Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação
O escritor
Fellipe Fernandes F. Cardoso reafirma sua presença na literatura contemporânea brasileira como uma voz que transita entre o lirismo e a crueza da experiência, investigando as fissuras do humano com sensibilidade e rigor estético. Autor dos romances
"Sem Mim Não Há Dia", semifinalista do Prêmio Oceanos 2024, e "Uma Tragédia Latino-sertaneja", ambos publicados pela Editora Urutau, a escrita dele se constrói a partir de uma escuta atenta da linguagem e de um olhar que entende a literatura como espaço de confronto, memória e reinvenção.
"Perguntaram-me num evento, certa vez, o que era isso que tanto faltava ao escritor que me fazia estar em estado de escrita e eu, sem hesitar, respondi que era a palavra, esse universo contido numa casca. Andrea del Fuego também pensa algo similar. Para ela, vibramos em um lugar onde encontramos o que só nós podemos dizer a partir do que é possível na linguagem, essa que já existe para chegarmos onde ela talvez ainda não tenha sido capaz de alcançar. Isso dá a entender que nós, escritores, somos, sobretudo, arqueólogos, legistas, mesmo que não estejamos neste ofício de trabalhar com o que está morto, porque brandimos a matéria viva no que é humano, que é transformada, inventada, ressignificada, proposta a cada momento na combustão com o outro por meio da leitura - do que escrevemos e também de nós mesmos", afirma.
Na coluna "Literalistas", Fellipe compartilha também as leituras que atravessam seu processo criativo e afetivo atual, destacando o romance
"Piscinas Russas" (Tusquets, 2025), de
Renata Belmonte, e o livro de poemas
"Noite Devorada" (Círculo de Poemas, 2025), de
Mar Becker. Obras que dialogam diretamente com a própria pesquisa estética dele ao tensionar temas como silêncio, subjetividade, trauma e reconstrução da experiência por meio da palavra. Entre o gesto de indicar e o gesto de criar, Fellipe revela como a leitura permanece não apenas como hábito, mas como fundamento ético e poético de sua escrita, consolidando uma obra que insiste em pensar a literatura como território de invenção, sensibilidade e risco.
"Na minha cabeceira de agora, tenho os livros de duas amigas queridas: 'Piscinas Russas', da Renata Belmonte, e 'Noite Devorada', de Mar Becker. A prosa da Renata, que é uma das romancistas mais brilhantes da minha geração, mostra como a protagonista, Malena Matrice, utiliza a fotografia para exorcizar o passado, especialmente o suicídio de sua mãe, enquanto o romance demonstra que a literatura, ao contrário das outras formas de arte, é capaz de reviver experiências quase em sua plenitude ao abrir espaço para outro na fabulação. Com múltiplas linhas temporais e espaços que se entrelaçam, a narrativa abrange gerações e mistura o fictício com o real, abordando temas como as relações de poder, o impacto da História nas vidas individuais e a inabilidade de muitas mulheres para a maternidade. A obra é uma tapeçaria narrativa sofisticada que combina depoimentos em primeira pessoa com terceira pessoa, desafiando o leitor a desvendar seus nós e a compreender as engrenagens do romance, destacando-se por sua complexidade e profundidade. Já no livro da Mar, que é uma paixão antiga desde que li 'A Mulher Submersa', poeta que deveria ser lida de joelhos em cada canto desse país, temos fragmentos e ruínas, poemas que são, ao mesmo tempo, vestígios e construções, explorando temas como amor, fragilidade e silêncio. Se a poesia, per se, tem uma minimalidade intencional, a que Becker faz aqui é uma busca constante pelo paradoxo do silêncio na linguagem, transformando-o num elemento essencial e vulnerável em sua escrita, criando em nós a fricção de tudo o que é possível onde a palavra não chega, mas a subjetividade, sim".