domingo, 17 de agosto de 2025

.: Entrevista: Mateus Honori celebra o poder das narrativas nordestinas


Em entrevista ao portal Resenhando.com, Mateus Honori fala sobre fé, ancestralidade, música e as contradições de interpretar personagens que atravessam a história do sertão e da cultura nordestina. Foto: divulgação

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. 

Celebrar as raízes é mais do que um gesto de afeto, pode ser também um ato político e artístico. O ator e músico Mateus Honori parece saber disso desde sempre. Nordestino de Fortaleza, ele se entrega a personagens que não apenas contam histórias, mas também acionam memórias coletivas - de Lampião a Rodger Rogério, da poeira do sertão às canções do “Pessoal do Ceará”. Em "Guerreiros do Sol", a novela do Globoplay, é Lucínio, um coiteiro que vive entre lealdades e traições; na minissérie "Alucinação", no Canal Brasil, dá vida a Rodger, parceiro de Belchior e figura central de um dos movimentos mais efervescentes da música brasileira.

Mas a arte de Honori não se limita às telas. Ao lado da atriz e cantora Lua Martins, ele criou o projeto musical "Luar", que revisita clássicos e composições autorais com a força poética de quem olha para o passado sem perder a invenção do presente. Em setembro, eles partem em turnê pelo Ceará, levando palco adentro essa fusão de música, memória e destino. Entre quedas de cavalo milagrosamente sem arranhões, encontros com ídolos vivos e a visceralidade de filmar no sertão, Mateus Honori compartilha com exclusividade para o portal Resenhando.com a trajetória recente - e não hesita em enfrentar perguntas que cutucam o visível e o invisível.

Resenhando.com - Em “Guerreiros do Sol”, você se embrenha no cangaço com suor, poeira e transcendência. Em que momento da gravação você sentiu que não era mais o Mateus, mas sim um corpo ancestral reencarnado naquele chão?
Mateus Honori - Após a morte de Josué, quando justiça e vingança viram uma coisa só. Quando Josué morre, Lucinio, começa a trabalhar com Rosa e começa a se envolver em tramas cada vez mais perigosas, pra ele mesmo. Está vindo uma grande guerra, o ápice da série, Josué morto, sua bebê sequestrada, cabeças expostas em praça pública, Arduino um completo assassino, todo esse momento, foi marcante, pelo clima de tensão que se criou. Nessas cenas senti tudo gritando no corpo.

 
Resenhando.com - Lucínio, Jararaca, Rodger Rogério… São personagens reais ou realistas, com vidas marcadas por contradições. Qual deles mais abalou suas certezas pessoais e exigiu que você desmontasse suas próprias verdades?
Mateus Honori - Nenhum, eu não julgo os personagens, sempre encontro pontos de conexão com eles, todo ser humano é contraditório e eu acredito ser essa uma boa estratégia de abordar personagens complexos, sem hipocrisias. Encontrei três pessoas diferentes, com razões, ideais e valores diferentes, mas todos reais.

 
Resenhando.com - Você rezou no túmulo de Jararaca antes de interpretá-lo. A queda de cavalo sem nenhum arranhão foi sinal, proteção ou aviso? Você é do tipo que escuta o invisível?
Mateus Honori - Eu sou uma pessoa bastante sensível a todas as questões espirituais. Acho que foi proteção, eu pedi e ela veio.

 
Resenhando.com - Rodger Rogério brincou dizendo que você é bonito demais pra ser ele. A vaidade e a fidelidade ao retratado travaram algum duelo durante a caracterização? Já teve que ficar “menos bonito” por um papel?
Mateus Honori - Acho que não, eu estou sempre a serviço do personagem. Durante os processos de caracterização, quanto mais eu mudo, mais gosto, amo trocar de cabelo, de roupa de estilo, acho essa inclusive, uma das partes mais legais do meu trabalho. A minha vaidade não luta com isso.
 

Resenhando.com - No set de “Alucinação”, vocês recriaram o espírito de trupe dos anos 70. Existe algo de hoje que você trocaria pela liberdade (ou ilusão dela) que aquele grupo viveu na Praia de Iracema?
Mateus Honori - Gostaria de ter vivido a segurança dos 70. Violão nas ruas, cantoria nas praças, praia até de madrugada. Essa liberdade nos perdermos, pra violência.
 

Resenhando.com - Em “Luar”, você e Lua Martins criam canções que entrelaçam “natureza, o etéreo e o destino”. Alguma dessas músicas nasceu de um sonho, um delírio ou um silêncio cheio de sentido?
Mateus Honori - Todas (risos). Todas as canções autorais nascem de uma reflexão silenciosa e uma observação sensível. “A Reza” da Lua Martins, nasceu de uma só vez, ao pegar no violão, como uma psicografia. A minha “Jacarandá” nasceu de um sonho, literalmente. Era uma árvore grandiosa, cujas raízes faziam música.

 
Resenhando.com - Qual foi o momento mais delicado do processo de cantar e tocar ao vivo nas gravações de "Alucinação"? Você já teve medo de não estar à altura da memória musical do personagem?
Mateus Honori - O trabalho de prosódia, de falar e cantar como os personagens foi muito importante, meu trabalho de instrumentista me deixou confortável, em relação ao violão. Mesmo assim, bate um nervosismo, viver na tela, artistas tão importantes pra nossa história. Fagner, Rodger, Amelhinha, Ednardo e Belchior, são muito vivos na memória.


Resenhando.com - A mística nordestina do sertão está presente nos seus papéis, nas suas músicas e até nas quedas de cavalo. Qual foi o ensinamento mais cabra-macho (ou mais cabra-sensível) que o sertão já deu para você?
Mateus Honori - O sertão ensina sobre o nosso lugar no mundo. A vegetação, a aridez, o sol. Eu sempre aprendo com ele, sempre que chego em seta assim, fico mais calado e concentrado, fico bem sensível. O ser humano não é o centro do universo, viver muito tempo na cidade, faz a gente acreditar nessa falácia, ninguém ganha contra a natureza.


Resenhando.com - Ao revisitar nomes como Zé Ramalho, Dorival Caymmi e Amelinha em “Luar”, você se sente parte de uma linhagem artística? Ou ainda se vê como um curioso apaixonado, à margem da tradição?
Mateus Honori - Eu me sinto como parte dessa linhagem. Somos artistas nordestinos, todos começaram de baixo, lutaram muito pra colocar sua voz no mundo, todos fazendo uma música “alternativa” ao mainstream. No fim das contas, salvo às particularidades, somos iguais.


Resenhando.com - Se pudesse reunir Lucínio, Jararaca, Rodger e você mesmo numa mesa de bar em Fortaleza, o que eles diriam uns aos outros? Quem pagaria a conta?
Mateus Honori - Boa pergunta, engraçado pensar nisso. Todos se dariam super bem, Rodger e eu estaríamos tocando violão, Jararaca e Lucinio conversando sobre a seca e as histórias do cangaço. Rodger impressionaria a todos falando sobre de uma máquina que voa, aviação é uma grande paixão sua. Entre um violeiro boêmio, um coiteiro informante e um cangaceiro, acho que a conta ia sobrar para mim.
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