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sexta-feira, 13 de junho de 2025

.: Entrevista com Keco Brandão, um convite musical irrecusável


Por Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural. Foto: divulgação.

O arranjador, compositor, produtor musical Keco Brandão tem mais de 30 anos de carreira e um currículo respeitável, ao lado de artistas como Jane Duboc, Toquinho, Roberta Miranda, Fábio Júnior, Zizi Possi, Pedro Camargo Mariano, Gal Costa, Leila Pinheiro, Virgínia Rodrigues, Célia, entre outros.

Agora o músico trabalha no terceiro álbum do projeto "Keco Brandão Com Vida". Os dois primeiros singles estão sendo disponibilizados nas plataformas de música sendo uma das canções, uma parceria inédita com o compositor e instrumentista Toninho Horta.

Em entrevista para o Resenhando, Keco Brandão conta como foi sua trajetória, que inclui ainda a criação da identidade musical do canal Record News (entre 2007 e 2014) e trilhas de programas do SBT, além de abrir portas para os novos talentos. “O nosso País tem muita gente talentosa que merece ter um espaço na mídia”.


Resenhando.com - Nesses mais de 30 anos, quais os artistas que você considera fundamentais para consolidar a sua trajetória?
Keco Brandão - Eu sempre serei muito agradecido a todos com quem pude trabalhar. Mas três tem um lugar especial na minha mente: Jane Duboc, Gal Costa e Zizi Possi. Eu cantei com a Gal em um de seus shows.  Com a Zizi trabalho até hoje, como integrante da banda. Essas três cantoras foram muito marcantes para mim.


Resenhando.com - Como está a produção do terceiro volume do Keco Brandão Com Vida?
Keco Brandão - Estou divulgando os dois primeiros singles. O primeiro é uma composição de Rafael Altério e Rita Altério. Nessa versão, o convidado para interpretar foi o instrumentista, compositor e cantor mineiro Felipe Bedetti. O segundo é a canção que se chama “Meu doce irmão”, uma homenagem aberta ao compositor mineiro Tunai, uma parceria poética em música de Toninho Horta. A convidada para interpretar a canção foi a cantora e compositora Diana HP, que atualmente vive na França e é sobrinha de Toninho e filha dos músicos instrumentistas Yuri Popoff e Lena Horta.


Resenhando.com - Há planos para novos singles?
Keco Brandão - Sim. Já tenho algumas participações que devem ser concretizadas mais adiante. Nesse terceiro volume estou priorizando os novos talentos que estão buscando seu espaço. Tem a Graziela Medori, filha da cantora Claudya e do músico Chico Medori, que vai cantar um samba que compus com Moacir Luz. Eu gosto muito de abrir espaço para os novos talentos. Nosso país tem muita gente talentosa que merece esse espaço.

Resenhando.com - Você tem um trabalho forte também na música instrumental. Pretende retomar esse trabalho no futuro?
Keco Brandão - Com certeza. Trabalhei como produtor musical na Rede Record de televisão, onde criei a identidade musical do canal Record News de 2007 à 2014. Ainda no ramo das televisões, sonorizei trilhas de programas e novelas do canal SBT, inclusive a recente produção "A Caverna Encantada". No futuro irei retomar meu trabalho conceitual na linha instrumental.

Keco Brandão - "Até Quando Deus Quiser"

quarta-feira, 11 de junho de 2025

.: Entrevista com Paulo Scott: o poeta entre o desconforto e a estética


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com.. Foto: Morgana Kretzmann

Não é poesia para agradar: é para fisgar. Com essa energia crua e combativa, o escritor Paulo Scott lança pela editora Alfaguara o livro de poemas "Sanduíche de Anzóis". Ao revisitar 25 anos de produção poética, o autor do romance "Marrom e Amarelo" não só costura versos antigos - ele os rasga, remonta, corta fora o que já não sangra. O resultado? Um corpo novo, feito de amores esfolados, revoltas sem anestesia e loucura como linguagem-mãe.

Neste livro-reinvenção, Scott transforma o tempo em lâmina e a memória em anzol. Esqueça o lirismo gourmet de redes sociais: a poesia dele é músculo em espasmo, verbo que lateja, um soco lírico na caretice dos algoritmos. Entre versos indomáveis e um manifesto contra o novo fascismo, Scott reafirma que escrever no Brasil é - ainda - uma forma de risco, de raiva, de ternura. Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, o autor fala sobre o prazer de cuspir versos que não servem mais, a recusa às anestesias do mercado e por que prefere o desconforto à doçura. Prepare-se: esta conversa não é para os que esperam vinho chileno - aqui, a poesia vem quente e crua para fisgar. Apoie o Resenhando.com e compre a coletânea "Sanduíche de Anzóis", de Paulo Scott, neste link.


Resenhando.com - Você revisitou, reescreveu e reinventou poemas seus com mais de 25 anos. O que Paulo Scott cortou de si ao cortar os próprios versos? O que ficou indigesto nesse "Sanduíche de Anzóis" que você precisou cuspir fora?
Paulo Scott - 
Todo processo de releitura implica reinvenção. Essa reinvenção demanda riscos. Penso que admitir a possibilidade desse risco, considerando que talvez eu tenha me tornado um leitor melhor, mais acurado, mais sereno, é estabelecer uma tentativa de nova busca pelo simples, pela simplicidade, que é tão determinante na literatura e na arte em geral. Há uma acomodação de ritmo, um adensamento, um assentamento, que só a distância do tempo (o passar do tempo) poderia trazer. A supressão dos títulos, inclusive dos poemas inéditos, fez parte desse processo de corte – acredito na afetividade e na eficácia do cortar em relação ao texto, o tal lapidar, é diferente em relação à minha pessoa (e à minha persona de poeta também), com relação a ela há soma, sobretudo em relação à consciência do tempo que passou.


Resenhando.com - Em tempos de algoritmos suaves e poesia pasteurizada no Instagram, sua linguagem parece um soco de verbos crus. É possível fisgar leitores de hoje sem sedá-los primeiro com doçura?
Paulo Scott - A doçura traz a vertigem de curta duração, depois ela calcifica (é como um enigma que se resolve com facilidade). O que desacomoda está sempre em movimento; mesmo que diminua em grau de desconforto, está sempre acenando para a possibilidade de desafio. Penso que no “Luz dos Monstros” (Editora Aboio, 2023) cheguei a um lugar, a uma radicalidade, da qual não posso recuar. Mesmo que se reconheça no primeiro livro deste “Sanduíche de Anzóis”, o do amor, alguma acessibilidade maior, agrado, eu imagino que a estranheza, o martelar e o ruído estão sempre lá. Se eu abrir mão dessa dicção para me tornar mais palatável, mais, digamos, “vinho chileno” (aquele que nunca decepciona), estarei abrindo mão da própria poesia (da forma como leio e aprendo com a poesia buscando sempre sua incerteza). A liberdade que a poesia traz é imensa porque ela não demanda compreensão, ela demanda invenção, demanda leitura criativa (muito mais do que escrita criativa), penso que aí está a magia, aí está a potência, aí está o segredo. Faço como faço porque é o modo que possibilita o meu fazer, é como sei fazer; contornar a doçura fugir das referências, inclusive de mim, do verso que antecedeu o verso que está sendo escrito dentro próprio poema, é minha maneira de respirar, minha singularidade, minha voz única. Com o tempo a gente percebe que essa voz única é só o que podemos ambicionar, ela é um lugar, ele significa, mas, além de ser mais um grão de areia na imensa linha da tradição literária, não há nada de especial nele.


Resenhando.com - Você fala de amor, loucura e revolta como se fossem irmãs siamesas. Qual dessas três, se tivesse que amputar, deixaria você artisticamente amputado?
Paulo Scott - A loucura. Ela é o útero da minha linguagem, ela é a fonte, o duvidar que faz com que tudo se mova.


Resenhando.com - Em “Marrom e Amarelo”, você expõe feridas raciais do Brasil sem anestesia. Na sua poesia, que anestesia você deliberadamente se recusa a usar - mesmo sabendo que poderia facilitar a publicação ou aceitação?
Paulo Scott - Desprezar a inteligência e a criatividade de quem está lendo é formular anestesias que podem produzir resultados diferentes afetando, inclusive, a aceitabilidade comercial do livro (embora, como sabemos, não haja fórmula garantida). Tento não pegar (não ambicionar) esse atalho - meus romances não abrem mão do oculto, da entrelinha, da inquietude porque é minha forma de conseguir narrar. O que posso dizer é: minha prosa é assim porque minha poesia (minha respiração na poesia) é assim. Minha coragem de prosador vem da minha persona poeta, da sua loucura (do seu caos) que, embora menos prolifica, só aumenta em intensidade, vem da minha respiração de poeta, da segurança que, por sorte, consigo encontrar nela. Respondendo à pergunta de maneira mais objetiva: minha poesia é uma fuga, uma construção de exílio, de estrangeiridade e, nesse processo, há um atrito essencial e uma aspereza essencial que ditam o próprio fazer; manter esse movimento talvez seja meu modo de não ceder à tentação das anestesias.


Resenhando.com - Reescrever poemas antigos é como rever fotos ou reabrir cartas antigas? Você teve medo de reencontrar um Paulo Scott que já não é mais você?
Paulo Scott - Não tive medo. Sinto-me o mesmo adolescente tímido e gago buscando mais consistência nesta vida que se faz pela linguagem (e pela leitura dessa linguagem). Fotos e cartas são diferentes, poesia para mim é sempre aflição da busca, ela não cessa, encadeia e me faz, sem hiatos, perceber aqueles que já fui, dependo deles para ser o que sou hoje.


Resenhando.com - Se sua poesia é uma luta corpo a corpo com a linguagem, quem geralmente vence: o Paulo que escreve ou o verso que escapa?
Paulo Scott - Ótima pergunta. O verso que escapa sempre vence. Nele está a luz que instiga o meu perseguir.


Resenhando.com - Você já recebeu conselhos para “suavizar a escrita” ou “alinhar o tom ao mercado”? E, se sim, o que você respondeu - mentalmente ou em voz alta?
Paulo Scott - Sim, muitas vezes. Respondo em voz alta: é só assim que eu sei fazer.


Resenhando.com - Há um manifesto contra o novo fascismo dentro do livro. Como poeta, qual o risco maior: ser panfletário demais ou cúmplice por omissão?
Paulo Scott - Tentar ou arriscar, mesmo que haja falha, é o que importa. O engajamento está na leitura (ela determinará a importância de um texto literário). Não acredito em quem produz escoltado pela jura do engajamento, já justificando e explicando a própria relevância. Dizer que é um manifesto não me extrai da insignificância, não é mais do que uma simples nomeação. Registro que é manifesto porque um determinado tempo e um determinado Paulo Scott nos solicitou. Achei que valia a pena constar como um esforço nascido em um tempo de desespero (tendo por cenário a pandemia e sua incontornável ambiência apocalíptica) parte do grande desespero geral que é, em si, a existência.


Resenhando.com - Você se considera um poeta militante, um militante poeta ou um cara que escreve poesia tentando sobreviver ao país - e a si mesmo?
Paulo Scott - Sou poeta para abraçar da melhor maneira possível a solidão. Não penso em sobrevivência, penso em me aperceber da vida, penso, como já disse, em leitura, em ler mais e melhor o que nos determina e por vezes, nos permite alguma felicidade.


Resenhando.com - Se “Sanduíche de Anzóis” fisga, qual tipo de leitor você mais deseja capturar: o distraído, o indignado ou o que nunca se deixou morder por verso algum?
Paulo Scott - Não penso em quem me encontrará, penso em inscrever, do meu jeito, o que encontrei e repassar. E, nesse sentido, somar-me a uma ética que ainda não conseguimos definir, precisar.


Resenhando.com - O Paulo Scott dos versos é o mesmo que o da prosa e o do dia a dia? O que os aproxima e o que os diferencia?
Paulo Scott - Bom isso de focar nos versos. Mais do que os poemas, penso que existo nos versos, cada um deles é uma companhia irreplicada, um assentamento, um espelho que me dirá, sobretudo, para mim mesmo. Neles sou o tempo, o meu tempo, que não submete ao tempo cristão, ao tempo mercantil, ao tempo das expectativas, dos julgamentos (e, nos julgamentos, das condenações que na nossa maneira de viver o supremo deus capitalismo e suas eternas enfermidades, a atualidade de sua luz dos monstros, nos impõe).

terça-feira, 10 de junho de 2025

.: Literatura no volume zero: o universo íntimo de Bruno Inácio em entrevista


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação.

No livro de contos "De Repente Nenhum Som", o escritor Bruno Inácio transforma o silêncio em linguagem, em narrativa, em personagens. Colaborador de veículos literários importantes, como o Jornal Rascunho e o site São Paulo Review, o autor recorre ao não dito, à pausa, à ausência – e justamente aí encontra matéria-prima para narrativas que ecoam no lado mais profundo de algum leitor atento. Como ele mesmo diz: “Tem tudo aquilo que só cabe no silêncio” . Nesta entrevista exclusiva concedida ao portal Resenhando.com, Bruno revela como descobriu, quase sem perceber, que o silêncio era seu tema mais íntimo e recorrente - nos papéis de leitor e de escritor.

Com uma escrita concisa e emocionalmente densa, Bruno Inácio compartilha o processo de lapidar frases como quem escolhe palavras para preencher vazios. “Quando compreendi que prefiro escrever frases curtas, foi libertador”, afirma. E é nesse equilíbrio entre delicadeza e brutalidade, cotidiano e introspecção, que ele constrói personagens que, embora comuns, “dialogam com o silêncio” e tornam-se espelhos de quem o lê. Esta conversa é um convite para mergulhar não só na obra de Bruno Inácio, mas também na poética silenciosa que pulsa nas entrelinhas de um texto bem escrito.  Compre "De Repente Nenhum Som" neste link.


"De Repente Nenhum Som" apresenta o silêncio não como ausência, mas como protagonista. Em que momento da sua trajetória como escritor você percebeu que o silêncio podia ser um elemento narrativo tão potente?
Bruno Inácio - Isso aconteceu de forma bastante natural, na verdade. Escrevi um dos contos do livro, “Céu de Ninguém”, em 2018. Mais tarde, em 2022, durante uma oficina de criação literária com o escritor Carlos Eduardo Pereira, surgiram outras duas narrativas: “Alô, Alô, Freguesia” e “Seis Minutos de Análise no Novo Divã”. Percebi, então, que os três contos dialogavam entre si, já que abordavam o silêncio e as relações familiares. Foi quando me dei conta que aqueles eram os temas que mais me interessavam no momento - e não só como escritor, mas também como leitor. Sem perceber isso de forma consciente, eu já estava mergulhado em leituras que abordavam o silêncio há algum tempo.

"De Repente Nenhum Som" mergulha na solidão, nas pausas da vida e no que não é dito. Como você equilibra a escrita econômica com a profundidade emocional que seus contos transmitem?
Bruno Inácio - Quando compreendi que prefiro escrever frases curtas, foi libertador. Como se, enfim, eu estivesse mais próximo de encontrar o meu estilo literário e meus temas. No entanto, ao mesmo tempo descobri que uma palavra mal escolhida pode destruir um parágrafo inteiro. A partir daí, passei a procurar as palavras certas para cada cena, sentimento, ação e, principalmente, para cada silêncio. Não digo palavra perfeita, porque sei que ainda sou alguém que está começando sua jornada na literatura, em meio a erros e acertos. Mas confesso que gastei um bom tempo reescrevendo os contos de “De Repente Nenhum Som” para chegar a esse resultado que você apontou: o equilíbrio entre a escrita econômica e a profundidade emocional.


Você escolheu personagens comuns, mas com dilemas complexos e profundos. Como foi o processo de criação dessas figuras? Houve alguma preocupação em torná-las espelhos do leitor?
Bruno Inácio - Gosto muito do drama presente no cotidiano, dos dilemas e anseios das pessoas comuns. Algumas dessas personagens se baseiam em familiares, outras são projeções de traumas e desejos. A minha maior preocupação no momento de pensar sobre essas pessoas foi tentar entender como cada uma se relacionava com o silêncio. Torná-las espelhos do leitor não foi algo exatamente planejado, mas a literatura tende a se encarregar disso, de uma forma ou de outra.

Um dos contos mais marcantes, "Céu de Ninguém", tem origem em uma experiência real. Como a vivência pessoal impacta sua ficção? Existe um limite entre o vivido e o inventado para você?Bruno Inácio - Uma vez minha psicanalista disse algo que nunca esqueci: toda memória é ficcional. Nesse sentido, sei que os acontecimentos reais que inspiraram alguns dos contos de “De Repente Nenhum Som” já passaram por certos filtros, uma vez que correspondem às minhas versões dos fatos e, consequentemente, à maneira que essas memórias foram construídas e reconstruídas ao longo dos anos. Ainda assim, gosto de explorar experiências autobiográficas na ficção, porque é um jeito de olhar para o passado com novos olhos e, de certa forma, criar novas lembranças.


O livro alterna momentos de brutalidade e de delicadeza com naturalidade. Essa dualidade surgiu de forma intuitiva ou foi construída intencionalmente ao longo dos contos?
Bruno Inácio - Acredito que isso tenha relação com meu interesse pelo cotidiano. O dia a dia é repleto de delicadeza e brutalidade, ainda que não pensemos tanto sobre isso. Eu me considero uma pessoa muito sensível, atenta aos detalhes que justificam a existência. Mas, ao mesmo tempo, sou um pessimista e às vezes me vejo sem grandes perspectivas. Como esse é meu trabalho mais pessoal até agora, essa dicotomia apareceu nos contos de forma bem intuitiva.

A estrutura minimalista dos contos chama atenção: poucas palavras, mas muito significado. Como você chegou a essa forma de escrever? Foi uma escolha estética, técnica ou emocional?
Bruno Inácio - Devo muito ao escritor Marcelino Freire. Antes de fazer sua oficina de criação literária, eu tentava me forçar a escrever frases longas e transitar por diversos gêneros literários. No decorrer das aulas, percebi que era muito mais lógico tentar aprimorar o que eu já sabia minimante fazer, ao invés de tentar “fazer tudo”’. Depois que reconheci minha escrita como concisa, escrever se tornou algo muito mais natural.


A solidão, em suas várias formas, é um tema central no livro. Você acredita que o silêncio e o isolamento dizem mais sobre o nosso tempo do que as falas e os ruídos diários?
Bruno Inácio - Há uma pressa em nossos tempos que me angustia. Tudo é urgente no trabalho, nas redes sociais e nas nossas relações. Isso leva ao isolamento e à interpretação superficial de fatos complexos. Às vezes, isso vem acompanhado de silêncio. Mas o silêncio também pode ser afeto, aconchego e conforto. Seja como for, acredito que ruídos e silêncios nos afetam de formas diferentes e ambos dizem muito sobre os nossos tempos.


A recepção crítica foi bastante positiva, com elogios de nomes importantes da literatura brasileira. Como você lida com esse reconhecimento e que responsabilidade sente ao ser apontado como uma das vozes promissoras da nova literatura?
Bruno Inácio - Ainda parece surreal tudo isso que tem acontecido com o livro. É uma obra de uma editora independente, escrita por um autor iniciante e publicada fora do eixo Rio-São Paulo. Então, sinceramente, não esperava que “De Repente Nenhum Som” chegaria a ser elogiado pelos principais veículos literários do país e por alguns dos mais importantes nomes da literatura brasileira contemporânea. Ser lido por pessoas que são referências para mim é algo com que sempre sonhei. Confesso que ainda não aprendi a lidar com naturalidade com isso de ser apontado como um novo talento da literatura brasileira. Sempre que leio algum comentário nesse sentido, volto a ser aquela criança tímida que não sabia o que responder quando recebia parabéns no seu aniversário.


Como colaborador de veículos como o Jornal Rascunho e a São Paulo Review, você acompanha a cena literária de perto. Onde você posicionaria sua obra dentro do panorama atual da literatura brasileira?
Bruno Inácio - A literatura brasileira vive um ótimo momento, tanto em forma como em conteúdo. Todos os dias conheço autores e autoras que têm feito um trabalho de qualidade junto a grandes, médias e pequenas editoras, além dos que optam pela autopublicação. Estar no meio de tanta gente talentosa e fazer parte de uma geração que tem ficcionistas como Jarid Arraes, Monique Malcher, Andreas Chamorro, Carina Bacelar, Bethânia Pires Amaro, Vanessa Passos, Julia Barandier, Giovana Proença, Mateus Baldi, Paulo Henrique Passos, Marcela Fassy, Camila Maccari, Pedro Jucá, Mariana Basílio e Febraro de Oliveira é um privilégio e uma alegria.


Para quem ainda não leu "De Repente Nenhum Som", que tipo de experiência você espera provocar? O que gostaria que ficasse ecoando no leitor depois da última página?
Bruno Inácio - Tenho usado uma frase do livro nas dedicatórias desde que a obra foi lançada: tem tudo aquilo que só cabe no silêncio. Acho que é o que resume bem o tipo de experiência que quero provocar em leitores e leitoras. Essa percepção de que o silêncio é complexo, repleto de nuances e, às vezes, a síntese de toda uma dinâmica familiar.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

.: Entrevista: Felipe Puperi da banda Tagua Tagua, que lança o terceiro álbum


Por
 Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural. Foto: Thiago Dias.

Gravado, produzido e composto em um apartamento localizado no Centro da cidade de São Paulo, “Raio” é o terceiro álbum da banda Tagua Tagua, um projeto musical idealizado pelo músico Felipe Puperi. O trabalho apresenta novas nuances ao projeto que outrora apresentou o neo soul e a psicodelia como suas principais características. Sem esquecer de seus ídolos do passado, artistas como Tim Maia, Cassiano e Bill Withers, marcas registradas em sua obra, Tagua Tagua traz agora uma energia dançante renovadora menos presente em seus trabalhos anteriores com novas influências, como Daft Punk e os contemporâneos franceses L'Imperatrice.

Natural do Rio Grande do Sul, Puperi se mudou para São Paulo e desde então vem desenvolvendo o projeto musical sempre mesclando suas influências com elementos de música eletrônica e uma sonoridade dançante. Nesse trabalho, ele teve a colaboração da banda americana White Denim na faixa "Lado a Lado". A Tagua Tagua já tem agendadas apresentações pelo Brasil e no exterior, como show de abertura da turnê da White Denim pelos Estados Unidos. Em entrevista para o Resenhando.com, Puperi conta como se deu o conceito desse novo trabalho e comenta a atual fase do seu projeto. “Ele veio da vontade de ter essa energia nos shows”.


Resenhando.com - Em primeiro lugar, gostaria que você explicasse de onde veio o nome da banda (Tagua Tagua)?
Felipe Puperi -
Tagua Tagua é o nome de um lago no Chile. Descobri essa paisagem linda durante uma viagem que fiz há alguns anos nesse país. Pensei que seria uma ótima ideia dar esse nome ao projeto musical.


Resenhando.com - As influências dos anos 80 vieram mais fortes nesse seu terceiro disco. Foi intencional?
Felipe Puperi -
Esse álbum é diferente de tudo que já fiz, principalmente por ter esse caráter animado e dançante. Sinto que ele veio de uma vontade de ter essa energia nos shows, esse momento de curtição, onde as pessoas podem simplesmente aproveitar o momento e dançar, como se estivessem numa grande festa.


Resenhando.com - Fale sobre a participação da banda White Denim no disco.
Felipe Puperi -
Foi a faixa que se tornou o primeiro single, "Lado a Lado". É uma música um pouco mais urgente que as demais, com uma levada contagiante da bateria que funciona como um trilho. Gravei algumas ideias e fiz a melodia e letra, então James Petralli continuou com guitarras, flauta, vozes e percussões. Fala sobre as melhores sensações da vida. 


Resenhando.com - Como a banda foi estruturada para os shows?
Felipe Puperi -
Eu toco guitarra e faço o vocal, amparado pela banda com bateria, baixo e teclados com guitarra. A banda tem dois músicos sergipanos de Aracaju. E essa troca de experiências foi muito positiva para todos. Estruturamos a banda para apresentar o som com o mesmo tipo de sonoridade do disco. Fomos convidados para fazer os shows de abertura da turnê americana da banda White Denim. Etambém vamos mostrar o nosso trabalho pelo Brasil.

"Lado a Lado" - Tagua Tagua


 
"Let It Go" - Tagua Tagua

"Artificial" - Tagua Tagua


sexta-feira, 30 de maio de 2025

.: A voz contra a fome: Manolo Rey e a missão mais impossível de todas


Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. Foto: divulgação.

Com mais de 40 anos de carreira, Manolo Rey é uma das vozes mais reconhecíveis do audiovisual brasileiro. Diretor de dublagem e dublador de personagens icônicos como Sonic, Will Smith em "Um Maluco no Pedaço", Tobey Maguire em "Homem-Aranha" e Robin nas animações da DC, ele coleciona trabalhos que marcaram gerações. Atualmente, ele assina novamente a direção de dublagem da superprodução "Missão: Impossível - O Acerto Final", estrelada por Tom Cruise e em cartaz na rede Cineflix e nos cinemas brasileiros. "Produções dessa magnitude exigem um alto nível de atenção aos detalhes e comprometimento com a qualidade", afirma o diretor, que também destaca a importância da fidelidade emocional na adaptação brasileira.

Além do profissional técnico e versátil, Manolo Rey revela um lado sensível, divertido e engajado. Quando questionado sobre qual vilão derrotaria com sua voz, respondeu sem hesitar: “A fome, com certeza, é o maior vilão do mundo real. E se minha voz fosse tão poderosa, eu a usaria para acabar com a fome”. Nesta entrevista exclusiva, ele compartilha bastidores emocionantes da dublagem, fala sobre os aprendizados que cada personagem lhe trouxe e até confessa em qual universo fictício gostaria de viver. Um mergulho na voz por trás de tantos heróis, comediantes e figuras inesquecíveis.


Resenhando.com - Se a sua voz fosse um superpoder, qual vilão você derrotaria com ela - e como?
Manolo Rey -
A fome, com certeza, é o maior vilão do mundo real.  E se minha voz pudesse fosse tão poderosa, eu a usaria para acabar com a fome.


Resenhando.com - Existe alguma cena ou fala que, ao dublar, você teve que parar tudo porque se emocionou ou riu demais? Pode nos contar essa história?
Manolo Rey - Várias.  “Anjos da Vida: mas Bravos que o Mar” (Ashton Kutcher), chorei muito. “Spin City”(Michael J. Fox), chorei quando ele apareceu com (a doença de) Parkinson.  “Um Maluco no Pedaço”(Will Smith), chorei muito na cena com o pai e o tio Phil.


Resenhando.com - Entre tantos personagens que você já dublou, qual é o que lembra com mais carinho?
Manolo Rey - Todos.  Tive a sorte de, ao longo da carreira, dublar muitos personagens icônicos, e que atravessaram gerações.  Citar apenas um ou dois, seria desonesto e injusto de minha parte.

Resenhando.com - Algum desses personagens influenciou suas escolhas pessoais ou até seu jeito de ver a vida?
Manolo Rey - Acho que em cada um deles tive aprendizados importantes.  Seja em situações engraçadas, em situações sérias, sempre há um aprendizado.


Resenhando.com - Você viveu muitas vidas através de vozes diferentes. Em qual cotidiano desses personagens você gostaria de viver?
Manolo Rey - Com certeza no Mundo dos Looney Tunes.  É tudo muito simples, divertido, e sempre tem solução para tudo.


Resenhando.com - Nos bastidores da dublagem, há silêncio, fones de ouvido e precisão técnica. Mas qual foi o momento mais "rock'n'roll" que você já vivenciou em estúdio?
Manolo Rey - Engana-se quem pensa que há calmaria.  Quando dirijo, atormento os atores, propondo loucuras e fazendo algazarra, e quando dublo entro nas loucuras e algazarras dos diretores.


Resenhando.com - Que ator é muito difícil de dublar e, por outro lado, qual é o mais fácil de realizar a dublagem?
Manolo Rey - Não há essa medida específica.  A meta de toda dublagem é passar verdade com a voz, fazer o público esquecer que é uma produção dublada, acreditar que a voz é do personagem realmente.


Resenhando.com - Você é um dos poucos que já deu voz a heróis, comediantes, românticos e rebeldes. Mas e o Manolo? Que personagem você ainda não teve coragem de ser - nem no microfone, nem fora dele?
Manolo Rey - Jamais seria desonesto e covarde.  Não combina com a minha pessoa.

.: “Essa injustiça tem que ser reparada!”: Anna Toledo e a revolução do palco


Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. Foto: Ale Catan.

Anna Toledo é muito mais do que a dramaturga por trás do espetáculo “Cenas da Menopausa” - ela é uma artista multifacetada, cujo talento transborda dos palcos para as letras e das canções para as emoções humanas. Com uma carreira que atravessa três décadas, ela construiu uma trajetória rara, que une a força do teatro, a delicadeza da música e o olhar sensível sobre temas muitas vezes negligenciados, como a maturidade feminina. Com únicas apresentações em Curitiba, nos dias 6, 7 e 8 de junho no Teatro Guaíra, “Cenas da Menopausa” segue para São Paulo, onde fica em cartaz de 12 de junho a 17 de agosto no Teatro Claro.

Nascida em Curitiba, Anna já brilhou como atriz, cantora lírica, compositora e como autora que tem o dom de transformar experiências pessoais e sociais em narrativas que comovem. O trabalho dela é marcado por um compromisso honesto e humor inteligente, capaz de confrontar tabus sem perder a leveza.

“A menopausa - essa fase tão pouco falada - não é um fim, mas um renascimento”, costuma dizer Anna, cuja parceria com Claudia Raia, com quem já trabalhou no musical sobre Tarsila do Amaral, já rendeu peças que desafiam estigmas e celebram a vida. Em “Cenas da Menopausa”, ela não apenas escreve. Também convida o público a rir, refletir e, acima de tudo, a se reconhecer. Anna Toledo é uma voz essencial do teatro contemporâneo brasileiro, que utiliza sua arte para abrir diálogos necessários e provocar transformações reais, dentro e fora dos palcos.


Resenhando.com - Anna, se a menopausa fosse uma personagem de teatro, que arquétipo ela representaria?
Anna Toledo -
Até hoje, a menopausa foi representada no nosso imaginário pela figura das bruxas e madrastas, mulheres amarguradas pela perda da juventude, que descontam sua frustração em jovens princesas ou pobres filhotinhos de dálmatas (risos) - ou então por aquela figura da mulher surtada se abanando freneticamente. Só que na vida real, quando a menopausa acontece, a gente se sente o próprio cachorrinho perdido e indefeso, sem saber o que está acontecendo! Essa injustiça tem que ser reparada! (Risos)


Resenhando.com - Como você, enquanto autora de "Cenas da Menopausa", percebeu que o humor poderia ser uma arma poderosa contra o estigma social?
Anna Toledo - 
A menopausa pode ser um momento muito solitário. Por sentir vergonha e confusão sobre os sintomas, muitas mulheres afastam as pessoas próximas de si. Mas quando essas dores são compartilhadas, elas se tornam mais leves e podem, inclusive, virar algo para rir junto. É aquilo que o Suassuna já dizia: “o que é ruim de viver é bom de contar”.


Resenhando.com - Você já pensou em transformar as fases do luto, que estruturam a peça, em uma trilha sonora original? Como cada fase poderia soar, se pensássemos nessas fases como estações do ano?
Anna Toledo - Gente, que viagem (risos). Taí uma boa ideia para um spin-off da peça!


Resenhando.com - Seu trabalho transita entre a dramaturgia e a música. Como a sua formação em canto lírico e jazz influencia a forma como você constrói os diálogos e o ritmo das suas peças?
Anna Toledo - 
É uma pergunta interessante. A minha trajetória deu muitas voltas, né? Acredito que a maior influência dessa formação musical na minha dramaturgia se aplica à escrita para musicais, porque eu penso a música sempre como parte da narrativa. Mas o jazz treina a escuta, o que talvez seja bom para a vida, de modo geral.


Resenhando.com - Em uma sociedade que ainda silencia temas como a menopausa, qual você acredita ser o impacto de expor esse tema no palco em termos de transformação social e pessoal?
Anna Toledo - 
Na temporada da peça em Portugal, eu pude ver que as mulheres iam assistir com as amigas e depois voltavam com os maridos. Um destes maridos falou comigo, depois da peça: “agora eu entendi que não era nada pessoal!” A peça tem essa ambição de abrir uma gaveta de assuntos guardados e arejar a comunicação, além de compartilhar informações sobre sintomas que muitas vezes são confundidos com outras doenças, como depressão e ansiedade.


Resenhando.com - Se "Cenas da Menopausa" fosse adaptada para uma linguagem não-verbal, como dança ou pantomima, quais elementos essenciais da experiência feminina você tentaria preservar? Por quê?
Anna Toledo - 
No ano passado tive a oportunidade de roteirizar um espetáculo de teatro-dança (ou dança-teatro) sobre a idade na dança, chamado "A Última das Bailarinas". Eram três bailarinas de diferentes idades dançando a mesma música. Era muito bonito, porque a gente falava de qualidade de movimento como uma metáfora para a qualidade da experiência de vida, em todas as idades. E esta busca pela qualidade da experiência também é o que emerge no "Cenas da Menopausa".


Resenhando.com - Você se vê, como autora, mais como uma cronista do tempo e das transformações sociais, ou como uma provocadora que desafia tabus com sua arte?
Anna Toledo - 
Eu bem que queria ser uma provocadora que desafia tabus, mas minha maior habilidade é enxergar as histórias que surgem na minha frente e imaginar um jeito legal de contá-las.

Resenhando.com - Qual personagem de "Cenas da Menopausa" mais a surpreendeu durante a criação? 
Anna Toledo - 
A Laurinha foi a primeira personagem que escrevi. Ela é uma mulher que está em negação absoluta em relação à menopausa e tudo que envolve o seu próprio envelhecimento e isso pode ser muito engraçado quando você vê de fora. No processo de criação, a personagem foi se revelando e me dando munição para escrever uma cena hilária, que virou uma das minhas favoritas na peça.


Resenhando.com - Na sua trajetória, qual foi o papel mais desafiador que você já interpretou - no palco ou como dramaturga - e como ele dialoga com a maturidade que a menopausa simboliza?
Anna Toledo - 
Tive alguns papéis muito especiais, que guardo com carinho imenso e saudade. A Fraulein Schneider, de "Cabaret", ou a Luzita, de "Vingança", a Mãe de "Lembro Todo Dia de Você", a cantora Alice Rae em "Chet Baker, Apenas Um Sopro"… Mas não sei dizer qual foi o mais desafiador, porque cada um trouxe um desafio diferente. Todas são mulheres maduras, complexas, interessantes, com um lado sombrio tão grande quanto a sua luz. Fui muito feliz vivendo estas personagens.


Se você pudesse escrever um espetáculo sobre um tema inesperado que ainda não explorou, mas sente que tem uma urgência pessoal, qual seria?
Anna Toledo - 
Tenho muita vontade de falar sobre o tempo e as múltiplas percepções a seu respeito. Se o Tempo me permitir, o farei.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

.: Entrevista: Juliete Vasconcelos e a construção da mente de um assassino


Juliete Vasconcelos subverte convenções do thriller ao revelar desde o início a mente do assassino e mergulhar em suas origens, motivações e perversidades. Foto: divulgação


Em "O Ceifador de Anjos: a Coleção de Fetos", a escritora Juliete Vasconcelos conduz o leitor por um thriller psicológico intenso e perturbador, onde o foco não está na descoberta de um assassino, mas em compreender sua mente. Inspirada por séries como "Dexter" e "You", a autora opta por revelar logo nas primeiras páginas que Vincent Hughes é um assassino em série - o que importa, aqui, é o “porquê” e não o “quem”. A narrativa desafia julgamentos fáceis e propõe uma imersão desconfortável e fascinante na complexidade da psicopatia, da manipulação e das múltiplas faces da maldade. 

Em vez de seguir a fórmula do suspense policial, a trilogia se dedica a acompanhar o Ceifador em três fases distintas: a glória invisível, os gatilhos da infância e o declínio inevitável. Em entrevista, a autora comenta o processo criativo da obra, fala sobre a construção do vilão e o compromisso de sua escrita com a complexidade humana. Apoie o Resenhando.com e compre o livro "O Ceifador de Anjos: a Coleção de Fetos" neste link.


“O Ceifador de Anjos: a Coleção de Fetos” conta a história de Vincent Hughes, um homem aparentemente comum, mas que esconde ser um serial killer meticuloso e cruel. Como foi a construção psicológica do protagonista?  
Juliete Vasconcelos Acredito que por eu consumir conteúdos do gênero há tantos anos, a construção se deu de forma bastante natural. Conseguia ver no Ceifador traços muito similares aos vilões/anti-heróis dos livros e da TV. Inclusive, tive ótimos feedbacks no que se refere à construção psicológica do Ceifador vindos de psicólogos e psiquiatras. Soube por uma leitora, que também é psicóloga, que ela o indicou para o Conselho de Psicologia do qual fazia parte, sob a justificativa de que eu soube, enquanto autora, apresentar um psicopata “tal qual é de verdade”, o que me deixou muito feliz. 

O livro lida com temas como psicopatia, manipulação e assassinatos brutais. Como foi o processo de pesquisa e preparação emocional para escrever cenas tão intensas?  
Juliete Vasconcelos Como consumidora aficionada por conteúdos do gênero (livros, filmes, séries, documentários etc.), no que se refere à preparação emocional, não tive dificuldade para escrever a maior parte das cenas. Para mim, diferentemente do que ocorre quando leio outros gêneros, quando se trata de um thriller/criminal, consigo visualizar as cenas perfeitamente em minha mente, como se estivesse assistindo um filme. 


A escolha de revelar a identidade do assassino logo no início é incomum em thrillers. O que te motivou a subverter essa expectativa clássica do gênero? 
Juliete Vasconcelos Partindo da premissa de que produzimos aquilo que gostamos de consumir, sempre me senti mais instigada quando consigo (como leitora e telespectadora) mergulhar na mente do vilão/anti-herói, porque me permite despir-me de preconceitos e de fazer julgamentos, forçando-me a buscar as razões, obviamente não justificáveis, dos atos cometidos. Escancarar que a mente humana é complexa e que há variadas leituras e interpretações da realidade por “N” motivos, assim como diversas reações a elas - das mais brandas às mais perversas -, é o compromisso que assumi com minha escrita. 


Quais foram as referências para a construção da narrativa?  
Juliete Vasconcelos Documentários que partem da vida do criminoso, seja ele um assassino psicopata ou um serial killer; livros e séries como “Dexter” (Jeff Lindsay), “Perfume: a História de Um Assassino” (Patrick Süskind), “Bates Motel” (Robert Bloch) e “You” (Caroline Kepnes), que assim como na trilogia “O Ceifador de Anjos” acompanhamos o dia a dia do vilão/anti-herói, ficando as investigações sempre em segundo plano. 


O que os leitores podem esperar da trilogia “O Ceifador de Anjos” nos próximos volumes? 
Juliete Vasconcelos Muito sangue, muitas descobertas e reviravoltas. A trilogia está dividida nas três fases da vida do Ceifador. Neste primeiro volume (A coleção de fetos), temos a melhor fase da sua vida: onde ele faz e acontece sem precisar lidar com as consequências, é feliz e invisível no que se refere ao radar dos detetives; no volume 2 (Antes da coleção), retornamos à sua infância e adolescência, além de parte da sua vida adulta, quando dá início à coleção, de forma que o leitor possa “compreender” o que o levou a cometer tamanhas atrocidades; e por fim, no volume 3 (A última ceifa), deparamo-nos com a pior fase da vida do Ceifador, onde ele começa a arcar com as consequências de seus atos. Costumo brincar que no primeiro livro é fácil “amar” e até “torcer” pelo Ceifador, e que no segundo, o leitor é capaz de o entender e até ter alguma empatia pelo protagonista, enquanto, no livro três, quaisquer sentimentos são transformados em ódio.



segunda-feira, 19 de maio de 2025

.: Leandro Marçal e o litoral profundo, aquele que não aparece no cartão-postal


No livro, 14 contos são ambientados em ruas, praças e avenidas reconhecíveis de São Vicente e arredores - espaços onde a violência, a desigualdade e a masculinidade tóxica não apenas existem, mas moldam o cotidiano de homens comuns. Foto: divulgação

Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com

Nem todo litoral é feito somente de sol, mar, calor e cartões-postais. Na contramão do imaginário turístico que costuma pintar a Baixada Santista com tons de paraíso, o escritor vicentino Leandro Marçal lança um olhar direto, incômodo e necessário para o lado mais áspero da região. Em "Me Vê Dez Médias", quinto livro dele, há 14 contos ambientados em ruas, praças e avenidas reconhecíveis de São Vicente e arredores - espaços onde a violência, a desigualdade e a masculinidade tóxica não apenas existem, mas moldam o cotidiano de homens comuns. Longe de estereótipos idealizados, Marçal apresenta narrativas que dialogam com o que há de mais contraditório no comportamento masculino e na urbanidade periférica, revelando uma Baixada Santista que nem sempre ganha voz na literatura.

Viabilizado com recursos da Política Nacional Aldir Blanc, o livro é - também - um ato de resistência cultural e uma aposta na potência da escrita independente. Com narradores em primeira pessoa, sem nome, Marçal convida o leitor a caminhar pela mente de personagens cheios de conflitos e vícios sociais, em histórias que misturam incômodo, identificação e reflexão. “Esse livro tem mais o cinza das ruas do que as cores da areia e do mar”, explica o autor - uma frase que poderia, por si só, servir de epígrafe para toda uma literatura que se recusa a dar as costas à favela. O valor de cada exemplar é de R$ 30,00 e os pedidos podem ser feitos no site do autor: www.tireidagaveta.com.br.

Resenhando.com - Seu novo livro, "Me Vê Dez Médias", traz a violência e a brutalidade masculina como fio condutor. Como esse tema emergiu durante o processo de escrita e de que forma ele se entrelaça com o cotidiano da Baixada Santista?
Leandro Marçal - 
É muito comum ver homens médios tentando se provar o tempo todo: "o mais forte", "o mais bravo", "o mais temido", "o mais macho", "o mais pegador". Quem foge desse perfil parece ser visto com um olhar meio torto, de esquisito, de "ihhhh, a lá o cara...". E acho que desde o meu segundo livro tenho trabalhado um pouco essa questão, de homens comuns com comportamentos bem problemáticos, mas naturalizados não só por eles quanto por todo o entorno. Cada vez mais se pensa e se fala nisso, me parece. Mas é como instalassem na gente um software para replicar esses comportamentos, sem parar para pensar nisso, é difícil ser diferente. Neste livro, escolhi narradores homens, sem nome, em primeira pessoa, como se desse a mão ao leitor e à leitora, dizendo: vem cá, vamos passear na cabeça desse cara tão cheio de conflitos e contradições, tão viciado num jeito de ver um mundo, tão cheio de erros e acertos. Em alguns contos, espero que isso cause alguns incômodos. Dito isso: a epígrafe do livro é um trecho da música "Zerovinteum", do Planet Hemp: "É muito fácil falar de coisas tão belas / De frente pro mar, mas de costas pra favela". Essa frase me marca há muito tempo e tem tudo a ver com a nossa região. Tem muita gente escrevendo sobre como a praia é linda, sobre como temos paisagens bonitas. Não tenho muita certeza se há tanta gente escrevendo sobre a hostilidade dessa nossa província, cheia de tantas desigualdades e injustiças quanto todo o Brasil. 

Resenhando.com - A expressão popular que dá título ao livro evoca algo trivial do dia a dia, mas os contos trazem realidades duras. O contraste foi intencional? O que há de simbólico nesse título? 
Leandro Marçal  - 
Escolhi como título uma frase que remete à linguagem da Grande São Vicente (se santistas podem ser bairristas, eu também posso). Essa fala também está em um dos contos, quando um personagem pede seus pães antes de uma cena com alguns tiros. Parece uma frase banal, como a ilustração é bem bonita e traz pãezinhos, mas é como se eu fizesse uma armadilha para colocar os leitores e leitoras dentro de uma gaiola com 14 contos que não são "bonitinhos", mas duros. Como é a Grande São Vicente. 

Resenhando.com - Você menciona que a região não é apenas cenário, mas também protagonista. Como foi o processo de transformar a Baixada Santista em um personagem com voz própria?
Leandro Marçal - 
Quando comecei na literatura, tinha certa resistência a ambientar minhas ficções aqui na província. Achava que pessoas de outros lugares não captariam, não entenderiam, que os nomes de ruas ficariam meio sem sentido. Besteira! Ambientei todas as histórias em locais pelos quais passei, cheguei a fazer pesquisas e checagem de nomes de ruas, praças e avenidas. Não há um único conto sem descrição geográfica conhecida por quem insiste em morar aqui. 

Resenhando.com - Há um certo desencanto nas suas palavras ao falar da Baixada - o “cinza das ruas” parece se sobrepor às “cores da areia e do mar”. Como você acredita que a literatura pode romper com estereótipos turísticos de uma região como a sua?
Leandro Marçal - 
Não sei se é bem um desencanto ou se é uma tentativa de escancarar as desigualdades. Conheço gente que mora na orla de Santos e enxerga a Zona Noroeste, os morros e aquela região da Alemoa como pertencente a outro lugar, a outra cidade. Conheço gente de São Vicente que sente arrepios ao ouvir falar em Vila Margarida ou Área Continental. Não sei se a literatura consegue romper esses estereótipos de "o que vale é a praia", mas se um único leitor entender que o lado da praia não deveria dar as costas ao resto do município, já vai ter valido a pena. 


Resenhando.com - Nos contos, você fala da tentativa constante do homem de se provar, de impor sua força. Como você enxerga essa masculinidade tóxica no contexto das periferias urbanas, especialmente no litoral paulista?
Leandro Marçal - 
Em alguns grupos de amigos, parece que a quinta série nunca acabou. Eu ficaria feliz se essa afirmação fosse referente apenas a piadas e trocadilhos ruins (eu gosto). Nunca morei longe daqui e penso que a nossa região não foge tanto da realidade de outros lugares, onde os caras tentam se provar de diversas formas. Eu acho isso muito ruim porque faz a gente carregar um peso desnecessário. Homem se emociona, tem fraquezas e não tem todas as respostas do mundo. Admitir isso é um bom passo para ser melhor, para mudar nem que seja seu entorno. Só não vale se dizer "desconstruidão" apenas para se promover. Tento ficar longe disso e alerto para que nunca criem expectativas sobre mim, porque nem eu crio. Para quem acha que estou "militando" (para certa gente, esse verbo só não é usado no sentido pejorativo quando se trata da tara por gente fardada, né?), sugiro dar uma olhada nos índices de suicídios entre homens, na expectativa de vida masculina inferior à feminina e nos casos de violências causadas por homens contra mulheres e populações minorizadas diversas. Também sugiro se informar mais. 


Resenhando.com - O livro foi viabilizado com recursos da Política Nacional Aldir Blanc. Qual a importância do incentivo público à cultura, especialmente para escritores independentes que retratam realidades marginalizadas?
Leandro Marçal - 
Sem esse incentivo, eu não teria como publicar o meu livro. Volta e meia, tem alguém reclamando da falta de incentivo à cultura e aos livros no Brasil. Não raro, esse mesmo alguém está nas redes sociais vomitando contra leis como a Rouanet. O setor cultural precisa de políticas públicas de incentivo para ser viabilizado e para os trabalhadores exercerem seu ofício com mais dignidade. Se você acha que falo besteira, lembre-se de que áreas como a automobilística, o agronegócio e indústrias num geral recebem incentivos fiscais inúmeros para se manter em atividade. Como não estou debaixo do guarda-chuva de nenhuma grande editora, esse incentivo me permite publicar um livro sem tirar de onde nem tenho para o meu livro ganhar as ruas. Por meio dele, consegui remunerar dignamente a preparadora Camila Ferreira, o ilustrador Carlos Roque, o diagramador Vinicius Carlos Vieira, o revisor Marcos Teixeira e a gráfica. 

Resenhando.com - Você já transitou por diferentes gêneros - crônicas, ensaios autobiográficos, romance e contos. O que motivou a escolha pelos contos neste projeto específico? Eles ofereceram alguma liberdade narrativa particular?
Leandro Marçal - 
Nesse caso específico, eu escrevi os contos todos para o projeto, eles não estavam escritos anteriormente. Pensei que as histórias variadas me permitiriam abordar temáticas e lugares variados, de um jeito que um romance, por ser uma só história, não daria o espaço para expor tantos lugares. Também a escolha de colocar protagonistas homens, mas sem nome, ajuda colocar os leitores e leitoras em uma sensação de "qualquer cara pode ser esse cara". 


Resenhando.com - Sendo alguém que mora na região a vida toda, como foi o equilíbrio entre a escrita ficcional e a vivência real nas ruas e espaços retratados no livro? Há personagens ou cenas diretamente inspirados em pessoas que conheceu? E o que há de autobiográfico nisso?
Leandro Marçal - 
Dois ou três contos foram baseados em situações acontecidas com pessoas próximas. Mas só baseados mesmo, a faísca da realidade causou o incêndio da ficção. Comecei na literatura como cronista e a crônica exige do escritor um olhar atento para o dia a dia, para o banal, para as pequenas coisas capazes de virarem grandes textos. Como a minha literatura acontece nas ruas, não perder isso de vista é algo que está comigo, até por não ser autor de uma literatura que precisa de grandes acontecimentos, de grandes universos. 


Resenhando.com - Seu livro anterior explorava o futebol como pano de fundo. Há alguma conexão entre aquele universo e os personagens de "Me Vê Dez Médias", ou você vê essa nova obra como um ponto de ruptura?
Leandro Marçal - 
Acredito que há uma conexão entre os livros no sentido de haver personagens masculinos expondo as entranhas e contradições do ser masculino. Mas no livro anterior, há uma variação de gêneros, linguagens e narrações entre os contos; nesse atual, os contos têm uma linguagem mais parecida entre si, eles se conectam mais. 

Resenhando.com - Que tipo de leitura você espera provocar? Qual é o sentimento que você gostaria que o leitor carregasse ao fechar a última página?
Leandro Marçal - 
Acho que a minha literatura causa uma mistura de sentimentos. Nos contos, tem um pouco de incômodo e de identificação. Assim, desse jeito, contraditório. Sinceramente, se o livro servir apenas como entretenimento de algumas horas para os leitores, está tudo bem. Mas se um único leitor parar para pensar em como a gente naturaliza a brutalidade, a violência e a hostilidade, vai valer muito mais!

Nas histórias de “Me Vê Dez Médias”, a violência e a brutalidade masculina guiam e atormentam os protagonistas criados por Leandro Marçal

sábado, 17 de maio de 2025

.: Entrevista com Gabriel Aragão, da banda Selvagens à Procura de Lei


Por Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural. Foto: Igor de Melo

Com mais de 15 anos na estrada do rock, a banda Selvagens à Procura de Lei está divulgando seu terceiro disco, intitulado “Y”. Um trabalho que marca a nova fase do grupo e seus novos integrantes. Matheus Brasil, baterista, é ex-membro da banda Projeto Rivera, que tocou no Rock In Rio representando Fortaleza em 2018. Plínio Câmara, guitarrista, é ex-membro da banda Casa de Velho, fundada por ele. E Jonas Rio, baixista, é ex-membro da banda Left Inside, além de Gabriel Aragão, membro fundador da Selvagens a Procura da Lei. É ele quem define o conceito da produção musical. 

Segundo ele a nova formação dos Selvagens à Procura de Lei carrega em si a representatividade de uma Fortaleza periférica, preta e jovem. Em entrevista para o Resenhando.com, Aragão conta como foi que surgiu o cenário para o rock em Fortaleza e as dificuldades que há para furar a bolha do eixo Rio-São Paulo para mostrar o trabalho da banda. “O Nordeste também tem espaço para produzir rock com qualidade e originalidade”.


Resenhando.com - Quais foram as referências musicais para o Selvagens à Procura de Lei?
Gabriel Aragão - 
As bandas de rock dos anos 80 foram nossas principais influências. O nome do grupo veio do título do terceiro disco dos Paralamas do Sucesso (Selvagem). Mas não vou negar que tem inspiração naquele trecho da canção da Legião Urbana, Tempo Perdido (E tão sério/E selvagem/Selvagem/Selvagem...). No plano internacional as influências são muitas. Fui criado em um ambiente familiar altamente Beatlemaníaco. E atualmente ouço muito rock alternativo.


Resenhando.com - Passados 15 anos e agora com o terceiro disco, a banda conseguiu encontrar seu espaço no rock nacional?
Gabriel Aragão - 
Não tenho do que reclamar. Tocamos em vários festivais, como o Lollapalooza, o Rock In Rio, o Planeta Terra...mas é fato que ainda tem público no Sudeste que se surpreende quando toma conhecimento do nosso trabalho e de onde nós viemos. Ainda há aquela imagem do Nordeste com o forró e a música de festa, que realmente é uma tradição que merece ser preservada. Mas no Nordeste também tem espaço para o rock e suas várias vertentes. Fortaleza tem um cenário muito forte nesse segmento. Nós fazemos hoje o que chamam de indie rock, ou rock alternativo, como você preferir.


Resenhando.com - Fale sobre o novo disco.
Gabriel Aragão - 
Este foi um disco bem pessoal. Talvez o mais pessoal da banda e muito, muito rock. Gravado em Fortaleza em poucos meses, durante o hiato da banda, falamos sobre rupturas e sobre seguir em frente, assim é a vida. O nome do disco se chama “Y” por conta do desenho da letra, que se assemelha um caminho que se bifurca, ao mesmo tempo simbolizando uma separação e um seguir em frente. Escrever esse disco foi ao mesmo tempo natural e necessário, tendo sempre em mente o amor imenso à história da banda e a todos os fãs, sem exceção. Agora, com nova formação, seguiremos em frente nos palcos e em futuras canções.


Resenhando.com - O título tem a ver com a figura da capa?
Gabriel Aragão - 
A capa ficou por conta de João Lauro Fonte, que já tinha trabalhado com a banda no single “Por Todo O Universo”. Para essa arte, tivemos a ideia de usar a folha da ginkgo biloba, que é uma planta que virou símbolo de resistência depois de sobreviver à bomba atômica de Hiroshima, renascendo do solo devastado. Assim como essa árvore, todos nós carregamos essa força dentro da gente. A figura lembra também a letra Y.


Resenhando.com - Como estão se estruturando para divulgar esse trabalho?
Gabriel Aragão -
Estamos iniciando uma turnê pelo País. Começaremos pelo Nordeste e depois seguimos para Minas Gerais. Mas vamos levar o show e as novas músicas para o Norte e para o Sudeste. Queremos levar a nossa música para todo o lugar que pudermos tocar. Isso inclui também o Litoral Paulista, que tem um público sempre muito caloroso.


Selvagens à Procura de Lei - Daqui pra Frente



sexta-feira, 9 de maio de 2025

.: Entrevista: Sonya Ferreira canta a saudade da boa música

Por Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural. 

Uma das vozes do mítico grupo vocal Quarteto em Cy por mais de 50 anos, Sonya Ferreira sempre se destacou pela sua voz afinada e suave. E agora ela se mostra por inteiro como solista em um álbum intitulado Da Saudade Boa, que já foi disponibilizado nas plataformas de streaming. Um repertório que mescla canções inéditas com releituras de canções que fizeram parte de sua formação musical em várias épocas. Em entrevista para o portal Resenhando.com, ela conta como se deu o processo de produção, que contou com arranjos do experiente Luiz Claudio Ramos e sua relação com a obra de George Gershwin, um dos maiores nomes da música internacional. “Passei um ano estudando a vida de Gershwin nos Estados Unidos”.


Resenhando.com - "Da Saudade Boa" é um álbum que passeia pelas suas memórias afetivas. Como foi o processo de escolher quais músicas fariam parte desse retrato tão pessoal da sua história?
Sonya Ferreira - Dá Saudade Boa é um álbum que fala da minha memória afetiva com relação a todos os amigos, a todas as pessoas, sendo músicos, cantores que participaram desde o meu começo como cantora profissional. A ideia surgiu quando começou a pandemia. O maestro Luiz Cláudio Ramos, que foi sempre nosso arranjador no Quarteto em Cy, falou assim, “Soninha, você não pode parar não, você topa fazer um disco?”. Na hora topei, porque eu tinha um tempo, eu aceitei na hora, fiquei muito feliz com o convite dele. Então fui pedindo músicas a vários compositores, amigos e parceiros, uma das primeiras canções que chegou em minha mão, foi uma composição inédita do Miltinho, do MPB4, com o Magro. Aí eu pedi ao Sá, o “Samba da Aurora”, e foram surgindo as músicas.


Resenhando.com - João Donato deixou sua marca em “Gaiolas Abertas”, pouco antes de partir. Como foi trabalhar com ele e o que essa gravação representa na sua trajetória?
Sonya Ferreira -
João Donato eu já apreciava demais. Desde 1965, quando convivíamos em Los Angeles. Ele estava sempre com a gente e com todos os músicos. Foi maravilhoso gravar com o Donato, “Gaiolas Abertas”, porque os arranjos desse meu álbum, quem fez foi o Luiz Cláudio.  Mas aconteceu algo mágico nessa faixa. O João Donato chegou no estúdio, se sentou no teclado e já começou a tocar.  Então, dentro do estúdio, eu já comecei a cantar com ele, acompanhados pelos músicos. Mas, Donato, na hora, criou um arranjo com a marca dele e gostamos do arranjo feito por João Donato para “Gaiolas Abertas”, parceria dele com o Martinho da Vila.


Resenhando.com - Entre tantas regravações e homenagens, há também músicas inéditas. Como você equilibrou o novo com o nostálgico para manter a alma do disco?
Sonya Ferreira - 
Foi uma coincidência. Por exemplo, “Ao Amigo Tom”, que é uma música dos irmãos Vale (Marcos e Paulo Sérgio), eu sempre amei desde a minha adolescência, quando eu a ouvia com a Claudette Soares, que é uma cantora que eu amo e sempre fui fã. Eu amava o arranjo da gravação da Claudete. Quando fui gravar, optei por um arranjo baseado no da Claudette, que é do Osmar Milito. Então, ficou bem assim, no estilo daquele arranjo que a Claudete gravou nos anos 60.´ É todo baseado no arranjo mais antigo, com o toque moderno do vocal. E tem o contraste com as músicas inéditas, como a do Ivan Lins com o Gilson Peranzzetta e Nelson Wellington na faixa  “Doce Rotina”, que é muito bonita.


Resenhando.com - O título do álbum vem de uma canção de Miltinho e Magro Waghabi. Como essa amizade com eles influenciou não só esse disco, mas a sua carreira como um todo?
Sonya Ferreira - 
Quando eu pedi a música ao Miltinho, eu vi essa música com o título “Dá Saudade Boa”, que completou tudo, fechou toda a ideia. Foi o que influenciou a minha escolha, nos compositores, nas pessoas, nos cantores que iam cantar comigo e das participações nas composições de cada um deles.


Resenhando.com - Você homenageia ídolos internacionais como Michel Legrand e Gershwin. Como essas influências estrangeiras dialogam com a sua formação musical?
Sonya Ferreira - 
Esses dois compositores sempre me influenciaram. Michel Legrand, eu estive com ele na primeira vez quando ele veio ao Brasil. Eu já era fã, tinha discos, tinha vários álbuns. E era muito amiga do Pedro Paulo Castro Neves, o Pepe, irmão do Oscar Castro Neves, que foi nosso arranjador durante anos. Fomos assistir ao show do Legrand no Canecão. Era a primeira vez, e aí o convidamos. Pepe já conhecia Michel Legrand e aí eu os convidei para um almoço em casa na época em que morava no Leblon. Eles foram na minha casa almoçar. Eu tinha meus álbuns com as partituras de Michel Legrand. Ele assinou todos com dedicatória. E George Gershwin, sempre foi a minha paixão como pianista e compositor. Eu estive, inclusive, no centenário de George Gershwin, em 98, quando fui aos Estados Unidos. Passei um ano estudando sobre George Gershwin, sobre a vida dele. Estive em Nova York e fui à biblioteca do Congresso, em Washington, onde eu estive com o diretor do setor de música. Fiz uma grande pesquisa, trouxe vários álbuns de partituras, CDs, livros...  Gershwin está aqui na minha casa, nas paredes, nos quadros, no piano. Tenho uma grande paixão, por esses dois, Michel Legrand e George Gershwin. Gravei a valsa de Michel Legrand com a versão do Ronaldo Bastos. E gravei do George Gershwin com Ira Gershwin, a faixa  “Someone To Watch Over Me”.


Resenhando.com - Estar cercada por nomes como Luiz Claudio Ramos, Cristóvão Bastos, Jorge Helder... Como foi reunir esse time de músicos no estúdio e como isso contribuiu para a sonoridade do álbum?
Sonya Ferreira - 
Graças à Deus sempre estou cercada por esses músicos fantásticos, sendo violonista, pianista, baixista... músicos de uma categoria fantástica que sempre fizeram parte das nossas apresentações, seja tocando ao vivo ou gravando com o Quarteto em Cy. Cristóvão Bastos, um pianista, que já tinha tocado várias vezes com o Quarteto em Cy, Jorge Helder, um baixista de uma categoria fantástica, Luiz Cláudio um grande produtor. Fiquei muito feliz em tê-los nesse meu álbum.

"Você Vai Ver"

"Da Saudade Boa"

"Someone To Watch Over Me"

sábado, 3 de maio de 2025

.: Entrevista com Paulinho Guitarra: seis décadas em seis cordas


Por
 Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural. 

Na atividade como músico desde 1967, Paulinho Guitarra mantém um currículo invejável. Fundador (e padrinho) da célebre Banda Vitória Régia, que acompanhou Tim Maia, ele também fez trabalhos memoráveis com vários outros nomes, como Marina Lima, Ed Motta, Marcos Valle, Cassiano, Sandra de Sá, Cazuza e Paula Lima, só para citar alguns exemplos

E o veterano músico nem cogita uma aposentadoria. Seu elogiado trabalho instrumental segue em plena atividade. O seu último disco, o Baile na Suméria, mescla uma sonoridade soul com o jazz de forma singular. E ele desenvolve atualmente um projeto de show ao vivo com foco na sonoridade soul dos anos 70, além de participar do projeto em tributo ao músico Raul de Souza. Em entrevista para o portal Resenhando.com, Paulinho conta alguns detalhes dessa sua trajetória na música, incluindo seus projetos atuais.

 

Resenhando.com - Quais foram suas principais influências musicais?
Paulinho Guitarra - Minhas influências vieram dos anos 60, com nomes como Eric Clapton (da fase das bandas Cream e Blind Faith), Jimi Hendrix, Leslie West (da banda Mountain), além de George Harrison dos Beatles. Posso citar ainda B.B. King e Freddie King, na área do blues. Já na área do jazz citaria nomes como John McLaughlin, Pat Metheny, Miles Davis e John Coltrane. Acrescentaria ainda as bandas de soul, como a Mar-Keys, que acompanhava os astros da gravadora Stax. É um universo bem amplo.


Resenhando.com
 - Como foi tocar na banda Vitoria Regia, que acompanhava o Tim Maia?
Paulinho Guitarra - Foi um aprendizado e tanto. Eu participei das gravações dos discos da fase inicial do Tim, de 1971 até 1977. E um fato curioso é que eu acabei sendo o padrinho da banda. Naquela época, a banda ainda não tinha nome. Nós ensaiávamos em uma casa que ficava na rua Vitória Régia, no Rio de Janeiro. Um dia sugeri pro Tim nomear o grupo como a Banda da Rua Vitória Régia. Ele adorou a ideia. Mais tarde, para encurtar o nome, ele tirou a rua e passou a se chamar somente Banda Vitoria Régia. E ficou assim desde então. Foi uma escola para um músico como eu, tocar ao vivo e gravar em estúdio. Aprendi muita coisa.


Resenhando.com
 - Mais tarde você tocou com o Cassiano. Por que essa parceria não foi para frente?
Paulinho Guitarra - Foi depois que saí da banda do Tim Maia. O Cassiano me chamou para participar de um disco dele. Fizemos vários ensaios mas o disco nunca chegou a ser lançado. Depois fui tocar com o Sidney Magal, que fêz um sucesso grande naquele período, além de tocar com Carlos Dafé, entre outros.


Resenhando.com
 - Nos anos 80 você integrou a banda da Marina Lima com um time de feras da música (Renato Rocketh, Jorjão Barreto, etc). Fale sobre essa experiência.
Paulinho Guitarra - Depois de tocar com vários nomes, veio o convite para participar do grupo que acompanharia a Marina Lima. Acabei ficando oito anos com ela. Era época dos discos "Fullgas", "Todas" e "Virgem". Foi um período muito produtivo. A banda dela teve várias formações até chegar na época do disco 'Todas" , que tinha o Rocketh no baixo, o Sérgio Della Monica na bateria, Jorjão Barreto nos teclados e Miguel Ramos no sax. Foi uma experiência bem marcante. Fizemos muitas coisas legais.


Resenhando.com
 - Conte como aconteceu o solo de guitarra da gravação de "Nada por Mim", com a Marina.
Paulinho Guitarra - Eu tinha também uma banda com o Claudio Zoli nesse período. E quando surgiu a gravação para fazer, eu estava ainda esperando chegar uma guitarra nova, que eu havia comprado. Por isso, pedi emprestado a guitarra Fender Stratocaster do Zoli para gravar. O solo aconteceu praticamente ao vivo no estúdio. Sem parar de fazer a base, eu fiz o solo que saiu em um estilo meio blues e acabou ajudando a canção a fazer o sucesso que foi na época. Também marcou muito o solo da canção "Uma Noite e Meia", do Renato Rocketh, que virou um hit da Marina nos shows da época do álbum Virgem.


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 - Na sequência você tocou na banda do Ed Motta. Como foi tocar com ele?
Paulinho Guitarra - Um pouco antes toquei com o Claudio Zoli. E realmente depois toquei com o Ed Motta. Foram quase 22 anos tocando com ele, que é um cantor incrível. Um dos melhores, sem dúvida. E toquei ainda com Marcos Valle, que foi uma outra experiência incrível.


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 - Fale sobre seu projeto autoral instrumental.
Paulinho Guitarra - Tenho um selo musical, o Very Cool Music, pelo qual lancei quatro discos: Very Very Cool Band, Trans Space, Romantic Lovers e Baile na Suméria. E tenho mais um, o primeiro que foi pela Niteroi Discos, que leva o meu nome no título. Dos projetos atuais, tem o Superfly, um show com foco na sonoridade soul dos anos 70. E também faço parte do projeto Tributo ao Raul de Souza,        que foi um dos maiores músicos do País. Continuo compondo e produzindo coisas novas nessa linha instrumental.


"120 Shars Beat"

"Shem Shem"

"Ianna Fun"
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