quinta-feira, 7 de agosto de 2025

.: Papo reto e divã aberto: Darson Ribeiro responde sem censura, nem filtro


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Na imagem, Darson Ribeiro entre os atores Guilherme Chelucci e Olivetti Herrera. Foto: Moisés Pazianott

Quando o assunto é teatro, Darson Ribeiro não apenas sobe no palco: ele inventa, ilumina, dirige e às vezes até abandona. Ousado, polêmico e apaixonado pelo ofício, é um artista sem freios e nenhum tipo de filtro. Com passagens marcantes por novelas, séries e uma extensa carreira teatral, ele cravou o nome na cena com obras que mesclam inquietação estética, existencialismo bem-humorado e aquele faro certeiro para o que mexe com a alma, até mesmo quando incomoda.

Um dos maiores sucessos da carreira dele, "Homens no Divã" - em cartaz até 25 de agosto no Teatro Fernando Torres com sessões às sextas, sábados e domingos - completa dez anos de apresentações com sessões abarrotadas, risos nervosos e confissões sussurradas até o cair do pano. Darson não quer plateias confortáveis, ele precisa provocar espectadores. Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, Darson Riobeiro responde a perguntas nada terapêuticas sobre vaidades cênicas, fracassos, fetiches teatrais e a eterna dúvida: o que é, afinal, um bom teatro?


Resenhando.com - Você já saiu de espetáculos por tédio ou repulsa estética. Já pensou em sair de algum espetáculo seu no meio da apresentação? E o que o impediu?
Darson Ribeiro - Já saí, sem o menor constrangimento. Assim como eu, no palco, penso e avalio que isso é passível de acontecer, do outro lado eu também tenho esse direito. Por isso, até prefiro comprar ingresso para prestigiar autores, atores, diretores. Sempre fico - é raro acontecer. Mas já saí numa peça do Gerald Thomas e numa do Zé Celso, no Museu Hélio Oiticica, ambas no Rio. E isso não significa que não os admire. Mas não foi por tédio ou repulsa estética, esses adjetivos são muito pesados.


Resenhando.com - Você afirma detestar escatologia no teatro. O que te causa mais nojo: uma cena de excremento em cena ou uma plateia que aplaude qualquer coisa por medo de parecer burra? 
Darson Ribeiro - De novo, uma palavra pesada demais: “nojo”. Nunca saí só por isso. O pseudo-excremento ou escatologia, num bom contexto, me segura. Ou segura qualquer espectador. Os Satyros, por exemplo, já fizeram muita coisa escatológica e nunca saí. Pelo contrário. Assisti a uma peça num festival na Holanda em que o ator comia um fígado cru, mas aquilo fazia todo sentido dentro da encenação. O que é ruim é o “gratuito” - querer chocar por chocar. Isso já foi, é passado. Como o nu, quando inserido de forma grotesca ou gratuita. E jamais teria nojo de uma plateia que aplaude qualquer coisa. O teatro tem isso: ele provoca, transforma (quando é bom) e as pessoas, às vezes, o fazem porque não entenderam ou estão só seguindo a massa, que levanta pra aplaudir mesmo sem ter gostado.


Resenhando.com - Em uma era em que o streaming domestica o olhar e o teatro luta por público, ainda faz sentido montar clássicos como "O Jardim das Cerejeiras"? Ou seria melhor enterrar os coveiros de Tchekhov de vez?
Darson Ribeiro - Jamais. Por isso se chama clássico: sempre será, e nunca morrerá. Graças a Deus temos o TAPA fazendo do bom e do melhor desses clássicos todos. Amo "O Jardim das Cerejeiras" e já sonhei em montar. Dei uma entrevista hoje e comentei sobre isso. O teatro está perdendo - ou já perdeu - a tradição.


Resenhando.com - "Homens no Divã" completa uma década em cartaz. O que mudou mais: o homem no palco, o homem na plateia ou o terapeuta invisível que está entre eles?
Darson Ribeiro - Não existe terapeuta invisível. Quem dera! Por isso o êxito da peça: ela traz a psicanálise como forma de entendimento da vida, usando a risada pra isso. É uma comédia inteligentíssima que, graças a anos de análise freudiana, eu pude contribuir. O homem não mudou. Pelo contrário: piorou. O ser humano está regredindo na sua forma de pensar, de agir, de conviver, de se autovalorizar. O homem no palco fará aquilo que o autor ou o diretor propuser. O da plateia, jamais teremos controle - por isso disse que é natural um espectador sair.


Resenhando.com - Você citou "A Falecida", de Nelson, como um marco. Hoje, o autor ainda nos representa ou virou fetiche de encenador sem repertório?
Darson Ribeiro - Concordo que algum encenador pode, sim, usar Nelson Rodrigues pra se firmar ou mostrar que conhece a dramaturgia brasileira. Mas Nelson é um clássico - e, como disse, nunca morrerá. Graças! Não é que “ele nos representa” - isso parece frase feita, pronta. Mas ele ainda escreve como ninguém sobre a sordidez humana. E isso, infelizmente, nunca vai morrer também.


Resenhando.com - Paulo Autran foi seu conselheiro. Qual foi o melhor conselho que você ignorou – e se arrepende até hoje?
Darson Ribeiro - Ignorei, mas não me arrependi. Quando montei "Disney Killer", de Philip Ridley - que traduzi, produzi, dirigi e protagonizei (risos) - ele me aconselhou a não montar. Disse: “Pra quê? Quem é que vai ver isso?”. E fiquei dois anos em cartaz, sempre com público, sempre com muita discussão e retorno positivo.


Resenhando.com - Você disse que “o espetáculo dos sonhos sempre será o próximo”. E se o seu próximo fosse o último, o que você colocaria em cena como testamento artístico?
Darson Ribeiro - Já tenho o meu “testamento artístico”, que é o texto do Flavio de Souza, "O Homem que Queria Ser Livro". Sendo assim, o que vier pode ser ou não o último. Mas confesso que ando cansado de ter que provar o tempo todo o improvável do teatro. Ele é. E ponto.


Resenhando.com - Já dirigiu, produziu, atuou e fez cenários. Em qual dessas funções você mais errou?
Darson Ribeiro - Não errei. Ainda comentei com o Ulysses Cruz, esses dias, que tenho orgulho do que fiz, porque sempre deu certo. Nenhuma peça minha ficou sem público. Nenhum projeto me deu prejuízo. Te respondo isso com carinho e sobriedade, porque é difícil reconhecer o próprio erro.


Resenhando.com - Você elogia Beckett, Ridley e Bonder. Em tempos de urgência política, onde cabe o teatro filosófico e poético?
Darson Ribeiro - Um homem sem poesia é um homem já morto. Sem viço. Sem tesão pela vida. A filosofia vem pra chancelar isso tudo - ou seja, essa existência. Já sofri muito por ter nascido com uma sensibilidade que me joga num lugar solitário, de difícil compreensão e partilha. As pessoas concretas são chatas. Não consigo ter muita relação. Amo os silêncios de Beckett. Bonder consegue nos atualizar filosoficamente sem cair na autoajuda. E Ridley... Bem, montei três peças dele e traduzi uma. É um ótimo dramaturgo, que também escancara essa miséria humana que a maioria morre teimando que não é. É muito triste morrer sem ter uma história pra contar. Vivemos delas. Somos elas.


Resenhando.com - Em dez anos de "Homens no Divã", você ouviu confissões de público nos bastidores? Qual foi a mais absurda, comovente ou inesperada que te fez pensar: “valeu a pena montar isso”?
Darson Ribeiro - Valeu muito a pena. Cheguei a apanhar em cena aberta uma vez, e ainda assim não fiz a pergunta querendo parar. Pelo contrário. Mas talvez tenha sido a participação de dois casais que tinham uma relação a quatro - e abriram isso publicamente ali, comigo. E a vontade de continuar só aumentava, porque vinham a mim me pedindo o cartão do consultório.


Resenhando.com - O que é mais difícil hoje: fazer bom teatro ou convencer as pessoas de que ainda vale a pena assisti-lo?

Darson Ribeiro - Convencer as pessoas a irem ao teatro. Vivemos num mundo de concorrência desleal - futebol, shows sertanejos, stand-up, mídia eletrônica... É como convencer alguém a ler. As pessoas acham um absurdo, mas quando sentem o cheiro da leitura e embarcam numa imaginação, o mundo gira. E vira!


Serviço
Espetáculo "Homens no Divã"
Texto e direção: Darson Ribeiro
Elenco: Darson Ribeiro, Oscar Filho e Renato Scarpin
Temporada: até 25 de agosto de 2025
Sessões: sextas e sábados, às 21h00; domingos, às 18h00
Local: Teatro Fernando Torres – Rua Padre Estevão Pernet, 588, Tatuapé / São Paulo
Ingressos: a partir de R$ 40,00 (meia-entrada)
Vendas on-line: www.sympla.com.br
Classificação indicativa: 14 anos
Duração: 80 minutos

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