Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com.
No romance de estreia "Sob o Céu de Isaías", o escritor Vítor Kappel oferece uma narrativa de formação que combina inteligência, sensibilidade e humor agridoce. Publicado pela editora Patuá, o livro se destaca pelo olhar atento do autor sobre a adolescência, o pertencimento e as tensões silenciosas de uma sociedade marcada por padrões rígidos e preconceitos enraizados.
O protagonista, Isaías Petit, é um jovem de 17 anos que cresce em uma pequena cidade do interior do Brasil, cercado por instituições tradicionais, valores religiosos conservadores e um ambiente social que muitas vezes limita a liberdade individual. Aluno exemplar, introspectivo e observador, Isaías se vê diante de dilemas que qualquer leitor adulto reconhecerá: o desejo de ir embora, a necessidade de pertencimento, a descoberta de si mesmo e a urgência de compreender sentimentos e afetos.
A trama acompanha o último ano do ensino médio do personagem, período em que o protagonista enfrenta situações inesperadas, incluindo o desvendamento de uma rede criminosa local - elemento que Kappel utiliza com inteligência para tensionar a narrativa sem perder a leveza de um romance intimista. O romance se diferencia pela abordagem queer sutil e natural, algo ainda raro em narrativas brasileiras voltadas para a juventude.
Kappel não precisa de grandes declarações ou dramatizações para que o leitor compreenda a complexidade de Isaías - ele já faz isso com maestria sem lançar mão do melodrama, o que é ótimo. O humor, muitas vezes irônico, transforma pequenos episódios em momentos de reflexão, revelando o absurdo cotidiano e as pequenas revoluções pessoais que marcam a passagem da adolescência para a vida adulta. Carol Bensimon, autora premiada, ressalta o frescor da obra e a habilidade de Kappel em fazer o adolescente “saltar das páginas”, conquistando empatia imediata do leitor. "Sob o Céu de Isaías" ganha pela sutileza, aborda o sofrimento sem se tornar um dramalhão e, justamente por isso, faz com que o público acolha o protagonista.
E esse é o maior mérito do romance. Isaías não é apenas um reflexo da cidade em que vive, ou do contexto social em que está inserido. Muito menos é uma alegoria dos arquétipos gays na literatura. Ele é um indivíduo em evolução, com dúvidas, desejos e falhas, que se torna palpável pela complexidade e humanidade. Cada capítulo é uma pequena cápsula de observações e situações que traduzem a tensão entre o desejo de liberdade e os laços que prendem.
A ambientação também merece destaque. A cidade pequena, com ruas estreitas, escolas tradicionais e paisagens naturais degradadas, é um personagem silencioso que influencia escolhas, medos e descobertas de Isaías. Nesse espaço, a escrita de Kappel mostra-se segura e madura, mesmo sendo o primeiro romance dele, equilibrando tensão, humor e introspecção com precisão rara. Além disso, a narrativa aborda questões sociais relevantes - homofobia, conservadorismo, expectativas familiares - sem recorrer a julgamentos simplistas ou clichês.
O autor constrói um romance que dialoga com leitores jovens e adultos, proporcionando reflexões sobre identidade, liberdade, amizade e amor. A relação de Isaías com Bernardo, colega de classe e vínculo afetivo transformador, exemplifica a delicadeza com que Kappel trata a descoberta dos sentimentos e da sexualidade, sem perder a sutileza e a complexidade emocional - um feito notável para um primeiro romance. Compre o livro "Sob o Céu de Isaías", de Vitor Kappel, neste link.
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