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terça-feira, 16 de dezembro de 2025

.: Prêmio Sesc de Literatura apresenta novos nomes e aposta no encontro

Abáz, Marcus Groza e Leonardo Piana, vencedores do Prêmio Sesc de Literatura 2025, durante o lançamento dos livros no Rio de Janeiro. Foto: Alexandre Brum

O lançamento dos livros vencedores do Prêmio Sesc de Literatura 2025, realizado na última segunda-feira, dia 15 de dezembro, no Rio de Janeiro, foi mais do que a apresentação de três títulos ao mercado editorial. Foi, sobretudo, a celebração de um rito de passagem: o momento em que a escrita deixa o território íntimo do inédito e passa a circular, ganhar leitores, provocar encontros. Chegam agora ao público o romance “Goiás”, do paulista Marcus Groza; a coletânea de contos “Massaranduba”, do baiano Abáz; e o livro de poemas “Escalar Cansa”, do mineiro Leonardo Piana. São obras distintas em forma, tom e percurso, mas unidas pelo mesmo ponto de partida: o Prêmio Sesc de Literatura, um dos mais importantes reconhecimentos voltados a autores inéditos no Brasil.

A alegria do primeiro livro impresso atravessou os depoimentos dos vencedores. Abáz, contemplado na categoria Conto, destacou a dimensão afetiva e simbólica do prêmio. Para ele, a possibilidade de circular pelo país e dialogar diretamente com leitores marca o verdadeiro início da trajetória literária. “Agora que tenho um livro nas mãos, estou muito ansioso para trocar experiências e conversar com os leitores”, afirmou.

Já Marcus Groza, vencedor na categoria Romance, refletiu sobre o gesto solitário da escrita e o desejo de compartilhamento que se impõe quando o texto ganha o mundo. “Se uma pessoa ressoar algo das emoções que tentei transmitir no livro, será muito gratificante”, disse, apontando para o que talvez seja o sentido mais profundo da literatura: criar vínculos invisíveis entre quem escreve e quem lê.

Na poesia, Leonardo Piana falou da expectativa de ver seus versos em circulação e da experiência de percorrer o Brasil ao lado do Sesc. “Esse contato é muito especial para mim”, comentou, antecipando o diálogo que se estabelece quando o poema encontra sua escuta.

O evento reuniu leitura de trechos das obras, interpretados por estudantes da Escola Sesc de Artes Dramáticas, uma roda de conversa mediada pela escritora Eliana Alves Cruz - integrante da comissão julgadora desta edição - e sessão de autógrafos. Um encontro que reforçou o caráter formativo e público do prêmio, pensado não apenas como distinção, mas como política cultural de acesso à literatura.

Os livros vencedores já estão disponíveis em livrarias físicas e online de todo o país e também serão distribuídos pela rede de bibliotecas e escolas do Sesc, ampliando o alcance das obras e consolidando o compromisso do projeto com a democratização da leitura. A edição de 2025 recebeu 2.451 originais, distribuídos entre poesia, conto e romance, números que revelam a vitalidade da produção literária contemporânea no Brasil.

Publicados pela Editora Senac Rio, os autores vencedores receberam prêmio em dinheiro no valor de R$ 30 mil cada. Também foram concedidas menções honrosas a Lúcio Cordeiro, Lucas Alves e Eduardo Marques, finalistas nas categorias, incluindo a premiação destinada a trabalhadores e trabalhadoras do comércio de bens, serviços e turismo.

Criado em 2003, o Prêmio Sesc de Literatura já recebeu cerca de 24 mil originais e revelou ao mercado editorial 43 novos autores. Comissões julgadoras formadas por escritores, jornalistas e críticos literários de diferentes regiões do país avaliam os trabalhos sob rigoroso anonimato, garantindo independência e mérito literário como critérios soberanos. Um percurso que começa no silêncio da escrita e encontra, no livro publicado, a possibilidade de permanência.


Livros vencedores do Prêmio Sesc de Literatura 2025
Romance:
“Goiás”, de Marcus Groza
Conto: “Massaranduba”, de Abáz
Poesia: “Escalar cansa”, de Leonardo Piana
Disponibilidade: livrarias físicas e on-line em todo o Brasil e rede de bibliotecas e escolas do Sesc

Próxima edição – inscrições
Período:
de 2 de fevereiro a 2 de março de 2026

Tags
#PremioSescDeLiteratura #MarcusGroza #Abaz #EscalarCansa #LeonardoPiana

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

.: Aos 80, "O Pequeno Príncipe" ganha exposição imersiva no MIS Experience


O MIS Experience inaugura no dia 20 de dezembro a exposição "O Pequeno Príncipe - 80 Anos", mostra imersiva e inédita no Brasil que celebra oito décadas da primeira edição francesa da obra de Antoine de Saint-Exupéry. Considerado um dos livros mais traduzidos e lidos do mundo, "O Pequeno Príncipe" ganha uma homenagem de grande escala, que combina tecnologia, artes visuais e narrativa sensorial para revisitar seu universo poético.

A exposição propõe uma jornada cronológica e simbólica que tem início na França dos anos 1920, período decisivo na formação artística e intelectual de Saint-Exupéry. Ao longo do percurso, o público é apresentado a momentos marcantes da vida e da obra do autor, incluindo a atuação dele como escritor, inventor e aviador, além de sua relação profunda com a aviação - elemento central de sua trajetória pessoal e literária.

Composta por cinco salas expositivas e uma sala de imersão 360° inédita, a mostra conduz os visitantes por uma viagem narrativa que atravessa estrelas, planetas e o deserto, recriando, em grande escala, passagens emblemáticas do livro. As aquarelas originais de Saint-Exupéry ganham vida por meio de projeções, animações, trilha sonora exclusiva e recursos visuais que ampliam a experiência sensorial.

Personagens icônicos como o Pequeno Príncipe, a raposa e a rosa surgem ao longo do percurso, reforçando os temas centrais da obra, como amizade, afeto, perda e responsabilidade. Pensada para públicos de todas as idades, a exposição busca dialogar tanto com leitores que cresceram com o livro quanto com novas gerações, reafirmando a atualidade e a força emocional do clássico.


Serviço
Exposição "O Pequeno Príncipe - 80 Anos"
MIS Experience - Museu da Imagem e do Som
Rua Cenno Sbrighi, 250 - Água Branca / São Paulo
Sessões a cada 30 minutos
Terça-feira: entrada gratuita (ingressos apenas na bilheteria)
Quarta a sexta-feira: R$ 40 (inteira) | R$ 20 (meia)
Sábados, domingos e feriados: R$ 60 (inteira) | R$ 30 (meia)
Classificação indicativa: livre para todas as idades
Menores de 18 anos apenas acompanhados de um dos pais ou responsável
Gratuidade: crianças até 7 anos
Acessibilidade: espaço acessível para pessoas em cadeira de rodas
Duração: variável, conforme o ritmo do visitante

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

.: Morre aos 55, Sophie Kinsella, a autora dos livros da consumidora Becky Bloom

Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em dezembro de 2025


Morre aos 55, Sophie Kinsella, nome artístico de Madeleine Sophie Wickham, autora dos livros protagonizados por Becky Bloom, dois dias antes de completar 56 anos. A escritora britânica foi diagnosticada com um tumor no cérebro em 2022, porém somente em 2024 que tornou o diagnóstico público, alegando querer dar aos familiares tempo para se acostumarem ao “novo normal”. Contudo, revelou estar “muito bem no geral” apesar do cansaço e brincou que sua memória estava “ainda pior do que era antes”.

A notícia da morte foi divulgada pela família, na rede social Instagram, no perfil da autora, dia 10 de dezembro de 2025, com os dizeres: “Ela faleceu em paz e seus últimos dias foram repletos de seus amores: família, música, aconchego, Natal e alegria”.

"Não conseguimos imaginar como será a vida sem sua luz e amor à vida. Apesar da doença, que ela enfrentou com coragem inimaginável, Sophie se considerava verdadeiramente abençoada por ter família e amigos maravilhosos, e pelo sucesso extraordinário de sua carreira como escritora", complementaram.

A obra mais famosa e que gerou uma série de livros foi “Os Delírios de Consumo de Becky Bloom”, adaptada em 2009, aos cinemas com o mesmo título, tendo como protagonista a atriz Isla Fisher. As obras de Sophie Kinsella venderam mais de 50 milhões de cópias e foram traduzidas para mais de 40 idiomas.


Leia+

.: Resenha de "Os delírios de consumo de Becky Bloom", Sophie Kinsella

.: Resenha de "O Segredo de Emma Corrigan", Sophie Kinsella

.: Resenha de "Os Delírios de Consumo de Becky Bloom"


.: Pelo aniversário de Clarice Lispector, IMS lança curta com crianças


O curta já está disponível no canal de YouTube do IMS. Na imagem, Alice e Celeste em frame do curta-metragem A vida íntima de Laura

Nesta quarta-feira, dia 10 de dezembro, data de aniversário da escritora Clarice Lispector (1920-1977), o Instituto Moreira Salles lança um curta-metragem em homenagem a ela. No vídeo, que já está disponível no canal de YouTube do IMS, seis crianças recontam, atuam e ilustram a história do livro infantojuvenil "A Vida Íntima de Laura", publicado por Clarice em 1974.

O curta-metragem é fruto de um trabalho realizado durante este ano pelo Departamento de Literatura do IMS com estudantes da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, unindo educação, literatura e arte, em três etapas. Na fase da preparação, cada criança recebeu um exemplar do livro, doados pela editora Rocco, e participou de uma atividade de leitura compartilhada; num segundo momento, discutiram a história com seus pais e mães em casa; já na terceira etapa - criativa e artística - elas fizeram um trabalho de encenação de algumas passagens da história e de ilustração de três cenas. São esses os desenhos que dão colorido ao filme, em uma releitura da história da galinha Laura.

O lançamento integra o projeto Hora de Clarice, criado em 2011 pelo IMS para celebrar o nascimento e o legado da autora. O projeto também faz parte das iniciativas para difundir o acervo de Clarice Lispector, sob a guarda do IMS desde 2004. O Instituto também mantém um site sobre a autora, com textos e materiais sobre a sua produção.


Serviço
Curta-metragem "A Vida Íntima de Laura"
Já disponível no canal de YouTube do IMS
Concepção: Bruno Cosentino e Eucanaã Ferraz
Direção: Laura Liuzzi e Bruno Cosentino
Montagem: Laura Liuzzi
Produção: Bruno Cosentino
Apoio: Editora Rocco


segunda-feira, 24 de novembro de 2025

.: Divulgadas as primeiras imagens de Maria Gal como Carolina Maria de Jesus


Maria Gal caracterizada como Carolina Maria de Jesus , escritora que se tornou símbolo de resistência ao escrever sobre a vivência na favela do Canindé, em São Paulo. Foto: Mariana Vianna

A obra “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus, um dos livros mais importantes da literatura pós-moderna brasileira, vai ganhar uma adaptação para o cinema. E a produção acaba de divulgar as primeiras fotos da atriz Maria Gal caracterizada como a escritora que se tornou símbolo de resistência ao transformar sua vivência na favela do Canindé, em São Paulo, em literatura. Intitulado temporariamente como “Carolina - Quarto de Despejo”, o longa será dirigido por Jeferson De, com roteiro de Maíra Oliveira e produção de Clélia Bessa. O filme é uma produção da Move Maria, Raccord Produções e Buda Filmes, com coprodução da Globo Filmes e distribuição da Elo Studios.

Para interpretar a escritora, Gal passou por uma importante transformação. Os cabelos ganharam novo comprimento que, segundo a atriz, contam aquilo que poucas palavras conseguem alcançar. “Quando eu aceito transformar meu cabelo pela história de Carolina, não estou apenas mudando o visual, estou abrindo espaço para acessar uma verdade que vai além da minha. Estou entrando no território dessa mulher gigante, que ainda hoje é uma das autoras mais importantes da literatura mundial. Carolina não é só um papel, ela é uma força literária que atravessou séculos, fronteiras e desigualdades, escrevendo de um lugar de silêncio imposto e, mesmo assim, fazendo ecoar a própria voz para o mundo inteiro”, explica Gal. Ainda como parte da composição da personagem, a atriz passou por um grande processo de emagrecimento, chegando a perder mais de 18kg e iniciou a preparação como atriz há um ano, passando por profissionais do Brasil e dos EUA.

O filme é uma adaptação do livro “Quarto de Despejo - Diário de Uma Favelada”, publicado em 1960, em que Carolina Maria de Jesus narra com autenticidade e força poética a vida na favela do Canindé, em São Paulo. Nascida em 1914, em Sacramento (MG), ela impactou o país com seu diário ao expor, com profundidade e sensibilidade, a realidade da fome, do racismo estrutural e da desigualdade social. Com apenas dois anos de educação formal, a autora vendeu mais de um milhão de exemplares, teve sua obra traduzida para 14 idiomas e se tornou a primeira escritora negra brasileira a alcançar reconhecimento internacional. 

A produção pretende revelar não apenas as dificuldades enfrentadas por Carolina e seus filhos, mas também sua genialidade, coragem e paixão pela escrita, que transformaram sua experiência em um poderoso testemunho de resistência. Ao lado de Maria Gal, a produção conta ainda com Raphael Logam, Clayton Nascimento, Liza Del Dala, Carla Cristina Cardoso, Ju Colombo,Caio Manhante, Jack Berraquero, Fabio Assunção, Alan Rocha, Thawan Lucas e grande elenco.


Ficha técnica
Título: "Carolina - Quarto de Despejo"
Direção: Jeferson De
Roteiro: Maíra Oliveira
Produção: Clélia Bessa
Baseado no livro “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus
Elenco: Maria Gal, Raphael Logam, Laura Vick, Raphael Raposo, Thawan Lucas, Caio Manhente, Clayton Nascimento, Liza Del Dala, Carla Cristina Cardoso, Ju Colombo, Jack Berraquero, Fabio Assunção, Alan Rocha e grande elenco
Produção: Move Maria, Raccord Produções, Buda Filmes
CoProdução: Globo Filmes
Distribuição: Elo Studios

.: Uketsu e Jake Adelstein são novidades na Biblioteca da Fundação Japão


Novas aquisições do acervo passam por gêneros como terror, não-ficção, literatura e culinária; livro sobre segredos da Yakuza é um dos principais destaques. Na imagem, biblioteca da Fundação Japão em São Paulo. Foto: d
ivulgação/Fundação Japão

Obras como “Casas Estranhas”, do autor best-seller e youtuber Uketsu, “Eu, Brasil” da jornalista Juliana Sakae, são destaques entre os novos livros do acervo da Biblioteca da Fundação Japão, em São Paulo, no mês de novembro. O foco dos livros adquiridos é a literatura e cultura japonesas, cobrindo áreas como literatura, teatro, mistério, não-ficção e culinária, abordando os mais diversos temas que envolvem a cultura do país.

Terror e jornalismo são destaques do acervo
"Casas Estranhas", de Uketsu: um sucesso de terror e mistério de um autor youtuber com milhões de inscritos. A trama segue um escritor fascinado por ocultismo e um arquiteto enquanto investigam um espaço misterioso e inexplicável no térreo de uma casa recém-construída em Tóquio, levando-os a descobrir uma realidade macabra.

"Tokyo Noir": o investigador americano que desvendou os segredos da máfia japonesa, de Jake Adelstein: Uma obra de não-ficção que expõe o lado sombrio de Tóquio. O autor, um ex-repórter, revela a profunda infiltração da yakuza na sociedade japonesa, descrevendo como a máfia opera como uma espécie de "governo paralelo".

"Caminho Japonês: da Culinária à Cultura Milenar", de Martin Vidal: este livro convida o leitor a uma jornada pela gastronomia e tradição japonesas. Explora as histórias, valores e segredos que moldam cada prato e cerimônia, enfatizando a precisão técnica, o respeito pelos ingredientes e o equilíbrio dos sabores.

"Eu, Brasil", de Juliana Sakae: neste livro de jornada pessoal, a jornalista narra a busca pela história de sua família e ancestrais após a morte de sua mãe. Sua investigação a leva a lugares como Açores e o Japão do início do século passado, revelando apagamentos estruturais na história brasileira em prol de narrativas hegemônicas.

Além dos títulos acima, “Triste História de Uma Mulher: a História de Okichi, Uma Estrangeira” de Yuzo Yamamoto, “Tosa Nikki: o Diário de Tosa” de Kino Tsurayuki, “A Besta nas Sombras” de Edogawa Rampo e “Kirishitan Nobunaga” de Osanai Kaoru também acabam de chegar ao acervo. Localizada na Avenida Paulista, 52, 3º andar, no bairro Bela Vista, a biblioteca funciona de terça a sexta-feira, das 10h30 às 19h30, e aos sábados (alternados), das 9h00 às 14h00.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

.: #VivoLendo: "Des Casulo", de Flávio Viegas Amoreira, a dica de Vieira Vivo


Por Vieira Vivo, escritor e ativista cultural.

"tanta querência
nesse silêncio de fonte"


Ao trilhar um difuso trajeto direcionado pelas palavras, os versos nos iluminam e guiam ao imprevisível. A surpresa sintetizada em versos que nos induzem ao inatingível, a uma suspensa e extrema comoção poética a flutuar numa atmosfera fluídica e misteriosa. Os entes, objetos deste instigante tabuleiro fonético, bailam em um ambiente movediço onde o alvo jamais revela-se em sua crua totalidade. Há sempre algo a ser descoberto, a ser desvendado. E essa contínua busca dissonante nos enreda em um minimalismo sonoro e intenso fruto de um complexo poder de síntese alicerçado pelo manejo minucioso da escrita: "essa sensação sideral de estarmos nus num aquário etéreo".

Jakobson define a poesia como a linguagem voltada para a sua própria materialidade, porém Flávio Viegas Amoreira em “Des Casulo”, publicado pela Editora Costelas Felinas, incorpora à esta tese a ressonância etérea das sensações incorpóreas a flutuar em devaneios atemporais e esquivos trazendo à tona o sumo das elucubrações utópicas das fantasias mais íntimas: "entre tentações tentaculares os gomos mais rígidos".

Nota-se, ainda, em cada verso uma sensualidade oculta qual um porvir eternamente ausente e distante, porém com uma determinada e concreta presença a emoldurar a dança das emoções cotidianamente. Se para Octavio Paz a poesia é o dizer que diz o indizível, para Viegas o indizível revela-se claridade em um labirinto de sensações profundamente germinadas em seu relicário interior: "há uma forma de poesia não pretérita esboçada no imprevisível horizonte".

Em “Des Casulo” somos, também, agraciados pelos faróis prefaciais de Luiz Rodrigues Corvo e de J. A. Garbino a nos conduzir ao cerne pulsante de cada micro poema. E após a leitura, temos a nítida sensação de termos presenciado ao desabrochar de recônditos alvéolos emocionais iluminados pelos cálidos raios de uma meticulosa depuração poética: "poema o que se escreve poesia o que se sente".

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

.: “As Narradoras”: podcast celebra autoras fundamentais do século XX

A literatura do século XX acaba de ganhar um novo espaço para celebrar as vozes femininas mais vibrantes. "As Narradoras", minissérie em áudio apresentada pela editora Stéphanie Roque, revisita vidas, obras, afetos e rupturas de escritoras que moldaram a literatura mundial - e o faz conectando gerações, temas e possibilidades de leitura. São sete episódios que reúnem autoras distantes no tempo e no espaço, mas profundamente entrelaçadas por afinidades temáticas: amizade, cotidianidade, imaginação, família, escrita íntima e criação artística.

A proposta é simples e ambiciosa ao mesmo tempo: aproximar duplas de autoras para entender como as experiências, estilos e obsessões delas dialogam entre si e permanecem vivas na escrita contemporânea. Para isso, "As Narradoras" traz também a participação de nomes atuais - como Aline Bei, Socorro Acioli e Micheliny Verunschk - que comentam a relevância das homenageadas e expandem suas leituras. A atriz Maeve Jinkings empresta a voz a trechos de livros, criando um elo sensorial entre texto e escuta.


Episódio 1 - "As Irmãs Sisters"
O episódio de estreia mergulha na cumplicidade entre Lygia Fagundes Telles e Hilda Hilst, uma amizade que atravessou mais de meio século. As duas - que se autodenominavam “irmãs sisters” - partilharam confidências, rotinas, risos, medos e criação literária. O programa reconta esse encontro improvável e profundamente frutífero, explorando como suas trajetórias se cruzaram e se influenciaram mutuamente. Entre as vozes convidadas, participam Bruna Khalil Othero, Raquel Cozer e Lúcia Telles, enriquecendo o retrato dessas duas forças da nossa literatura.


Episódio 2 - "Estranhas Familiares"
O segundo capítulo destaca Leonora Carrington e Silvina Ocampo, duas autoras que embaralharam a fronteira entre o cotidiano e o fantástico. Desejo, infância, sonho, loucura, morte e liberdade atravessam suas narrativas - sempre guiadas por uma imaginação indomável. Micheliny Verunschk e Socorro Acioli comentam suas obras e refletem sobre o realismo fantástico, fio que costura a dupla e faz com que suas histórias permaneçam tão inquietantes quanto atuais.

Uma travessia entre gerações de narradoras
A minissérie propõe um encontro simbólico: escritoras que abriram caminhos sendo celebradas por quem hoje continua a reinventá-los. Mais do que perfis biográficos, "As Narradoras" oferece um mosaico de experiências e sensibilidades que atravessam o século XX e desembocam no presente - reafirmando a potência da literatura escrita por mulheres e sua capacidade de atravessar fronteiras.

Os dois primeiros episódios já estão disponíveis, e os demais chegam sempre às quartas-feiras, no tocador de áudio favorito do público. Uma boa oportunidade para revisitar autoras imprescindíveis e descobrir novas leituras com desconto - basta conferir as indicações divulgadas junto ao projeto. "As Narradoras" estreia como convite e celebração: ouvir para ler mais, ler para compreender melhor quem nos antecedeu, e quem segue narrando o mundo ao nosso lado.

domingo, 16 de novembro de 2025

.: Entrevista: Jerónimo Pizarro fala sobre o legado de Ricardo Reis


Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com
Foto: divulgação

Segurar um livro de Ricardo Reis em 2025 é como abrir uma janela para um tempo que nunca existiu - e, ainda assim, insiste em assombrar. Há algo de profundamente irônico, quase literário demais para ser coincidência, no fato de o heterônimo que talvez tenha “se exilado” no Brasil retornar justamente agora, completo, restaurado, decifrado, com seus paradoxos intactos. A Tinta-da-China Brasil lança a primeira obra completa de Ricardo Reis, organizada por Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe, e a sensação é a de estar diante não apenas de um volume, mas de uma espécie de artefato arqueológico: um mapa para entrar na mente dividida - e multiplicada - de Fernando Pessoa.

Reis, o mais sereno dos inquietos, o mais clássico dos modernos, sempre foi um desafio até para quem vive de enfrentar manuscritos poeirentos e grafias arcaizadas. “Vivem em nós inúmeros”, escreveu ele - e talvez nenhuma frase explique melhor o exercício de tentar organizar a obra de alguém que, por definição, nunca foi apenas um. Nesta edição, o leitor encontrará poesia, prosa, inéditos, variantes e uma ortografia que soa como mármore: dura, bela, cheia de ecos gregos e latinos. 

Conversar com Jerónimo Pizarro - arqueólogo do espólio pessoano - é perceber que Reis continua a  desafiar. A amplitude da prosa escrita por ele desmonta a imagem de uma serenidade absoluta; sob as odes perfeitas há dúvida, trabalho, hesitação. Em tempos de velocidade ansiosa, há algo de  contemporâneo na contenção ricardiana, nesse equilíbrio que se sustenta sobre tensões, jamais sobre certezas. Em meio ao ruído, Reis oferece lucidez - e uma rebeldia silenciosa.

Em entrevista exclusiva para o portal Resenhando.com, Jerónimo Pizarro abre as “arcas de Pessoa” ao lado de quem passou anos dentro delas. Ele fala de grafias arcaizadas, do paradoxo entre classicismo e modernidade, de descobertas recentes, de ética pagã e também do simbolismo quase poético de lançar, no Brasil, o heterônimo que para cá teria fugido. Afinal - como Reis talvez sorrisse ao lembrar - nada é definitivo. Compre o livro "Obra Completa de Ricardo Reis", edição de Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe, neste link.


Resenhando.com - “Vivem em nós inúmeros”, escreveu Ricardo Reis - e talvez também se pudesse dizer: “editam-nos inúmeros”. O que significa organizar a obra completa de um heterônimo cuja própria existência é feita de paradoxos e desdobramentos?
Jerónimo Pizarro - Organizar a obra completa de Ricardo Reis é aceitar a contradição como princípio. Reis representa uma forma de disciplina poética que Pessoa inventa para equilibrar o tumulto dos outros. Mas Reis não é menos tumultuoso, nem em termos de filologia nem de ontologia...


Resenhando.com - Entre todos os heterônimos de Pessoa, Ricardo Reis talvez seja o mais enigmático: monárquico e pagão, clássico e moderno, racional e melancólico. Como traduzir esse equilíbrio de contrários em um volume que pretende ser definitivo?
Jerónimo Pizarro - A enigmática serenidade de Reis vem precisamente desse equilíbrio de contrários. A edição tentou refletir isso não através de um gesto unificador, mas respeitando a coexistência de tensões. Basta, por exemplo, começar a ler a prosa em paralelo com a poesia e vice-versa...


Resenhando.com - A edição mantém a grafia original usada por Pessoa - uma escolha que parece mais filosófica do que apenas filológica. Por que era essencial preservar essa ortografia “arcaizada” de Reis?
Jerónimo Pizarro - Preservar a ortografia de Reis é fazer uma homenagem ao seu tempo, ao seu classicismo. Até certo ponto, a ortografia “arcaizada” é parte do estilo ricardiano.


Resenhando.com - Há, neste livro, textos inéditos e variantes que reconfiguram o que sabíamos sobre Ricardo Reis. Que descobertas vocês destacariam? O que surpreendeu até mesmo os organizadores?
Jerónimo Pizarro - Entre as novidades, talvez surpreenda a amplitude da prosa de Reis: as reflexões filosóficas e notas que o aproximam de um ensaísta moral, não apenas de um poeta. Em princípio, as variantes revelam um labor que desmente a imagem de serenidade absoluta: há inquietação e dúvida sob o mármore aparente.


Resenhando.com - Pessoa dizia que “toda a arte é uma forma de literatura”. O que a prosa de Reis - menos conhecida do que as odes - revela sobre sua visão de mundo e sua relação com o próprio Pessoa?
Jerónimo Pizarro - A poesia e a prosa de Reis revelam uma vontade de pensamento, uma ética da distância. Nela, o diálogo com Pessoa torna-se mais nítido; como se ambos, o criador e a criatura, meditassem, lado a lado, sobre o valor da contenção (no meio da inúmera multiplicação...).


Resenhando.com - Ao ler Ricardo Reis hoje, em 2025, o que ele ainda fala? Em um tempo tão convulsionado e impaciente, que lição ética ou estética se pode tirar da serenidade pagã e do ceticismo de Reis?
Jerónimo Pizarro - Em 2025, o ceticismo ricardiano oferece lucidez; uma certa abdicação, resistência. Reis ensina que o equilíbrio pode coexistir com rebeldia e que o classicismo pode ser, paradoxalmente, uma vanguarda ética.


Resenhando.com - O livro encerra a trilogia da Coleção Pessoa, depois das obras completas de Caeiro e Campos. Que imagem do poeta - e do homem Fernando Pessoa - emerge dessa trilogia?
Jerónimo Pizarro - A trilogia da Coleção Pessoa mostra três formas de lidar com o infinito: Caeiro com a simplicidade, Campos com o excesso e Reis com a contenção. Juntas, as três obras revelam um Pessoa plural que se desdobra não para se perder, mas para se compreender melhor.


Resenhando.com - Ambos os organizadores têm trajetórias ligadas ao universo acadêmico e editorial, mas há também uma dimensão quase arqueológica em lidar com o espólio pessoano. O que mais fascina e o que mais exaure nesse trabalho de “abrir as arcas de Pessoa”?
Jerónimo Pizarro - O trabalho com o espólio pessoano é feito de fascínio e de um saber lidar com o cansaço físico. Fascina a inteligência labiríntica dos papéis, o modo como cada fragmento pode dialogar com outro; esgota a vastidão. Editar Pessoa é abrir caminhos que se multiplicam; cada descoberta traz novos interrogantes.


Resenhando.com - Há uma certa ironia em lançar a obra completa de Ricardo Reis no Brasil - o país para onde ele teria se exilado. Essa coincidência tem para vocês algum sentido simbólico?
Jerónimo Pizarro - Publicar Ricardo Reis no Brasil tem um sentido simbólico inevitável: é como se o heterónimo regressasse ao seu exílio imaginário. Há algo de circular e poético nesse gesto: Reis, que partiu para o Brasil, volta agora impresso e completo, como se cumprisse finalmente um destino literário.


Resenhando.com - Se Ricardo Reis pudesse escrever uma ode sobre este lançamento, o que ele diria?
Jerónimo Pizarro - Se Reis escrevesse uma ode sobre este lançamento, talvez dissesse: “Entre sombras antigas / e o rumor das nascentes, / um livro se fecha, outro desponta. / Nada é definitivo.” E sorriria, discretamente, perante a ideia de lançamento.



.: Ana Paula Couto, autora de "Amor de Alecrim", e mulheres 50+ em romance


Romance “Amor de Alecrim” continua a história de Amanda, protagonista de "Amor de Manjericão", e aborda temas como menopausa e independência emocional. Foto: divulgação


Com leveza e humor, a professora e escritora Ana Paula Couto lançou o livro "Amor de Alecrim", sequência de "Amor de Manjericão" (2022). O novo romance mergulha na vida de Amanda, uma mulher que, aos 50 anos, enfrenta desafios como crise conjugal, menopausa e a descoberta de novas paixões. A protagonista, que no primeiro livro superou um divórcio e um affair com um homem mais jovem, agora se depara com a aposentadoria, os dilemas da maternidade e o reencontro com um amor do passado. Além do entretenimento, a obra apresenta uma representação de uma personagem mais velha, discutindo temas como o etarismo e a invisibilidade feminina após os 50 anos.

Natural de Nova Friburgo (RJ), onde ainda reside, Ana Paula Couto é professora de língua inglesa há mais de duas décadas. Estreou na literatura em 2021, com participações em antologias como “Diário dos Confinados” (Editora Resilience). Seu primeiro romance, “Amor de Manjericão” (2022), foi pivô de sua transição para a carreira literária. Desde então, publicou os e-books “Conto Comigo” (contos) e “Vida Crônica” (crônicas) e participou de eventos como Flip e Bienais do Livro. Na entrevista abaixo, ela conta mais sobre o processo de escrita de “Amor de Alecrim”, seu segundo romance. Compre o livro "Amor de Alecrim", de Ana Paula Couto, neste link.


Quais são os principais temas de “Amor de Alecrim” e como eles dialogam com o primeiro livro, “Amor de Manjericão”?
Ana Paula Couto -  "Amor de Alecrim" é a continuação do meu primeiro livro, "Amor de Manjericão", e vem com temas como relacionamento entre mãe e filha, síndrome do ninho vazio, crise conjugal, aposentadoria, mudanças nos relacionamentos afetivos, autoconhecimento e independência emocional, menopausa e mudanças de paradigmas. "Amor de Manjericão" é um chick-lit que dá protagonismo a uma mulher 40+ retratando o seu processo de autoconhecimento e sua trajetória pessoal após uma traição seguida por um divórcio. A obra enfoca as nuances do universo feminino em que a personagem principal vivencia situações presentes em nossa sociedade como o etarismo, por exemplo, quando ela se relaciona com um homem bem mais jovem. Também retrata questões relacionadas à maternidade. Escolhi temas e assuntos que, de alguma forma, fossem comuns às mulheres e as tocassem de alguma forma. Quis trazer um spot ao cotidiano feminino. Sendo assim, Amor de Alecrim segue o mesmo tracejado do primeiro livro, trazendo, de forma leve e bem-humorada, a mesma personagem dez anos depois, já casada e cheia de questões inerentes à essa fase da vida.


Por que você decidiu escrever uma continuação?
Ana Paula Couto - Eu já havia pensado, assim que lancei meu primeiro livro, numa possível continuação, mas não era nada concreto. No entanto, ao lançar Amor de Manjericão, em 2022, recebi muito incentivo, e até ideias me foram dadas por leitores que me cobraram a continuidade da história. Em 2023, motivada pelo alcance que o Manjericão teve em tocar as pessoas e seus pedidos, me lancei na produção da sequência do romance. Escrevi o livro em um ano. Em 2024 busquei recursos profissionais para o meu segundo livro. Já que me senti mais preparada e possuía alguma experiência na área, utilizei-me do networking conseguido até então e submeti o livro à leituras críticas e beta. Esse ano foi todo destinado a lapidar e lançar o romance.


Que mensagem você espera que as leitoras encontrem nas duas obras?
Ana Paula Couto - Os livros trazem assuntos importantes de forma leve e divertida, como um bom chick-lit, mas também emocionam, tocam e inspiram mulheres. A principal mensagem é a superação de desafios e o não desistir de si mesmo, a despeito das circunstâncias e das vicissitudes da vida. Ambas histórias trazem, por meio de uma leitura fluida, o gostinho de se dar a volta por cima e saborear a esperança. Tudo isso regado aos temperos, manjericão e alecrim, que de forma lúdica, interferem no destino da personagem Amanda.


Para você, qual o diferencial desta história? Por que ela precisa ser contada?
Ana Paula Couto - Creio que o ponto forte de meus livros é abordar temas que refletem a vidas das mulheres como um todo. E também a questão de trazer personagens 40+ e 50+, fase da vida que se tem pouca representatividade. Sendo assim, acredito que, mesmo não sendo as personagens idosas, as histórias trazem luz ao envelhecer e às mudanças na vida das mulheres, o que acaba discutindo o etarismo.


O que a escrita destes dois livros representa para você, na sua trajetória pessoal e profissional?
Ana Paula Couto - A escrita do primeiro livro me transformou no decorrer de seu processo de criação por ter sido uma experiência terapêutica, já que trata-se de uma bioficção, mas, majoritariamente, escrever e lançar esse livro modificou a minha vida como um todo. Foi uma virada de chave em minha trajetória pessoal e profissional. Em um ano de lançamento me posicionei como autora de fato, desengavetando projetos. Participei de eventos literários em minha cidade e fora dela, me engajei em coletivos femininos de escrita e assim dei a largada da minha carreira como escritora e não parei mais. Percebi essa virada ao ser, agora, reconhecida como escritora e não mais somente vista como docente.


De que forma suas experiências anteriores com contos, crônicas e o blog Vida Crônica contribuíram para este segundo romance?
Ana Paula Couto -  "Amor de Manjericão" foi meu primeiro romance publicado. No entanto, já havia inúmeros contos e crônicas meus da época em que eu achava muito ousado me posicionar como autora, pois, ao meu ver, tratava-se de um hobby. Lancei meu blog “Vida Crônica” no Wordpress e lá pousava minhas tímidas produções artísticas. O blog ainda existe. Acredito que todo esse repertório me ajudou a dar corpo ao meu primeiro romance, até ter coragem para lançá-lo. Amor de Alecrim foi totalmente pautado em "Amor de Manjericão".


Como descobriu o chick-lit e por que esse gênero se encaixa tão bem na sua escrita?
Ana Paula Couto - "Amor de Manjericão" e "Amor de Alecrim" são chick-lits. Quando escrevi o primeiro livro não conhecia esse gênero, mesmo já tendo consumido histórias que se encaixavam nele. As histórias, tipicamente femininas e contemporâneas que conto, trazem com força esse estilo que não escolhi escrever, mas que se enquadrou à minha personalidade e ao meu feeling literário. A partir de 2022 comecei a escrever, a partir de um conto, uma bioficção retratando experiências vividas com a intenção de também relatar vivências das várias mulheres que passaram pela minha vida. Venho de uma família predominantemente feminina. Essa história comum, meu primeiro livro, precisava ser contada para tocar as mulheres. Há uma nítida identificação com as leitoras que se veem retratadas na obra.


Quais são as suas principais influências artísticas e literárias?
Ana Paula Couto - Sou leitora desde a adolescência e apreciadora, desde essa época, de Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar. Mais tarde, durante a minha formação acadêmica, fui fortemente influenciada pelos clássicos como Machado de Assis, George Orwell, Skakespeare e afins. No entanto, dissocio totalmente meu estilo literário de alguma influência específica. Sou um mix das músicas, dos filmes, dos livros e de tudo que absorvi culturalmente até aqui e exponho isso claramente em minhas histórias. Gosto de dizer que minha escrita fugiu da academia. Tenho orgulho disso. Apesar do chick-lit ainda ser um gênero considerado menor para alguns, o que é um ranço do legado da sociedade patriarcal, me realizo totalmente ao escrever algo contemporâneo direcionado ao público feminino.


Como você definiria seu estilo literário?
Ana Paula Couto - Meus dois romances são chick-lits e se utilizam da estrutura desse gênero que é salientar histórias sobre mulheres contadas por mulheres para outras mulheres. Minhas tramas fluem como uma conversa de uma mulher com outras mulheres em que a personagem principal compartilha o seu cotidiano, os seus pensamentos e as suas questões amorosas, profissionais e familiares.


Quando a escrita deixou de ser hobby e se tornou profissão?
Ana Paula Couto - Comecei a escrever poemas na adolescência, por volta dos 15 anos e sempre mantinha comigo um caderno de escritos, mas era algo bem orgânico, isento de alguma intenção. Assim foi por toda a minha vida até a maturidade, em que me mantive escrevendo contos e, principalmente crônicas, sendo esse meu gênero favorito, sem alguma pretensão e sem me ver como escritora. Somente após os 50 anos, durante a pandemia, me posicionei como autora de fato e comecei a me profissionalizar e colocar minhas obras para o público.


Como é sua rotina criativa para escrever?
Ana Paula Couto - Não tenho ritual algum de escrita, tampouco estabeleço metas ou faço planejamentos fechados de capítulos e enredos. Vou produzindo e me organizando durante o processo em que as ideias vão surgindo. Até pouco tempo atrás considerava esse meu processo meio avacalhado, pode se dizer assim, mas quando tive a oportunidade de conversar e conhecer o talentosíssimo autor Francisco Azevedo e o perguntei sobre o seu processo criativo, desmistifiquei o meu próprio. Francisco, como eu, não planeja seus livros e nem começa a escrever com tudo determinado. Ele, segundo me disse, começa a escrever e deixa a história fluir. Foi um alívio ouvir tal relato desse ícone de quem sou muito fã.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

.: Sarau Alvarenga celebra vida e poesia de Valdir Alvarenga em Santos

Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.comFoto: divulgação

Valdir Alvarenga foi um dos nomes fundamentais da poesia santista e da produção literária independente no país. Criador da Revista Mirante, manteve vivo o espírito coletivo da palavra, transformando o fazer poético em ato de resistência. A obra dele segue como testemunho de um tempo em que a literatura era feita na raça - com papel, paixão e teimosia. Levando em conta a trajetória pessoal e artística dele, nesta quarta-feira, dia 6 de novembro, a Biblioteca Mário Faria, no Posto 6, em Santos, no litoral de São Paulo, irá se tornar o cenário de um encontro literário em homenagem ao poeta, editor e ativista cultural Valdir Alvarenga

O evento, organizado por amigos e admiradores, pretende não apenas relembrar a obra do artista, mas reavivar o espírito de resistência e independência poética que sempre marcou a trajetória dele. A programação começa às 15h00, com um Varal de Poesia e uma minifeira de livros. Às 16h00, tem início o Sarau Alvarenga, que reunirá poetas e escritores convidados para leituras de poemas autorais e também de textos selecionados de Valdir Alvarenga, extraídos das obras "Pequeno Marginal", "Plenilúnio" e "Autógrafo", além das antologias do Grupo Picaré e da Revista Mirante, publicação que o poeta fundou e editou.

"Para o Valdir, a poesia era livre. Ele adorava se dedicar às letras e fazia a Revista Mirante com paixão. Eu pretendo continuar com a Mirante levando o seu legado! Valdir tinha seu jeito brincalhão, como ele dizia: 'minhas abobrinhas'. Ele era uma pessoa muito humana e amava os animais... Posso passar horas citando suas qualidades como pessoa e como poeta, mas deixarei isto para os leitores! Quinze anos juntos, uma eternidade que vai deixar saudade!", afirma a poeta Irene Estrela Bulhões, editora da Revista Mirante e viúva de Valdir Alvarenga.

Organizadora do sarau, a escritora, editora e ativista cultural Cláudia Brino fala sobre a importância de Valdir Alvarenga. "Organizar esse sarau em sua homenagem é reverenciar o poeta, editor, ativista cultural e amigo pessoal e, com isso, trazê-lo novamente ao nosso convívio literário". Segundo ela, a escolha dos poemas segue uma linha afetiva e temática: a visão pessoal e coerente de Valdir sobre o próprio percurso humano e artístico. Trata-se de revisitar a maneira singular da visão do poeta sobre sua própria vivência e trajetória pessoal, em que é possível ter, através de seus versos, a identificação do ser humano simples, amigo e sempre coerente ao seu universo poético.

Mais do que um tributo, o Sarau Alvarenga é um reencontro com a força da poesia como gesto de permanência. Escritor e organizador do sarau, Vieira Vivo reafirma a importância de Valdir Alvarenga na literatura. "Ler Valdir é entrar em contato com um olhar que não se conforma, que mistura o cotidiano, o sonho e o pensamento filosófico de forma simples e direta. Valdir não é apenas alguém que escreveu versos; ele construiu um movimento. Criou a Revista Mirante quando quase ninguém acreditava que poesia independente poderia resistir tanto tempo. E resistiu, resiste. Ler a obra dele significa reconhecer o valor da autonomia literária, da produção por conta própria, do editor-poeta que assume responsabilidades além de escrever", conclui.

Às 17h00, o grupo Cantos Literários apresenta um espetáculo literomusical em homenagem ao autor, seguido, às 18h00, da exibição do vídeo "Pescador de Palavras", um documentário sobre a literatura independente, que traz depoimentos de Valdir Alvarenga e de outros protagonistas desse movimento.

Serviço
Sarau Alvarenga - Homenagem ao Poeta Valdir Alvarenga
Quarta-feira, dia 29 de outubro de 2025
Biblioteca Mário Faria - Posto 6, Santos/SP
Av. Bartholomeu de Gusmão, S/N,° - Aparecida/Santos

Horários
15h00 - Varal de Poesia e minifeira de livros
16h00 às 17h00 - Sarau Alvarenga
17h00 - Espetáculo literomusical Cantos Literários
18h00 - Exibição do documentário Pescador de Palavras
Entrada gratuita

sábado, 1 de novembro de 2025

.: "Sempre Um Papo" recebe o médico e escritor Drauzio Varella e Vanda Witoto


A conversa aborda justiça climática, preservação da Amazônia, saberes tradicionais e o papel da ação coletiva diante da crise ambiental. Referências em suas áreas, Drauzio Varella e Vanda Witoto trazem olhares complementares sobre o encontro entre medicina, saberes indígenas e compromisso com o meio ambiente. Fotos: Renata Parada e acervo pessoal

O projeto "Sempre Um Papo", em parceria com o Sesc SP, encerra a temporada 2025, no Sesc Pinheiros recebendo o médico e escritor Drauzio Varella e a pedagoga e liderança indígena manaura Vanda Witoto, em debate mediado por Semayat Oliveira, no dia 11 de novembro, terça-feira, 19h00, com entrada gratuita e retirada de ingressos uma hora antes na bilheteria do Teatro Paulo Autran.

O encontro terá como tema central “O Sentido das Águas e Justiça Climática: ciência, Política e Ação Coletiva”, ampliando a reflexão sobre os impactos da crise climática e sobre como a interseção entre ciência, política e sociedade pode promover ações concretas em defesa do planeta.

O ponto de partida da conversa será o livro “O Sentido das Águas: histórias do Rio Negro”, publicado pela Companhia das Letras, vigésima obra de Varella, que reúne mais de três décadas de viagens para a bacia do rio Negro em um panorama multissensorial da floresta, das águas e dos povos ribeirinhos. Na obra, o autor entrelaça memória de expedições, narrativa ambiental e sensibilidade literária, convidando o leitor a olhar a Amazônia - e, em especial, o rio Negro - com frescor e urgência. Compre o livro “O Sentido das Águas: histórias do Rio Negro”, de Drauzio Varella, neste link.


Série Temática Sesc / Sempre um Papo
A série temática sugerida para o "Sempre Um Papo 2025" tem como fio condutor os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e propõe encontros que integram literatura, ciência, cultura e cidadania em torno de questões urgentes para o mundo contemporâneo. A curadoria, realizada em parceria com o Sesc Pinheiros, o GEAC (Literatura), o GESC (Sustentabilidade) e o GEPROS (Povos Indígenas), reuniu debates, que vão do consumo consciente ao futuro das cidades, passando pelas vozes da periferia, pela educação como ferramenta de transformação, pela alimentação como cultura e sustentabilidade, pela liderança das mulheres e pela justiça climática. 

Essa programação não apenas atualiza o diálogo entre escritores e público, mas também reforça o papel do Sempre Um Papo como plataforma de reflexão sobre equidade, diversidade e sustentabilidade, colocando a literatura em convergência com os desafios sociais, ambientais e políticos do nosso tempo. Ao longo de 2025, o "Sempre Um Papo" em São Paulo promoveu uma série de encontros marcantes, com temas que percorreram literatura, meio ambiente, justiça social, consumo consciente e saberes tradicionais. 

Estiveram presentes, entre outros: Veronica Stigger, Edson Kayapó e Semayat Oliveira discutindo sustentabilidade e diálogo; Valter Hugo Mãe e Itamar Vieira Junior, oferecendo perspectivas literárias potentes; Sérgio Abranches e Sandra Benites, refletindo sobre cosmo percepções e modos de viver conectados à biodiversidade; encontro com Anielle Franco e Aílton Krenak, voltado à dimensão racial da crise ambiental; Bianca Santana e Ricardo Abramovay, debatendo consumo consciente e o futuro das cidades, com foco nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS); além de Neide Rigo e Fabiana Cozza, em diálogo sobre alimentação, cultura e sustentabilidade. Em outubro, a Ministra Cármen Lúcia e a filósofa Maria Vilani conversaram com a jornalista Semayat Oliveira sobre o tema “Mulheres que Movem o Mundo”.

Sobre os convidados
Drauzio Varella nasceu em São Paulo, em 1943. Médico oncologista, imunologista e pesquisador em doenças infecciosas, destacou-se pela atuação voluntária no presídio do Carandiru, experiência que originou o premiado livro Estação Carandiru (1999). Reconhecido divulgador científico, tornou-se presença constante na TV, no rádio e em jornais, orientando a população sobre saúde e cidadania. Autor de vinte livros, publicou em 2025 “O Sentido das Águas: histórias do Rio Negro”, consolidando-se também como escritor de literatura de impacto social e ambiental.

Vanda Witoto (Vanderlécia Ortega dos Santos) nasceu em Amaturá, no Alto Solimões (AM), em 1987. Diretora executiva do Instituto Wittoto, enfermeira, ativista socioambiental e liderança indígena, vive no Parque das Tribos, em Manaus. Durante a pandemia de Covid-19, destacou-se pela articulação comunitária que levou oxigênio e atendimento emergencial a centenas de famílias indígenas. Sua trajetória combina luta pela preservação da Amazônia, defesa dos direitos indígenas e protagonismo das mulheres nas arenas políticas e sociais. Tornou-se conhecida nacionalmente por ter sido a primeira pessoa vacinada contra Covid-19 no Amazonas, em 2021.

Sempre um Papo: 39 anos 
Criado em 1986, pelo jornalista Afonso Borges, o "Sempre Um Papo" é um projeto cultural que realiza encontros entre importantes nomes da literatura e personalidades nacionais e internacionais com o público, ao vivo, em auditórios e teatros. Em sua história, chegou a 30 cidades de oito estados do país, tendo sido realizado também na Espanha e Portugal. Em 39 anos de trabalho, aconteceram mais de 7 mil eventos, que reuniram um público superior a 2,5 milhões de pessoas. Atua em conjunto com o Sesc SP há 23 anos consecutivos, tendo passado por diversas unidades da instituição.

Serviço
Sempre um Papo - "O Sentido das Águas e Justiça Climática: Ciência, Política e Ação Coletiva"
Convidados: Drauzio Varella e Vanda Witoto
Data: 11 de novembro, terça-feira, às 19h30
Local: Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros (Rua Paes Leme, 195 – Pinheiros, São Paulo)
Entrada: gratuita, com retirada de ingressos uma hora antes na bilheteria
Compre o livro “O Sentido das Águas: histórias do Rio Negro”, de Drauzio Varella, neste link.

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terça-feira, 28 de outubro de 2025

.: Romance que resgata a ascensão da Aids no Brasil vence o Prêmio Jabuti


Entre figuras da noite, remédios contrabandeados, lares suburbanos e quartos de hospital, "Sangue Neon" tece mosaico da epidemia que redefiniu uma era

A epidemia da Aids não começou com estardalhaço, mas com sussurros: homens jovens e saudáveis, de repente, condenados à morte. "Sangue Neon", romance histórico do médico Marcelo Henrique Silva, joga o leitor de cabeça nesse cenário em que figuras da noite, travestis destemidas, profissionais de medicina recém-formados e comissários de bordo se unem em uma luta contra a doença e a indiferença. Entre contrabando de medicamentos e massacres ignorados, a narrativa ilumina vidas marginalizadas que desafiaram o sistema e moldaram a saúde pública brasileira.

A obra, publicada pela pela Editora Faria e Silva, do Grupo Alta Books, foi a grande vencedora do 67º Prêmio Jabuti, na categoria "Escritor Estreante: Romance" do eixo Inovação. A consagração aconteceu em cerimônia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na noite da última segunda-feira, dia 27 de outubro. Marcado por celebrações à literatura brasileira e conduzida por Marisa Orth e Silvio Guindane, o prêmio é o mais tradicional do país e reconhece o talento de novos e consagrados escritores, reafirmando a força criativa da literatura contemporânea.

Para construir a narrativa, Marcelo se baseia em fatos, não apenas para recriar a dramática ascensão da Aids no Brasil nos anos de 1980 e 1990, mas também como forma de desvelar as camadas de preconceito, desinformação e lutas que marcaram o período. Por meio de uma prosa potente, ele entrelaça personagens ficcionais e eventos históricos, e tece um mosaico de relatos verossímeis sobre coragem, solidariedade e abnegação. Episódios que aconteceram diante de um cenário nefasto de negligência e desigualdade social.

Entre as vozes, destacam-se Vera Lynn, inspirada em Brenda Lee, uma travesti nordestina que transforma dor em acolhimento ao fundar o primeiro abrigo para pessoas com HIV, e Sara, médica residente que enfrenta o peso de ser chamada “a doutora dos viados” enquanto luta para salvar vidas em meio à falta de recursos. Há também um grupo de comissários de bordo da Varig, que traziam os medicamentos do exterior, enquanto médicos idealistas, como o jovem infectologista Itamar, sonhavam com a construção de um novo sistema de saúde.

O surto de vício em heroína e a ausência de testes nas doações de sangue agravaram a propagação do vírus. Além de enfrentar a doença, esses profissionais tinham que combater a desinformação: grande parte da população acreditava na falsa ideia de que heterossexuais eram imunes.  A maneira atabalhoada com que a sociedade enfrentou o que rotulavam como “peste gay” é retratada com intensidade por Marcelo, que expõe, com igual veemência, a ineficiência do poder público.

“O Inamps, responsável por grande parte dos serviços de saúde, atendia apenas trabalhadores com carteira assinada, focando no retorno rápido ao trabalho, enquanto o Ministério da Saúde transferia a responsabilidade para as secretarias estaduais”, expõe. Meses após a criação do SUS, um contrato decisivo entre o Estado de São Paulo e o "Palácio das Princesas" foi concretizado pelo peso jurídico da nova Constituição Federal, o que consolidou a luta contra a doença - e tornou o Brasil referência mundial no controle da Aids.

Carregada de emoções intensas, personagens complexos e questões sociais e humanas profundas, a narrativa desperta uma reflexão inevitável e, muitas vezes, desconfortável: epidemias afetam a todos, mas atingem mais os vulneráveis. Em "Sangue Neon", o autor não permite ao leitor se manter indiferente ou ileso, ele confronta, arrebata e faz questionar.


Sobre o autor
Marcelo Henrique Silva
nasceu em Passos, no interior de Minas Gerais, mas hoje mora em Belo Horizonte. É médico e atuou na linha de frente durante a pandemia de Covid-19. Tem como foco o cuidado de grupos vulneráveis, minorias e pacientes oncológicos. "Sangue Neon" é seu romance de estreia e vencedor da categoria autor estreante do Prêmio Alta Literatura. Compre o livro "Sangue Neon", de Marcelo Henrique Silva, neste link.

.: Antonio Arruda usa a palavra como lâmina e transforma dor em linguagem


Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com
Foto: divulgação

Premiado roteirista, jornalista e mestre em Teoria Literária, Antonio Arruda estreia na literatura com "O Corte que Desafia a Lâmina", publicado pela Editora Cachalote. O livro, que cruza autobiografia e ficção, nasce do confronto entre dor e linguagem. A obra mergulha nas zonas de tensão entre vida e morte, fé e erotismo, desejo e repressão, revelando um autor que transforma o trauma em matéria poética.

Essa relação entre ferida e palavra também atravessa sua trajetória no audiovisual - da série "Cidade Invisível" (Netflix) ao infantil "Era Uma Vez no Quintal" (TV Cultura). Com formação em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP, Arruda propõe o que chama de “estética da cicatriz”: um modo de lidar com o real a partir da dor, mas sem vitimização. 

Nesta entrevista exclusiva ao Resenhando.com, ele fala sobre a voz do pai que ecoa em sua escrita, o perigo e a beleza de escrever a partir da lâmina e o corpo como território de revelação e enfrentamento - quando cada texto é uma tentativa de lidar com o que fere, mas também com o que cura. Compre o livro "O Corte que Desafia a Lâmina", de Antonio Arruda, neste link.


Resenhando.com - O seu livro começa a ser elaborado a partir da ausência da voz do pai. Você acredita que toda obra literária é uma tentativa de devolver a voz a alguém, mesmo que esse alguém seja um fantasma dentro de nós?
Antonio Arruda - Creio que o primeiro movimento seja o de ouvir essa voz. Seja ela interna, pessoal, ou de outros. Uma voz individual ou coletiva, social, política, existencial. Uma voz que tem algo a dizer. Que necessita ora gritar, ora sussurrar o não dito. E o escritor é aquele que se abre à escuta dessa voz. No meu caso, voltar ao trauma vivido quando tinha 12, 13, 14 anos e presenciei o adoecimento e a morte de meu pai, vítima de um câncer que lhe extirpou alguns órgãos e, consequentemente, a fala, me abriu um rasgo na realidade.E eu olhei através dele. Nesse sentido, a partir da não voz do pai, como eu digo no livro, nasceu a voz poética do filho. Então, sim, de certo modo eu dei voz a um fantasma que me assombrou durante muitos anos. Porque quando visitei meu pai no hospital e ele, já mudo, me entregou um pedaço de papel onde estava escrito: “está tudo bem, meu filho”, eu passei muito tempo refletindo sobre esse “está tudo bem”. Hoje, entendo que meu pai não se referia a ele - que obviamente não estava bem -, mas a mim, ao que ele desejava para mim, como se dissesse: “está tudo bem você ser feliz, apesar de; está tudo bem você viver a sua sexualidade, apesar de; está tudo bem você seguir o caminho que quiser em sua vida, apesar de este momento de perda ser muito doloroso”. Eu transformei o trauma em linguagem e ressignifiquei meus fantasmas internos.E, a partir daí, comecei a acessar dores, violências e traumas, como eu disse, existenciais, coletivos. Esse processo, creio, pode ser lido como uma forma de devolver a voz a alguém, de se apropriar do real em sua terrível crueza e, ao tentar perceber e sentir o que esse real pode revelar, valer-se da matéria-prima da escrita, que é a palavra, a linguagem, para verbalizar o que está nas entranhas, nos escombros desse real.


Resenhando.com - Em algum momento, escrever o salvou da própria lâmina, ou apenas ensinou você a manuseá-la melhor?
Antonio Arruda Se eu me salvasse da lâmina, não haveria escrita. Talvez tenha me ensinado, ou, melhor dizendo, me convocado a enfrentar a lâmina da realidade e transformá-la em lâmina-palavra. Ao assumir a palavra como lâmina que corta o corpo-livro e dá vida a ele, me vi mergulhado em um tensionamento constante entre experiência de vida e experiência literária. Não consigo conceber uma literatura que não nasça da experiência, seja ela, como eu mencionei, pessoal ou coletiva, histórica. Um dos meus livros de cabeceira é “O Arco e a Lira”, de Octávio Paz. Há um trecho do qual eu gosto muito: “A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são a nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade”. Escrever, nesse sentido, é testemunhar a realidade - no caso do meu livro, cortante, violenta, dilaceradora - para, assim, conferir-lhe um sentido outro, construído por meio de símbolos, metáforas, imagens poéticas, criando um espaço-tempo que passa a ser o literário, não mais o da vida, ainda que tão vivo e pulsante quanto ela própria.


Resenhando.com - No livro, o corpo é texto e o texto é corpo. Se a sua escrita tivesse um cheiro, uma textura e uma temperatura, como ela seria?
Antonio Arruda Teria o cheiro de um corpo que sangra, mas que também goza; o cheiro do suor que exala no momento do estertor, mas que também irrompe da pele no instante do orgasmo; o cheiro da natureza, muito presente no meu livro, a floresta, o mar, a terra, a brisa, que ora leva o leitor a sentir o terrível e o cruel, ora o epifânico, o etéreo, o impalpável espectral.Teria a textura do ferimento em carne viva e da cicatriz que o constitui como memória nesse corpo atravessado pela experiência da dor e de sua possível transmutação. Teria a temperatura quente, quase escaldante do sol que assola o velho do conto “O Devir”, por exemplo, e também o frio do cadáver do adolescente do conto “A Queda da Estrela”; ou, ainda, a temperatura morna e úmida dos musgos da árvore sobre os quais o personagem do conto “Nu” se senta e vive sua experiência de desejo e temor. Teria esses cheiros, essas texturas e essas temperaturas pois minha escrita nasce da ambivalência, das contradições, do tensionamento constante e inevitável entre pulsão de vida e de morte.


Resenhando.com - Você vem de uma trajetória sólida no audiovisual, na televisão, na Netflix. O que a literatura o permitiu dizer que a câmera jamais permitiria captar?
Antonio Arruda Vou responder seguindo por outro caminho: o que a literatura me permitiu fazer, que é, fundamentalmente, o trabalho, a experimentação com a linguagem. Por mais que na escrita de um roteiro a descrição dos cenários, o tom das cenas, a criação das falas dos personagens passem, obviamente, pela escolha das palavras, com a literatura é diferente. A literatura permite uma elaboração mais complexa. A busca pela palavra que melhor diz, que melhor revela o sentimento do personagem, a atmosfera desejada. A literatura possibilita - não que o audiovisual também não o faça, mas em outra medida, de outra maneira - a sugestão, o mistério que habita as entrelinhas do texto, e que só será revelado - e ressignificado - pelo leitor. Cabe a ele, e apenas a ele, no fim das contas, experienciar o que o livro expressa. E talvez seja essa a grande beleza do fazer literário.


Resenhando.com - A obra é atravessada por erotismo, dor, fé e homoafetividade, temas muitas vezes tratados como “demais” por uma sociedade ainda careta. Quando você escreve, sente que está exorcizando o medo alheio ou desnudando o seu?
Antonio Arruda As duas coisas, e não somente elas, e sem que haja uma distinção pragmática entre o que é meu e o que é alheio a mim. Interessa-me mais o borrão, a mancha que atravessa escritor e leitor. O quanto meu livro pode também desnudá-lo de seus medos? O quanto eu posso exorcizar os meus? O quanto, ainda, para além de um possível exorcismo, se faz necessária a convivência com os demônios, olhá-los de frente, tê-los ao lado? No livro, erotismo, dor, fé e homoafetividade estão emaranhados, são temas que se entrecruzam. Então, acredito, ou pelo menos desejo, que o livro gere no leitor mais encruzilhadas do que estradas retas.


Resenhando.com - A estética da cicatriz que você propõe tem algo de ritual. O que há de oferenda e o que há de profanação no ato de escrever?
Antonio Arruda Você tocou em um ponto bem importante, foi bem agudo em sua colocação. Há, de fato, algo de ritual. Ofertar-se à escrita é o ofício do escritor. Entregar-se ao texto. Como diz a poeta Isadora Krieger, “escrever é desaparecer no texto”. Nesse sentido, há muito de oferenda no processo de escrita. É uma doação intensa, um sacrifício, há algo de litúrgico, mítico, místico. Algo se desvela e se descortina quando escrevo, algo muitas vezes maior do que eu, que existe para além de mim. Ao mesmo tempo, meu processo de escrita e meu texto neste livro carregam uma corporeidade densa. “O Corte que Desafia a Lâmina” trabalha o tempo todo com a dualidade entre sagrado e profano. Profanar a carne para ofertá-la em sacrifício ao espírito. Acessar o espírito para que ele unja a carne e seus cortes, suas feridas. É esse o paradoxo que me interessa. E a minha proposta com a estética da cicatriz é justamente essa: criar um livro-corpo que, ao ser atravessado pela lâmina-palavra, inevitavelmente faça da escrita uma forma de ritualizar as experiências - de vida e literária.


Resenhando.com - No livro, há um homem que carrega uma carcaça de tartaruga até o mar e afunda com ela. Qual seria a sua carcaça hoje, e o que ainda o impede de soltá-la?
Antonio Arruda Vou pensar sobre essa pergunta e levá-la para a minha próxima sessão de análise para elaborar uma possível resposta (risos). Talvez a gente passe a vida toda acessando carcaças que acreditamos já ter soltado. Mergulhar nas dores e nos traumas me parece ser um exercício constante. Não sei especificar qual a carcaça de hoje com a qual ainda não me afoguei no mar. Mas, fazendo uma ligação com a pergunta anterior, talvez seja esse o ritual que mais me constitui como sujeito inquieto e complexo: tatear o inconsceano (para utilizar um dos neologismos do livro) e, assim, quem sabe, acessar as profundezas de ser.


Resenhando.com - Você é roteirista, professor, pesquisador, sacerdote e agora escritor publicado. Qual dessas vozes mais o contradiz, e qual delas você tenta silenciar quando escreve?
Antonio Arruda Talvez a mais contraditória delas seja a do escritor. Justamente por abarcar as demais? Não sei. Respondo em forma de pergunta, pois a assertividade, aqui, mataria, justamente, a contradição. Nunca tinha parado para pensar sobre isso. Mas sinto que a voz do professor, por ser carregada de um inevitável didatismo, seja aquela que, ainda que inconscientemente, eu tente silenciar. Minha escrita é altamente simbólica, imagética, alegórica. Acredito que não haja nela espaço para didatismos.


Resenhando.com - A dor é matéria-prima da arte, mas também um mercado. Você teme que o leitor leia suas feridas como espetáculo, e não como identificação?
Antonio Arruda Não. A dor como espetáculo está na mídia, nas notícias que transformam corpos violentados, agredidos, estraçalhados em números, em estatística. Está nas redes sociais. Está, infelizmente e cada vez mais, nos algoritmos. Sua pergunta me fez pensar que talvez o leitor não leia minhas feridas (que já nem são mais minhas, na verdade, uma vez que, depois de terem sido matéria-prima para a escrita, viraram ficção; são, portanto, as feridas dos narradores, dos personagens, do livro-corpo) como espetáculo, mas, se não como identificação, talvez como estranhamento, repulsa? Acredito que a literatura, ao se valer de elementos que atravessam, transgridem, subvertem o real, leva os leitores a processos complexos de investigação sobre si. Pelo menos é o que desejo que eles sintam ao acessar os cortes e as cicatrizes que eu transformei em experimentação estética.


Resenhando.com - Se o corte é inevitável, o que você ainda não teve coragem de transformar em lâmina?
Antonio Arruda Não sei… Às vezes eu sinto um pouco de medo da falta de medo que eu sinto (risos). Talvez quando descobrir qual a carcaça de hoje que ainda não carreguei para o mar eu consiga responder a essa pergunta. Como algumas pessoas que leram meu livro enquanto eu o escrevia e antes de enviá-lo à editora me disseram: “seu livro é fruto de muita coragem”. E eu senti mesmo isso ao escrevê-lo. Foi muito intenso e profundo mergulhar nas dores, nos traumas, nos cortes. E foi libertador. E estou disposto a continuar encarando as lâminas, a fazer delas o elemento mefistofélico que me aguilhoa a existência.



.: "Longe do Ninho" vence Prêmio Jabuti na categoria Biografia e Reportagem


O livro "Longe do Ninho", escrito pela jornalista Daniela Arbex, foi anunciado como vencedor da categoria Biografia e Reportagem da 67ª edição do Prêmio Jabuti em cerimônia realizada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro nesta segunda-feira, dia 27 de outubro. Este é o segundo Jabuti da jornalista mineira, que já recebeu a honraria por "Cova 312", em 2016, e ficou em segundo lugar com "Holocausto Brasileiro".

Em "Longe do Ninho", Daniela apura a tragédia anunciada que vitimou dez jovens atletas do Flamengo no Ninho do Urubu, o centro de treinamento do clube. Publicado em fevereiro de 2024 pela Intrínseca, cinco anos após o incêndio que fez a nação amanhecer de luto, a obra investigativa é um relato forte, sensível e humano sobre a memória em torno da morte dos meninos e o fim dos sonhos de se tornarem ídolos no país do futebol.

Com base em informações exclusivas sobre o caso, Longe do ninho é uma peça fundamental para a compreensão do que de fato aconteceu na madrugada do incêndio. A obra apresenta laudos técnicos, trocas de mensagens e e-mails, além de dados e relatos até então não divulgados. Depois de dois anos de apuração, entrevistas com os familiares dos dez jovens, sobreviventes e profissionais da perícia criminal e do IML, Arbex montou um quadro completo e elucidativo sobre a trajetória de vida dos rapazes e suas famílias e de como o contêiner-dormitório do Ninho do Urubu se transformou numa armadilha fatal que vitimou os dez jovens atletas em uma tragédia sem precedentes. Compre o livro "Longe do Ninho", de Daniela Arbex, neste link.


Sobre a autora
Daniela Arbex é vencedora dos Prêmios Jabuti e Vladimir Herzog e do Troféu Mulher Imprensa, tendo se tornado referência no jornalismo literário investigativo. A mineira é autora do premiado livro Holocausto brasileiro, adaptado para documentário pela HBO. Em 2023, sua obra Todo dia a mesma noite, sobre o incêndio na Boate Kiss, deu origem à minissérie homônima da Netflix, uma das mais assistidas do ano na plataforma. Foto: divulgação/Editora Intrínseca. Compre os livros de Daniela Arbex, neste link.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

.: Romance de Haruki Murakami é tema do Clube de Leitura JHSP + 451


Publicado originalmente em 1985 no Japão e inédito no Brasil até 2024, o romance vencedor do prêmio Tanizaki será discutido em encontro online e gratuito com a presença da pesquisadora Cacau Ideguchi

O livro "O Fim do Mundo e o Impiedoso País das Maravilhas", do escritor japonês Haruki Murakami, publicado no Brasil pela editora Alfaguara, é tema do Clube de Leitura Japan House São Paulo + Quatro Cinco Um de outubro, que acontece na última quinta-feira do mês, 30, às 19h, via Zoom. A conversa recebe como convidada Cacau Ideguchi, jornalista, escritora e pesquisadora especializada em cultura japonesa. Publicado originalmente em 1985 no Japão e inédito no Brasil até ano passado, livro é uma das obras mais notáveis de Haruki Murakami e vencedor do prêmio Tanizaki, uma das mais prestigiadas premiações literárias do Japão. Compre o livro "O Fim do Mundo e o Impiedoso País das Maravilhas", de Haruki Murakami, neste link.

O romance intercala duas narrativas que se entrelaçam: uma acompanha um programador em sua jornada por corredores infinitos e caminhos subterrâneos até o laboratório de um velho professor; a outra se passa em uma cidade fantasmagórica cercada por muralhas, onde vivem pessoas sem sentimentos, memórias ou emoções. Gradualmente, elementos em comum surgem entre as duas histórias, misturando mistério, ficção científica e fantasia. A edição brasileira foi publicada pela editora Alfaguara e conta com a tradução de Jefferson José Teixeira.

Os participantes do Clube de Leitura Japan House São Paulo + Quatro Cinco Um têm 25% de desconto na compra do livro pelo site do Grupo Companhia das Letras, por meio do cupom JHSP451OUT25. O cupom fica vigente até dia 1° de novembro de 2025 e é válido para 1 uso único por CPF. Saiba mais e inscreva-se em https://clubedeleitura.japanhousesp.com.br/

Convidada do mês
Cacau Ideguchi é pesquisadora, educadora e escritora especializada em cultura japonesa. Mestra em letras com ênfase em cultura japonesa (USP, 2023), tem MBA em história da arte (2024), especialização em jornalismo cultural (2014) e bacharelado em jornalismo (2011). É membro do Grupo de Estudos Okinawanos (GEOki/USP) e autora dos livros Gota de Sangue a Olho Nu (2015) e 31 (2017), ambos pela Chiado Books.

Diretora-executiva do portal Japoni, de curadoria e produção de conteúdo sobre arte e cultura japonesa, tem trajetória multidisciplinar e, desde 2021, dedica-se ao ensino em cursos livres e palestras em instituições, além de trabalhos em mediação, curadoria e consultoria. Suas pesquisas concentram-se em cinema e história japonesa, perpassando literatura e artes plásticas.


Como funciona o Clube de Leitura Japan House São Paulo + Quatro Cinco Um?
Desde sua estreia em 2019, o Clube de Leitura Japan House São Paulo + Quatro Cinco Um recebe grandes profissionais da tradução de literatura japonesa no Brasil, além de autores contemporâneos e leitores dessa literatura, para discutir obras de nomes como Haruki Murakami, Sayaka Murata, Yoko Tawada, Banana Yoshimoto e Yoshiharu Tsuge.

Natasha Barzaghi Geenen, diretora cultural da Japan House São Paulo, e Paulo Werneck, editor da revista Quatro Cinco Um, compartilham a curadoria e a mediação dos encontros, que acontecem sempre na última quinta-feira do mês.

O Clube discute livros de autores japoneses traduzidos diretamente para o português, visando uma cobertura multiplataforma desse universo literário — a parceria entre a revista dos livros e a JHSP traz também uma newsletter editorial mensal com os principais lançamentos no Brasil de livros japoneses ou ligados à cultura japonesa.

No site da Japan House São Paulo há uma página exclusiva que reúne todo o conteúdo compartilhado até aqui. Nela, é possível ter acesso a um compilado de informações sobre todos os títulos já abordados e à agenda dos próximos encontros, além de links para inscrição nas newsletters da Japan House e na newsletter de literatura japonesa da Quatro Cinco Um: https://clubedeleitura.japanhousesp.com.br/ 


Serviço
Clube de Leitura JHSP + Quatro Cinco Um: livro "O Fim do Mundo e o Impiedoso País das Maravilhas", de Haruki Murakami,
Data: quinta-feira, 30/10, às 19h00
Modalidade: on-line e gratuito, via Zoom
Inscrições: sympla.com.br/evento-online/clube-de-leitura-jhsp--451--o-fim-do-mundo-e-o-impiedoso-pais-das-maravilhas-outubro/3134712
Cupom: Participantes do clube têm 25% de desconto na compra do livro pelo site do Grupo Companhia das Letras, por meio do cupom JHSP451OUT25. O cupom fica vigente de 05/10 até 01/11, válido para 1 uso único por CPF.
Parceria com a Japan House São Paulo.

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