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terça-feira, 29 de julho de 2025

.: "Buraco Quente", de literatura erótica feminina, será lançada nesta quarta


Nesta quarta-feira, dia 30 de julho, às 20h00, a editora Garoupa vai fazer o lançamento de "Buraco Quente - Antologia de Literatura Erótica Feminina", o primeiro título de Piranha, seu selo destinado a literatura erótica. O evento acontece no UM55 - Rua Epitácio Pessoa 15, na Vila Buarque, Centro de São Paulo - SP. Algumas autoras estarão no evento e farão leitura de seus textos. A entrada é gratuita.

Organizada pela editora, escritora e pesquisadora Marina Ruivo, a antologia traz textos de Adriana Garcia, Adriana Mondadori, Alice Queiroz, Amara Moira, Ana Dos Santos, Anna Apolinário, Beth Brait Alvim, Carolina Montone, Catia Cernov, Cibely Zenari, Cida Pires, Cíntia Colares, Fernanda Jaber, Geruza Zelnys, Giselle Ribeiro, Helena Tabatchnik, Iara Rennó, Isabella Miranda, Kah Dantas, Leila Ferraz, Lídia Codo, Lúcia Santos, Maíra Valério, Márcia Barbieri, Maria Fentz, Marina Ruivo, Monique Prada, Ná Estima, Natália Nolli Sasso, Natânia Lopes, Sílvia Caselatto, Tereza Almeida, Yolanda Serrano Meana.


Sobre Buraco Quente, por Marina Ruivo
O universo dos contos eróticos - e da literatura erótica, de modo amplo - surgiu para mim quase por acaso. Era o ano de 2013, eu havia concluído há pouco meu doutorado e estava frequentando pela primeira vez uma oficina de escrita, na busca de enfrentar os fantasmas deste desejo, o da escrita. Tinha colocado algo de forma muito clara para mim: ou eu daria, enfim, vazão a tal desejo, sem medo, ou colocaria nele um ponto final e deixaria tudo para lá, fixando-me na carreira acadêmica.

Em meio a essa decisão, a primeira oficina de que participei foi do escritor Marcelino Freire, uma experiência marcante e que acabou me levando, com os anos, a desistir não da escrita, mas da outra opção, a academia — o que daria origem a outra história, mas esta não cabe aqui, onde o que importa é a erótica. E foi nessa oficina que ela abriu suas portas para mim, pois um dos exercícios que Marcelino nos passou foi o de escrever um conto do gênero. Era algo absolutamente novo para mim e parti de onde imaginei que podia, antes de qualquer tentativa de escrita: da leitura. 

Tinha em casa uma edição de "Delta de Vênus", de Anaïs Nin, e me pus a ler os seus contos, para depois brincar de me colocar em uma situação semelhante à que a autora se encontrou quando os escreveu. Ou seja, tentei imaginar como Preliminares seria se eu tivesse que escrever contos eróticos por encomenda — e com a missão explícita de que eles excitassem o leitor. Será que eu conseguiria?

Foi dessa brincadeira que surgiu a primeira versão de “Riozinho”. Mostrei o conto aos meus colegas de oficina e ao Marcelino, publiquei-o num zine da nossa turma e, depois, em uma revista digital só de arte erótica, hoje extinta (Sexus). Recebi críticas em geral positivas, tanto no âmbito literário, quanto no sentido de que, sim, as pessoas tinham se sentido excitadas durante a leitura. Alguns leitores homens, no entanto, disseram que o narrador ainda não estava plenamente convincente como uma figura masculina, uma observação que registrei em um canto da mente, deixando para verificá-la quando fosse publicar o conto em um livro.

No ano passado, ministrei uma oficina em que o desafio proposto aos participantes foi o mesmo que eu tinha me imposto: lermos os contos de Anaïs Ninn e tentarmos escrever a lgosemelhante, isto é, algo que funcionasse como um bom conto, em termos literários, e que tivesse a capacidade de excitar sensorial e sensualmente o leitor. Foi uma experiência saborosíssima e, dela, duas participantes comparecem aqui neste livro, Cida Pires e Sílvia Caselatto. Quando elaborei a oficina, havia pensado na publicação de um livro de contos como um resultado final, porém a ideia acabou não vingando. Ou melhor, não naquele momento.

Neste ano, conversando com Cristiano N. A. a respeito da editora e de seus caminhos possíveis, surgiu a ideia de criar um selo propriamente erótico, e foi então que ele apresentou a sugestão do nome. No universo dos peixes da Garoupa, o selo erótico só pode ser o Piranha, falou. Rimos muito e adoramos. Pronto, o selo tinha um nome e a Piranha tinha que nascer. Cristiano assumiu a missão de criar o logo, esta poderosa boca de piranha, e eu passei a pensar no que seria seu primeiro livro. Desde o início, imaginei que ele teria de reunir apenas textos escritos por mulheres, pois nós é que somos, ainda hoje e apesar de todas as lutas e conquistas feministas, situadas como objetos do desejo erótico masculino, ou, então, vistas como os seres que deveriam ser desprovidos de desejo, mero receptáculo assexuado do masculino. Dar voz ao desejo feminino e às muitas formas de olhar o sexo das mulheres é o que move este livro, cujo título, aliás, também foi sugerido pelo Cristiano, e novamente como uma brincadeira-provocação: "Buraco Quente".

Comecei a convidar as mulheres, cis e trans, procurando descobrir nomes de autoras que estivessem em várias regiões do país, de várias idades e vivências. E assim fui chegando, com o auxílio generoso das próprias autoras e do editor Genio Nascimento (da Gênio Editorial), a este time fantástico que está aqui, e que figura as múltiplas formas da erótica literária contemporânea. Há, assim, contos e poemas que falam orgulhosamente de nosso órgão sexual, como os poemas de Natália Nolli Sasso, Ana Dos Santos e Lídia Codo, e há textos paródicos e críticos, como o delicioso “Dolores”, de Geruza Zelnys, ou irônicos, como “Confissões de uma histérica”, de Márcia Barbieri, que nos leva a conhecer mais uma personagem feminina viciada em sexo. Há os textos em prosa poética, como “Me chame de Legião”, de Anna Apolinário, ou “Concupiscência”, de Kah Dantas, e ainda os diálogos eróticos com a própria língua e a literatura, feitos por Giselle Ribeiro.

Estão presentes também os textos que falam de experiências sexuais inusitadas, como a que se propôs a narradora de “O túnel”, no conto de Cida Pires, ou aqueles que se propõem ensinar o que o homem deve fazer para nos dar prazer, como “Manual”, de Helena Tabatchink, bem como textos que falam de encontros e desencontros sexuais e amorosos, como os poemas “Da epiderme ao osso”, de Ná Estima, e “É lá no céu que acontece”, de Cíntia Colares, ou os contos “Escrito na areia”, de Sílvia Caselatto, “Do doce ao gozo”, de Adriana Mondadori, e ainda “Quer café?”, de Maria Fentz, e “Cangote”, de Carolina Montone.

Estão aqui também os textos que falam especificamente das delícias do sexo entre mulheres, como o poema “Nas alturas”, de Cibely Zenari, e o conto “O jantar”, de Adriana Garcia, além de textos que enaltecem o prazer sexual inclusive quando o sexo é profissão, como o conto “Babel” de Monique Prada, ou o poema “Parafina”, de Alice Queiroz. E há, por outro lado, aqueles que trazem o peso da culpa que às vezes ainda permeia o sexo, sobretudo quando ligado a experiências não consentidas, questionando-a, como no conto “Camilo em uma noite”, de Tereza Almeida, ou mesmo experiências permeadas pelo tenso cruzamento com o universo religioso, como “Benedictus”, de Natânia Lopes, ou “A régua do desejo é uma palmatória”, de Maíra Valério. Há ainda um conto todo em bajubá, divertidíssimo e escrito a quatro mãos, por Amara Moira e Isabella Miranda, e textos provocativos e brincalhões, como o “Poeminha” de Iara Rennó, ou o delicado poema “Tarde de jogos”, de Yolanda Serrana Meana.

Há poemas curtinhos, como uma rapidinha, tal qual os haicais de Lúcia Santos ou Fernanda Jaber, e há poemas bem mais longos. Há também aqueles que dialogam com o surrealismo, como os de Beth Brait Alvim e Leila Ferraz, ou os afiados poemas de Catia Cernov, que fazem uso de um registro todo próprio da linguagem. Em Buraco quente, como se vê, a variedade é o que reina, como várias são as formas de dar vazão ao desejo erótico. Para a minha participação, resolvi voltar a “Riozinho”, e acabei por reescrevê-lo, ainda que preservando seu enredo e personagens. É ele, inclusive, o único conto que fala a partir da ótica de um narrador e personagem masculino, mas resolvi mantê-lo assim, até porque acredito que pode ser bem interessante uma mulher escrever um conto erótico do ponto de vista masculino. Fomos narradas e representadas por homens desde sempre, por que não podemos inventar experiências para narradores masculinos? A ficção é o território da liberdade — e nisso ela se aproxima de forma muito íntima da erótica. Este livro, leitora, leitor, é para você. Para você se divertir, se deliciar, rir, se emocionar e, evidentemente, se excitar. Compre o livro "Buraco Quente - Antologia de Literatura Erótica Feminina" neste link.


Ficha técnica
"Buraco Quente - Antologia de Literatura Erótica Feminina"
Editora Garoupa
Preparação de originais: Carolina Passos
Revisão: Maria Paula Lucena Bonna
Diagramação: Vagner Mun
Fotos do miolo: Nana Santos (@nanasantos.pa)
Capa: Cristiano N. A.
Edição: Marina Ruivo
Páginas: 172
ISBN: 978-65-987299-0-5


Serviço
Lançamento da antologia "Buraco Quente - Antologia de Literatura Erótica Feminina"
UM55 - Rua Epitácio Pessoa 15, na Vila Buarque, Centro de São Paulo
Quarta-feira, 30 de julho de 2025, às 20 horas
Entrada gratuita

sexta-feira, 25 de julho de 2025

.: António Jorge Gonçalves e Ondjaki lançam “O Tempo do Cão”


Dupla homenageia J. Borges em sequência gráfica do livro. Foto: divulgação

Dentro das comemorações de seus 50 anos, a Pallas Editora lança “O Tempo do Cão”, mais uma obra feita a quatro mãos do ilustrador lisboeta António Jorge Gonçalves com o escritor angolano Ondjaki, reafirmando uma parceria que já rendeu “A Bicicleta que Tinha Bigodes” (2012), “Uma Escuridão Bonita" (2013) e “O Convidador de Pirilampos” (2018), todos premiados e lançados pela Pallas no Brasil. O livro nasceu a partir dos desenhos de Gonçalves e ele convidou Ondjaki para criar a narrativa verbal. Aliás, Ondjaki é muito celebrado pela sua prosa inventiva, já publicada em mais de dez idiomas.

A noite de autógrafos será na terça, 29 de julho, das 19h às 22h, no Cinema José Wilker em parceria com a Casa 11, em Laranjeiras, Rio de Janeiro. Um espetáculo de imagens e poesia será apresentado antes de os autores receberem o público. Livremente inspirado em uma viagem de Che Guevara feita ao Congo, em 1965, o livro é atravessado por imagens silenciosas que falam alto quando as palavras titubeiam. “O Tempo do Cão” evoca o imaginário de um cão que sonha com um guerrilheiro - ou será de guerrilheiro que está de olhos bem abertos ao lado de um cão? Nessa travessia visual e poética, o tempo se curva, suspenso, entre a memória coletiva e a amizade sem palavras entre as espécies. Guerra, liberdade e infância - temas recorrentes ao universo da dupla - costuram as entrelinhas da trama.

“A guerra civil do Congo, causa que moveu o Che na luta pela emancipação deste país, não endureceu o seu coração. E nem o do cão, protagonista deste conto. A luta e o amor são paixões adjacentes que movem os seres a seguir adiante, acreditando na solidariedade e num mundo melhor”, observa a editora Mariana Warth, leitora de primeira hora do autor angolano. Mariana representa a terceira geração da família no comando da Pallas Editora, que começou com o avô dela, em sociedade com amigos, publicando livros populares de simpatia.

Em branco sobre fundo lilás, as ilustrações de Gonçalves pegam o leitor no colo e o embalam até uma madrugada onírica, em que o real e o fantástico se confundem. Ninguém sabe bem se está dormindo ou bem desperto. A sequência gráfica que narra o sonho do cão e dos guerrilheiros é uma homenagem ao legado do gravurista pernambucano J. Borges (1935-2024).

“Eu queria tanto saber falar… Falar trazia riso aos guerrilheiros. Sorrir diminui o medo de todas as pessoas que já atravessaram um medo”, diz uma das passagens mais bonitas dessa delicadeza de obra. “O Tempo do Cão” não entrega respostas, mas revolve o solo para que as perguntas venham à tona, como um osso escondido pelo próprio cão no terreno de casa. É um livro para ser lido com tempo - o tempo que também é da arte: aquele capaz de nos transformar significativamente.

O ilustrador português António Jorge Gonçalves é cartunista, performer visual, ilustrador, cenógrafo e professor português. Produziu diversas novelas gráficas, e tem colaborado com diversos escritores, entre eles Ondjaki, Nuno Artur Silva e Mário de Carvalho, na criação de livros onde texto e imagem se relacionam. Criou o projeto “Subway Life”, desenhando pessoas sentadas nos trens do Metrô em dez cidades do mundo. Desde 2003, faz semanalmente cartoons políticos para o Inimigo Público, suplemento do jornal português Público). Estas criações são replicadas no jornal Le Monde e na revista e Courrier Internacional, ambos franceses. 

Já o angolano Ondjaki escreve romances, contos, poemas e livros para crianças. Recebeu diversos prêmios, incluindo o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e o Prêmio FNLIJ, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Pela Pallas Editora, lançou e relançou um total de 13 livros, contando com os três supracitados e este novíssimo: “Há Prendisajens com o Xão” (2011), Ombela (2014), “Os Vivos, o Morto e o Peixe-frito” (2015), “O Assobiador” (2017), “Os da Minha Rua” (2021), "Materiais para Confecção de Um Espanador de Tristezas” (2021), “A Estória do Sol e do Rinoceronte” (2021), “Verbetes para Um Dicionário Amoroso” (2021, coautor), “O Livro do Deslembramento” (2022), “Coisas Desalinhadas” (2023) e “Vou Mudar a Cozinha” (2023). Compre o livro “O Tempo do Cão” neste link.

.: "Eu Escreve: dilemas das Escritas de Si": limites das narrativas centradas no "eu"


Quando o "eu" fala em um texto, quem escreve? O mistério da voz narrativa e a relação que traça junto ao público leitor é um antigo debate teórico. A cumplicidade entre autor e leitor é, afinal, o fundamento de qualquer pacto literário, mas hoje, ao que parece, sua estabilidade se encontra em disputa. Essa inquietação levou Gabriela Aguerre e Natalia Timerman, escritoras e pesquisadoras, a organizar a coletânea "Eu Escreve: dilemas das Escritas de Si", publicado pela editora Record, que reúne, de forma inédita, textos de 23 autores e críticos contemporâneos sobre as narrativas em primeira pessoa, que estão por toda parte: de diários a teses, de autobiografias a postagens em redes sociais. O lançamento do livro será no dia 31 de julho, às 16h00, na Casa Record na Flip, com parte dos autores reunidos na mesa "Os Dilemas da Autoficção", seguida de sessão de autógrafos

Escrever a partir da primeira pessoa, as chamadas “escritas de si”, enseja paixões de especialistas e do público em geral. O debate, no entanto, usualmente se estabelece na dimensão afetiva, dos gostos pessoais. Para fugir da banalização do termo, que desponta como a marca da escrita do início do século, as organizadoras compilam alguns pontos para uma discussão mais proveitosa. No livro, estão reunidos grandes nomes que despontam no cenário literário brasileiro, escritoras e escritores, críticas e críticos interessados nos temas da autoficção, do relato, da escrevivência, da memória, entre outros. Na primeira parte desta coletânea, “Eu e Nós: gêneros Instáveis”, estão reunidos ensaios que revisam e testam a instabilidade das classificações. A segunda, “Eu Disputa: conceitos em Debate”, apresenta textos que tensionam a calcificação dos termos críticos. E, por fim, “Eu Escrevo: a Própria Voz” aproxima sujeito e verbo no enunciado para narrar à luz da própria experiência.

O livro apresenta uma diversidade de escritas, com ensaios mais acadêmicos, outros mais poéticos, outros mais jornalísticos, todos contundentes, sobre os limites entre ficção e realidade, explorando os vários jeitos e conceitos de narrar centrados no "eu". Além das organizadoras, "Eu Escreve" traz ensaios de Adriano Schwartz, Amara Moira, Andrea Saad Hossne, Anna Faedrich, Bianca Santana, Bruna Mitrano, Camilo Gomide, Diana Klinger, Felipe Charbel, Ieda Magri, Isabela C. Lopes, Joselia Aguiar, Julián Fuks, Julio Pimentel Pinto, Lubi Prates, Luciene Azevedo, Mariana Delfini, Samara Lima, Tatiana Salem Levy, Trudruá Dorrico e Yasmin Santos. 

"Eu Escreve: dilemas das Escritas de Si" não traz respostas absolutas; em troca, oferece possibilidades para a compreensão de uma questão antiga, mas que, com especificidades contemporâneas, exige novas abordagens. Este é um convite para expandir as fronteiras da nossa observação e esgarçar os limites entre fato e ficção, para então refletir sobre quem, como, onde, por que e o que se escreve neste início de século. Compre o livro "Eu Escreve: dilemas das Escritas de Si" neste link.


Sobre as organizadoras
Gabriela Aguerre
é escritora, jornalista e professora de escrita criativa. Graduou-se em comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, cursou linguística na Universidade de São Paulo, trabalhou por duas décadas na Editora Abril (foi diretora da revista Viagem e Turismo) e fez a pós-graduação de formação de escritores no Instituto Vera Cruz, onde atua como professora desde 2018. Em 2019 publicou seu primeiro romance, "O Quarto Branco" (Todavia), finalista do Prêmio Jabuti na categoria Romance Literário e do Prêmio São Paulo de Literatura na categoria Romance de Ficção de Estreia, ambos em 2020.

Natalia Timerman é médica psiquiatra pela Universidade Federal de São Paulo, mestra em psicologia pela Universidade de São Paulo e doutoranda em teoria literária e literatura comparada da mesma universidade. É autora da não ficção "Desterros: histórias de Um Hospital-prisão" (Elefante, 2017; Todavia, 2025), da coletânea de contos "Rachaduras" (Quelônio, 2019), indicada ao Prêmio Jabuti, e dos romances "Copo Vazio" (Todavia, 2021) e "As Pequenas Chances" (Todavia, 2023). Foi selecionada para a Art Omi: Writers, residência literária em Ghent, Nova York, em 2025. Compre o livro "Eu Escreve: dilemas das Escritas de Si" neste link.


quarta-feira, 23 de julho de 2025

.: Novo estudo liga obra de Machado de Assis à origem da psicanálise


E se Freud fosse o segundo a chegar? Em novo livro, Adelmo Marcos Rossi revela que Machado de Assis pode ter fundado, pela literatura, uma psicologia conceitual antes de a psicanálise existir. Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação
 
Machado de Assis chegou antes. Antes de a psicanálise ser batizada por Freud, antes do narcisismo virar diagnóstico, antes mesmo de a ciência querer mapear os labirintos da alma humana, o "Bruxo do Cosme Velho" já desfiava, com ironia e precisão cirúrgica, as camadas do inconsciente coletivo - mesmo sem nomeá-lo assim. Em "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo", o engenheiro, psicólogo e filósofo Adelmo Marcos Rossi desmonta o altar europeu da teoria psicanalítica e aponta: o criador de "Dom Casmurro" e "Memórias Póstumas de Brás Cubas" já operava, pela ficção, conceitos que Freud viria a descobrir décadas depois. Nesta entrevista exclusiva para o portal Resenhando.com, Adelmo discute narcisismo, escuta clínica, racismo estrutural no campo do saber e lança uma pergunta incômoda: será que estamos prontos para reconhecer que o maior psicanalista brasileiro morreu em 1908 - sem nunca ter ouvido falar de Viena? Compre o livro "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo" neste link.


Resenhando.com - Ao sugerir que Machado de Assis chegou a conceitos psicanalíticos antes de Freud, você está prestes a reescrever a história da psicanálise ou apenas dar um puxão de orelha no eurocentrismo acadêmico?
Adelmo Marcos Rossi - A pretensão é que Machado de Assis venha a ser lido como ele escreveu, e escreveu informando que no futuro, “cuido que por volta de 2222”, uma data qualquer, “um pequeno livro” seria publicado com sua “psicologia nova”. Quer dizer, a pretensão é que ele venha a ser lido como o criador de uma psicologia na qual “reúno em mim mesmo a teoria e a prática”. Escritor sutil, Machado não queria ser visto como cientista, propondo declaradamente uma psicologia nova, mas o fez por meio de personagens. Até teria sido perigoso que ele, literariamente, se mostrasse como estando conceituando os segredos que movem as relações humanas.


Resenhando.com - Machado de Assis, negro, epiléptico, pobre e autodidata, é muitas vezes reduzido a um “homem do século XIX” domesticado. A leitura dele propõe um autor que enxergou a alma humana mais fundo do que Freud. Por que ainda temos tanto medo de admitir a genialidade precoce dos nossos? 
Adelmo Marcos Rossi - O gênio não é facilmente reconhecível dentro do seu tempo, e menos reconhecível ainda quando ele, intencionalmente, esconde no subtexto as suas pretensões, ainda que informe que será encontrado. Também é comum afirmarem que o “eu lírico” não é o autor da obra, o disfarce em personagens não tem validade do ponto de vista científico. Resumindo: para fazer ciência, o pensador deve ser claro e reto, e não publicar uma nova ciência de modo escondido. Machado, também é importante dizer, não desejava ser visto como narcisista demais, vaidoso demais, pelo risco de ser severamente combatido. Sob esse aspecto, passar despercebido foi mais seguro para ele.


Resenhando.com - Você afirma que o narcisismo é estruturante na obra de Machado. A pergunta que não quer calar: Capitu amava Bentinho ou apenas amava ser amada?
Adelmo Marcos Rossi - Machado não deixou dúvida nenhuma, o leitor é quem não soube ler, basta ir à obra:
“Capitu olhou para mim com desdém, e murmurou:
— Sei a razão disto; é a casualidade da semelhança... A vontade de Deus explicará tudo... Ri-se? É natural; apesar do seminário, não acredita em Deus; eu creio... Mas não falemos nisto; não nos fica bem dizer mais nada”.
Ou seja, se Bento Santiago “acreditasse em Deus”, “a vontade de Deus explicaria tudo”, inclusive “a causalidade da semelhança”, e Capitu poderia ter quantos filhos quisesse, todos com as feições dos amigos, porque Deus explica tudo. Machado, aqui, estava fazendo uma brincadeira, empregando o recurso da Petalogia, o humor, tal como Alcides Maya notou em “Machados de Assis: Algumas Notas sobre o Humour” (1912).


Resenhando.com - Há quem diga que Brás Cubas é um morto mais lúcido do que muito vivo teórico. Se ele fosse seu paciente, que diagnóstico você arriscaria dar? Borderline? Narcisista perverso? Cínico funcional?
Adelmo Marcos Rossi - Machado era, até 1880, um escritor morto literariamente, um autor que já era defunto. Seus quatro livros anteriores, "Ressurreição", "A Mão e a Luva", "Helena" e "Iaiá Garcia", não teriam dado vida póstuma ao autor. Por isso, "Memórias Póstumas", e para isso ele tinha que criar algo espantoso, e criou a ideia de um "defunto autor", o autor que já era defunto virou defunto autor. Estando morto, poderia revelar os segredos sem ser condenado. Machado trouxe uma nota para Brás Cubas: “Capistrano de Abreu, noticiando a publicação do livro, perguntava: ‘As Memórias Póstumas de Brás Cubas são um romance?’”. Não podia ser, pois era um romance em que o amor era um adultério. Lobo Neves nunca aparece galanteando sua esposa Virgília, quem a namora é o amigo, ilustrando mais um conceito em Machado: Pílades e Orestes, do mito grego dos amigos inseparáveis. Em Freud, os “amigos inseparáveis” seria o par de confidentes, analisando e analista, pela confissão baseada no amor de transferência. Só que Freud se esqueceu de considerar o ódio de transferência: é comum o amor terminar em ódio, em traição, crime etc.


Resenhando.com - Em algum momento do seu mergulho nas obras machadianas você se sentiu espionado por ele? Como se o próprio Machado, com sua pena afiada, estivesse analisando você durante a leitura?
Adelmo Marcos Rossi - Quem reclamou disso foi o Mário de Andrade, no centenário de 1939: “Ele foi um homem que me desagrada e que eu não desejaria para o meu convívio”. Carlos Drummond de Andrade, em 1925, reclamou dizendo que Machado era “perverso, profundo e ardiloso”, sem informar o motivo. De fato, Machado revelou o lado perverso, profundo e ardiloso das relações humanas, e isso incomodou a muita gente que não o compreendeu.


Resenhando.com - Freud leu os clássicos gregos. Machado lia Shakespeare e Molière, mas também conversava com os delírios da alma carioca. O que o ambiente cultural brasileiro oferece à psicanálise que Viena talvez nunca ofereceu?
Adelmo Marcos Rossi - O ambiente cultural brasileiro sempre ofereceu a malandragem, a esperteza, a malícia, também tão criticada, e motivo da enorme diferença social entre os espertos e os malandros que vivem da malandragem se contentando com o carnaval e o futebol.


Resenhando.com - Você é engenheiro civil, virou psicólogo, filósofo e agora investiga as camadas mais profundas de um escritor morto há mais de um século. O que constrói mais: o concreto armado ou a literatura psicanalítica?
Adelmo Marcos Rossi - O concreto armado me permitiu ganhar dinheiro na vida prática, dando-me tempo suficiente para retornar para a universidade e cursar uma nova graduação, agora, em psicologia, além do acompanhamento psicanalítico, e assim, estudar as profundezas da alma humana. Esse caminho ajudou-me a evitar enlouquecer, cometer crimes, e compreender, primeiro, o erro do Narcisismo em Freud, que somente o descobriu em 1914, e, segundo, a descoberta dos conceitos psicológicos em Machado correspondentes aos conceitos depois criados por Freud atendendo doentes na clínica.


Resenhando.com - Há alguma ideia que você encontrou em Machado e que Freud nunca ousou formular? Algo que o "Bruxo do Cosme Velho" teria escrito com toda a sutileza e que escapou ao austero vienense?
Adelmo Marcos Rossi - Como Machado trabalha com a desconfiança no ser humano, ele era menos ingênuo, em acreditar nas relações, do que Freud. Ele empregou de modo repetido o conceito do cínico Diógenes, inexistente em Freud, Diógenes procurava um homem digno de confiança. Há no livro um capítulo, “Lanterna de Diógenes”, que trata dessa questão. A relação “Pílades e Orestes”, de confiança, entre Freud e Jung, terminou em ódio. O conceito de Espelho, “a palavra espelha a alma”, também a alma exterior que sustenta a alma interna, não existia em Freud, embora tivesse sido denotada por Jacques Lacan, tal como no artigo “O Estádio do Espelho como Formador da Função do Eu”.


Resenhando.com - O livro se chama "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo". Se Freud é o pai da psicanálise, Machado seria o quê? Um avô ilegítimo? Um irmão bastardo que nunca foi convidado para a foto de família?
Adelmo Marcos Rossi - Como Machado tinha consciência do que estava fazendo, quer dizer, não foi por acaso que ele deixou os conceitos, que foram encontrados, então, pode-se dizer que, se depois não tivesse aparecido Freud, que ele não sabia que surgiria, então, Machado teria sido o primeiro e único a ter inventado o que José Miguel Wisnik intitulou como “Machado Psicanalista Avant la Lettre”, em 25 de outubro de 2019. Machado nunca poderia imaginar que surgiria um médico literato disposto a escutar as intimidades da alma para localizar nelas a fonte das doenças, e fazer isso citando os grandes pensadores. Devo acrescentar que somente descobri que em Machado existem conceitos correlatos aos de Freud naturalmente após tê-los estudado em Freud. Sem o estudo de Freud, eu jamais os teria visto.


Resenhando.com - Em um mundo dominado por algoritmos, pressa e diagnósticos de 15 minutos, o que os leitores de hoje têm a ganhar com a escuta literária e clínica de um autor que ainda escreve para a alma de quem não tem pressa?
Adelmo Marcos Rossi - Segundo informou uma gerente da Livraria Leitura, está havendo uma intensa procura pela obra de Machado, porém, a menos que estudem “O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo”, creio que continuarão a ler Machado como sempre foi lido por leitores comuns, e incluindo especialistas, ou seja, sem descobrir a “psicologia nova” que Machado escondeu por entre as linhas. Ler a obra de Machado tendo em mente os conceitos Pílades e Orestes, Travessia do Rubicon, Prometeu no Cáucaso, Similia similibus curantur, Caiporismo, o tema central da Vaidade, modifica completamente o modo de lê-lo. É como você ver um filme depois de ter visto os comentários do diretor. Uma “análise”, na verdade, é isso: tirar do tumulto os conceitos ocultos que o regem. Todos nós vivemos a experiência, sem saber que nela se escondem os conceitos do psiquismo apresentados por Machado e depois por Freud.


terça-feira, 22 de julho de 2025

.: 1ᵃ edição em português de "Estudos Africanos de Gênero" é lançada em SP


Nesta terça-feira, dia 22 de julho, às 19h00, o Itaú Cultural sedia o encontro de lançamento da primeira tradução em português do livro "Estudos Africanos de Gênero" (WMF Martins Fontes), organizado pela socióloga nigeriana de origem iorubá Oyèrónké Oyewùmí. A ação - que leva o selo do Ancestralidades (ancestralidades.org.br), plataforma realizada pelo Itaú Cultural em parceria com a Fundação Tide Setubal - tem como proposta difundir o pensamento e olhares de autores e pesquisadores africanos, trazendo outras perspectivas para os referenciais eurocentristas na maioria das referências bibliográficas.

Além da autora, o lançamento tem a participação da escritora Ana Maria Gonçalves, da filósofa Sueli Carneiro e do músico Tiganá Santana, que integram o conselho do Ancestralidades, e mediação da escritora e jornalista Bianca Santana. O público presente no evento receberá um exemplar da publicação. A programação conta, ainda, com transmissão ao vivo pelo YouTube do Itaú Cultural www.youtube.com/itaucultural em duas modalidades: uma com tradução simultânea para o português e outra com o áudio original, em inglês.

Como todas as atividades do Itaú Cultural, os ingressos podem ser reservados pela plataforma INTI, com acesso pelo site www.itaucultural.org.br. Quem não conseguir fazer a reserva, pode comparecer no dia do evento e tentar adquirir um possível tíquete remanescente. Uma hora antes do início é formada uma fila de espera por ordem de chegada, para distribuir os ingressos que tiveram desistência.Compre o livro "Estudos Africanos de Gênero" neste link.


Base continental
O livro "Estudos Africanos de Gênero" é uma coletânea na qual Oyèrónké Oyewùmí reúne textos sobre a temática de gênero, assinados por autores e autoras africanos, vindos de diferentes etnias, nacionalidades, perspectivas teóricas e idiomas.

Esse panorama mostra diversas reflexões sobre o tema, que vêm sendo feitas no continente africano. As temáticas estão divididas por capítulos, cujas abordagens vão de questões de gênero sob aspectos como corpo e espiritualidade até decolonialidade, pós-colonialidade, epistemologias, matriarcado, cosmologias, identidades, casamento, preconceitos, liderança, sexualidade, cultura impressa, desenvolvimento, teoria, produção acadêmica e as definições de mulher.

O livro teve tradução para o inglês em 2005 e agora ganha a primeira versão em português dentro da coleção Plataforma Ancestralidades. Um dos estímulos para esta iniciativa foi a recorrente citação à versão da obra em inglês nas referências bibliográficas dos projetos selecionados na primeira edição do edital Programa Ancestralidades de Valorização à Pesquisa, de 2022.


Sobre a autora
Oyèrónké Oyewùmíé cientista social, teórica e feminista. De importante linhagem iorubá, nasceu em 1957, na cidade de Ògbọ́mọ̀sọ́, no Estado de Oyó, na Nigéria. É também professora de Sociologia na Faculdade de Artes e Ciências na Stony Brook University, na Califórnia, nos Estados Unidos.

Na academia, fez o curso superior de Ciência Política na University of Ibadan, na Nigéria. Concluiu o doutorado em Sociologia em 1993, na University of California, em Berkeley, defendendo a tese Mothers Not Women: Making an african sense of western gender discourses (Mães e Não Mulheres: Criando um sentido africano para os discursos de gênero ocidentais, em tradução livre do inglês), publicada como The invention of women: making an african sense of western gender discourses (A Invenção das Mulheres: Construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero).


Sobre a Ancestralidades
A plataforma Ancestralidades foi criada em 2021 pelo Itaú Cultural e a Fundação Tide Setubal, com a proposta de difundir, gerar intercâmbios e potencializar diversos conteúdos sobre a temática que dá nome ao projeto. Ela é composta pelos eixos temáticos Arte e Cultura, Democracia e Direitos Humanos, Religiosidade e Espiritualidade e Ciência e Tecnologia, disponibilizando, ainda, verbetes sobre as raízes afro-brasileiras em um acervo que será atualizado ao longo do tempo.

Com o objetivo de formar e criar repertórios sobre o assunto, a plataforma apresenta biografias e trajetórias de personalidades negras e suas histórias. Também disponibiliza listagem de marcos históricos desde o início do século XVI e conceitos sobre o tema, como raça, gênero, quilombo e afrofuturismo, entre outros.


Serviço
Lançamento do livro "Estudos Africanos de Gênero" (WMF Martins Fontes)
Com participação da autora Oyèrónké Oyewùmí, e da escritora Ana Maria Gonçalves, a filósofa Sueli Carneiro e o músico Tiganá Santana. Mediação: Bianca Santana
Sala Itaú Cultural (piso térreo)
Classificação indicativa: livre
Transmissão ao vivo pelo YouTube do Itaú Cultural www.youtube.com/itaucultural
Entrada gratuita. Reservas de ingressos a partir do dia 15 de julho (terça-feira), a partir das 12h, na plataforma INTI – acesso pelo site do Itaú Cultural www.itaucultural.org.br
Todos os presentes receberão gratuitamente um exemplar do livro.


Protocolos / Sala Itaú Cultural
- É necessário apresentar o QR Code do ingresso na entrada da atividade até 10 minutos antes do seu início. Após esse período, o ingresso será invalidado e disponibilizado na bilheteria.
- Se os ingressos estiverem esgotados, uma fila de espera presencial começará a ser formada 1 hora antes da atividade. Caso ocorra alguma desistência, os lugares vagos serão ocupados por ordem de chegada.
- O mezanino é liberado mediante ocupação total do piso térreo.
- A bilheteria presencial abre uma hora antes do evento começar.


Devolução de ingresso
Até duas horas antes do início da atividade, é possível cancelar o ingresso diretamente na página da INTI, assim outra pessoa poderá utilizá-lo. Na área do usuário, selecione a opção “Minhas compras” no menu lateral, escolha o evento e solicite o cancelamento no botão disponível.

Programação sujeita a cancelamento
O Itaú Cultural informa que sua programação poderá ser cancelada em virtude de questões extraordinárias. Nesse caso, os ingressos adquiridos perdem a validade. O público que reservou o ingresso será notificado por e-mail. Um eventual reagendamento da programação ficará a exclusivo critério do IC, de acordo com a disponibilidade de agendas, sem preferência para quem adquiriu os ingressos anteriormente.


Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149, próximo à estação Brigadeiro do metrô
De terça-feira a sábado, das 11h00 às 20h00. Domingos e feriados, das 11h00 às 19h00.
Informações: pelo telefone (11) 2168.1777 e wapp (11) 9 6383 1663
E-mail: atendimento@itaucultural.org.br
Acesso para pessoas com deficiência física
Estacionamento: entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108.
Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.

domingo, 20 de julho de 2025

.: Humberto Werneck desafia o tempo e reencena a crônica como gênero vivo


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Luiza Sigulem

Sentado no meio-fio da memória brasileira, Humberto Werneck acende um cigarro imaginário e convida o leitor a conversar - sem pressa, mas com precisão. Aos 80 anos, o mineiro que já rabiscou reportagens, biografias e dicionários de lugares-comuns, lança "Viagem no País da Crônica" e transforma o que era um acervo digital em um passeio literário que atravessa estações, feriados, goleadas e golpes de Estado.

Werneck não só comenta Clarice Lispector, Rubem Braga e Fernando Sabino como se estivesse em um bate-papo informal - ele os costura com o cuidado de quem também é parte do tecido. Entre crônicas sobre uísque, chuva, fotografia e República, o jornalista transforma o gênero “maleável e indefinido” em mapa e espelho de um Brasil realista e fantástico, às vezes no mesmo parágrafo.

Nesta conversa exclusiva ao rés do chão com o Resenhando.com, Werneck fala do patinho feio da literatura, dos jogos de futebol com poetas e das dores e delícias de ser cronista em um país que parece sempre em véspera de alguma coisa. E prova, mais uma vez, que escrever bem é mais que talento: é saber escutar a rua com os ouvidos de quem consegue interpretar as entrelinhas da vida. Compre o livro "Viagem no País da Crônica" neste link.

Resenhando.com - Se a crônica é o patinho feio da literatura, quem seria o cisne da vez - o romance autoficcional ou o livro de autoajuda disfarçado de literatura?
Humberto Werneck - O cisne da vez pode ser um desses dois, ou ambos. O primeiro, tão em moda, me sugere anemia criadora. O segundo, nem isso.

Resenhando.com - Entre o meio-fio e a torre de marfim: como foi sobreviver a décadas de jornalismo sem ceder ao clichê do cronista que vira personagem de si mesmo?
Humberto Werneck - O jornalismo, ao contrário da literatura, busca ser objetivo e impessoal. Talvez isso explique que alguns jornalistas, na hora de serem cronistas, vão à forra, concentrando-se na observação do próprio umbigo. 

Resenhando.com - Tem alguma crônica que você se arrepende de não ter escrito - ou pior, alguma que gostaria de ter assinado no lugar de Clarice Lispector, Rubem Braga ou Fernando Sabino?
Humberto Werneck - Arrependimento? Nenhum. Mas perdi a conta das crônicas alheias que me enchem de inveja benigna. “Viúva na Praia”, de Rubem Braga, por exemplo. “Esquina”, de Mário de Andrade. “O Amor Acaba”, de Paulo Mendes Campos. “O Inventor da Laranja”, de Fernando Sabino. “Canção de Homens e Mulheres Lamentáveis”, de Antônio Maria.
 

Resenhando.com - Ao organizar essa “viagem” literária de janeiro a dezembro, que estação do ano você acha que o Brasil definitivamente não sabe viver?
Humberto Werneck - O Brasil se dá bem com todas as estações do ano, até porque, na barafunda climática cada vez maior, as quatro têm estado muito parecidas.

Resenhando.com - Carnaval, uísque, fé e futebol: qual desses temas envelheceu melhor nas crônicas?
Humberto Werneck - Talvez o futebol tenha envelhecido melhor - embora não me pareça hoje nem remotamente merecedor de um Nelson Rodrigues.

Resenhando.com - Qual foi a maior mentira já contada sobre a crônica brasileira - e por que ela ainda sobrevive?
Humberto Werneck - A crônica sobrevive porque todos nós gostamos de uma conversa boa. Quanto às mentiras... bem, estou pensando aqui em Alceu Amoroso Lima, um crítico para quem “uma crônica, num livro, é como um passarinho afogado”. E tem o Ledo Ivo, que falou da crônica como sendo ”esse gênero anfíbio que, pertencendo simultaneamente ao jornalismo e à literatura, assegura notoriedade e garante o esquecimento”. A frase, aliás, está num livro dele que se chama "O Ajudante de Mentiroso".

 
Resenhando.com - No fim das contas, escrever sobre o cotidiano com humor é mais sobre rir do mundo - ou sobre disfarçar o próprio desespero?
Humberto Werneck - Talvez seja uma tentativa de consertar o mundo e as coisas.

Resenhando.com - O que dói mais: a pressa do deadline de um jornal ou a lentidão do reconhecimento da crônica como gênero literário legítimo?
Humberto Werneck - Cronistas como Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Antônio Maria passaram anos escrevendo para o jornal do dia seguinte, e nesse regime brabo produziram textos capazes de atravessar o tempo. Com isso, se deram melhor do que muito contista e romancista que visava a eternidade, e cuja obra acabou não tendo a sobrevida de alguns recortes de jornal ou revista. O reconhecimento está chegando, mas ainda tem muito nariz cronicamente torcido para a crônica...

Resenhando.com - Ao costurar crônicas sobre a Revolução de 30, o golpe de 64 e a construção de Brasília, não deu vontade de escrever também sobre o golpe do PIX, o Enem da redação nula e a CPI do fim do mundo? A crônica ainda dá conta do Brasil de hoje?
Humberto Werneck - Para o bom cronista não há assunto que não sirva. Até mesmo a falta de assunto rendeu pérolas de mestres como Rubem Braga, Drummond ou Vinicius de Moraes. Drummond, aliás, deliciou os leitores com uma crônica sobre o que fazer com os pelos das orelhas. Por que o golpe do PIX, o Enem da redação nula e a CPI do fim do mundo não renderiam coisa boa de ler? A dificuldade não está no tema, mas da capacidade de tratá-lo sem que daí venha, em vez de crônica, um artigo ou editorial.

Resenhando.com - Se a crônica é uma conversa no meio-fio, o que fazer quando o leitor está com fone de ouvido, olhando pro celular e atravessando a rua sem olhar? Ainda dá pra puxar papo?
Humberto Werneck - Assim como acontece com o autor, não é sempre que o leitor está brilhante. Mas pode se dar também uma coincidência feliz, aquela em que, numa ponta e na outra, haja quem adore uma conversa boa.

.: Valter Hugo Mãe lança "Educação da Tristeza", um testemunho íntimo


Um dos escritores mais celebrados da literatura de língua portuguesa, Valter Hugo Mãe apresenta ao público seu novo livro, Educação da tristeza: uma obra visceral, delicadamente ilustrada pelo próprio autor, que faz da ausência matéria-prima para repensar a vida. A escrita de "Educação da Tristeza", lançado pela editora Biblioteca Azul, surge de duas perdas centrais: a morte precoce de seu sobrinho Eduardo - mesma figura que inspirou "O Filho de Mil Homens" - e a morte da grande amiga Isabel Lhano, artista plástica e companheira de geração. Diante dessas ausências, Valter se instala numa antiga casa em reformas: entre paredes abertas e canos expostos, ergue uma narrativa que é também uma tentativa de reconstrução interior.

Mais do que um livro sobre o luto, "Educação da Tristeza" é uma reflexão poderosa sobre envelhecer e encarar a própria mortalidade. Ao relembrar Isabel e Eduardo, Valter fala sobre chegar aos 50 anos - o medo do fim e a urgência de celebrar o tempo que ainda resta. No livro, o cotidiano fragmenta-se em lembranças, confissões, epifanias, observações e diálogos imaginários com quem partiu. São páginas com cheiro de café, rumor de gatos vadios, calor de uma lareira improvisada - tudo se mistura ao tom confessional do autor, que se recusa a deixar que a morte roube a alegria de quem fica.

Entre cartas, sonhos e reflexões que misturam delicadeza e brutalidade, Educação da tristeza toca o essencial: o amor, a saudade e a arte de permanecer humano mesmo quando tudo parece ruir. Um livro que faz da tristeza uma escola - e da memória, um lugar de festa. O livro, que está em pré-venda, marca o retorno de Valter Hugo Mãe à FLIP — a Festa Literária Internacional de Paraty, 14 anos após a estreia histórica no evento. O autor participa de uma mesa mediada por Walter Porto (Folha de S.Paulo) no dia 1º de agosto, com apoio da Netflix, que também celebra a adaptação de "O Filho de Mil Homens". Em seguida, Valter fará um lançamento com sessão de autógrafos em São Paulo. Compre o livro "Educação da Tristeza", de Valter Hugo Mãe, neste link.
 

Serviço
FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty
Mesa extra "Escritor de Dois Mundos", com Valter Hugo Mãe. Mediação de Walter Porto, da Folha de S.Paulo
Sexta-feira, 1º de agosto, às 13h30 - Auditório da Matriz
Apoio: Netflix, com destaque para o filme inspirado em "O Filho de Mil Homens" (presença do diretor Daniel Rezende).
Ingressos à venda a partir de 17 de julho no site oficial da FLIP.

Lançamento em São Paulo
Segunda-feira, 4 de agosto, às 19h00
Livraria Martins Fontes Paulista - Av. Paulista, 509 - Bela Vista / São Paulo

sábado, 12 de julho de 2025

.: Crítica: "O Talentoso Ripley": um serial charmoso no divã da moral burguesa


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com

Existem livros que se oferecem como enigmas, outros como espelhos. "O Talentoso Ripley", de Patricia Highsmith, tem essas duas características. Lançado originalmente em 1955 - e ainda assim repulsivamente atual -, o romance convida o leitor a um pacto silencioso de admiração e desconforto pelo protagonista: Thomas Ripley, um camaleão social, um falsário de si mesmo, um assassino com elegância de bailarino russo e crise existencial de quem leu demais, mas só para imitar.

Ripley não é exatamente um personagem, mas um sintoma. Patricia Highsmith, com prosa afiada, constrói um romance em que a identidade é uma performance calculada, e o desejo - de ser, de ter, de pertencer - é a verdadeira motivação do crime. Ao contrário do que se espera de um “romance policial”, não se busca justiça, mas um alívio que Highsmith não entrega. Ela quer o leitor como cúmplice.

Logo no início, o leitor é lançado em uma Nova York turva, paranoica, onde Tom já se vê perseguido. Mas não é paranoia gratuita - alguém de fato o segue. E assim começa o jogo de gato e rato em que o leitor jamais sabe ao certo quem é quem. Se Hitchcock tivesse adaptado Ripley (em vez de "Pacto Sinistro", também da autora), teria feito um thriller sobre espelhos, porque Ripley - ao contrário de tantos vilões - não quer destruir o outro. Ele quer ser o outro.

Dickie Greenleaf, a peça central desse desejo projetado, não é apenas uma vítima: é o bilhete dourado para uma vida idealizada que vem com prazo de validade. Highsmith é cruel, mas justa - faz com que Ripley seduza o leitor ao mesmo tempo em que mancha as mãos com sangue. E o mais inquietante? O leitor torce por ele.

A cada capítulo, Highsmith afasta do “quem matou?” e vai direto na pergunta que interessa: “por que nos sentimos tão fascinados por quem matou?”. Ripley, como Gatsby, é um construtor de ilusões; mas onde Fitzgerald deixou a ternura, Highsmith plantou o vazio - e esse abismo é a grandeza do livro. A edição da Intrínseca respeita o clima do texto, com projeto gráfico elegante e tradução competente de José Francisco Botelho. Mas a força continua sendo o texto original, que encara com o mesmo olhar inquisidor que Tom lança aos seus alvos. E, quem sabe, aos leitores.

"O Talentoso Ripley" é um convite para examinar as zonas cinzentas que existem em cada um. Não se trata de amar um anti-herói, mas de reconhecer que a linha entre o que as pessoas são e o que fingem ser é, muitas vezes, tênue como o rastro de um barco milionário no mar de San Remo. Patricia Highsmith, com este romance, escreveu um dos tratados mais perversos e sedutores sobre a identidade como um teatro, o crime como arte, e a moral como um luxo que só os ricos podem bancar - até serem assassinados. Compre o livro "O Talentoso Ripley" neste link.

.: Ricardo Araújo Pereira no Brasil: 23ª Flip e lançamentos no Rio e em SP


Humorista português desembarca no Brasil em agosto para uma série de eventos que contarão com a presença de importantes nomes da cena cultural e intelectual brasileira, como Caetano Galindo, Janaisa Viscardi, Francisco Bosco, Tati Bernardi e Fernando Luna


O humorista, jornalista e escritor português Ricardo Araújo Pereira desembarca no Brasil em agosto para uma série de eventos literários. Além de participar da programação oficial da prestigiada Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), no dia 2 de agosto, o autor também lançará "Coisa que Não Edifica nem Destrói" (Tinta-da-China Brasil) em encontros no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os eventos contarão com a presença de importantes nomes da cena cultural e intelectual brasileira, como Caetano Galindo, Janaisa Viscardi, Francisco Bosco, Tati Bernardi e Fernando Luna.

Ricardo Araújo Pereira é jornalista, roteirista e fundador do grupo de humor Gato Fedorento, cocriado com Miguel Góis, Zé Diogo Quintela e Tiago Dores em 2003. Escreve semanalmente no jornal português Expresso e na Folha de S.Paulo, e é um dos integrantes do Programa cujo nome estamos legalmente impedidos de dizer (SIC Notícias). É autor e apresentador do programa de televisão "Isto é Gozar com Quem Trabalha" (SIC) e criador do podcast "Coisa que Não Edifica nem Destrói" (SIC), que deu origem ao livro de mesmo nome, publicado pela Tinta-da-China Brasil. Pela editora publicou ainda "Se Não Entenderes eu Conto de Novo, Pá" (2012), "A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar" (2017) e "Estar Vivo Machuca" (2022). Compre o livro "Coisa que Não Edifica nem Destrói" neste link.


Ricardo Araújo Pereira na 23ª Flip - Festa Literária Internacional de Paraty
Ricardo Araújo Pereira será uma das atrações principais da 23ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), festival literário realizado pela Associação Casa Azul.  No sábado, 2 de agosto, às 21h, o autor e humorista participará da mesa "Roçar a Língua de Camões" com o escritor, tradutor e professor Caetano Galindo. A conversa será mediada pela doutora em linguística Janaisa Viscardi. Além do debate, haverá uma sessão de autógrafos na Livraria da Travessa, proporcionando aos fãs a oportunidade de interagir com o autor e adquirir suas obras.

Caetano Galindo é professor, escritor e tradutor literário premiado. É reconhecido por sua tradução de Ulysses, de James Joyce, que lhe rendeu os prêmios Jabuti, ABL e APCA entre 2012 e 2013. Autor de obras como Sim, eu digo sim e Latim em pó, publicadas pela Companhia das Letras, ele é professor de história da língua portuguesa na UFPR desde 1998, dedicando-se a aproximar o público da complexidade do nosso idioma.

Janaisa Viscardi é pós-doutora em linguística pela Unicamp, professora, pesquisadora e palestrante com foco em linguagem, gênero e inclusão. Autora do livro Escrever sem medo (Planeta), ela produz conteúdo educativo em seu canal do YouTube, abordando temas como discurso político e comunicação social. Com experiência como coordenadora de Cooperação Internacional no Senai (2012–2015), Janaisa atua como comunicadora e formadora de opinião, tornando debates linguísticos mais acessíveis. Compre o livro "Coisa que Não Edifica nem Destrói" neste link.


Serviço
Ricardo Araújo Pereira na 23ª Flip
Mesa: "Roçar a Língua de Camões"
Sábado, 2 de agosto, às 21h00
Auditório da Matriz, Centro Histórico - Paraty/Rio de Janeiro

 
Lançamento de "Coisa que Não Edifica nem Destrói" na Livraria da Travessa Botafogo, no Rio de Janeiro
O lançamento do livro "Coisa que Não Edifica nem Destrói" pela editora Tinta-da-China Brasil acontecerá na Livraria da Travessa Botafogo, no Rio de Janeiro. Ricardo Araújo Pereira apresentará a obra em uma conversa bem-humorada com o filósofo, colunista e ensaísta Francisco Bosco. Após o bate-papo, haverá uma sessão de autógrafos, permitindo que os leitores obtenham seus exemplares autografados e interajam com os autores.

Francisco Bosco é ensaísta e doutor em teoria da literatura pela UFRJ, além de autor de livros como Banalogias (Objetiva) e Meia palavra basta (Record). Reconhecido por sua análise crítica da sociedade e da cultura, Bosco é também colunista e letrista de canção popular. Foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e apresenta atualmente o programa de TV Papo de Segunda, no GNT. Compre o livro "Coisa que Não Edifica nem Destrói" neste link.


Serviço
Lançamento de "Coisa que Não Edifica nem Destrói" na Livraria da Travessa Botafogo
Segunda-feira, 4 de agosto, às 19h00
Livraria da Travessa Botafogo - Rua Voluntários da Pátria, 97, Botafogo/Rio de Janeiro
 

Lançamento de "Coisa que Não Edifica nem Destrói" no Teatro Cultura Artística, em São Paulo
Em São Paulo, Ricardo Araújo Pereira participará de um bate-papo com a escritora, roteirista e apresentadora Tati Bernardi. Ambos são conhecidos pelo uso marcante do bom humor em suas obras. A mediação do evento ficará a cargo do jornalista e colunista da revista Quatro Cinco Um, Fernando Luna.

Tati Bernardi é escritora, roteirista e colunista da Folha de S.Paulo há 13 anos. É também apresentadora de podcasts e videocasts. Autora de dez livros, incluindo o best-seller "Depois a Louca Sou Eu" (Companhia das Letras), adaptado para o cinema, também assinou roteiros para filmes e colaborou com séries da Rede Globo. Formada em publicidade, Tati estuda psicanálise e possui uma grande base de seguidores nas redes sociais.

Fernando Luna é jornalista e editor com décadas de atuação em redação e curadoria de conteúdo. Foi sócio e diretor editorial da Trip Editora e, posteriormente, contratado pela Editora Globo para supervisionar revistas como Época Negócios e Marie Claire. Atualmente, é colunista da Quatro Cinco Um e da revista Gama.


Serviço
Lançamento de "Coisa que Não Edifica nem Destrói" no Teatro Cultura Artística
Terça-feira, 5 de agosto, às 18h30
Teatro Cultura Artística - Rua Nestor Pestana, 196, Consolação/São Paulo

sexta-feira, 11 de julho de 2025

.: Machado de Assis encontra Bram Stoker em romance de Edson Aran


"Quincas Borba e o Nosferatu"
, o novo romance de Edson Aran, é uma ode ao universo machadiano e à literatura gótica. Aran mistura com fluidez e humor personagens destes dois mundos que, embora pareçam distantes, são contemporâneos. Um exercício que o autor havia iniciado em "Histórias Jamais Contadas da Literatura Brasileira", indicado ao Prêmio Jabuti, mas que agora alcança um patamar ainda mais alto, com uma evidente maturidade literária e consistência narrativa.

Lançado pela editora Faria e Silva, do Grupo Editorial Alta Books, o livro tem uma história que leva o leitor ao Rio de Janeiro do Brasil Império e nos coloca diante de um encontro surpreendente entre os personagens machadianos e o demoníaco conde Drácula que se oculta no Paço Imperial. A crônica social de Machado se mistura com naturalidade ao terror epistolar de Bram Stoker. O leitor se diverte com as divertidas incursões de Brás Cubas pelas ruas do então elegante centro do Rio e nos aterrorizamos com as visitas de Drácula à frágil e impulsiva Capitu.

Inteligente, divertido e assustador, "Quincas Borba e o Nosferatu" reflete um longo trabalho de pesquisa de Edson Aran e evidencia sua paixão pela literatura, pelos romances clássicos e, acima de tudo, pela arte de escrever. Compre o livro "Quincas Borba e o Nosferatu" neste link.


Sobre o autor
Edson Aran
é autor de 13 livros de ficção e não-ficção. Entre eles, estão o best-seller "Conspirações" - tudo o que não querem que você saiba, a sátira cyberpunk "Delacroix Escapa das Chamas" e "Histórias Jamais Contadas da Literatura Brasileira", indicado ao Prêmio Jabuti na categoria Crônicas. Aran também atua como jornalista e comandou as principais revistas masculinas do país, incluindo Playboy e VIP. Desde 2013, se dedica aos roteiros de cinema e TV. Compre o livro "Quincas Borba e o Nosferatu" neste link.

.: Evento de leitura revela psicologia oculta nas obras de Machado de Assis


Adelmo Marcos Rossi propõe análise inédita sobre estrutura psicológica dos textos do maior escritor do Brasil. Foto: divulgação


O autor Adelmo Marcos Rossi começa, no dia 26 de julho, uma leitura coletiva e comentada do seu livro "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo", conduzida ao vivo pelo Google Meet, sempre aos sábados, das 19h às 21h. A proposta é analisar, parágrafo por parágrafo, como a obra revela uma psicologia conceitual presente em Machado de Assis - antecipando até mesmo descobertas que seriam atribuídas, décadas depois, a Freud. 

Durante os encontros, o pesquisador abordará temas como o medo da castração, o riso enquanto defesa, o trágico imprevisível da vida (caiporismo), entre outros conceitos psicológicos. A leitura revela como o Bruxo do Cosme Velho se apoiava em estruturas simbólicas profundas da cultura humana, promovendo uma investigação literária que transcende o tempo e o gênero. Compre o livro "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo" neste link. 


Sobre o autor
Engenheiro civil (UFES, 1980), mestre em Ciência de Sistemas (Tóquio, 1990), psicólogo (UFES, 2010), mestre em Filosofia (UFES, 2015) e microempresário, Adelmo Marcos Rossi dedica quase 15 anos aos estudos sobre psicanálise. Fundador do Grupo de Pesquisa do Narcisismo, também é autor do livro “A Cruel Filosofia do Narcisismo - Uma Interpretação do Sonho de Freud” (2021). Após um longo período de pesquisa acerca das relações entre as obras machadiana e freudiana, publicou "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo". Compre o livro "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo" neste link.

Serviço
Leitura comentada do livro "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo"

A partir de 26 de julho de 2025, aos sábados, das 19h00 às 21h00
Plataforma Google Meet
Duração: semanal, até a conclusão do livro
Inscrições e informações: Juliana Santa Clara Moreira – (27) 99767-6328

quarta-feira, 9 de julho de 2025

.: Com mais de 40 anos, "Brasil: Nunca Mais" terá primeiro lançamento público


Primeiro lançamento público em 40 anos, terá programação com exposição, parte da equipe que fez o livro e roda de conversa com autógrafos

O Memorial da Resistência de São Paulo, com a Editora Vozes, realiza neste sábado, dia 12 de julho, a partir das 14h00, o evento “Brasil: Nunca Mais - 40 Anos”, em celebração às quatro décadas da publicação da obra que se tornou referência na luta pelos direitos humanos no Brasil. É a 43ª edição do livro e o primeiro lançamento público do livro em 40 anos, com presença de parte da equipe que driblou a ditadura em um trabalho realizado em sigilo absoluto que recebeu o codinome de “Projeto A”.

Entre as presenças confirmadas, estão Paulo Vannuchi -  jornalista, ex-preso político, ex-ministro dos Direitos Humanos e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Frei Betto - Frade Dominicano, jornalista, escritor brasileiro e ex-preso político; e Ricardo Kotscho - jornalista, escritor e secretário de imprensa no governo Lula 1. Conhecido como a mais ampla pesquisa já realizada pela sociedade civil sobre a tortura no Brasil durante a Ditadura Civil-Militar (1964–1985), o livro "Brasil: Nunca Mais", lançado em julho de 1985, ficou 92 semanas na lista dos livros mais vendidos de não ficção no Brasil.

Empreendido entre 1979 e 1985, o projeto "Brasil: Nunca Mais" é a mais ampla pesquisa já realizada pela sociedade civil sobre a tortura no Brasil durante a Ditadura Civil-Militar (1964–1985), o projeto foi conduzido sob sigilo por advogados, jornalistas e defensores de direitos humanos, que acessaram legalmente os arquivos do Superior Tribunal Militar (STM) e fez cópias de mais de 700 mil páginas de processos, nos quais vítimas e testemunhas relataram torturas, prisões arbitrárias e outros crimes cometidos por agentes do Estado.

Com base nesse vasto material documental, o livro revelou ao público nacional e internacional a dimensão das violações sistemáticas dos direitos humanos no Brasil, se tornando um marco na redemocratização e na construção de políticas de memória e justiça. A publicação teve repercussão imediata e "Brasil: Nunca Mais" ficou 92 semanas na lista dos livros mais vendidos de não-ficção no Brasil quando foi lançado, além de ter sido publicado simultaneamente no exterior como estratégia de proteção e visibilidade. A iniciativa inspirou projetos semelhantes em outros países da América Latina e ajudou a consolidar o debate sobre verdade, reparação e justiça de transição.

A programação do evento inicia-se com uma visita mediada pelo curador da exposição, Diego Matos, seguida de uma mesa com convidados que participaram da redação e coordenação editorial do livro, com mediação do jornalista Camilo Vannuchi, que também apresentará seu novo podcast sobre a memória do projeto "Brasil: Nunca Mais". O encerramento terá venda da edição comemorativa da obra (43ª edição) pela Editora Vozes, coquetel de confraternização e sessão de autógrafos do livro.
 

Curiosidades sobre o projeto
O trabalho foi realizado em sigilo absoluto e recebeu o codinome de “Projeto A”. Os documentos copiados foram enviados para fora do Brasil e microfilmados nos Estados Unidos, para garantir sua segurança. A produção contou com o apoio logístico da Arquidiocese de São Paulo, tornando-se um raro caso de cooperação entre igrejas cristãs e movimentos de direitos humanos durante a ditadura. A sistematização dos dados resultou em um dos primeiros grandes bancos de dados sobre violações de direitos humanos na América Latina. “Compre a edição comemorativa de 40 anos de "Brasil: Nunca Mais" neste link.

Equipe do projeto BNM, legenda da Esquerda para a direita: Dom Paulo Evaristo Arns, Reverendo Jaime Wright, Philipe Potter- secretário de Conselho Mundial de Igrejas, Charles Roy Harper Jr.- Pastor brasileiro e membro do Conselho Mundial de Igrejas em Genebra.  Rabino Henry Sobel, o jurista Hélio Bicudo,  Frei Betto, Paulo de Tarso Vannuchi, Luiz Eduardo Greenhalgh, Ricardo Kotscho, Eny Raimundo Moreira, Leda Corazza, Carlos Lichtsztejn, Anivaldo Padilha, Luis Carlos Sigmaringa Seixas, Marco Aurélio Garcia e Petrônio Pereira de Souza 


Programação
Espaço expositivo - 3º andar
14h00 | Visita mediada à exposição temporária Uma Vertigem Visionária — Brasil: Nunca Mais, com o curador Diego Matos
Inscrições abertas: Visita mediada "Uma Vertigem Visionária - Brasil: Nunca Mais" (vagas limitadas)

Auditório - 5º andar
15h00 | Abertura oficial
Com Ana Pato, Diretora Técnica do Memorial da Resistência de São Paulo, e Thiago Alexandre Haykawa, diretor da Editora Vozes.

15h15 | Apresentação e lançamento da série em podcast "Nunca Mais"
Produção pela NAV Reportagens e narrado pelo jornalista e escritor Camilo Vannuchi.

15h30 | Mesa de debate “Brasil: Nunca Mais - 40 Anos”
Com a participação de Paulo Vannuchi, jornalista e cientista político; Ricardo Kotscho, jornalista e escritor; e Frei Betto, frade dominicano e escritor — ambos diretamente envolvidos na elaboração do projeto original. A mediação será conduzida pelo jornalista e escritor Camilo Vannuchi.

16h30 | Confraternização
Coquetel, venda de livros e sessão de autógrafos

16h30 | Coquetel e sessão de autógrafos

Memorial da Resistência de São Paulo
Largo General Osório, 66 – Santa Efigênia / São Paulo - SP

.: Maria Adelaide Amaral autografa "O Bruxo" na Livraria das Perdizes


A consagrada escritora Maria Adelaide Amaral convida o público para o relançamento de "O Bruxo", obra que retorna às livrarias em edição revista, com prefácio inédito da própria dramaturga e apresentação de Andréa del Fuego. O evento acontece neste sábado, dia 12 de julho, das 15h00 às 18h00, na Livraria das Perdizes, em São Paulo, com sessão de autógrafos e encontro com leitores.

O romance acompanha Ana, uma escritora de meia-idade que, diante do fim de um casamento de 25 anos, mergulha em questões existenciais e afetivas. Ao buscar respostas fora da racionalidade com a ajuda de um místico, a protagonista embarca em uma jornada de reencontro consigo mesma, marcada por embates familiares, descobertas e transformações profundas.

Em "O Bruxo", publicação da editora Instante, a autora trata de temas como amor, envelhecimento, amizade, doença e renascimento, e lança um olhar agudo sobre as contradições humanas. A escrita precisa e sensível de Maria Adelaide Amaral conduz o leitor por uma trama que dialoga com a experiência feminina e os dilemas universais do viver. Com mais de 30 obras publicadas e uma trajetória premiada no teatro, literatura e televisão, a autora é uma das vozes mais potentes da cultura brasileira. Compre o livro "O Bruxo" neste link.


Serviço:
Lançamento do livro "O Bruxo", de Maria Adelaide Amaral
Sábado, dia 12 de julho
Das 15h00 às 18h00
Livraria das Perdizes 
Rua Bartira, 317, Perdizes - São Paulo / SP
Entrada: franca – estacionamento no local 

terça-feira, 8 de julho de 2025

.: Entrevista com Ricardo Martins: a imagem como dívida e ponte


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Mara Iga

Em tempos de ruído, Ricardo Martins escolheu escutar. Ouviu a mata pulsando sob os pés, os xapiripë sussurrando entre galhos, e o chamado de um povo que ainda insiste em existir com dignidade onde quase tudo conspira contra. Consagrado por capturar a beleza bruta da natureza brasileira, o fotógrafo e documentarista se jogou em uma das mais radicais experiências da carreira: conviver com os Yanomami, um dos últimos povos originários isolados da floresta amazônica, e registrar a intimidade deles  sem invadi-la.

Surgiram daí o livro “Os Últimos Filhos da Floresta” e a série “Aventura Fotográfica Yanomami”, que estrearam no MIS-SP como um chamado poético, político e urgente. Mas este não é apenas mais um projeto de imagens: é também um gesto de devolução. Parte da renda financia a construção de uma escola na aldeia Hemare Pi Wei, um pedido das lideranças indígenas e um símbolo da ponte possível entre mundos.

Nesta entrevista exclusiva ao Resenhando.com, Ricardo Martins conversa sobre fronteiras éticas, espiritualidade, colonialismo contemporâneo, fotografia como afeto - e sobre o que, mesmo depois de 15 livros, ele ainda não conseguiu traduzir com uma lente. Prepare-se para mergulhar em um território onde o retrato vira reza, a arte vira dívida, e a floresta, enfim, responde. Compre os livros de Ricardo Martins neste link. 

Resenhando.com - Você já fotografou vales, serras, bichos e cidades. Mas e os silêncios dos Yanomami - você conseguiu capturar algum nas imagens? Justifique.
Ricardo Martins - Os silêncios dos Yanomami aparecem no gesto de uma criança que observa quieta, no olhar profundo de um ancião, no intervalo entre uma palavra e outra dita ao redor da fogueira. Eu tentei, com todo respeito, deixar espaço para que esses silêncios respirassem dentro das imagens — sem invadir, sem traduzir demais. Acho que quem vê as fotos com o coração aberto, talvez consiga ouvi-los também.


Resenhando.com - Ao ouvir de um líder indígena que seu nome “ecoou pela floresta”, o que ecoou em você naquele instante? Algum Ricardo ficou pra trás?
Ricardo Martins - Naquela hora, não ecoou só o meu nome — ecoou tudo o que eu vivi até chegar ali. Ecoaram as escolhas, as renúncias, as perguntas que me acompanham desde sempre. Um Ricardo mais apressado, mais urbano, mais ansioso ficou pra trás sim. Porque ali, na floresta, o tempo é outro. O ouvir é outro. E ser chamado de verdade por alguém que carrega a sabedoria do território me fez entender que eu estava sendo visto, mas também sendo acolhido.


Resenhando.com - “Os Últimos Filhos da Floresta” é um título quase apocalíptico. Você o escolheu com tristeza, urgência ou revolta?
Ricardo Martins - Eu escolhi com um pouco de tudo isso: tristeza, urgência e revolta. Mas acima de tudo, com amor. O título não é um fim — é um grito. Um aviso. Os Yanomami são guardiões de um mundo que está desaparecendo, e a gente precisa parar de fingir que isso não está acontecendo. O livro é um tributo, mas também é um alarme.


Resenhando.com - Documentar é escolher o que entra no enquadramento. Do que você teve que abrir mão para respeitar o invisível sagrado dos Yanomami?
Ricardo Martins - Abri mão da pressa. Abri mão da lógica do “conteúdo” que tudo quer mostrar. Não fotografei cerimônias que me pediram para não registrar. Não fiz perguntas que atravessassem barreiras sagradas. Eu estava ali como hóspede, e mais do que documentar, eu precisava escutar — mesmo quando a escuta era em silêncio.


Resenhando.com - Na hora de dormir na mata ou presenciar um ritual, em que momento o fotógrafo cedeu lugar ao homem?
Ricardo Martins - Quando escurece na floresta e o barulho do mundo de fora some, é o homem que sente medo, frio, beleza, presença. Nessas horas, a câmera até pode estar ao lado, mas ela perde força. Eu dormi em rede, me alimentei com eles, vivi o dia como eles vivem. E percebi que fotografar também é um gesto humano, mas ele precisa vir depois da escuta, depois do respeito.


Resenhando.com - Sua contrapartida foi a construção de uma escola. Você acredita que a câmera pode ser um tipo de ponte - ou também pode ser um invasor disfarçado?
Ricardo Martins - Ela pode ser os dois. Tudo depende de como se usa, de onde vem o olhar. Se você entra com a câmera como se ela fosse uma arma ou um troféu, ela vira invasora. Mas se ela vem junto com o coração, com o tempo, com o propósito verdadeiro — ela vira ponte. Minha intenção com o projeto sempre foi devolver algo real, algo que ficasse. A escola é essa devolução concreta. A fotografia, espero, seja também.


Resenhando.com - Os xapiripë, os espíritos brincalhões da floresta, aparecem nas fotos? Ou são justamente aquilo que escapa de toda lente?
Ricardo Martins - Eles escapam, claro. E ainda bem que escapam. A fotografia pode até registrar uma atmosfera, um brilho estranho na neblina, um movimento sutil… Mas os xapiripë vivem num plano que não se deixa capturar. Eles dançam no invisível. E talvez, quem olhar com atenção, sinta a presença deles - mesmo que não veja.


Resenhando.com - Se fosse possível mostrar apenas uma imagem desse projeto ao presidente da República, qual seria — e o que ela gritaria, em silêncio, para ele?
Ricardo Martins - Seria exatamente a fotografia da capa do livro: o retrato direto, firme e silencioso. O olhar dele atravessa quem vê, como se dissesse: “Nós estamos aqui. Seguimos de pé.” Essa imagem não precisa de legenda. Ela carrega dignidade, história e uma força ancestral que não se curva. A pintura no rosto, o cocar, a mão apoiada - tudo ali é resistência e sabedoria. Ela grita em silêncio: “Nos respeite. Nos proteja. Pare de fingir que não vê.” Mostrá-la ao presidente seria como obrigá-lo a encarar o que muitos ainda insistem em ignorar: que os povos originários não são passado. São presente. E precisam de políticas, não de promessas. Essa foto é um espelho. E quem a encara de verdade, precisa se perguntar: de que lado da história eu estou?

Resenhando.com - Você já retratou a Amazônia como paisagem. Agora, a retrata como corpo. Como isso transformou sua forma de existir no mundo?
Ricardo Martins - Antes, a floresta era horizonte. Agora, é pele. É carne. É o cheiro do urucum, o som dos passos leves, o gosto da mandioca. Conviver com os Yanomami me tirou da posição de observador e me colocou num lugar de troca. Hoje, carrego a floresta dentro — não como uma ideia bonita, mas como um compromisso.


Resenhando.com - Depois de 15 livros e tantas expedições, o que a floresta ainda te nega? E o que você ainda não teve coragem de perguntar a ela?
Ricardo Martins - A floresta ainda me nega todas as respostas prontas. E talvez esse seja o maior presente. Eu ainda não tive coragem de perguntar se estou pronto pra parar. Porque acho que no fundo, enquanto houver floresta viva e gente lutando por ela, meu caminho ainda é esse: contar, mostrar, devolver.

.: "Cidade Partida - 30 Anos Depois" é o relato de um Brasil que ainda sangra


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com.

Quando Zuenir Ventura lançou "Cidade Partida" em 1994, o Brasil ainda não havia cicatrizado as feridas da chacina da Candelária e do massacre em Vigário Geral. O que o jornalista fez não foi apenas reportar: foi desvelar, palavra que, aliás, aparece com frequência nos depoimentos que compõem esta nova edição-homenagem, organizada por Elisa Ventura, Isabella Rosado Nunes e Mauro Ventura. Trinta anos depois, a expressão que Zuenir criou virou clichê e, pior, realidade permanente.

"Cidade Partida - 30 Anos Depois", publicado pela Pallas Editora, não é uma simples reedição com nova capa ou posfácio requentado. É um mergulho coletivo na ferida aberta por um dos livros-reportagem mais contundentes da história recente. É também um tributo ao ofício do jornalismo que ainda ousa ouvir vozes silenciadas, ao poder da escuta como gesto político e, sobretudo, a um homem de 93 anos que ainda sonha com uma cidade unida.

Com uma entrevista inédita de Zuenir realizada em 2024, e reflexões assinadas por nomes como Luiz Eduardo Soares, Tainá de Paula, Silvia Ramos e Eliana Sousa Silva, o livro atualiza a pergunta que jamais deveria ter sido esquecida: quantas cidades cabem dentro do Rio de Janeiro? Zuenir relata, com a simplicidade que só os grandes dominam, a incursão de dez meses em Vigário Geral após a chacina de 1993. 

Como um homem branco da Zona Sul que ousou atravessar os túneis - físicos e simbólicos - que separam o “asfalto” da favela, ele oferece ao leitor, ainda hoje, uma lição de desconforto. Não o desconforto do medo, mas o do espanto ético: como pode um país suportar tanta desigualdade e ainda fingir normalidade? A crítica que se fazia em 1994 é dolorosamente atual. 

Se antes se falava de uma “cidade partida”, hoje Zuenir admite: existe uma cidade “tripartida”, tomada por narcomilícias, milícias, Estado paralelo e um poder público ausente - ou, pior, conivente. Os textos que acompanham esta edição especial ampliam a obra original. São vozes que vivem e pensam o Rio de Janeiro das múltiplas violências e resistência e questionam o rótulo de “cidade partida” como um reducionismo perigoso. 

Eliana Sousa Silva, por exemplo, afirma que não se trata de uma cidade cortada ao meio, mas de uma cidade estruturalmente desigual, onde o racismo, a exclusão e a hierarquização da vida moldam o espaço urbano. O livro acerta ao propor um contraponto geracional, ao mesclar especialistas, ativistas, artistas, educadores e moradores de favelas. A entrevista com DJ Marlboro - ao lado de Juju Rude e Anderson Sá - mostra que o funk, há décadas demonizado, foi e ainda é uma das linguagens que mais conecta as margens ao centro, embora siga sendo desmerecido por isso.

"Cidade Partida - 30 Anos Depois" é um livro necessário e que exige um posicionamento ético. Quem ainda se emociona com a beleza do Rio de Janeiro precisa, antes, encarar a feiura social. Quem sonha com um Brasil mais justo, deve ouvir os ecos entre os muros que separam os ricos dos pobres. O livro-reportagem virou um conceito, uma lente através da qual o Brasil passou a enxergar o Rio de Janeiro - e, por extensão, as próprias contradições.

O que se encontra neste volume é um testemunho coletivo sobre o espanto que persiste. O susto de perceber que a realidade pouco mudou desde as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, eventos que motivaram Zuenir a mergulhar por dez meses na favela de Vigário, acompanhado pelo sociólogo Caio Ferraz, na tentativa de entender o que há por trás da violência, da exclusão e da indiferença.

Mais do que denunciar, o livro propôs escuta. A nova edição reflete sobre os avanços, os retrocessos e as permanências da desigualdade urbana. A obra reúne também entrevistas com personagens emblemáticos como Rubem César Fernandes, Manoel Ribeiro, José Junior e João Roberto Ripper. A crítica social que antes soava como alerta agora ecoa como a crônica de uma tragédia anunciada, diante do fortalecimento de milícias e da ausência efetiva do Estado em territórios inteiros.

O mérito maior da publicação está em reconectar o jornalismo literário de Zuenir Ventura à realidade presente, sem perder de vista a complexidade da cidade. O relato do jornalista ao entrevistar o traficante Flávio Negão - com quem conversa tentando entender não apenas os crimes, mas as motivações, a lógica de sobrevivência e o senso de humanidade - continua sendo um dos pontos mais polêmicos e valiosos da obra. Não por glamurizar o criminoso, mas por se recusar a desumanizá-lo.

Trata-se de uma edição que também atualiza o debate sobre representatividade, políticas públicas, cultura periférica, direito à cidade e racismo estrutural. "Cidade Partida - 30 Anos Depois" é, portanto, um documento vivo, provocador e necessário. É o Brasil que se vê dividido e precisa, mais do que nunca, reagir. Talvez o momento mais comovente da obra esteja na voz do próprio autor. 

Quando ele diz, com certa frustração, que ainda não conseguiu escrever o livro sobre a “cidade unida” que tanto sonhou, não se ouve a resignação de um jornalista veterano, mas a persistência de um ideal: o de que narrar o abismo é também uma forma de construir pontes. Compre o livro "Cidade Partida - 30 Anos Depois" neste link.


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