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segunda-feira, 13 de outubro de 2025

.: Entrevista: Marcelo Viana e a poesia escondida nos números


Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Bel Pedrosa

Há algo de poético em ver um matemático virar texto de vestibular. Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e um dos maiores nomes da ciência brasileira, acordou um dia e descobriu que suas palavras estavam sendo “avaliadas” por milhares de jovens na UERJ (Unoiversidade do Estado do Rio de Janeiro). Justo ele, que há anos tenta mostrar que a matemática é mais humana do que parece - feita de dúvida, descoberta e espanto.

Autor de "Histórias da Matemática: da Contagem nos Dedos à Inteligência Artificial", publicado pela editora Tinta-da-China Brasil, Viana acaba de ser lido por um público que talvez ainda não saiba que também faz parte dessa história. Ele agora está de volta às livrarias com "A Descoberta dos Números", um livro ilustrado que transforma a curiosidade em caminho.

Nesta entrevista exclusiva para o portal Resenhando.com, Marcelo Viana fala sobre o medo que a escola criou da matemática, a beleza escondida nas equações, o papel da inteligência artificial e as surpresas de quem vive entre o caos e a ordem, tanto na teoria quanto na vida cotidiana. Leia a crítica do livro - Antes do “pix” e da fatura do cartão, havia uma ovelha e Marcelo Viana conta - neste link.

Resenhando.com - Seu livro "Histórias da Matemática" virou texto de vestibular e agora “examinou” milhares de estudantes. O que é mais assustador: estar diante de uma banca de especialistas ou ver seu próprio texto servir de filtro para futuros universitários?
Marcelo Viana - De repente me ver no lugar dos autores daqueles textos que estudei na escola. Por alguma razão, lembro particularmente de Érico Veríssimo... Foi um pouco assustador: lisonjeiro, claro, mas um pouco intimidador. Mas o mais assustador foi o pensamento: “Será que eu sei responder as perguntas sobre o meu texto?”.

Resenhando.com - O senhor transita entre a teoria do caos e a contagem nos dedos. No fundo, a matemática é mais sobre ordem ou sobre desordem?
Marcelo Viana - A matemática é sobre o universo, sobre tudo o que nos rodeia. Tanto a ordem quanto o caos estão incluídos. Como seres pensantes, nós precisamos estruturar as nossas percepções, organizar para compreender. Passei boa parte da minha vida como matemático identificando padrões, organizando o caos.


Resenhando.com - Muitos têm medo da matemática como se fosse um monstro inatingível. Na sua opinião, a escola mata mais sonhos matemáticos do que estimula?
Marcelo Viana - Eu acredito que o gosto pela matemática é inato a (praticamente) todos nós. Em seguida, as experiências dos primeiros anos moldam o modo como realmente nos relacionamos com a disciplina. Primeiro no seio da família, logo nos bancos escolares. É bem cedo, na primeira infância que o que vivenciamos determina se a matemática vai ser um pesadelo ou uma fonte de prazer.


Resenhando.com - O livro "A Descoberta dos Números", é ilustrado e acessível. Isso é uma estratégia de “popularizar” ou, secretamente, de mostrar que até os grandes teoremas cabem num traço de desenho?
Marcelo Viana - Esse livro nasceu sozinho: ele já existia, do jeito que ele é, bem antes de eu tomar consciência disso. Foi durante uma conversa com a editora, a Sofia Mariutti, que eu me apercebi: “Peraí, isso que vem passando pela minha cabeça constitui um pequeno livro sobre um tema fascinante”. Estou exagerando, claro. Durante a escrita eu conversei com colegas que me inspiraram a ir mais além, o próprio pessoal da Tinta-da- China Brasil contribuiu com várias ideias ótimas, e o belo traço do Rafael Sica transformou as ilustrações em algo diferente. Mas o conceito de um livrinho que conta a todo mundo o fascínio da aventura dos números, sem fugir nunca da verdade matemática, lançando mão de diferentes recursos para falar com diferentes pessoas ao mesmo tempo, esse a Musa trouxe prontinho da caverna de Platão.


Resenhando.com - Se o senhor pudesse escolher uma única equação para ser lida em voz alta todos os dias pelas pessoas, como um mantra, qual seria?
Marcelo Viana - “Muitas eras devem ter passado antes que alguém se apercebesse de que um par de dias é um casal de pássaros são, ambos, manifestações do número dois”, frase de Bertrand Russel. Pode não parecer uma fórmula como as pessoas entendem fórmulas, mas isso é intencional. Uma fórmula é apenas uma forma compacta (e muito útil) de expressar uma ideia. Infelizmente, muitas vezes ficamos com a fórmula e ignoramos a ideia. Mas a ideia é tudo. E nessa frase Russel descreve, melhor do que ninguém, uma das grandes façanhas do intelecto humano: a descoberta do número.


Resenhando.com - O senhor já ganhou prêmios importantes, como o Louis D. na França. Mas no Brasil, onde a ciência é sempre disputada com a precariedade, qual é o verdadeiro prêmio: o reconhecimento externo ou a resistência diária para manter a pesquisa viva?
Marcelo Viana - O apoio à ciência no Brasil hoje é precário e amplamente insuficiente. Quando eu era recém doutor e decidi ficar no país e me tornar pesquisador, ele era essencialmente inexistente. Então precisamos reconhecer os avanços e ir à luta por cada vez mais apoio e melhores condições para a pesquisa científica. Para mim, o prêmio maior é ajudar a construir o futuro, sobretudo a satisfação de formar jovens pesquisadores talentosos. A satisfação de ver seu orientando ter suas primeiras ideias originais não é muito diferente do que sentimos quando um filho bebê dá os primeiros passos.


Resenhando.com - O senhor acredita que os números são descobertos ou inventados? E o que essa resposta revela sobre como vemos a realidade?
Marcelo Viana - (Risos) Eu sou platônico, tal como a maioria dos matemáticos: acredito que as ideias matemáticas fazem parte do tecido da realidade e que a nossa tarefa é descobri-las. Euler observou que se contarmos o número de faces (F), de arestas (A) e de vértices (V) de qualquer poliedro, o valor de F-V+A é sempre 2. O que tem de inventado nisso? É uma lei do universo, tanto quanto a lei da gravitação de Newton ou as leis do eletromagnetismo de Maxwell.


Resenhando.com - A inteligência artificial, tema abordado em "Histórias da Matemática", já começa a resolver problemas que antes eram exclusivos de matemáticos. Há um risco real de a IA tornar o matemático obsoleto - ou a máquina ainda precisa aprender a errar com criatividade?
Marcelo Viana - Algumas décadas atrás acreditávamos que a máquina nunca poderia jogar xadrez melhor do que nós, porque ela seria ensinada por humanos e portanto não poderia nos ultrapassar. Então Deep Blue venceu o campeão do mundo, Gary Kasparov. E hoje em dia as máquinas nem precisam ser ensinadas por humanos para jogarem de um modo que nós nunca conseguiremos. Mas isso não tornou o xadrez obsoleto, nem diminuiu o prazer em jogá-lo. Eu acredito que não está longe o dia em que algoritmos resolverão problemas matemáticos e provarão teoremas importantes e, portanto, nos ajudarão a fazer avançar o conhecimento. Mas não acredito que isso torne o matemático humano obsoleto.


Resenhando.com - Como diretor do IMPA, o senhor lidera um espaço de elite da ciência brasileira. Mas se tivesse que ensinar matemática para uma turma de alunos do ensino médio de periferia, por onde começaria?
Marcelo Viana - Esse é um enorme desafio, provavelmente o maior na minha área de atuação. Acho que eu começaria tentando buscar um tema do interesse dos alunos e levar a turma a se debruçar sobre esse tema para entendê-lo e identificar um conceito matemático nele. Não sei qual tema, mas acho que teria que ter a forma de um desafio, com um resultado concreto em vista. Provavelmente eu falharia na primeira tentativa rsrsrs Mas sei muito bem o que eu não faria: “Hoje vamos estudar a fórmula de Baskhara”


Resenhando.com - O senhor vive imerso em sistemas dinâmicos e caos. Mas, no plano pessoal, o que mais bagunça sua própria rotina: números, política científica ou o inesperado da vida cotidiana?
Marcelo Viana - Eu sou bastante organizado, o meu instinto é planejar as coisas tanto quanto possível. Mas do jeito como as coisas funcionam no Brasil isso não é nada fácil. Os meus colegas do exterior se surpreendem que a minha agenda para daqui 1 ano parece totalmente livre, quando a deles já está bem lotada. Eles nem imaginam como a minha agenda para mês que vem está, menos ainda as mudanças que estão acontecendo neste exato momento na agenda da semana que vem (risos).

.: Milton Hatoum participa de encontro gratuito em São Paulo e apresenta livro


O escritor Milton Hatoum, recém-eleito para a Academia Brasileira de Letras e cotado como um dos possíveis indicados ao Prêmio Nobel de Literatura de 2025, participa de um encontro gratuito no dia 22 de outubro, em São Paulo. O evento, promovido pela Editora Unesp e pela Universidade do Livro, marca o lançamento de "Dança de Enganos", volume final da Trilogia "O Lugar Mais Sombrio". A conversa com o público será mediada pelo jornalista literário Manuel da Costa Pinto e acontece das 19h00 às 21h00, no Auditório da Biblioteca Mário de Andrade, no centro da capital paulista. Após o bate-papo, Hatoum autografa exemplares da nova obra.

Em Dança de enganos, o autor retoma os fios narrativos de A noite da espera e Pontos de fuga para concluir uma das trilogias mais ambiciosas da literatura brasileira contemporânea. A narrativa, contada agora a partir da perspectiva de Lina, mãe de Martim, revisita as marcas deixadas pela ditadura militar, a herança da memória e os dilemas de uma família dilacerada pelo tempo e pelas escolhas.

Com uma escrita precisa e poética, Hatoum - vencedor de prêmios como o Jabuti e o Portugal Telecom - volta a explorar temas centrais de sua obra, como identidade, exílio e a formação humana sob o peso da história. A entrada é gratuita, mas as vagas são limitadas. As inscrições podem ser feitas neste link.

Serviço
Encontro com os Escritores - Milton Hatoum
Apresentação de "Dança de Enganos" e bate-papo com mediação de Manuel da Costa Pinto, seguido de sessão de autógrafos. Quarta-feira, dia 22 de outubro de 2025, das 19h00 às 21h00. Auditório da Biblioteca Mário de Andrade - Rua da Consolação, 94, Centro/São Paulo, próximo à Estação Anhangabaú do Metrô. Entrada: gratuita, mediante inscrição prévia. Compre o livro "Dança de Enganos", de Milton Hatoum, neste link.

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

.: "Longe do Ninho", de Daniela Arbex, é finalista da 67ª edição do Prêmio Jabuti

Jornalista Daniela Arbex é finalista do Prêmio Jabuti com Longe do ninho, livro-reportagem que investiga o incêndio que vitimou dez jovens atletas do Flamengo. Foto: Daniela Arbex | Crédito: Leo Aversa

O livro-reportagem "Longe do Ninho", de Daniela Arbex, foi anunciado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) como finalista da 67ª edição do Prêmio Jabuti na categoria Biografia e Reportagem na última terça-feira, dia 7 de outubro. Na obra, a premiada jornalista, que já recebeu a honraria por Cova 312 em 2016, apura a tragédia anunciada que vitimou dez jovens atletas do Flamengo no Ninho do Urubu, o centro de treinamento do clube. Publicado em fevereiro de 2024 pela Intrínseca, cinco anos após o incêndio que fez a nação rubro-negra amanhecer de luto, a obra investigativa é um relato forte, sensível e humano sobre a memória em torno da morte dos meninos e o fim dos sonhos de se tornarem ídolos no país do futebol.

Com base em informações exclusivas sobre o caso, Longe do ninho é uma peça fundamental para a compreensão do que de fato aconteceu na madrugada do incêndio. A obra apresenta laudos técnicos, trocas de mensagens e e-mails, além de dados e relatos até então não divulgados. O leitor também encontra entrevistas com os familiares dos dez jovens, sobreviventes e profissionais da perícia criminal e do IML. Arbex monta um quadro completo e elucidativo sobre como o contêiner-dormitório do Ninho do Urubu se transformou numa armadilha fatal que vitimou os dez jovens atletas em uma tragédia sem precedentes.

O anúncio dos vencedores acontecerá no dia 27 de outubro, em uma cerimônia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro que também será transmitida ao vivo no canal no Youtube da CBL. Daniela Arbex é vencedora dos Prêmios Jabuti e Vladimir Herzog e do Troféu Mulher Imprensa, tendo se tornado referência no jornalismo literário investigativo. A mineira é autora do premiado livro Holocausto brasileiro, adaptado para documentário pela HBO. Em 2023, sua obra Todo dia a mesma noite, sobre o incêndio na Boate Kiss, deu origem à minissérie homônima da Netflix, uma das mais assistidas do ano na plataforma. Compre o livro "Longe do Ninho", de Daniela Arbex, neste link.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

.: Lúcia Nascimento mergulha no luto e na linguagem em “Aqui, Ontem”


Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.comFoto: Tais Oliveira 

Premiada com o livro de contos "Ruínas",  a escritora Lúcia Nascimento estreia no romance com "Aqui, Ontem", publicado pela editora 7Letras, uma narrativa que se move entre a dor e a delicadeza, entre o vazio e a tentativa de preenchê-lo pela palavra. Descrito pelo poeta Wilson Alves-Bezerra como um “romance-pergunta”, o livro acompanha Alice, uma mulher que enfrenta o luto pela morte da mãe adotiva e, em meio a memórias, tenta reconstruir a própria história e a si mesma pela escrita.

Nesta entrevista exclusiva para o portal Resenhhando.com, a autora fala sobre a escrita como gesto de sobrevivência, o risco de transformar dor em estética, a influência da pesquisa acadêmica sobre a ficção e a tênue fronteira entre o abandono e o amor. Com sensibilidade e lucidez, ela reflete sobre o que resta de nós quando o outro parte, e sobre o poder da ficção em adiar, ainda que por instantes, o fim das coisas. Compre o livro  "Aqui, Ontem", de Lúcia Nascimento, neste link.

Resenhando.com - Seu romance é descrito como um “romance-pergunta”. O que mais lhe interessa: tentar respondê-las ou deixar o leitor preso à vertigem de nunca ter respostas?
Lúcia Nascimento -
Quando formulamos respostas, o final está dado. Não há mais para onde ir. Quando pensamos em perguntas, quando tudo está em aberto, contemplamos possibilidades. E é isso o que me interessa: esse é meu modo de entender o mundo, de criar esteticamente, de escrever literatura. No romance “Aqui, Ontem”, que está sendo lançado pela Editora 7Letras, tento trazer os leitores e leitoras para dentro da experiência da protagonista: ela vive o luto pela perda da mãe adotiva, está imersa nas repetições que um momento como esse causa, e é nesse cenário que ela se questiona sobre tudo que nunca chegará a saber sobre a própria vida. Meu desejo é que, mesmo quem nunca viveu uma perda dessa magnitude, consiga se conectar com o que é vivenciado, experimentado e sentido pela protagonista. A ficção, assim, não deixa de ser uma tentativa de resposta, uma tentativa de preencher os vazios que ela no fundo sabe serem impossíveis de preencher.


Resenhando.com - Alice, sua protagonista, mergulha no luto e na escrita ao mesmo tempo. Para você, escrever é um modo de sobreviver ou um jeito sofisticado de se afogar com mais consciência?
Lúcia Nascimento - Eu costumo brincar que minha versão escrita é a minha melhor versão. Sempre gostei de escrever, e desde pequena arrisquei a criação de ficções. E, sem dúvida, escrever é o meu modo preferido de refletir e de interagir com o mundo. Mas, quando me proponho a escrever um romance, a escrita como sobrevivência, aquela que faço em diários e anotações pela casa, perde espaço para um processo muito mais rigoroso de criação. Talvez minha escrita venha não de um modo sofisticado de me afogar com mais consciência, mas de pegar quem lê pela mão, com o convite para nos afogarmos juntos, porque, ao tocarmos o chão, teremos mais forças para dar um impulso e voltar à superfície. Já Alice, a protagonista de “Aqui, Ontem”, escreve como uma tentativa de ficcionalizar os vazios sobre a própria história, como tentativa de preencher com histórias aquilo que nunca vai saber. 


Resenhando.com - O luto costuma ser tratado como silêncio. No seu livro, ele se transforma em linguagem. Há um risco de transformar dor em estética?
Lúcia Nascimento - Nossa sociedade tende a silenciar processos que deveriam ser vividos coletivamente e em público. Se nos calamos sobre o que sentimos e vivemos, nos fragilizamos: é o oposto do que tendemos a imaginar, já que chorar escondido nos vulnerabiliza muito mais do que contar nossas histórias e receber o apoio de outras pessoas. Quando minha mãe morreu, percebi o quão importante era dialogar com pessoas que já tinham passado pela mesma situação, porque os sentimentos experimentados são muito semelhantes, tantas vezes. A escrita do romance “Aqui, Ontem” começou bem antes da morte da minha mãe, antes de eu descobrir que ela estava doente, mas essa experiência mudou radicalmente a escrita: a sensação é de que só depois dessa vivência eu consegui encontrar uma forma que não fosse artificial para narrar o luto da minha protagonista. Então o luto real me ajudou a encontrar a forma do livro. Mas, se a escrita do luto for apenas uma tentativa de elaborar a dor, e não uma experimentação que passa pela estética da obra, há um risco grande de a escrita se tornar frágil. 


Resenhando.com - Em "Aqui, Ontem", Alice procura a mãe biológica. Se você tivesse acesso a uma única história não contada da sua própria família, qual seria a pergunta que faria?
Lúcia Nascimento - Eu nunca me contentaria com uma única história (risos). E talvez venha daí boa parte do meu desejo pela escrita: minha família nunca foi de contar muitas histórias, e várias delas eu realmente nunca vou chegar a conhecer.


Resenhando.com - Na sua concepção, há também um “romance-ferida”, além do "romance-pergunta"? Qual é a cicatriz que você preferiu deixar exposta?
Lúcia Nascimento - Para responder a essa pergunta preciso primeiro avisar que ela virá com um spoiler. Porque, ao final da narrativa, a Alice vai concluir que ela precisava escrever aquilo que escreve para imobilizar a mãe, já morta, em suas palavras. Se o luto a impede de seguir em frente, de recuperar o movimento e a voz, é a escrita o que devolverá a ela o movimento. Que, no entanto, só é possível porque a escrita é também parte do processamento do luto, e o luto não deixa de ser o processo de enterrar de verdade aqueles que já se foram. Então, nesse sentido, acredito que a escrita da Alice, ao longo da narrativa, poderia se aproximar do que você chama de “romance-ferida”.


Resenhando.com - A personagem se chama Alice. É inevitável lembrar de Lewis Carroll. Sua Alice caiu na toca do coelho da vida adulta. O que há de mais assustador nesse “país das maravilhas” que é envelhecer?
Lúcia Nascimento - Minha Alice e a Alice do Lewis Carroll se aproximam porque as duas, de certo modo, questionam tudo o que viveram até o momento em que “caem na toca do coelho”. No texto clássico, a Alice questiona suas vivências anteriores ao ser confrontada com o absurdo de suas aventuras. A Alice de “Aqui, Ontem” questiona quem ela mesma era, antes das perdas, e quem ela pode ser, depois de tudo. Não se trata de pensar o envelhecimento, mas de refletir sobre os momentos em que a vida se transforma radicalmente, e apenas seguir em frente não faz mais sentido.


Resenhando.com - O romance é atravessado por memórias que morrem junto com quem se vai. Você acredita que escrever é também uma forma de ressuscitar quem não volta?
Lúcia Nascimento - A escrita ficcional pode ser uma ferramenta para adiar o final, porque ela possibilita a criação de novas cenas para histórias que não existem mais ou que nunca chegaram a existir. Em “Aqui, Ontem”, a escrita da Alice pretende recuperar histórias da mãe que ela não conhece, e gosto de imaginar algumas dessas cenas como aquelas que aparecem após os créditos de um filme. Minha fixação pelas histórias que morrem junto com cada pessoa é um desejo de ficcionalização, uma ode à nossa possibilidade de reimaginar a vida.


Resenhando.com - Sua formação em teoria literária parece dialogar com cada frase do livro. Não há perigo de a pesquisadora sabotar a romancista?
Lúcia Nascimento - O risco sempre existe. Na minha experiência, o processo de pesquisa foi fundamental para a escrita do romance. No meu mestrado, estudei a obra da Elvira Vigna. A obra dela é complexa, e adentrar aquela escrita me fez entender os meandros da construção de um romance, as possibilidades de tratar o tempo e o espaço de modos pouco convencionais, de criar personagens que não vão viver grandes aventuras, mas lidar com a angústia do dia a dia. Não tenho dúvidas de que, sem a experiência como pesquisadora, meu romance teria camadas a menos. E, para mim, essas camadas de construção e interpretação são o que mais gosto naquilo que leio e escrevo.  


Resenhando.com - No livro, Alice encara a traição. Para você, a infidelidade amorosa dói mais do que a morte - ou é apenas outra forma de desaparecimento?
Lúcia Nascimento - Alice é casada com Pedro e, pouco antes da morte da mãe adotiva, ela descobre que havia sido traída pelo marido. Com medo do vazio, e sem forças para mais uma despedida, ela se mantém nessa relação que, aos poucos, vai se reconstruindo. Mas eu e a protagonista de “Aqui, Ontem” somos bastante diferentes nesse sentido: ela escolhe ficar por medo de mais mudanças, por estar esgotada e não se imaginar vivendo mais um abandono. Para ela, a infidelidade do marido se associa ao abandono, que ela viveu com a mãe biológica e também, de algum modo, com a morte da mãe adotiva.


Resenhando.com - Seu primeiro livro se chamou "Ruínas". Agora você lança "Aqui, Ontem". Há em seus títulos uma fixação no que já se perdeu. Quando virá o livro sobre o que ainda resta em pé?
Lúcia Nascimento - Apesar de abordarem temas bem diferentes, os dois livros têm uma ligação bastante especial, aquilo que une praticamente tudo o que escrevo: em ambos, a ficção se apresenta como possibilidade de reconstruir tudo de novos jeitos. Em “Ruínas”, meu livro de contos que foi vencedor do Prêmio Ufes de Literatura, falo de laços familiares e vidas interrompidas, a partir de situações de violência. Já no romance “Aqui, Ontem”, as perdas estão associados ao luto e ao abandono. Se tudo está em ruínas ou se estamos nos afogando em meio ao luto, é a ficção que talvez guarde em si alguma esperança.

.: "Tudo É Rio", produzido pela Boutique Filmes: distribuição da Vitrine Filmes

Inspirado no livro homônimo de Carla Madeira, longa será dirigido por Julia Rezende, roteirizado por Gustavo Lipsztein e tem previsão de estreia para 2027

O longa-metragem "Tudo É Rio", inspirado no livro homônimo de Carla Madeira com produção da Boutique Filmes, será distribuído pela Vitrine Filmes e deve chegar aos cinemas em 2027. O anúncio foi realizado durante o painel da distribuidora na Expocine na última sexta-feira, 3 de outubro. "Tudo É Rio" conta a história do casal Dalva e Venâncio, abalado por um acontecimento extremo e violento. Como reparação de seu desencanto, Dalva utiliza o silêncio e o desprezo para se vingar. Mas, o surgimento de Lucy, uma prostituta enigmática, cria um triângulo em que desejo, ciúme e obsessão se entrelaçam.

Em um mergulho nas intensidades humanas, a trama é marcada pela violência e suas consequências, onde amor, perda e desejo se misturam. A história ainda traz temas como perdão e a tensão entre corpo e alma. O longa-metragem será dirigido por Julia Rezende, roteirizado por Gustavo Lipsztein, produzido por Gustavo Mello e tem previsão de início das filmagens para agosto de 2026. Compre o livro "Tudo É Rio", de Carla Madeira, neste link.

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

.: Clássico de García Márquez, "Cem Anos de Solidão" ganha edição ilustrada


Romance fundamental na história da literatura, "Cem Anos de Solidão" ganha edição primorosa em capa dura, com ilustrações inéditas da artista chilena Luisa Rivera. O romance é a obra-prima de Gabriel García Márquez, mestre do realismo mágico latino-americano, um dos autores mais importantes do século XX, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. As obras dele já venderam quase 3 milhões de exemplares só no Brasil e foram adaptadas para filmes e minisséries. A tradução é de Eric Nepomuceno e as lustrações são de Luisa Rivera

"Cem Anos de Solidão", um dos maiores clássicos da literatura latino-americana e mundial, narra a incrível e triste história dos Buendía - a estirpe de solitários para a qual não será dada “uma segunda oportunidade sobre a terra” - e apresenta o maravilhoso universo da fictícia Macondo, onde se passa o romance. É lá que acompanhamos diversas gerações dessa família, assim como a ascensão e a queda do vilarejo. Para além dos artifícios técnicos e das influências literárias que transbordam do livro, ainda vemos em suas páginas o que por muitos é considerada uma autêntica enciclopédia do imaginário, num estilo que consagrou Gabriel García Márquez como um dos maiores escritores do século XX.

Em nenhum outro livro o autor colombiano empenhou-se tanto para alcançar o tom com que sua avó materna lhe contava os episódios mais fantásticos sem alterar um só traço do rosto. Assim, ao mesmo tempo que a incrível e triste história dos Buendía pode ser entendida como uma enciclopédia do imaginário, ela é narrada de modo a parecer que tudo faz parte da mais banal das realidades.

Gabo, apelido de Gabriel García Márquez, costumava dizer que todo grande escritor está sempre escrevendo o mesmo livro. “E qual seria o seu?”, perguntaram-lhe. “O livro da solidão”, foi a resposta. Apesar disso, ele não considerava "Cem Anos..." sua melhor obra (gostava demais de "O Outono do Patriarca"). O que importa? O certo é que nenhum outro romance resume tão bem o formidável talento desse contador de histórias de solitários - que se espalham e se espalharão por muito mais de cem anos pelas Macondos do mundo inteiro.

Os milhões de exemplares vendidos de uma obra que abriu caminho no “boca a boca”, como gostava de dizer Gabo, são a mais palpável demonstração de que a aventura fabulosa da família Buendía-Iguarán, com milagres, fantasias, obsessões, tragédias, incestos, adultérios, rebeldias, descobertas e condenações, representa ao mesmo tempo o mito e a história, o drama e o amor de um mundo inteiro. E a melhor homenagem que se pode fazer a García Márquez é lê-la. Compre o livro "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez. neste link.


O que disseram sobre o autor

“Nenhum escritor desde Dickens foi tão lido e tão amado quanto Gabriel García Márquez.” – Salman Rushdie

“Pode-se dizer que poucos autores escreveram livros que mudaram todo o curso da literatura. Gabriel García Márquez fez exatamente isso.” – Guardian

“Um dos autores mais visionários – e um dos meus favoritos de quando eu era jovem.” – Barack Obama


Sobre o autor
Gabriel García Márquez
nasceu em 1927 na aldeia de Aracataca, nas imediações de Barranquilla, Colômbia. Autor de alguns dos maiores romances do século XX e mestre do realismo mágico latino-americano, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1982. Entre suas principais obras estão "Cem Anos de Solidão", "O Amor nos Tempos do Cólera", "Crônica de Uma Morte Anunciada", "Doze Contos Peregrinos", "Ninguém Escreve ao Coronel" e "Memória de Minhas Putas Tristes". Compre os livros de Gabriel García Márquez neste link.

.: Alex Andrade indica "O Rio Que Me Corta por Dentro" e "Piscinas Russas"


O escritor Alex Andrade começou a se interessar por livros na infância. Leitor nato, ele se aventurou na escrita e hoje tem 17 livros publicados, entre literatura para as infâncias e literatura brasileira contemporânea, romances e contos. O último romance dele, "Meu Nome é Laura", publicado pela editora Confraria do Vento, traz a história da construção de uma identidade. Com delicadeza, o autor consegue captar o leitor para um assunto tão sério e atual, a transição de gênero. Entre tantas leituras, Andrade destaca dois livros que gostaria de compartilhar com os leitores.

As indicações são: "O Rio Que Me Corta por Dentro" do escritor Raul Damasceno. "Um livro que narra a história de amor entre Cícero e Luzimar, ambientada no sertão cearense. Com 162 páginas, a obra explora a complexidade das emoções humanas, a saudade e a busca por identidade em um contexto de amor proibido. À medida que Cícero enfrenta a ausência da mãe, ele descobre sentimentos profundos ao lado de Luzimar, desafiando as normas sociais de sua comunidade. A narrativa sensível e poética promete cativar os leitores, trazendo à tona questões sobre amizade, amor e a luta por aceitação".

"Piscinas Russas", da escritora Renata Belmonte, recém publicado pela editora Tusquets. "Combinando suspense e ousadia de estilo, 'Piscinas Russas' discute as histórias que nos formam enquanto pátrias e pessoas, questiona as fronteiras entre autoria e ficção, enquanto também celebra a beleza maior da literatura: a capacidade de, a partir do contato com o idioma particular do outro, acessarmos nossos próprios espaços desconhecidos".

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

.: Exposição celebra elo entre MAM São Paulo e Biblioteca Mário de Andrade


Mostra reúne livros raros e obras de artistas brasileiros e estrangeiros do acervo do MAM e da Biblioteca, que revelam como o modernismo ganhou forma no país. Na imagem, Henri Matisse. Jazz, 1947. Biblioteca Mário de Andrade, Núcleo de Obras Raras e Acervos Especiais


De 4 de outubro a 11 de dezembro de 2025, o Museu de Arte Moderna de São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade apresentam a exposição "Do Livro ao Museu: MAM São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade", uma coletiva que resgata a relação fundadora entre as duas instituições e sua contribuição decisiva para a consolidação do modernismo no Brasil.

Com curadoria de Cauê Alves e Pedro Nery, a mostra acontece na Hemeroteca e na Biblioteca Mário de Andrade, ambas localizadas ao redor da Praça Dom José Gaspar, no Centro de São Paulo, e reúne principalmente obras das décadas de 1940 e 1950, período em que a arte moderna se consolidava no Brasil e em que surgiam espaços voltados à sua difusão. Entre os destaques estão livros raros e fundamentais como Jazz, de Henri Matisse, e Le Cirque, de Fernand Léger, que aproximaram artistas e pesquisadores brasileiros do modernismo europeu.

O ponto de partida da exposição é a trajetória de Sérgio Milliet, um agente cultural fundamental nas histórias de ambas as instituições. Milliet foi diretor da Biblioteca entre 1943 e 1959, e também atuou na constituição do MAM São Paulo, onde foi diretor artístico e organizou a 2ª, 3ª e 4ª edições da Bienal de São Paulo, na época realizadas pelo museu.

“Sob a liderança de Milliet, a Biblioteca e o MAM se complementaram na divulgação e institucionalização da arte moderna, abrindo espaço para mostras didáticas que formaram artistas, intelectuais e ampliaram a visibilidade da produção modernista”, explica Cauê Alves. “Foi ainda na Seção de Arte da Biblioteca Municipal de São Paulo (atual BMA) que chegaram ao público as obras modernistas doadas pelo empresário norte-americano Nelson Rockefeller, um marco para a criação do MAM”, complementa.

A exposição também evidencia a produção nacional, apresentando álbuns e livros de artista feitos quase inteiramente à mão, como os guaches de Milton Dacosta e "Fantoches da Meia-Noite" (1922), de Di Cavalcanti, que combina impressões com aquarelas. O percurso segue até os primeiros livros produzidos em tiragem limitada e com impressões de alta qualidade, como os da coleção da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, iniciativa conduzida pelo colecionador de arte Raymundo Castro Maya a partir de 1943.

Obras do acervo do MAM São Paulo também integram a mostra, trazendo à tona as tensões que marcaram a produção moderna brasileira - especialmente a disputa entre abstração e figuração, já presente na exposição inaugural do museu, "Do Figurativismo ao Abstracionismo" (1949). O percurso expositivo ainda contempla a emergência da vanguarda concretista nos anos 1950, em oposição ao abstracionismo informal, revelando a pluralidade de caminhos da arte moderna no Brasil.

“Mais do que funções distintas, a Biblioteca e o Museu partilham uma origem comum e uma missão convergente: preservar, organizar e mediar conhecimentos. São espaços de encontro e aprendizado que estimulam a pesquisa, a reflexão e a imaginação”, complementa Pedro Nery. “Integrando as comemorações dos 100 anos da Biblioteca Mário de Andrade, a exposição Do livro ao museu reafirma nosso elo histórico com o MAM. Somos instituições que nasceram do mesmo impulso modernista e que, um século depois, continuam a mostrar a força desse legado na vida cultural de São Paulo”, completa Rodrigo Massi, diretor da Biblioteca Mário de Andrade.

 
Serviço
Exposição "Do Livro ao Museu: MAM São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade"
Locais: Biblioteca Mário de Andrade (R. da Consolação, 94 - República/São Paulo) e Hemeroteca da Biblioteca Mário de Andrade (R. Dr. Bráulio Gomes, 139 - República/São Paulo)
Curadoria: Cauê Alves e Pedro Nery
Período expositivo: 4 de outubro a 11 de dezembro de 2025
Entrada: gratuita

terça-feira, 30 de setembro de 2025

.: Antes do “pix” e da fatura do cartão, havia uma ovelha e Marcelo Viana conta


Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com.

Antes de existir “pix”, senha de cartão ou aplicativo bancário, havia uma ovelha. Ou duas. Ou 20. E alguém precisava ter certeza de que nenhuma delas se perderia pelo caminho. Foi nesse instante primitivo, diante da fome e da urgência de sobreviver, que a humanidade inventou o gesto de contar. Não havia equações nem fórmulas, apenas riscos em ossos, marcas em pedras, pedaços de madeira talhados como lembretes desesperados. Cada risco não era apenas um número: era a garantia de que haveria alimento, de que a vida não se perderia no esquecimento.

É dessa cena inaugural - quase uma fábula de sobrevivência - que parte Marcelo Viana em "A Descoberta dos Números", livro lançado pela editora Tinta da China Brasil. O diretor do IMPA não se contenta em revisitar a matemática como disciplina escolar: ele a apresenta como epopeia humana, como uma invenção tão decisiva quanto o fogo ou a linguagem. A narrativa de Viana é a de que os números nasceram antes como necessidade visceral do que como abstração genial. Não havia “teorema” antes de haver fome; não havia “axioma” antes de haver inimigos a serem medidos.

E é essa perspectiva que torna o livro explosivo. Ao longo das páginas, o leitor é arrastado para uma viagem em que a matemática deixa de ser trauma escolar e passa a ser sangue correndo na veia da civilização. Se hoje é possível digitar um valor no aplicativo do banco e receber uma notificação instantânea, é porque em um dia remoto alguém, diante de um rebanho, decidiu criar uma técnica para não se perder. O “pix” que se usa em segundos carrega na origem as mesmas marcas rudimentares feitas por povos que precisavam controlar colheitas, dividir territórios ou organizar trocas.

Ousado, rigoroso e ao mesmo tempo acessível, "A Descoberta dos Números" desmonta a ideia ingênua de que a matemática é fria, neutra e sem drama. Muito pelo contrário: ela é uma narrativa de poder, de imaginação e de ousadia. Os números permitiram que impérios se erguessem, que guerras fossem planejadas, que religiões calculassem calendários sagrados. Contar não foi um gesto inocente, mas um ato político, cultural e até filosófico. Quem dominou os números sempre dominou mais do que cálculos: dominou destinos.

A escrita de Viana tem a clareza rara de quem sabe que contar uma história vale tanto quanto demonstrar uma fórmula. Ele abre alçapões no chão da história, revela conexões inesperadas e lembra o leitor de que os números são monumentos erguidos pelo homem diante do caos. Cada algarismo que hoje é usado de maneira automática é, na verdade, uma conquista, uma invenção, um salto civilizatório. O “2” nunca foi apenas o “2”: ele carrega a memória de dedos, de gado, de mercadorias, de vidas contadas e preservadas.

No final, quem está lendo percebe que os números não foram inventados para complicar boletins escolares ou castigar adolescentes em provas, mas para que a humanidade pudesse existir enquanto humanidade. Contar não é apenas somar quantidades, mas afirmar presença, reivindicar memória e planejar futuros. Essa é a grandeza do livro de Marcelo Viana: mostrar que a matemática não está isolada em torres de marfim, mas pulsa em tudo. Está no extrato bancário e na senha do streaming, no cronômetro do metrô e na fatura do cartão, no cálculo da inflação e na previsão do tempo. Ela governa silenciosamente o cotidiano, mas carrega em si o eco daquela primeira ovelha, contada com medo de se perder.

Ao terminar a leitura, o leitor descobre que não olha mais para os números da mesma maneira. O que antes parecia abstrato e distante se revela íntimo, visceral, histórico. "A Descoberta dos Números" é, em última instância, um lembrete poderoso: antes do “pix”, havia uma ovelha. E é nessa continuidade, entre a marca na pedra e a notificação no celular que a humanidade se reconhece. Compre o livro "A Descoberta dos Números", de Marcelo Viana, neste link.

.: Entrevista: Dirce Thomaz e o teatro como território de resistência

 
Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.comFoto: Paulo Pereira.

A história de Carolina Maria de Jesus não cabe apenas nos diários de uma mulher negra, favelada e indomável – ela reverbera até hoje como um grito ainda incômodo para quem insiste em fingir que fome, miséria e racismo são apenas notas de rodapé da história brasileira. É essa reverberação que a atriz, diretora e ativista Dirce Thomaz leva ao palco em "Eu e Ela: visita a Carolina Maria de Jesus", espetáculo que, mais do que revisitar a obra da escritora, reafirma a dignidade dela diante de uma sociedade que tantas vezes tentou reduzi-la ao estigma da pobreza.

Mais de seis décadas depois da publicação de "Quarto de Despejo", Carolina continua sendo uma pedra no sapato de tudo aquilo que o país não resolveu – e talvez não queira resolver. Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, Dirce Thomaz fala com franqueza sobre exploração e reverência, sobre o desprezo ainda imposto à literatura negra, sobre como a fome pode ser estética sem nunca deixar de ser denúncia, e sobre o palco como território de resistência. Uma conversa que lembra que arte e política, no Brasil, sempre caminharam lado a lado – às vezes como ferida, às vezes como cura


Resenhando.com - Você já se perguntou se Carolina Maria de Jesus teria sido lida com a mesma reverência se tivesse assinado seus diários como “Carolina M. de Jesus, moradora dos Jardins”?
Dirce Thomaz - Se Carolina Maria de Jesus morasse nos Jardins, não seria "Quarto de Despejo". Seria um livro de autoajuda, no mínimo.


Resenhando.com - A fome pode ser estética, a miséria pode ser poética, mas o teatro ainda sabe reconhecer o limite entre arte e exploração da dor?
Dirce Thomaz O teatro é ficção. O teatro traz uma realidade. Embora seja ao vivo, ele traz uma realidade baseada em uma estética. Ele não vai ficar choramingando a fome. É rápido, é ao vivo, fala e passa com todo o respeito. E é diferente de outra linguagem. Por exemplo, você vê uma reportagem falar sobre a fome, fica ali mostrando a panela, mostrando o fogo aceso, mostrando a miserabilidade da pessoa viva, que está ali naquela angústia, naquela dor, naquele flagelo em vida, de não ter o que fazer para os seus filhos. E Carolina, em sua obra, ela narra, em "Quarto de Despejo", o que era passar uma noite, dias sem comer e sem ter o alimento para os seus filhos. Ela narra, mas você não vê o choro de Carolina, a miserabilidade; você lê. Dentro dos relatos de Carolina tem uma estética, então eu acho que a diferença está aí. Por quê? Porque é uma forma de linguagem e é uma forma também de respeito que você tem para trazer essa personagem à cena, para não ficar chorando as suas misérias, porque é a personagem que lutou. E venceu com a sua obra, e venceu com o que é mais difícil, que é com a escrita, com toda a crítica, com toda a perversidade da crítica da Academia Brasileira de Letras em relação a Carolina, ela venceu e está aí até hoje. E não vai cair, porque é potente, tem resistência e tem a potência em sua obra. Então acho que são esses detalhes que modificam um teatro de respeito, principalmente porque não é uma forma realista. Eu trago Carolina na primeira pessoa do plural e do singular, eu e ela, com a dignidade. Eu tenho respeito por essa personagem, principalmente porque é uma mulher negra, eu sou uma mulher negra, então para tratar das nossas coisas, das nossas vivências, das nossas lutas, das nossas potências, é preciso respeito e dignidade. Se os outros, a branquitude, não respeitam, eu como mulher negra, mulher de movimento, como ativista, eu preciso ter esse respeito, senão essa obra não vem com essa dignidade e com essa potência que ela necessita. Não é só o meu querer, é o querer da personagem, para ficar um teatro digno, um teatro potente e com a potência que a personagem merece, no caso, Carolina. Acho que esse é o limite entre a arte e a exploração da dor. Em arte, você traz a personagem com a sua dignidade. Você não vai ter no teatro, só se for um teatro muito raso, o choro da miséria, a personagem ali chorando, com a panelinha amassada, chorando porque não tem comida. É outra coisa. É a dignidade em jogo. A exploração da dor, eu acho que ela vem de uma forma rasa, que são essas reportagens que ficam ali humilhando a pessoa que já está com fome. Ela está ali, humilhada, sendo obrigada a falar na televisão. Não tem fome, não tem leite, está chorando, isso é a exploração da miséria. O teatro é outra coisa, é outra leitura, e Carolina vive na nossa representatividade. Vou defender meu mestrado agora e tem um capítulo que eu trago a Carolina Maria de Jesus com essa força e com essa potência. Se não tivesse força, se não tivesse potência, se não significasse nada, quem estaria estudando Carolina hoje em dia? E há várias teses de doutorado, dissertações de mestrado, sobre Carolina Maria de Jesus, TCC, estudando. Falando de Carolina não só na literatura, mas na biblioteconomia, na geografia, na história, na sociologia, na música. Então, a obra é potente. E por isso o teatro dela vem como arte. O teatro que eu faço, ele vem como arte. Está aí a diferença entre a arte e a miséria que fica choramingando as questões poéticas e estéticas. Eu acho que está a diferença. O teatro traz a poética e traz a estética, e traz a força. Traz só a miséria. Ele fala que a miséria aconteceu, mas a miséria é por questões políticas. Não é por vontade da pessoa querer ficar ali, naquele não lugar, não é? Eu acredito que as pessoas que vivem isso de miserabilidade, é um não lugar. Nenhum ser humano quer ficar vivendo como ratos. Ratos e baratas e bichos que vivem enfurnados nos lugares mais sujos. O ser humano quer dignidade. O ser humano quer ser estrela que brilha.


Resenhando.com - Na sua encenação, você visita Carolina Maria de Jesus, mas, em algum momento, ela a expulsou do "Quarto de Despejo" por achar sua presença invasiva demais?
Dirce Thomaz Não. Eu acredito profundamente que Carolina Maria de Jesus não me expulsaria do "Quarto de Despejo", nem na ficção da cena, nem na vida real. Essa ideia de que a presença seria invasiva não condiz com a mulher que Carolina foi. Ela lutou demais para estar nos holofotes, para ser ouvida. Ela queria ser lida, ser lembrada. Em “Eu e Ela: visita a Carolina Maria de Jesus”, essa visita que faço à obra e à figura da Carolina é profundamente respeitosa. Trago Carolina com consciência, com cuidado, com afeto. Não é uma visita à intimidade dela como invasão, é uma visita ao legado que ela nos deixou. Eu me lembro de Carolina com muita dignidade, e acredito que ela está contente com isso. Além disso, a recepção do público reafirma esse elo: muita gente aponta uma semelhança entre mim e Carolina, não só física, mas na presença, na força. E isso me move. É por isso que escrevi essa peça, porque acredito que essa visita é também uma ponte. Através da minha obra, muitas pessoas estão conhecendo Carolina pela primeira vez, e outras estão revendo sua história por um novo ângulo. O espetáculo é também uma resposta às formas como trataram Carolina, e como, muitas vezes, mulheres como ela ainda são tratadas. Ao colocá-la no centro da cena, faço questão de reafirmar que essa mulher encantada, como eu gosto de dizer, deve ser lembrada com honra. Minha visita é uma soma: do meu trabalho como artista e do respeito profundo por ela como mulher, escritora, mãe e voz do Brasil.

Resenhando.com - “Mulher negra, livre e favelada” ainda é uma combinação incômoda para os curadores da cultura oficial? Quantas portas se fecham quando a identidade se torna discurso?
Dirce Thomaz Nós vivemos no sistema neocolonial ainda, bem disfarçado, como se dizia na democracia racial, que somos todos iguais, mas na hora da divisão, daí é que a coisa aparece. Na hora da luta, da disputa em que nós vivemos de um povo que nós sempre lutamos, independentemente de ser uma mulher negra que more na favela, ou que more numa comunidade, ou que ela more num bairro um pouco melhor, que ela tem o seu apartamento, a sua casa, as lutas não são bem semelhantes, as histórias de vida são um pouco diferentes, mas a luta para chegar, o que fala mais forte é a cor da pele. Nós, negros, em qualquer lugar, somos reconhecidos. Nós não nos escondemos. Nós somos vistos ou vistas. E o sistema racista, o racismo estrutural, o racismo institucional, está presente em toda a sociedade. Então, onde a gente chega, a gente tem que chegar sempre forte, sempre firme, com um discurso muito bem elaborado, que é o discurso que nós passamos em toda a nossa vida. Então, quando você chega num lugar para mostrar a sua escrita, para mostrar o seu trabalho, você chega com ele bem delineado. E, mesmo assim, você vai sofrer as consequências. Escrever é um lugar de disputa, é um lugar de poder. Então, como mesmo sendo teatro, ou cinema, ou literatura, poesia, crônicas, você é uma pessoa negra, você é uma mulher negra. E nós, mulheres negras, vamos sempre estar sendo uma tentativa de nos barrar. Mas, às vezes, a gente passa. E quando a gente passa, a gente com certeza causa. Causa porque a obra vem com discussões. Como está sendo agora com Carolina. Dez perguntas para que eu responda sobre Carolina. Sobre a obra de Carolina. Sobre as questões negras. É uma forma, também, de persuasão, não é? Há uma pessoa que escreveu um texto para ver o que eu sei, se estou preparada para fazer o trabalho. Estou preparada. São muitos anos estudando e pesquisando Carolina, esse trabalho está desde 2017, eu e ela. Mas o que eu sei de eu e ela, o que eu sei de Carolina, o que eu sei do mercado, o que eu sei da forma de pensamento do país? Então são essas questões.

Resenhando.com - Qual foi o momento mais indomável de Carolina que você tentou levar ao palco e ela simplesmente se recusou a se deixar representar?
Dirce Thomaz Eu acredito que eu leio Carolina, leio ainda, de uma forma diferente. Eu leio Carolina como uma sobrevivente que tem potência, que ressignificou a escrita, ressignificou a luta das mulheres negras. E deixou um legado. Eu acredito nessa obra como forma de qualquer pessoa, qualquer artista que pegar, que leia a obra de Carolina e quiser levar Carolina para o cinema, ou para o teatro, como eu trouxe, que vai trazer uma Carolina forte. Eu não quis trazer uma Carolina fraca, uma Carolina chorando por sua dor. Por passar fome, por passar necessidade, por criar três filhos. Porque sempre a obra dela deixa isso com orgulho, de querer sair daquele lugar, de reclamar de estar naquele lugar e de ter força de sair desse lugar, que era onde ela morava na favela do Canindé. Ela queria mudar e ela conseguiu mudar. Então é essa Carolina que eu trago. Essa Carolina que pode, essa Carolina potente, não é uma Carolina que fica nas sombras, chorando pelos cantos e reclamando da fome. Ela sobreviveu a essa vida que ela levou com tanta dificuldade, é uma mulher forte, é uma mulher resistente. Não é uma mulher que ficou reclamando a vida inteira, e ela entrava em qualquer lugar. Tanto que Eduardo Coutinho é a passagem de Carolina visitando a casa dele, a casa dos pais dele, na Avenida Casa Branca. Então, é uma mulher destemida, essa é a palavra. Carolina é uma mulher destemida. É essa Carolina que eu trago na minha peça, para mostrar uma obra de mulher negra que não ficou acuada com toda a perversão do sistema, com toda a perversão da sociedade paulistana com ela e com outras pessoas negras. Então, ela narra isso na sua obra, do preconceito, dos palácios, das religiões. É uma mulher que adquiriu conhecimento. Ela não é uma bobinha, porque a que levou sorte. Ela escreveu um livro e foi best-seller, teve sorte.

Resenhando.com - Em 1988, você encarnou "Xica da Silva", dirigida por Antunes Filho. Em 2025, você evoca Carolina Maria de Jesus. Entre essas duas mulheres históricas, o que ainda permanece acorrentado?
Dirce Thomaz Em 1988, eu representei Chica da Silva, um trabalho que eu iniciei quando eu iniciei nos filhos, em 1986, foi um trabalho que tratava também das questões da personagem negra, da história de uma mulher negra, que é a Chica da Silva, e foi um trabalho de muita escuta, de muito empenho para falar sobre as questões do racismo que Chica da Silva passou. Estudando Carolina, desde a época em que eu fiz "O Papel e o Mar", que eu gravei em 2009, no Rio de Janeiro, e depois teve alguns bons trabalhos também em 2014, que foi o Centenário de Carolina, justamente dois grandes nomes da cultura negra, da arte negra, que é Carolina e Abdias Nascimento. Nasceram no mesmo dia, 14 de março. E Carolina, eu represento no teatro desde 2017. E eu acredito que são, quer dizer, eu digo sempre que eu falo da, que é a nossa ancestralidade mineira, da ancestralidade dos meus pais. Chica e Carolina também são mineiras, não é? Mas o que essa obra tem em comum? Eu acho que é a luta, a luta de mulheres negras para sobreviver. E as mudanças? Eu acredito que as mudanças são realmente as dificuldades, são as formas do racismo estrutural, que dificulta para as pessoas negras chegarem a algum lugar. Mas acorrentados, eu não me vejo mais na corrente. Aliás, eu não fui acorrentada nem no pensamento, nem, graças a Deus, embora o racismo ainda exista, graças aos orixás, eu não estou. Nem eu, nem minha família. Vivemos nas correntes, acho que as correntes são um pouco no imaginário de filmes, dos barulhos, uma coisa que atormenta, acho que é uma coisa simbólica. Ou quando algum estúpido resolve acorrentar os negros, de vez em quando a gente aparece, negro escravizado, negro ainda vivendo em situação de escravidão, em trabalho análogo à escravidão, a gente ainda vê essas coisas, mas para escritores, para quem está trabalhando a questão do negro no teatro e no cinema, a gente se sente mais livre para colocar o nosso trabalho em cena.

Resenhando.com - Se Carolina pudesse assistir a "Eu e Ela", o que você acha que ela diria?
Dirce Thomaz Eu acho que ela diria: que bom que você me leu e soube interpretar o que eu disse na minha obra. Porque eu trato Carolina com muito respeito. Eu trato Carolina com reverência, com paixão, mas não é uma paixão louca, é uma paixão de estar apaixonado pela obra e pela mulher que ela foi, pela dignidade e pela forma que ela viveu, pela liberdade de ter três filhos, cada um de um homem nos anos 50. Se a sociedade é cruel, ignorante e perversa com as mulheres hoje, principalmente com as mulheres negras, imagine como a sociedade era nos anos 40 e 50. É essa admiração que eu tenho por essa mulher. Acredito que a Carolina foi uma das grandes feministas. E como a Vera ficou tão contente quando assistiu a "Eu e Ela, visita a Carolina Maria de Jesus", se a filha, que é a representante de Carolina, que hoje, 2021, ficou feliz, ela foi a pessoa que Carolina designou para cuidar de sua obra. Vera Eunice diz isso. E a mãe dizia: "filha, você vai cuidar, não deixa meu nome morrer". E Carolina está viva, não só no Brasil, mas no mundo.

Resenhando.com - Ao longo da sua trajetória, quantas vezes você teve que suavizar o grito para caber no edital, no palco, na pauta da crítica? E quando foi que você resolveu parar de pedir licença?
Dirce Thomaz O grito não é só avisado, nesse sentido dessa questão, o grito é um pedido para ser ouvido, eu preciso gritar para que alguém me ouça, ou é um grito de socorro, ou é um grito para... e as pautas, elas estão aí para serem preenchidas. Eu acho que o teatro negro tem a sua estética, tem a sua força. Ele vem baseado em estudos, em pesquisas desde Abdias do Nascimento, de Lélia Gonzalez. Então, acho que essas questões estão em pauta. E os negros estão aí. Os negros estão aí desde os movimentos negros. Eu sou uma mulher que eu pego o movimento negro, o movimento União e Consciência Negra. Desde o final dos anos 70. Então, a gente tem a nossa pauta. E a gente vai batendo nas portas para colocar os nossos trabalhos. Eu vejo a luta negro, o Teatro Negro, o que eu faço, que a Invasores vem há 25 anos, não é? Fazendo o seu trabalho com respeito, mas com potência, tentando ressignificar a nossa escrita, a nossa atuação, com trabalho de corpo, com trabalho de voz, que é assim que os atores chegam. E Carolina tinha isso. Carolina cantava, Carolina adorava carnaval, Carolina pesquisava, Carolina escrevia. E é dessa forma que a gente bateu na porta do Prêmio Zé Renato e conseguimos ganhar. Para entrar num prêmio, é preciso potência, é preciso resistência. Nós batemos várias vezes e conseguimos entrar em 2025, o ano simbólico, porque a companhia Invasores, a Companhia Experimental de Teatro Negro, completa 25 anos. Então é luta. É luta, é luta, é muito debate, é muita pesquisa, é muito estudo. Foram anos só dos fóruns e seminários. Muitos, muitos participei. Só do fórum de performance negra. Fui cinco vezes a Salvador. Convidada. Fui como convidada dos curadores Milton Cobra e Márcio Meireles para participar do fórum. A Invasores foi. Eu fui pela companhia. Então essa companhia tem um respeito, e eu também tenho um certo respeito por fazer teatro há tanto tempo. Eu peço licença, eu peço licença quando eu vou passar em algum lugar, se tem alguém na porta, se eu preciso passar para fazer uma pergunta, eu peço licença porque eu mando a educação, como os meus pais me educaram, que você tem que pedir licença, mas pedir licença para me apresentar, pedir licença eu peço na encruzilhada, quando eu passo como religiosa de matriz africana, eu respeito muitas encruzilhadas, peço licença se eu estou em dúvida para onde eu vou com licença, vou para lá ou vou para cá em respeito, é uma questão de religiosidade, com esse respeito eu peço licença para as pessoas, para passar por algum lugar. Agora para entrar no palco, para mandar um edital. Então, é uma outra, eu acho que são outras questões e não questão de pedir licença, é questão de chegar bem, chegar protegida. Chegar com um bom projeto, ter um bom profissional, uma equipe de projetos, uma equipe de design, uma equipe de potência para revisar, para fazer um bom projeto, uma boa ilustração, e entrar na concorrência com todos, que brancos e negros e indígenas estão preparados. É ter um bom marketing para entrar nesses projetos. Os concorrentes, principalmente quem tem muito dinheiro, têm os melhores marqueteiros para mandar um bom projeto para um fomento. Daí não tem como entrar. E você, que tem pouco dinheiro, tem que se preparar com bons profissionais, com a sua equipe. É se aquilombar. Invasores é um projeto, uma companhia que se aquilomba. Com os melhores profissionais, dentro da arte dos profissionais negros, com arte negra, que entende a nossa questão, que entende a nossa luta e que vai saber ler os nossos projetos. É assim que nós fazemos para competir, de igual para igual. É uma luta. Tem que estar com a faca afiada. Vai com faca e com navalha e pedindo proteção. Então, eu acho que são essas questões. Ter bons profissionais, escrever um bom projeto para poder competir de igual para igual. E nós, desde que eu saí do Antunes, eu vim de uma boa escola, né? Eu vim de Antunes Filho, depois de Antunes eu tive Alexandre e Mati. São gente que estão aí há muito tempo. Eu trabalho, eu trabalhei com os Crespo, que é a companhia de teatro negro, potente também, trabalhei com os inventivos, então todo mundo trabalha com os inventivos, com Maria Auxiliadora. E é gente do melhor quilate, vamos dizer assim, dentro dos movimentos negros. Tem potências que já estão aí, que já receberam vários prêmios. Então você vai adquirindo conhecimento. E desde a época do Antunes, eu vim da escola, da dramaturgia, do Luís Alberto de Abreu, que tinha o curso na época do Antunes Filho, da época de Chica da Silva. E eu passei por essa escola, eu fiz CPTzinho. Nós íamos todos os sábados para fazer as moças de naturalismo no Sesc Anchieta, hoje Consolação. Então, eu trouxe esse conhecimento comigo. Então, eu não estou fazendo teatro de brincadeirinha, é um teatro de verdade. Então, quando eu digo que não é que eu não bato na porta, eu bato na porta. E, às vezes, se ela estiver só encostada, eu dou um empurrãozinho para perguntar. Com licença, posso entrar? Você bate e entra. Se você bater e ficar do lado de fora esperando, às vezes ninguém vem abrir essa porta para você. Tá bom? E essa dramaturgia vem desde o Antunes Filho, desde o século passado, dos anos 90, que é quando eu crio o Centro de Dramaturgia e Pesquisa sobre a Cultura Negra. Nessa época, eu já tinha saído do Antunes querendo escrever, querendo estar em vários lugares, querendo achar um lugar que eu fosse selecionada pelo meu tipo, não me restringindo a ser só a Xica da Silva, mas para fazer a personagem que eu quisesse. Por isso eu comecei a escrever. E agora, com Carolina, acho que estou concretizando um momento muito bom, não só para mim, mas para a cultura negra, de estar circulando com esse projeto maravilhoso. São 25 anos, mas os anos que ficaram atrás do centro, que foi criado em 1994. Então são mais de 25 anos, são 31 anos. Na peleja. E por isso cheguei até aqui, espero chegar. Eu espero ir mais longe, né, conquistar os projetos, outros fomentos, né. E o Zé Renato... Muitas pessoas falam que a Câmara conseguiu o Zé Renato. Eu vi o Zé Renato nascer, eu vi o Prêmio Zé Renato nascer. O Prêmio Zé Renato nasceu dentro da Cooperativa Paulista de Teatro. Foi criado, a sua idealização foi feita pelo Dorberto Carvalho, que fazia parte da Diretoria da Cooperativa nessa época, há vinte e poucos anos atrás. Idealizou, vi as discussões, ouvi. Fui até a Câmara dos Vereadores para fazer a entrega do projeto final. Então, as pessoas às vezes não sabem da realidade. Quando você ganha um projeto ou um prêmio, as pessoas não sabem que você lutou com ele, que você viu ele sendo escrito, que você também deu ideias para esse prêmio. Então, eu acho que é isso. Justiça está sendo feita.

Resenhando.com - Se a literatura negra é um direito, como diz o título da roda de conversa, quem são os carcereiros que ainda negam esse acesso?
Dirce Thomaz A literatura é um direito, mas sempre houve uma batalha, desde Machado de Assis, a fundação dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, Maria Firmina, que é uma das primeiras escritoras negras, que abriu caminho para tantas outras, para Carolina, para Conceição, uma maravilhosa Conceição Evaristo, Cruz e Sousa, que lutou muito, Lima Barreto, então tudo isso são direitos, mas houve muita luta, muita resistência e muita potência, para que eles chegassem até e para que a gente estivesse podendo falar, fazer essa gravação. Sobre o meu trabalho. Então, foram muitos escritores e escritoras que lutaram para que a gente estivesse aqui. Está aí os cadernos negros, mais de 40 anos fazendo literatura. Então, a gente vai passando, a gente tem o nosso jeito, a nossa forma de fazer, vamos comendo pelas beiradas e a gente vai chegando no centro. Então, é uma representatividade que está aí, que nós seguimos para chegar até eles. Os carcereiros que negam o acesso são os filhos, os filhos, os netos dos carcereiros da época de Machado, de Cruzeiro e de Lima. Então eles deixaram os seus herdeiros aí para estar segurando a barra, né? Segurando a barra falando, esse entra, esse não entra, esse entra, esse não entra. São os herdeiros que ficaram aí para lutar por esse mercado, para... é uma questão de poder. E que eles não querem largar os racistas, os seus filhos, os seus herdeiros, né? São os filhos dos colonizadores, né? Os filhos, os netos, essa geração que continuaram mandando no Brasil e mandam até hoje. Lutou para sair daquela falsa escravização, também deixaram uma herança, que somos nós. Os nossos ancestrais deixaram herança. E a luta é muito parecida. Tem que forçar resistência e nós ressignificamos. Estamos ressignificando até hoje os nossos ancestrais. Os nossos ancestrais, artistas, que deixaram esse Brasil muito rico. A literatura negra também vem de um movimento de luta, desde os movimentos negros, tem os movimentos artísticos, os movimentos literários, que lutam para conquistar esse lugar. E vão driblando também esses carcereiros que tentam nos encurralar em alguns espaços fechados, mas hoje a literatura negra tem muita luta, é uma luta de classe. Como diz a Angela Davis em seu livro Mulheres, Raça e Classe, estão principalmente movimentos de mulheres negras muito unidos para que a literatura negra chegue à luta. Só um lugar de destaque, então é uma classe também que trabalha e batalha muito para que sua obra, sua arte chegue em um ponto que nos favoreça, chega num lugar de visibilidade, para nos tornar visíveis, como Carolina se tornou visível com toda a dificuldade. Tem os movimentos de mulheres e tem também outros movimentos que não são só as mulheres lutando, tem as pessoas que vão por sua conta e risco, tentam chegar sozinhas, tem algumas pessoas que podem chegar, mas tem outras que chegam em grupo, que se aquilombam para ter mais potência, juntos ou juntas. Somos mais fortes.

Resenhando.com - Seu teatro é repleto de vozes silenciadas, mas hoje, quando todos falam ao mesmo tempo nas redes, como garantir que Carolina não vire só um meme literário ou um nome em camiseta branca?
Dirce Thomaz Eu acho que o meu teatro dá voz a pessoas ou a personagens que a sociedade brasileira tentou silenciar, mas elas, de certa forma, escaparam a esse silenciamento, que é esse grito, mesmo que esse grito seja um grito sufocado, alguém ouve. O silêncio foi rompido, porque houve uma comunicação, que você pode se comunicar com gestos, com olhar, e várias formas de se comunicar. E eu vi. Eu vi essa tentativa de comunicação, essa comunicação. E peguei essa personagem pela mão, pelo braço, pela roupa, pela saia, e falei, vem, vem que agora eu vou mostrar a sua força, a sua potência, eu vou ressignificar. Agora é o seu momento, eu acho que Carolina foi uma dessas personagens que tem vários projetos para falar da sociedade brasileira, para fazer essa crítica a pessoas negras que foram massacradas e que tentaram, de alguma forma, com um gesto ela se comunicou, porque ela não se calou, ela deu um sinal. E eu acredito que tem essa coisa de... e Carolina passou à frente, por exemplo, tem o projeto Chica da Silva. Até hoje, para fazer, escrever. Já está boa parte escrita sobre as outras fases de Chica, que é diferente da Chica de Antunes. Então, eu acredito que as personagens falam, as personagens dão um sinal. Eu quero ir, eu quero ser, agora é a minha vez. E Carolina deu esse sinal forte, então Carolina veio com toda essa potência. Não acredito nesse silenciamento. Eu acredito que há uma forma de sinalizar. Quando um corpo sai, um corpo negro que é massacrado, que é morto, que parece que está escondido, que ninguém vai saber, aquele clima desvendado, é porque ele rompeu o que se acha. De que é silenciamento, ele deu sinal, ou aparece uma ossada, ou aparece alguma coisa, um instrumento, um objeto, um detalhe simbólico que surge para o ato ser revelado. Eu acredito muito nessa revelação. E é assim que a gente faz teatro. Pelo menos eu. Faço teatro dessa forma. Então, esse silenciamento acho que é muito do pensamento dessa sociedade brasileira achar que é ela matando, sufocando, deixando a pessoa jogada na periferia, em bairros que não têm melhorias, como o Carmo. Vivia, naquele sufoco de não ter comida, de ter que sobreviver catando material reciclável, como dizemos hoje. Mas há muitas pessoas que andam assim, carregando seus carrinhos, arrastando como cavalos alados, carroças pela cidade, homens, mulheres, sobrevivendo de lixões, 90 mil pessoas na rua em São Paulo. Essas pessoas estão silenciadas? Não. A gente está vendo, quando você olha e vê se a pessoa está quieta, mas ela está com uma expressão, um gesto dela, vale o silenciamento. O seu olhar é o olhar da gente que vê o que é silêncio, o que é forte. Resistência e o que é potência. E na arte isso se transforma. Carolina é uma potência. Nunca vai ser esquecida, ela nunca vai ser só uma camiseta mas, escrita em camiseta branca. Amor dos orixás. Se nos anos 60, quando é lançado o "Quarto de Despejo", nós estamos em 2021, são mais de 50 anos. Carolina existe, Carolina resiste, Carolina persiste, Carolina é nome de escola, Carolina é nome de biblioteca, Carolina está nos vestibulares, foi para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi para a Unicamp, chegou à USP, foi a última universidade a aceitar as cotas, a aceitar não, né, a garantir por livre pressão. As cotas? Vocês acreditam que esse nome vai desaparecer? É impossível, impossível, vão morrer, vamos morrer, vão nascer outras pessoas e Carolina vai estar presente. Não vai morrer, não, porque permaneceu, porque permaneceu, é muito forte, o mundo conhece Carolina, o mundo estuda Carolina, ela foi traduzida para mais de dez idiomas na época que foi lançado o "Quarto de Despejo". Então ela é uma potência, enredo de carnaval na Colorado do Brás, vai ser enredo da Unidos da Tijuca agora em 2026. Isso é uma permanência. Veio para ficar. Tem filmes, está no teatro, são muitos grupos, mais de dez grupos, fazendo Carolina Maria de Jesus, já está na história. A internet é uma terra sem lei. Todo mundo põe o que quer lá. Memes. É difícil dizer até sobre isso, sabe? Difícil porque eu acho os memes uma bobagem. Isso sim, isso passa. Coloco o meme hoje e amanhã, ninguém está lembrando mais dessa coisa boba, eu acho. Mas tem outro lado da internet também, o lado da pesquisa, o lado de você buscar teses de doutorados e de mestrados, de instituições sérias, de ONGs sérias, que deixam, de institutos, que deixam um legado maravilhoso para a gente pesquisar. Isso é muito bom na música, na dança, no teatro, isso é bom. Mas o resto de quem quer se dar bem, ficar falando bobagem, isso a gente descarta. Tem tempo para ver as coisas bobas e vulgares que estão na internet. Mas, com certeza, ela veio com potência para nos auxiliar. E essas vozes, as vozes negras, sempre houve a tentativa de nos silenciar. Mas nós estamos aqui, mais de 400 anos, depois da passagem forçada dos negros, da travessia da Calunga Grande, da travessia do Atlântico, do Atlântico Negro, vários escritos sobre a nossa travessia. Por mais que boa parte da nossa ancestralidade ficou no fundo do mar Atlântico, nós estamos aqui. Então, o silêncio, de uma certa forma, ele grita. O silêncio não é um vazio. O silêncio fala. As vozes do silêncio, do Atlântico, gritam até hoje. E essas vozes chegam aos meus ouvidos, aos ouvidos de outros escritores e escritoras negras. E nós temos o direito à fala. E a gente fala, a gente fala, a gente grita, a gente escreve, a gente recita. Fazemos os nossos discursos, então ninguém nos silencia, tentaram, mas a gente está aqui e vamos estar aqui, que é a força dos meus ancestrais, a força da minha mãe, da mãe da minha mãe, da avó, da bisavó, da tataravó, da minha mãe, como diz Conceição. As nossas forças, as forças femininas, as forças de Carolinas, as forças de Chica da Silva, as forças de Lélia González, são essas forças, forças de mulheres negras. E forças de pessoas negras.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

.: Entrevista: Kiko Barros, filho de Plínio Marcos, fala sobre legado


Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com.

Plínio Marcos era um homem de palavras inteiras - nunca foi de meias palavras. Cuspia verdades, chutava convenções e transformava a precariedade em cenas poéticas. Mais de duas décadas após a morte dele, o autor que os censores temiam e que os palcos reverenciam completaria 90 anos em 2025. Para celebrar a data, São Paulo recebe um grande encontro que une teatro, samba e literatura, sob a batuta de Kiko Barros, filho do dramaturgo.

Kiko não apenas preserva a memória do pai: ele a expõe, sem nenhum tipo de maquiagem. Nesta entrevista, ele fala sobre a intimidade de conviver com o homem que foi, ao mesmo tempo, mito e pai, sobre o risco de transformar Plínio Marcos em relíquia domesticada e sobre a atualidade cortante de uma obra marcada pela censura, pela rebeldia e pela devoção à voz dos esquecidos que insiste em incomodar e resistir. Compre os livros de Plínio Marcos neste link.

Resenhando.com - Plínio Marcos dizia que era “repórter de um tempo mau”. Se ele vivesse em 2025, em meio a redes sociais, fake news e cultura do cancelamento, que reportagem maldita ele escreveria?
Kiko Barros - O título "repórter de um tempo mau" que ele mesmo se deu, veio da maneira profunda que escrevia seus textos puxando do âmago, e muito em função do descontentamento diante das situações que retratava. Isso acontecia quando escrevia as peças teatrais e também quando escrevia nos jornais e revistas a partir de 1968, em meio à ditadura e à censura que sofreu. Hoje, se estivesse adaptado às redes e internet, não faltaria assunto. Já naquela época ele dizia sobre o perigo dos  poderosos controlando a cultura, do risco de artistas ficarem reféns de subsídios de governos inescrupulosos. Acredito que escreveria os mesmos textos, as mesmas crônicas, e tentaria com esses textos todos despertar o ser humano. Certamente tentaria subverter o ser humano para se desapegar de bens materiais chamando atenção aos problemas do homem, denunciando a opressão e as injustiças. Faria de seu teatro e de suas crônicas palco para discutir profundamente os problemas do homem, como dizia: "o Teatro só faz sentido se for uma tribuna livre para se discutir os problemas do homem".


Resenhando.com - Há quem considere o teatro de Plínio brutal e pessimista. Outros o enxergam como um retrato amoroso da miséria humana. Na intimidade, seu pai era mais próximo do carrasco ou do poeta?
Kiko Barros - Meu pai era um artista genial, muito sensível e muito generoso, ficava incomodado com as injustiças sociais e instigava o ser humano para buscar sua vocação e se libertar. Muitas vezes, brigou por suas ideias. Acredito que ele era próximo do poeta, do ator, do artista. Ele admirava profundamente atores e atrizes e toda a magia que levam. Teatro é uma magia, você aprende , mas ninguém te ensina. Mas esteve muitas vezes em frente ao carrasco e sempre pronto para debater, para argumentar e para subverter e libertar aqueles que se permitissem ser abraçados pela arte e pela vocação.


Resenhando.com - Você cresceu convivendo com o homem por trás do mito. Que lembrança doméstica, aparentemente banal, revela melhor quem era Plínio Marcos?
Kiko Barros - A simplicidade no dia a dia, a capacidade que ele tinha de se comunicar, com pessoas de todas as classes, e também de brigar com essas mesmas pessoas. Uma pessoa generosa que não tinha medo de errar e usava a força da sua vocação para seguir seu caminho com alegria, com coragem e muita coerência. 


Resenhando.com - Como filho, você se sente guardião de um legado ou cúmplice de uma obra que ainda incomoda porque cutuca feridas abertas da sociedade?
Kiko Barros - Hoje sinto sim que tenho um legado de extremo valor. Desde o início do ano, com maior intensidade, estou catalogando e iniciando a digitalização do acervo. Além das obras teatrais que já foram publicadas, temos mais de 1500 contos e crônicas que foram publicados a partir de 1968, diversas colaborações e colunas até 1999, quando ele morreu. Textos sobre futebol, samba, sobre teatro, sobre cotidiano, política, ainda muito atuais com humor e que pretendemos disponibilizar em publicações diversas.


Resenhando.com - Muitos dramaturgos acabam domesticados pela academia ou pelo mercado. O que impediria Plínio de ser transformado, hoje, em peça de vitrine para intelectuais higienizados?
Kiko Barros - O próprio Plínio, seus ideais... As mesmas coisas que impediram no passado. Plínio estudou até a quarta série do primário, esse tipo de intelectual higienizado não se interessa pela obra do Plínio. Chama de maldito, e tal... Eles querem esconder, apagar. A discussão  proposta por Plínio nos seus textos não agrada os poderosos, basta ver que não temos nenhum apoio ou patrocínio para esta celebração do maior dramaturgo de seu tempo. 


Resenhando.com - Seu pai foi censurado, perseguido e muitas vezes tratado como marginal. Se pudesse escolher: preferiria que Plínio fosse lembrado como gênio do teatro brasileiro ou como subversivo incorrigível?
Kiko Barros - Preferiria  que fosse reconhecido como gênio do teatro que foi, e ainda é, e também como contador de histórias, mas sabendo o período complicado que ele viveu. Eu me orgulho muito da fibra que ele sempre teve ao lutar pela liberdade, na tentativa de despertar o ser humano das garras do poder opressor. O genial escritor é subversivo e ainda nos encanta e desperta.


Resenhando.com - Você também é ator. Já se pegou disputando espaço com a sombra do sobrenome “Marcos”? Qual é o preço de carregar o peso dessa herança?
Kiko Barros - Já fui ator. Tive oportunidade de trabalhar com grandes artistas além da minha família, mas era muito jovem,  durante dois ou três anos eu trabalhei com diversos artistas, inclusive meu pai. Agora, eu fico a frente da obra dele com muita alegria. Não tem preço, é um processo necessário e de grande aprendizado. Nesta segunda-feira, estarei no palco do teatro de Arena Eugênio Kusnet  para celebrar a obra e os 90 anos do Plínio, estão todos convidados para esta festa. 


Resenhando.com - O evento dos 90 anos mistura samba, teatro e literatura. Se tivesse de resumir Plínio em um gênero musical, ele seria mais samba de raiz, punk rock ou rap de periferia?
Kiko Barros - Nosso evento apresenta estas três vertentes, com teatro em algumas cenas, leituras de textos, com lançamento da nona edição "Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos", livro que reúne cinco contos e, com o Samba do Kolombolo, mostrando as raízes do samba paulista. Sim, Plínio seria samba, seria manifestação cultural tradicional, seria  resistência cultural. Mesmo não sendo músico, Plínio escreveu muitos sambas e fez grandes parceiros no samba, foi o maior divulgador e incentivador do samba paulista, fundador da maior banda de carnaval de São Paulo nos anos 70 fazendo shows e gravando dois discos, um deles, o disco mais importante do samba paulista. 


Resenhando.com - Há quem diga que Plínio Marcos sempre escreveu contra o poder, fosse ele político, econômico ou moral. Que poder, em 2025, ele mais adoraria afrontar?
Kiko Barros - Todos. Qualquer  poder é embrutecedor e covarde. Ele se dizia anarquista, mas a maneira dele ia muito além de um rótulo, sabia bem a força transformadora de uma poesia, e percebia como ninguém essa força. Muitos acham que seus textos eram pornográficos, subversivos. Ele sempre soube a poesia contida nos seus textos, e mesmo muitas vezes sendo bruto, nunca perdeu a doçura da poesia.


Resenhando.com - Qual pergunta você gostaria que fizessem a Plínio Marcos hoje - e que resposta imagina que ele daria, sem papas na língua?
Kiko Barros - Em determinado momento da vida ao visitar  presídios, fazendo palestras e debates, pediram para Plínio dar um conselho para os detentos.... ele disse: "Fujam!!".

.: Vida e obras de Plínio Marcos são celebradas em programação especial


No debate "Plínio Marcos: Memórias e Causos", com a mediação de Renata Zhaneta, o ator Ricardo (Kiko) Barros e diretor Oswaldo Mendes recordam as histórias e a trajetória de Plínio Marcos. Foto: Marcos Muzi 

 
Entre os dias 25 de setembro e 4 de outubro, o Sesc Santos reúne espetáculos e debate na programação “Plínio Marcos - 90 anos” para celebrar as nove décadas de nascimento de Plínio Marcos. Nascido em Santos - SP, em 29 de setembro de 1935, começou no teatro amador na sua cidade natal por incentivo de Patricia Galvão - Pagu. Ator, diretor, jornalista, e um dos mais importantes dramaturgos do teatro brasileiro, faleceu em 1999, em São Paulo. A obra dele, que retratou a dura vida das pessoas marginalizadas, foi resistência e deixou um legado, com temas sociais e políticos de seu tempo, e que se fazem atuais.

O ator e pesquisador Ricardo (Kiko) Barros, filho de Plínio Marcos, e o jornalista e dramaturgo Oswaldo Mendes, autor da biografia de Plínio Marcos intitulada “Bendito Maldito”, e mediação da atriz e diretora Renata Zhaneta, falam sobre as histórias e trajetória de Plínio Marcos, marcada pela visceralidade e pela representação dos excluídos, no debate "Plínio Marcos - Memórias e Causos". O encontro acontece no dia 25 de setembro, quinta-feira, às 20h00, no Auditório. A entrada é gratuita. A partir de 14 anos.

Participam do debate Ricardo (Kiko) Barros - filho do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos. Atualmente é o representante legal da obra de Plínio, curador do acervo e coordenador de sua digitalização. Participa e realiza eventos e ações relacionadas à obra de Plínio Marcos. Oswaldo Mendes - Ator, Autor de teatro e jornalista, cofundador da Associação Paulista de Críticos de Arte e ganhador do Prêmio Jabuti por "Bendito Maldito - Uma biografia de Plínio Marcos" (Editora Leya). Renata Zhaneta - Atriz, Diretora e preparadora corporal. Atualmente responde pela direção artística da EAC Wilson Geraldo. Iniciou sua carreira em Santos em 1974, quando conheceu Plínio Marcos. Desde então manteve contato com o autor nos grupos dos quais participou. Realizou montagens de alguns textos do dramaturgo, tanto em escolas de teatro como profissionalmente. Como atriz, participou de Navalha na Carne com o Grupo TAPA.

A peça "Dois Perdidos numa Noite Suja - Delivery", com direção de José Fernando Peixoto de Azevedo, tem no elenco os atores Michel Pereira e Lucas Rosário. A obra conta a história de dois jovens da periferia, Tonho e Paco, que dividem uma residência estudantil e trabalham como entregadores delivery. Dias 26 e 27 de setembro. Sexta e sábado, 20h, no Auditório. Os ingressos custam de R$12,00 a R$40,00. Duração de 90 minutos. A partir de 16 anos. Tradução em Libras na sessão de 27 de setembro.  

"Eu Fiz Por Merecer - O Tempo e o Verbo de Plínio Marcos" é uma peça escrita por Oswaldo Mendes, com Walter Breda, Fernando Rocha, e Oswaldo Mendes no elenco e direção. Um ator formado nos musicais encontra dois atores das antigas para fazer um espetáculo que divirta, arrebate e ajude as pessoas a enfrentarem esses tempos difíceis. Depois de reclamar dos parceiros que só falam de gente morta e de um tempo que não é o dele, o ator concorda em trazer à cena o tempo e o verbo de um artista do teatro, Plínio Marcos, inspirados na sua biografia "Bendito Maldito". Dia 30 de setembro. Terça, 20h00. Auditório. Os ingressos custam de R$ 12,00 (credencial plena) a R$ 40,00 (inteira). Duração: 60 minutod. A partir de 16 anos.  

O espetáculo "Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos", encenado por Ícaro Rodrigues, com texto de Plínio Marcos e direção de Roberta Estrela D’Alva, une teatro, performance e poesia falada para refletir sobre o universo do sistema prisional brasileiro. Inspirado na vivência do ator como educador na Fundação Casa, o espetáculo constrói uma narrativa entre a ficção e relatos reais, num corpo-espaço em estado de alerta, esgotamento e resistência. Dias 3 e 4 de outubro. Sexta e sábado, 20h00. Auditório. Os ingressos variam de R$ 12,00 (credencial plena) a R$ 40,00 (inteira). Duração de 60min. A partir de 12 anos. Tradução em Libras na sessão de 4 de outubro. 


Sobre o Plínio Marcos
Plínio Marcos (1935 - 1999) nasceu em Santos e iniciou sua trajetória artística no circo, atuando como palhaço Frajola. Em 1958, o contato com Patrícia Galvão (Pagu) e o teatro amador santista despertou nele o interesse pela dramaturgia. Em 1959, escreveu sua primeira peça, Barrela, inspirada em um episódio real de violência carcerária. O texto marcou sua estreia como dramaturgo e o colocou sob a vigilância da censura, que proibiu a obra por mais de vinte anos.

Nos anos 1960, em São Paulo, trabalhou como camelô, vendedor de álbuns de figurinhas, técnico da TV Tupi, administrador e ator na companhia de Cacilda Becker, no Teatro Arena e no grupo de Nydia Lícia. Foi considerado “dramaturgo maldito” em razão das constantes perseguições da censura às suas obras durante a ditatura militar, mas tornou-se símbolo de resistência cultural e artística.

Autor de títulos como: "Dois Perdidos numa Noite Suja" (1966), "Navalha na Carne" (1967), "Quando as Máquinas Param" (1967), "Homens de Papel" (1968), "O Abajur Lilás" (1969), "Balbina de Iansã" (1970), "Querô, Uma Reportagem Maldita" (1979), "Madame Blavatsky" (1985) e "Balada de Um Palhaço" (1986).  Sua obra é marcada pela denúncia social e pela força cênica de suas personagens. Além do teatro, escreveu romances, contos e crônicas, mas sempre reconheceu que sua escrita nascia voltada para o teatro. Atual, sua obra dramatúrgica é referência na representação dos excluídos no Brasil e na luta pela liberdade de criação nas artes cênicas. Faleceu no mês de novembro de 1999, em São Paulo.


Serviço
"Plínio Marcos - 90 anos"
De 25 de setembro a 4 de outubro
 

Debate
"Plínio Marcos - Memórias e Causos"  
Com Ricardo (Kiko) Barros e Oswaldo Mendes
Mediação de Renata Zhaneta
Dia 25 de setembro. Quinta-feira, às 20h00
Auditório
Grátis. A partir de 14 anos

Espetáculo
"Dois Perdidos numa Noite Suja - Delivery"
Dir.: José Fernando Peixoto de Azevedo
Dias 26 e 27 de setembro. Sexta-feira e sábado, às 20h00
Auditório
Ingressos: R$ 12,00 (credencial plena). R$ 20,00 (meia-entrada). R$ 40,00 (inteira)
Duração: 90 minutos
A partir de 16 anos
Tradução em Libras na sessão de 27 de setembro


Espetáculo 
"Eu Fiz Por Merecer - O Tempo e o Verbo de Plínio Marcos" 
Com Walter Breda, Fernando Rocha e Oswaldo Mendes
Dia 30 de setembro. Terça-feira, às 20h00
Auditório
Ingressos: R$ 12,00 (credencial plena). R$ 20,00 (meia-entrada). R$ 40,00 (inteira)
Duração: 60 minutos
A partir de 16 anos


Espetáculo 
"Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos"
Com Ícaro Rodrigues. Direção de Roberta Estrela D'Alva
Texto de Plínio Marcos
Dias 3 e 4 de outubro. Sexta e sábado, às 20h00
Auditório
Ingressos: R$ 12,00 (credencial plena). R$ 20,00 (meia-entrada). R$ 40,00 (inteira)
Duração: 60 minutos
A partir de 12 anos
Tradução em Libras na sessão de 4 de outubro


Venda de ingressos
As vendas de ingressos para os shows e espetáculos da semana seguinte (segunda a domingo) começa na semana anterior às atividades, em dois lotes: on-line pelo aplicativo Credencial Sesc SP e portal do Sesc São Paulo: às terças-feiras, a partir das 17h00
Presencialmente, nas bilheterias das unidades: às quartas-feiras, a partir das 17h00


Bilheteria Sesc Santos - Funcionamento
Terça a sexta, das 9h00 às 21h30 | Sábados e domingos, das 10h às 18h30    


Sesc Santos      
Rua Conselheiro Ribas, 136, Aparecida        
(13) 3278-9800          
Site do Sesc SP  
Instagram. Facebook. @sescsantos

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