interdisciplinar e crítica, capaz de aproveitar o potencial das tecnologias digitais para promover uma educação emancipadora, uma sociedade mais justa e solidária e a autonomia humana.





domingo, 10 de agosto de 2025

.: "Antes do Início": Ernesto Mané encara o passado com olhos de futuro

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Valeria Fiorini

Doutor em física nuclear, diplomata de carreira, pesquisador em centros de excelência como o CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) e a Universidade de Princeton - Ernesto Mané poderia, com facilidade, ser apenas um desses nomes que figuram em listas internacionais de prestígio, como a dos 100 negros mais influentes do mundo segundo a plataforma global MIPAD (Most Influential People of African Descent). Mas ele decidiu se mover por outro campo de força: o das memórias partidas.

Em "Antes do Início", livro de estreia dele publicado pela Tinta-da-China Brasil, Ernesto embarca em uma travessia que vai além do Atlântico. Vai do abandono ao pertencimento, do racismo velado às feridas expostas, da ciência para a espiritualidade, em uma escrita híbrida que combina diário de viagem, ensaio e confissão. Ao retornar à Guiné-Bissau em busca da família paterna, o autor confronta heranças esquecidas, desmancha mitos familiares e apresenta uma África real - nem exótica, nem idealizada - onde a fome e a alegria dividem o mesmo prato.

Filho de uma paraibana e de um guineense que o deixou aos sete anos, Ernesto Mané não se contenta em ser um sobrevivente da meritocracia. Quer ser ponte. Ou, como sugere nas páginas do livro escrito por ele, uma espécie de embaixador informal entre dois mundos que se evitam: o Brasil que apagou a África da memória e a África que não reconhece o Brasil como semelhante.

Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, ele fala sobre relações interrompidas, a difícil arte de construir identidade em terra movediça e os desafios de existir entre continentes, línguas, códigos e silêncios. Porque, às vezes, antes do início, há uma urgência: a de não esquecer. Compre o livri "Antes do Início", de Ernesto Mané, neste link.


Resenhando.com - Você é doutor em Física Nuclear e diplomata. Agora se lança como autor de um diário afetivo sobre ancestralidade. Onde termina o cientista cético e começa o filho órfão de continente, tentando religar os fios rompidos da Kalunga?
Ernesto Mané - Da maneira como vejo, existe um contínuo entre o cientista e o filho da diáspora africana. Quando fui estudar física na Europa, me sentia incomodado com todo o processo. Havia uma relação quase colonial, em que eu, um jovem negro vindo de um país periférico, estava sendo “civilizado” pelos europeus. Essa tensão sempre esteve presente. Por outro lado, desde o final da adolescência vinha nutrindo o desejo de conhecer a Guiné-Bissau e minha família paterna, de modo que só consegui reunir as condições materiais para realizar a viagem depois de ter completado o doutorado.


Resenhando.com - 
No livro, seu pai surge como uma figura dividida entre a fuga e o abandono. Que palavras o Ernesto de hoje, pai e diplomata, diria ao pai que partiu quando você tinha sete anos?
Ernesto Mané Diria para ele ainda que, embora eu hoje entenda mais sobre as complexidades da vida, ainda tenho dificuldade de entender a escolha que ele fez de abandonar seus filhos tanto da África quanto os do Brasil, sobretudo se considerar que morávamos na mesma cidade, em João Pessoa. Sua falta foi sentida e precisávamos de uma referência e de alguém que nos protegesse do racismo e da branquitude. Na falta dele, tive que aprender a lidar com essas questões do jeito mais doloroso.


Resenhando.com - Você já foi chamado de “macaco” nas ruas do Brasil e de “branco” nas ruas de Bissau. O que significa para você habitar essa encruzilhada racial em que nenhuma identidade parece bastar?
Ernesto Mané Não me resta dúvidas de que sou um homem fenotipicamente negro, embora seja mestiço. Ter sido chamado de “branco” pelas crianças da Guiné-Bissau tem muito a ver com o fato de eles considerarem o Brasil como “terra de gente branca”, ou seja, não está presente no imaginário de uma criança guineense que o Brasil seja um país majoritariamente negro - o segundo maior país negro depois da Nigeria. Além disso, ser “branco” está relacionado a uma questão de poder, e eu, pelo fato de ser estrangeiro, projetava esse poder através da forma de me vestir, de falar e de portar comigo uma câmera fotográfica digital - todos códigos relacionados com o poder financeiro e com a branquitude no imaginário deles.


Resenhando.com - Em “Antes do Início”, você revela que ninguém em sua família africana toca tambores ou veste roupas tradicionais, mas você ensina capoeira angola às crianças da Guiné. A cultura afro-brasileira está mais próxima da África do que a própria África?
Ernesto Mané Algumas mulheres da minha família, inclusive a minha avó, usam roupas tradicionais. De fato, não tive contato com nenhum parente que tocasse instrumentos musicais locais. Mas isso não os torna menos africanos. São indivíduos pertencentes a um continente que possui uma diversidade cultural riquíssima e que continua sendo a fonte de referência para toda a diáspora, incluindo o Brasil.


Se fosse possível colocar seu livro nas mãos de uma única pessoa - viva ou morta - para que ela o lesse com atenção, quem seria essa pessoa?
Ernesto Mané Seria o meu pai, seguramente. Na verdade, o diário de viagem que serviu de inspiração para o livro ficou por algum tempo guardado junto com alguns dos meus pertences na casa do meu pai. Tenho algumas evidências de que ele talvez tenha lido o diário, embora nem ele nem eu jamais tenhamos puxado o assunto em nossas conversas.


Em algum momento, entre o transporte de uma galinha viva e os silêncios da memória familiar, você se sentiu um estrangeiro em sua própria origem?
Ernesto Mané Eu me senti bastante acolhido pela minha família africana. A etnia a qual pertenço, a balanta, é patrilinear, de modo que todos reconheceram que eu era guineense, a única diferença sendo a de que eu fui “parido fora” da Guiné-Bissau. Hoje, minha leitura sobre os silêncios da memória familiar tem muito a ver com o dano causado pelo colonialismo ao tecido social e familiar do país, que sofreu com a presença colonial portuguesa por mais de 500 anos. Esse dano causou e causa muita dor, sofrimento e vergonha para todos os afetados, de modo que eu entendo que estava sendo poupado pela minha própria família dos detalhes acerca de um capítulo triste da história recente da Guiné-Bissau.


Você é um diplomata que lida com desarmamento e segurança internacional, mas seu livro desmonta outro tipo de armamento: o emocional, o simbólico, o familiar. Foi mais difícil negociar com líderes mundiais ou com seus próprios fantasmas?
Ernesto Mané Se, por um lado, minha decisão de publicar livro sobre a viagem que fiz a Guiné-Bissau foi fruto de uma negociação interna, em que tive que lidar com meus próprios fantasmas, por outro, a questão do armamento nuclear está intimamente vinculada com as relações coloniais. Portugal, por exemplo, já fazia parte da Organização do Tratado do Atlantico Norte - OTAN, durante a luta pela independência da Guiné-Bissau. Cabe lembrar que a OTAN é uma aliança fundada em cima do poderio nuclear de seus membros. Atualmente vivemos em um período de grande tensão internacional, que tem colocado em xeque a segurança de toda a humanidade. Meu trabalho como diplomata e como físico tem sido guiado pela convicção de que essas armas precisam ser eliminadas, pois representam um grande risco existencial. Sem dúvidas, essa tarefa é urgente e muito mais difícil do que lidar com meus próprios fantasmas, uma vez que o livro foi publicado, mas os países nuclearmente armados seguem aumentando seus arsenais.


O crioulo é falado por todos na Guiné-Bissau, mas não é língua oficial. No Brasil, o racismo é falado em silêncio, mas rege as relações sociais. Em qual idioma se traduz melhor o que é ser negro entre dois mundos?
Ernesto Mané Fiz essa reflexão no livro, em que verifiquei ser o crioulo a língua franca da Guiné-Bissau, ao passo que o português ainda está associado com a língua do colonizador. Registrei que minha avó simplesmente se recusava a falar o português, ao mesmo tempo em que há guineenses que deixam de ensinam o crioulo a seus filhos, por acreditarem ser o português o melhor veículo para ascensão social. No Brasil, país que se tornou independente a mais tempo, acabamos por moldar o português através das contribuições dos africanos trazidos para cá e das nações originarias, como nos ensinou Lélia Gonzales. Em ambos os casos, o crioulo e o português brasileiro trazem consigo a marca da resistência contra o colonizador.


Sua trajetória parece negar a ideia de origem fixa - como se você tivesse que começar sempre outra vez. Qual é o seu ponto de partida hoje?
Ernesto Mané Essa sensação de ter que recomeçar constitui experiencia definidora dos processos diaspóricos. Ao longo de cinco séculos, sofremos violências físicas, psicológicas, epistêmicas e materiais. Muitas vezes, o que temos é apenas nosso corpo. Meu ponto de partida é saber que carrego comigo esse legado e tenho que seguir a diante, reconstruindo pontes e criando possibilidades de existir. Isso passa, por exemplo, em ser capaz de garantir as condições para que as próximas gerações não tenham que começar do zero.


Para quem acredita na meritocracia como dogma, sua trajetória seria um exemplo da famosa “superação”. Mas você parece rejeitar esse rótulo. O que existe por trás do homem que venceu - e o que ele ainda precisa perder para se reencontrar?
Ernesto Mané Existe uma pessoa que cobra de si o tempo inteiro excelência em tudo o que faz, porque não consegue esquecer uma frase que ele escutou ainda quando criança, vinda de pessoas próximas: “o preto quando não caga na entrada, caga na saída”. Essa frase é de um fatalismo gigantesco, porque não importa o quanto você seja um “vencedor”, a branquitude sela o seu destino, ao dizer que você, em dado momento, vai colocar tudo a perder, pelo fato de ser preto. Eu trabalho tanto para assegurar que esse dia nunca chegue, mas, se chegar, preciso ser capaz de reivindicar minha humanidade, porque como cantava o mestre Jorge Bem, “errare humanum est”.


sábado, 9 de agosto de 2025

.: Bernadete Moraes revela como a mente sabota e como reprogramá-la

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação

Em um cenário em que a busca por autoconhecimento e saúde mental ganha cada vez mais urgência, Bernadete Moraes - psicanalista, pedagoga sistêmica e hipnoterapeuta - chega para desafiar o leitor a encarar a maior armadilha que as pessoas criam: as mentiras internas que bloqueiam o desenvolvimento e paz interior. Coautora do best-seller "Seja (Im) Perfeito", ela lança agora o livro "Pare de Mentir para Si Mesmo", publicado pela Editora Gente.

A obra que mergulha fundo nas ilusões mentais que sustentam a autossabotagem e oferece um método psicossistêmico para desmontar essas narrativas falsas e resgatar a autonomia emocional. Nesta entrevista exclusiva para o Resenhando.com, ela conversa sobre as complexas dinâmicas entre mente, trauma, crenças limitantes e liberdade emocional - e desafia você a parar de se enganar e reescrever uma história de vida com coragem e clareza. Compre o livro "Pare de Mentir para Si Mesmo", de Bernadete Moraes, neste link.


Resenhando.com - A mente humana é expert em criar narrativas para se proteger - até que ponto essa autossabotagem pode ser considerada uma forma de autopreservação legítima e quando ela se torna um cárcere mental?
Bernadete Moraes - A autossabotagem é, muitas vezes, um grito de autopreservação. A mente cria narrativas ilusórias para evitar o sofrimento, repetindo padrões que mantêm o indivíduo em uma zona conhecida - ainda que dolorosa. No olhar psicossistêmico, isso é compreendido como uma estratégia inconsciente de sobrevivência, enraizada em traumas, lealdades familiares e crenças limitantes. Ela se torna um cárcere mental quando impede o fluxo natural da vida, bloqueando o movimento da alma rumo ao crescimento, à liberdade e à verdade pessoal.


Resenhando.com - Seu método integra ciência, psicanálise, hipnose e abordagens sistêmicas. Você acredita que o autoconhecimento profundo pode substituir, em algum momento, a necessidade de medicação para transtornos mentais, ou essas ferramentas devem sempre caminhar juntas?
Bernadete Moraes - A medicina tem seu lugar e deve ser respeitada. No entanto, muitas vezes a medicação trata o sintoma, não a causa. O autoconhecimento profundo, quando conduzido de forma ética, amorosa e integrada, pode transformar o terreno onde o sofrimento se instala. Já acompanhei casos em que a transformação foi tão significativa que a medicação se tornou desnecessária — sempre com acompanhamento médico. O psicossistêmico não substitui, mas complementa. Ele convida o paciente a se tornar o protagonista da própria cura.


Resenhando.com - No seu livro, você fala em “mentiras que contamos a nós mesmos”. Qual é a mentira mais comum e mais perigosa que as pessoas se contam, e que poucos têm coragem de confrontar?
Bernadete Moraes - A mais comum e perigosa é: “Eu sou assim mesmo, não tem jeito”. Essa mentira cristaliza a identidade em um lugar de impotência, como se a pessoa estivesse condenada a repetir o que viveu. No fundo, ela esconde medo, dor e vergonha. Confrontar essa mentira exige olhar para as feridas da infância, para os condicionamentos herdados - e isso dói. Mas é aí que começa a libertação.


Resenhando.com - Em sua experiência, até que ponto as “lealdades familiares” inconscientes moldam nossas escolhas - e como se libertar dessas amarras sem romper com a própria história?
Bernadete Moraes - As lealdades familiares moldam nossas escolhas de forma profunda. No inconsciente, existe o desejo de “pertencer” à família, mesmo que isso signifique repetir fracassos, doenças ou dores ancestrais. Libertar-se dessas amarras não é desrespeitar a história, mas honrá-la de forma madura: reconhecendo que é possível continuar o legado familiar com mais saúde, consciência e liberdade. No Método Psicossistêmico, trabalhamos esse rompimento simbólico com amor, inclusão e verdade.


Resenhando.com - O que você diria a quem está preso no ciclo da autossabotagem, mas teme encarar as próprias feridas porque tem medo do que pode encontrar?
Bernadete Moraes - Eu diria: você já está convivendo com a dor - só que ela está disfarçada de rotina. Encarar as feridas dói, sim. Mas negar esse enfrentamento gera um sofrimento silencioso, contínuo e, muitas vezes, devastador. O medo passa. A cura fica. Enfrentar as sombras é um ato de amor-próprio - e no caminho, você vai descobrir uma força que nem imaginava que tinha.


Resenhando.com - Como psicanalista e educadora, você vê a educação formal atual preparada para integrar saúde mental de forma efetiva, ou ainda seguimos numa lógica obsoleta que alimenta crenças limitantes?
Bernadete Moraes - Ainda vivemos uma educação que prioriza notas, desempenho e controle. Pouco se fala sobre emoções, pertencimento e sentido de vida. A criança é vista como um “aluno”, não como um ser sistêmico com uma história, uma família e uma subjetividade. A mudança já começou, mas ainda é tímida. Precisamos educar para o ser, não apenas para o fazer.


Resenhando.com - Você liderou projetos em políticas públicas para autoestima e autoconhecimento. Qual é o maior desafio para que as esferas públicas e privadas adotem a saúde emocional como prioridade real?
Bernadete Moraes - O maior desafio é a mentalidade de curto prazo. Muitos gestores ainda enxergam a saúde emocional como algo secundário ou intangível. O olhar psicossistêmico mostra que o emocional impacta diretamente nos resultados - seja na educação, na produtividade ou na saúde pública. Falta coragem política e visão humanizada. O futuro será de quem compreender isso agora.


Resenhando.com - O seu livro propõe exercícios vivenciais para desbloquear emoções. Na sua opinião, por que a maioria das pessoas prefere soluções rápidas, como remédios ou fórmulas mágicas, ao invés de se engajar nesse processo de autorresponsabilidade?
Bernadete Moraes - Porque fomos educados a não sentir. A sociedade nos vendeu a ilusão de que curar é apagar o sintoma - e não entender o que ele quer dizer. O remédio, muitas vezes, alivia. Mas só o mergulho consciente cura. As pessoas fogem da autorresponsabilidade porque ela exige mudança, atitude e enfrentamento. Mas só ela nos devolve o poder da vida.


Resenhando.com - A autossabotagem muitas vezes é invisível até para quem a vive. Quais sinais sutis indicam que alguém está preso nessa armadilha mental?
Bernadete Moraes - Sinais como: procrastinar sonhos, atrair relacionamentos tóxicos, ter medo de crescer, sentir culpa quando se sente feliz, repetir padrões familiares de fracasso. Tudo isso são vozes internas dizendo: “Você não pode”, “Você não merece”, “É melhor não tentar”. O olhar psicossistêmico ajuda a ouvir essas vozes e ressignificá-las.


Resenhando.com - Se você pudesse implantar uma mudança radical no modo como a sociedade enxerga a mente e o sofrimento psíquico, qual seria o ponto central dessa revolução?
Bernadete Moraes - Eu implantaria a consciência de que o sofrimento psíquico é um pedido de escuta da alma, ou da mente profunda. Não é fraqueza, não é falha, não é desvio. É uma tentativa de reorganizar a história interna. Se a sociedade aprendesse a acolher a dor com presença, sem julgamento e com responsabilidade, viveríamos em uma cultura de saúde integral - não de repressão emocional.


.: Entrevista: Tony Ramos e a morte que chocou o Brasil na novela


A partida de Abel inaugura uma nova fase na trama das sete, com histórias que se desdobram e outras que emergem, prometendo agitar ainda mais os rumos da narrativa. Foto: Globo / divulgação


A morte de Abel, personagem de Tony Ramos na novela "Dona de Mim", chocou o Brasil e deixou fãs e telespectadores emocionados. A inesperada perda do patriarca da família Boaz abriu um novo capítulo dramático na trama, mexendo com os corações e expectativas do público. A emoção dominou o ambiente, especialmente quando Rosa (Suely Franco) faz um comovente discurso sobre a gratidão por ter sido mãe do empresário.

A partida de Abel inaugura uma nova fase na trama das sete, com histórias que se desdobram e outras que emergem, prometendo agitar ainda mais os rumos da narrativa, como antecipou a autora Rosane Svartman. Sempre muito querido pelo público, Tony Ramos se despede de "Dona de Mim" com palavras de gratidão aos fãs que já sentem sua falta. 


Como foi para você saber que Abel tem esse destino na novela?
Tony Ramos - Eu fui convidado para fazer essa novela em um jantar com Rosane Svartman e Allan Fiterman, nosso querido e amado diretor, no final de setembro do ano passado. E, neste momento, eles me contaram o que seria a personagem, então, eu entrei nesse projeto já sabendo o destino do Abel, que ele e Rebeca, personagem de Silvia Pfeiffer, sofreriam um grave acidente. E isso faz parte, inclusive, do desenvolvimento e da narrativa da trama. Faz parte do ofício do ator se entregar à personagem, seja qual for sua trajetória. O texto é de Rosane Svartman, competente escritora, então nem preciso falar. É uma roteirista que ama escrever novela e sabe o que está fazendo.

 
Para os fãs que já dizem sentir falta do personagem, qual o seu recado?
Tony Ramos - A admiração do público é sempre muito bem-vinda. Quando se tem uma boa história, você tem o público ao seu lado. Essa é uma equação simples. Eu amo o que faço e, sem dúvida, o carinho e o reconhecimento do nosso trabalho são combustíveis na hora de subir ao palco ou entrar num set de gravação. A reação mostra que deu certo e a novela é um sucesso. A novela ainda promete muitas emoções e surpresas. Então, meu recado pro público é que não deixem de acompanhar essa história.
 

Como analisa a novela e a parceria com a pequena Elis e os colegas de elenco?
Tony Ramos - Rosane Svartman e equipe são muito talentosos, e a jornada da novela tem sido linda. Elis é uma revelação, é uma atriz vocacionada. Ela é espontânea. E o bonito é que ela é criança, com a mãe e o pai presentes. E nós também a tratamos como criança, como deve ser. Isso é fundamental. Contracenar com os jovens é reaprender. Com eles aprendo muita coisa, até o palavreado. São momentos de explosão de afeto, de humor, como eu sou. Fui muito feliz reencontrando Cláudia Abreu, Marcello Novaes, Suely Franco, Camila Pitanga, Rafa Vitti, e conhecendo o Juan Paiva, Bel Lima e Clara Moneke nesse belo e lindo trabalho.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

.: Papo reto e divã aberto: Darson Ribeiro responde sem censura, nem filtro


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Na imagem, Darson Ribeiro entre os atores Guilherme Chelucci e Olivetti Herrera. Foto: Moisés Pazianott

Quando o assunto é teatro, Darson Ribeiro não apenas sobe no palco: ele inventa, ilumina, dirige e às vezes até abandona. Ousado, polêmico e apaixonado pelo ofício, é um artista sem freios e nenhum tipo de filtro. Com passagens marcantes por novelas, séries e uma extensa carreira teatral, ele cravou o nome na cena com obras que mesclam inquietação estética, existencialismo bem-humorado e aquele faro certeiro para o que mexe com a alma, até mesmo quando incomoda.

Um dos maiores sucessos da carreira dele, "Homens no Divã" - em cartaz até 25 de agosto no Teatro Fernando Torres com sessões às sextas, sábados e domingos - completa dez anos de apresentações com sessões abarrotadas, risos nervosos e confissões sussurradas até o cair do pano. Darson não quer plateias confortáveis, ele precisa provocar espectadores. Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, Darson Riobeiro responde a perguntas nada terapêuticas sobre vaidades cênicas, fracassos, fetiches teatrais e a eterna dúvida: o que é, afinal, um bom teatro?


Resenhando.com - Você já saiu de espetáculos por tédio ou repulsa estética. Já pensou em sair de algum espetáculo seu no meio da apresentação? E o que o impediu?
Darson Ribeiro - Já saí, sem o menor constrangimento. Assim como eu, no palco, penso e avalio que isso é passível de acontecer, do outro lado eu também tenho esse direito. Por isso, até prefiro comprar ingresso para prestigiar autores, atores, diretores. Sempre fico - é raro acontecer. Mas já saí numa peça do Gerald Thomas e numa do Zé Celso, no Museu Hélio Oiticica, ambas no Rio. E isso não significa que não os admire. Mas não foi por tédio ou repulsa estética, esses adjetivos são muito pesados.


Resenhando.com - Você afirma detestar escatologia no teatro. O que te causa mais nojo: uma cena de excremento em cena ou uma plateia que aplaude qualquer coisa por medo de parecer burra? 
Darson Ribeiro - De novo, uma palavra pesada demais: “nojo”. Nunca saí só por isso. O pseudo-excremento ou escatologia, num bom contexto, me segura. Ou segura qualquer espectador. Os Satyros, por exemplo, já fizeram muita coisa escatológica e nunca saí. Pelo contrário. Assisti a uma peça num festival na Holanda em que o ator comia um fígado cru, mas aquilo fazia todo sentido dentro da encenação. O que é ruim é o “gratuito” - querer chocar por chocar. Isso já foi, é passado. Como o nu, quando inserido de forma grotesca ou gratuita. E jamais teria nojo de uma plateia que aplaude qualquer coisa. O teatro tem isso: ele provoca, transforma (quando é bom) e as pessoas, às vezes, o fazem porque não entenderam ou estão só seguindo a massa, que levanta pra aplaudir mesmo sem ter gostado.


Resenhando.com - Em uma era em que o streaming domestica o olhar e o teatro luta por público, ainda faz sentido montar clássicos como "O Jardim das Cerejeiras"? Ou seria melhor enterrar os coveiros de Tchekhov de vez?
Darson Ribeiro - Jamais. Por isso se chama clássico: sempre será, e nunca morrerá. Graças a Deus temos o TAPA fazendo do bom e do melhor desses clássicos todos. Amo "O Jardim das Cerejeiras" e já sonhei em montar. Dei uma entrevista hoje e comentei sobre isso. O teatro está perdendo - ou já perdeu - a tradição.


Resenhando.com - "Homens no Divã" completa uma década em cartaz. O que mudou mais: o homem no palco, o homem na plateia ou o terapeuta invisível que está entre eles?
Darson Ribeiro - Não existe terapeuta invisível. Quem dera! Por isso o êxito da peça: ela traz a psicanálise como forma de entendimento da vida, usando a risada pra isso. É uma comédia inteligentíssima que, graças a anos de análise freudiana, eu pude contribuir. O homem não mudou. Pelo contrário: piorou. O ser humano está regredindo na sua forma de pensar, de agir, de conviver, de se autovalorizar. O homem no palco fará aquilo que o autor ou o diretor propuser. O da plateia, jamais teremos controle - por isso disse que é natural um espectador sair.


Resenhando.com - Você citou "A Falecida", de Nelson, como um marco. Hoje, o autor ainda nos representa ou virou fetiche de encenador sem repertório?
Darson Ribeiro - Concordo que algum encenador pode, sim, usar Nelson Rodrigues pra se firmar ou mostrar que conhece a dramaturgia brasileira. Mas Nelson é um clássico - e, como disse, nunca morrerá. Graças! Não é que “ele nos representa” - isso parece frase feita, pronta. Mas ele ainda escreve como ninguém sobre a sordidez humana. E isso, infelizmente, nunca vai morrer também.


Resenhando.com - Paulo Autran foi seu conselheiro. Qual foi o melhor conselho que você ignorou – e se arrepende até hoje?
Darson Ribeiro - Ignorei, mas não me arrependi. Quando montei "Disney Killer", de Philip Ridley - que traduzi, produzi, dirigi e protagonizei (risos) - ele me aconselhou a não montar. Disse: “Pra quê? Quem é que vai ver isso?”. E fiquei dois anos em cartaz, sempre com público, sempre com muita discussão e retorno positivo.


Resenhando.com - Você disse que “o espetáculo dos sonhos sempre será o próximo”. E se o seu próximo fosse o último, o que você colocaria em cena como testamento artístico?
Darson Ribeiro - Já tenho o meu “testamento artístico”, que é o texto do Flavio de Souza, "O Homem que Queria Ser Livro". Sendo assim, o que vier pode ser ou não o último. Mas confesso que ando cansado de ter que provar o tempo todo o improvável do teatro. Ele é. E ponto.


Resenhando.com - Já dirigiu, produziu, atuou e fez cenários. Em qual dessas funções você mais errou?
Darson Ribeiro - Não errei. Ainda comentei com o Ulysses Cruz, esses dias, que tenho orgulho do que fiz, porque sempre deu certo. Nenhuma peça minha ficou sem público. Nenhum projeto me deu prejuízo. Te respondo isso com carinho e sobriedade, porque é difícil reconhecer o próprio erro.


Resenhando.com - Você elogia Beckett, Ridley e Bonder. Em tempos de urgência política, onde cabe o teatro filosófico e poético?
Darson Ribeiro - Um homem sem poesia é um homem já morto. Sem viço. Sem tesão pela vida. A filosofia vem pra chancelar isso tudo - ou seja, essa existência. Já sofri muito por ter nascido com uma sensibilidade que me joga num lugar solitário, de difícil compreensão e partilha. As pessoas concretas são chatas. Não consigo ter muita relação. Amo os silêncios de Beckett. Bonder consegue nos atualizar filosoficamente sem cair na autoajuda. E Ridley... Bem, montei três peças dele e traduzi uma. É um ótimo dramaturgo, que também escancara essa miséria humana que a maioria morre teimando que não é. É muito triste morrer sem ter uma história pra contar. Vivemos delas. Somos elas.


Resenhando.com - Em dez anos de "Homens no Divã", você ouviu confissões de público nos bastidores? Qual foi a mais absurda, comovente ou inesperada que te fez pensar: “valeu a pena montar isso”?
Darson Ribeiro - Valeu muito a pena. Cheguei a apanhar em cena aberta uma vez, e ainda assim não fiz a pergunta querendo parar. Pelo contrário. Mas talvez tenha sido a participação de dois casais que tinham uma relação a quatro - e abriram isso publicamente ali, comigo. E a vontade de continuar só aumentava, porque vinham a mim me pedindo o cartão do consultório.


Resenhando.com - O que é mais difícil hoje: fazer bom teatro ou convencer as pessoas de que ainda vale a pena assisti-lo?

Darson Ribeiro - Convencer as pessoas a irem ao teatro. Vivemos num mundo de concorrência desleal - futebol, shows sertanejos, stand-up, mídia eletrônica... É como convencer alguém a ler. As pessoas acham um absurdo, mas quando sentem o cheiro da leitura e embarcam numa imaginação, o mundo gira. E vira!


Serviço
Espetáculo "Homens no Divã"
Temporada: a partir de 1° de agosto de 2025 – sextas-feiras, às 20h00
Duração: 90 minutos
Classificação indicativa: 12 anos
Local: Teatro BDO-Jaraguá Rua Martins Fontes, 71, Centro (Metrô Anhangabaú)
Capacidade: 260 lugares
Bilheteria: a partir de duas horas antes do início do espetáculo ou pelo portal Sympla. Ingressos: https://www.sympla.com.br/
Ingressos: R$ 100,00 (inteira) e R$ 50,00 (meia)

Estacionamento no local: entrada principal do hotel com valor reduzido para frequentadores do teatro - R$ 20,00 por até 4h, valorizando a experiência “espetáculo + jantar” no restaurante do hotel

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

.: Entrevista: Luciana Carnieli fala sobre a ousadia de (re)viver Sarah Bernhardt

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: João Caldas F.°

Em tempos de efemeridades, é sempre curioso - e necessário - quando uma atriz decide parar tudo para escavar o tempo. Luciana Carnieli escreveu e interpreta "Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt", mais vai além disso: revive, em carne, voz e memória, o legado da mulher que, ao redefinir o que era ser atriz no século XIX, ainda incomoda o século XXI. 

Com direção de Elias Andreato e trilha sonora que reverbera compositoras esquecidas pela história, o espetáculo colocou em cena duas mulheres: Sarah Bernhardt, a lendária, e uma atriz brasileira contemporânea que se reconhece nela. Entre uma e outra, o tempo se dobra e o palco vira algo sagrado. Nesta entrevista exclusiva ao Resenhando.com, Luciana Carnieli fala sobre teatro, envelhecimento, criação, fantasmas e a insistência corajosa de não se calar quando o pano cai.


Resenhando.com - Ao dar voz a Sarah Bernhardt no Brasil de 2025, você acredita estar dialogando com o espírito da atriz francesa - ou exorcizando fantasmas seus?
Luciana Carnieli - Acredito estar dialogando com o público sobre o Teatro e a trajetória histórica das mulheres nessa arte. E meu ponto de partida é a vida de Sarah Bernhardt.


Resenhando.com - Sarah Bernhardt perdeu uma perna. A atriz brasileira perde o quê, hoje, para continuar de pé no palco?
Luciana Carnieli - Sarah teve um problema de saúde bastante sério e lutou bravamente por manter-se ativa no palco, mesmo após a perda da perna. Mais do que pensar propriamente em “perdas”, o paralelo que uma atriz brasileira contemporânea pode fazer com esse fato da vida de Sarah está na resistência e na força pra superação das dificuldades, quaisquer que sejam.


Resenhando.com - A peça fala de etarismo. Você sente que o teatro também passou a exigir das atrizes uma “eterna juventude” instagramável, ou ainda há espaço para rugas e profundidade? Por quê?
Luciana Carnieli - O etarismo existe, sim. A eterna juventude é extremamente bem-vinda. Mas o Teatro é como a vida: o efêmero é inevitável... as rugas são inevitáveis... E você pode escolher ter “profundidade” ou não.


Resenhando.com - Como autora e intérprete, qual foi o momento em que Sarah Bernhardt deixou de ser personagem e virou espelho?
Luciana Carnieli - Sarah é sempre uma personagem para mim. Aliás, uma personagem maravilhosa! Mas acredito que todos os atores e atrizes são um pouco “Sarah Bernhardt” quando enfrentam o medo. Medo do público, das limitações, da vaidade e da falta de oportunidades pra continuar no caminho da arte.


Resenhando.com - Você já interpretou Cacilda Becker em “Meu Abajur de Injeção” e agora encarna Sarah Bernhardt. O que a atrai tanto em atrizes que já partiram?
Luciana Carnieli - Tanto Cacilda como Sarah foram admiráveis, marcaram época e fizeram história na arte do Teatro. Impossível não se apaixonar por essas mulheres e querer dialogar teatralmente com o público sobre elas.


Resenhando.com - Sarah foi irreverente, escandalosa, revolucionária. Se ela surgisse hoje, você acredita que seria cancelada ou idolatrada?
Luciana Carnieli - Sarah foi extremamente inteligente pra lidar com a parte “celebridade” de sua vida. Acredito que poderia encarar muito bem tudo que envolve ser uma celebridade de hoje, pois foi muito autêntica em suas escolhas, até mesmo quando errava. Aposto que continuaria sendo idolatrada.


Resenhando.com - Em uma era de algoritmos e inteligência artificial, que lugar ainda ocupa uma atriz que se expõe em cena?
Luciana Carnieli - Ocupa o lugar da arte que privilegia o contato humano, a troca direta entre palco e plateia. Pode ser que um dia isso acabe, mas ainda tem muita gente que adora! Gente que gosta de estar no palco e gente que gosta de estar na plateia, frente ao ator, à atriz. E esse encontro é muito valioso e prazeroso.


Resenhando.com - Você já brilhou em musicais, dramas clássicos e comédias. Criar um solo sobre Sarah Bernhardt foi um grito de liberdade artística... ou um ato de sobrevivência?
Luciana Carnieli - Criar, para mim, é sempre um ato de liberdade e também, de sobrevivência, pois vivo do meu ofício. Mas essa criação nasceu para além disso. Veio sem querer, a partir de uma pesquisa que foi se tornando fascinante. E foi do aprofundamento dessa pesquisa, fazendo paralelos com nosso tempo, que revolvi criar um espetáculo sobre Sarah. Uma leitura subjetiva de quem foi Sarah. Por isso chamo o espetáculo de “Rapsódia”. São recortes, impressões, sobre uma personalidade histórica. E o encontro com o diretor Elias Andreato foi fundamental pra essa criação tomar a forma poética da cena. Elias trouxe um olhar muito importante pra nossa criação. E tudo foi sendo construído com harmonia e cumplicidade.


Resenhando.com - A trilha sonora do espetáculo traz compositoras como Lili Boulanger e Cécile Chaminade. Foi um aceno sonoro àquelas mulheres que, como Sarah, compunham em surdina? 
Luciana Carnieli - Tanto Chaminade, quanto Boulanger não foram artistas que viveram “nas sombras” em seu tempo. Tiveram seu espaço, embora Boulanger tivesse uma vida bastante curta. A ideia do maestro João Maurício Galindo de trazê-las para essa peça veio justamente por serem mulheres contemporâneas de Sarah e, também, grandes artistas, com criações belíssimas. A trilha foi muito importante para mim durante a criação do espetáculo. E entrelaça uma sonoridade perfeita à narrativa.


Resenhando.com - Se Sarah Bernhardt assistisse à sua peça, o que você pensa que ela diria... e o que você teria coragem de responder?
Luciana Carnieli - Jamais poderia imaginar o que ela diria... Mas, se eu a encontrasse, faria uma reverência. E assim agradeceria a oportunidade. De tanto...!

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