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domingo, 1 de setembro de 2024

.: Entrevista: escritora gaúcha Marina Monteiro fala sobre o livro “Açougueira”


Marina Monteiro leva o leitor a assumir o lugar da acusada e oferecer-lhe o benefício da dúvida, criando uma reflexão sobre a culpabilização feminina. Fotos: Manu Deça

A violência doméstica e as opressões sofridas pelas mulheres, bem como a discussão das posições sociais dos gêneros são alguns dos assuntos que a autora e dramaturga Marina Monteiro escolheu abordar no romance de estreia “Açougueira”, publicado pela editora Claraboia. O enredo deste romance provocativo acompanha as investigações do assassinato e esquartejamento de um homem e é narrado por meio dos depoimentos dos moradores da cidade, uma cidadezinha interiorana onde todos se conhecem.

A principal suspeita de ter cometido o crime é a esposa do assassinado, que detalha em seus depoimentos a história da vida do casal, desde seu enlace até a decadência da relação. Por meio deste formato narrativo, a autora leva o leitor a assumir o lugar da acusada e oferecer-lhe o benefício da dúvida, criando uma reflexão sobre a culpabilização feminina. Marina Monteiro é atriz, arte-educadora, produtora e gestora cultural, possui licenciatura em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), e ainda o título de bacharela em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela nasceu em Porto Alegre, em 1982, e vive atualmente entre as capitais Rio de Janeiro (RJ) e Florianópolis (SC). A autora é vencedora na categoria de narrativas curtas do Prêmio da Associação Gaúcha de Escritoras (AGES) de 2020 com o livro “Em Nossa Cidade Amarelinha Era Sapata”, e do Prêmio Minuano de 2022, na categoria contos com o  livro “Contos de Vista Pontos de Queda”, obra que também foi indicada na mesma categoria ao Prêmio Açorianos de 2023. Compre o livro "Açougueira", de Marina Monteiro, neste link.


Por que você escolheu abordar temas referentes à justiça em sua obra?
Marina Monteiro - O tema da justiça é algo que me inquieta desde muito nova. É uma temática que me move bastante. O papel da justiça, seu ideal de imparcialidade, sua realidade muitas vezes parcial em uma sociedade tão desigual quanto a nossa. Os embates morais e éticos que advém quando refletimos sobre os processos da justiça me inquietam. Quando li a peça "Antígona" na faculdade de teatro já fiquei atenta e anos depois na faculdade de filosofia a revisitei com diversas matérias e debates sobre ética, moral, justiça e as relações com as realidades sociais, e sempre fiquei muito motivada. 


De onde veio a ideia do romance?
Marina Monteiro - 
A ideia do romance surgiu de uma dramaturgia que finalizei em março de 2020, chamada “Carne de Segunda”. Esta dramaturgia surgiu de uma prática de escrita coletiva, de um trio de atrizes escritoras que eu participava junto com Érida Castello Branco e Sônia Alves, no Rio de Janeiro. Fizemos uma determinada dinâmica que funcionava assim: escrevíamos nossos nomes em papéis e dobrávamos, escrevíamos situações em outros papéis e dobrávamos. Depois cada uma sorteava um nome e uma situação. A ideia era escrevermos textos teatrais para a outra atuar. Meus papéis foram Sônia e júri. Lembro que fui pra casa e joguei no google as palavras júri e mulher e a quantidade de matéria sobre violência doméstica foi absurda. O que me fez querer ir mais a fundo. Fiquei pesquisando casos de violência doméstica e feminicídio e o papel da justiça nesses casos, em muitos a mulher saía perdendo, condenada mesmo sendo vítima e de ter perdido a própria vida. Tem um fato estranho no meio disso tudo que é o seguinte: eu juro que achei uma reportagem sobre uma mulher, moradora de uma cidade do interior, que toda a cidade era testemunha de que o marido corria atrás dela com um machado em volta da casa, e ninguém fazia nada. Um belo dia este homem aparece morto, esquartejado, e toda a cidade se volta contra a mulher, ela é tratada como o monstro, mas nem um pio sobre o cara cercar ela com um machado. Lembro de um vizinho dizer a frase absurdamente clássica “em briga de marido e mulher não meto a colher”, só que para condená-la estava metendo. O fato curioso é que esta reportagem me fez começar a pensar na história da dramaturgia que depois foi semente para o romance, desapareceu, eu não salvei o link e nunca mais consegui encontrar. Este embate moral me interessa, dessa mulher da reportagem, ela era perseguida e violentada diariamente, o marido aparece morto e é ela acusada por todos, e mesmo sendo ela a responsável pelo crime, ainda assim, onde estavam todos quando essa mulher precisou de ajuda? E como a justiça prontamente já coloca essa mulher no centro do palco de acusação, sem nem pestanejar, porque claro, matar alguém é um crime sem desculpas, mas violentar uma mulher também deveria ser.


E como foi o processo de escrita da obra?
Marina Monteiro - Eu terminei essa dramaturgia um pouco antes da pandemia, daí veio o isolamento e todo o horror que começamos a viver e essa personagem não saía da minha cabeça. Em determinado momento comecei a fazer uma oficina que o escritor Robertson Frizero estava oferecendo gratuitamente no Instagram, era sobre a escrita do romance, e pra aproveitar melhor a oficina, seria legal eu ter um projeto pra me exercitar, então pensei: “ah, já que essa personagem não sai da minha cabeça, quem sabe não brinco de adaptar a peça para um romance.” Mas zero pretensão de publicar ou de que aquilo viraria um livro, era mais uma distração do horror do que um compromisso sério. Tanto que comecei a escrever o romance todo em caderno de papel com caneta vermelha, acho que pra fugir das telas, para reafirmar uma vida menos virtual naquele momento. Aí a brincadeira foi me tomando: comecei repetindo a dramaturgia e fui vendo que me limitava, ao mesmo tempo em que o texto ia ganhando vida e mudando o rumo da prosa. Quando terminei a primeira parte tive uma trava, porque sentia que mudava a forma e a linguagem mas não achava qual, e também porque eu tinha cismado que queria me distanciar do teatro, fazer apenas literatura. Superei isso e descobri que podia sim beber no teatro, na dramaturgia para fazer nascer esse romance e foi aí que voltei pros meus livros de tragédia, estudei o coro, fui mergulhando nesse universo e consegui encontrar a linguagem da segunda parte e aí o restante do livro foi se fazendo junto.


Você conta que encontrar a linguagem para a narrativa demandou muita experimentação. Como esse processo aparece no livro?
Marina Monteiro - 
Eu tento trabalhar forma, linguagem e conteúdo muito em consonância. Com uma experimentação de uma linguagem que se cola muito a sonoridade da voz da personagem, que tenta trazer o corpo pra página de alguma maneira. Também experimento muito em “Açougueira” as estruturas narrativas, variando as formas de contar esta história e de apresentar estas vozes. O livro é dividido em cinco partes, compostas de capítulos curtos. Em cada uma das partes há uma experimentação de forma diferente, que tenta dar conta da polifonia e do entrecruzamento dessas vozes para movimentar a narrativa. Todas as partes são em primeira pessoa.


Além dos capítulos com diferentes narradores, você traz a questão da fofoca para compor a polifonia. Qual era sua intenção em apresentar tantas opiniões e versões dos fatos ao leitor?
Marina Monteiro - A coisa da fofoca surge nessas vozes preconceituosas e repressoras dos vizinhos dessa personagem, que a julgam o tempo todo, com rara exceção. Aqui brinquei um pouco com a ideia de coro grego só que pensado como um grupo de fofoca, um grupo de Whatsapp de bairro, onde o julgamento e os conservadorismos rolam soltos, no livro eles estão depondo contra ela, mas tem esse tom de fofoca, de invenção. Eu brinco com isso também, de deixar a pessoa leitora tentar decidir que lado ela vai tomar na história. Viver seu próprio embate moral ali. Decidir quem é culpado, quem é inocente e até mesmo se existem culpados e inocentes num caso como o do livro. Ouvir todas aquelas vozes e se movimentar a partir delas.

Quais são as suas influências literárias? Teve alguma que influenciou diretamente o “Açougueira”?
Marina Monteiro - Meus primeiros escritos emulavam muito do estilo de Clarice Lispector e do Fernando Pessoa, autores que me fizeram perceber que literatura podia ser mais que contar uma história, que tinha um mistério ali no como contar, que era fascinante. Outras influências que eu posso citar aqui são Saramago, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, Guimarães Rosa, Faulkner, Natalia Borges Polesso, Marcela Dantés, Carola Saavedra, Érico Veríssimo, entre muitos outros. “Açougueira” não teve influência de nenhuma obra ou escritor específico, talvez um pouco da “Antígona”, porque eu tinha acabado de vir de um semestre debatendo ela a partir da República de Platão e as noções de justiça inclusas na peça, além de uma influência do estudo do coro grego.


A escrita do livro te transformou de alguma maneira?
Marina Monteiro - Esse livro pra mim é um marco no meu amadurecimento enquanto escritora. Através dele eu pude entender melhor meu movimento literário, minha pesquisa, meus próprios desejos e também assumir mais minhas obsessões estéticas. Esse livro representa pra mim um amadurecimento como artista. Os desafios que ele me exigiu, as escolhas que ele me exigiu. Um assumir uma relação com a linguagem, a forma e conteúdo que nele eu faço com mais consciência e coragem. Mas o melhor de escrever é o movimento, então não tem jogo ganho, é uma maturidade em relação aos meus processos, com minha própria régua, mas cada novo projeto pode me colocar em movimento noutras direções e exigir novas performances.


Quais são seus projetos atuais de escrita?
Marina Monteiro - Eu tenho um livro de contos com uma primeira versão pronta, descansando há um ano na nuvem, e estou escrevendo um novo romance. O livro de contos traz a temática da presença da infância no espaço urbano e as reverberações dessa presença. São contos mais curtos dos que costumo escrever e brincam muito com as fronteiras da dramaturgia e da literatura. O romance ainda é muito cedo pra falar, estou muito no processo ainda de escrever e descobrir, tenho tido o prazer de fazer isso em coletivo também, no curso "Levantando a Casa" com a Euler Lopes e uma turma muito maravilhosa. Escrever trocando é bom demais. Eu estava precisando desse movimento de troca que um curso proporciona. Já tinha o projeto iniciado, e com os encontros com a turma e com a Euler a coisa tem deslanchado bem. É um romance que vai falar um pouco sobre masculinidade, crise de identidade na adolescência, internet, política de armas, e tudo pode mudar até a hora dele virar um livro publicado. Tenho também me aventurado nos roteiros de audiovisual. Já escrevi uns episódios de uma websérie para uma produtora cultural de Florianópolis, tenho um curta metragem finalizado, um outro em processo e um projeto de longa metragem com protagonismo LGBTQIA+ que um dia há de virar roteiro.

domingo, 25 de agosto de 2024

.: Entrevista com Walter Medeiros: "Vivo sabendo que não estarei mais aqui"


Autor de "Cancelas do Tempo", Walter Medeiros reflete sobre a importância de escrever poemas e cultivar memórias para encontrar felicidade nos momentos simples. Foto: divulgação

Escritor, poeta, jornalista e advogado, Walter Medeiros transformou 70 anos de experiências em versos que contemplam a transitoriedade da vida. Observador atento e sensível, o autor reúne em "Cancelas do Tempo" uma coletânea de 80 poemas que capturam a simplicidade dos detalhes, os sentimentos marcantes e a riqueza das lembranças para a construção humana. Em entrevista, ele destaca a importância da escrita poética para fazer as pazes com o tempo e reflete sobre como encontrar a felicidade nos momentos simples.

Os primeiros raios de sol do dia, a tristeza de quando Plutão deixou de ser um planeta, o cheiro de café feito pela avó e a leveza de uma viagem de trem. As memórias corriqueiras de Walter Medeiros são cuidadas, guardadas e apreciadas por ele em uma busca para contemplar a beleza da vida em sua simplicidade. Além de serem uma maneira de celebrar a existência, essas lembranças também são as inspirações para os poemas do livro "Cancelas do Tempo". 

Na contramão de uma sociedade que parece cada vez mais acelerada, o autor reforça a importância de parar para admirar o mundo e as experiências. Ele explica os motivos que o levaram a publicar uma obra em homenagem à transitoriedade da vida e à nostalgia: “o tempo sempre remete a lembranças, e é bom quando traz memórias boas. As adversidades, enfrentam-se e podem ser registradas até com lirismo. As mudanças têm, cada uma, sua profundidade, que vem desde um momento de saudade, até o dia da aposentadoria”. Confira a entrevista completa abaixo. Compre o livro "Cancelas do Tempo" neste link. 

O livro é descrito como uma ode à nostalgia, sobre poemas que ajudam fazer as pazes com o tempo. Dada a sua experiência, como você enxerga a transitoriedade da vida?  
Walter Medeiros - Vivo, sabendo que algum dia não estarei mais aqui. Não tenho maiores preocupações com o fim; mas lembro que na juventude a impressão que tinha era de que a vida poderia ser mais longa. Agora, lembro do meu sogro, seu Sebastião, que faleceu em 2022, com 106 anos. Se tiver a sorte de chegar mais uns bons anos para a frente, aí talvez venha a refletir mais sobre o assunto. 

Em “Cancelas do tempo”, você menciona algumas experiências pessoais e lugares, como Natal, Lisboa e a Floresta Negra. Como essas vivências influenciaram sua escrita? 
Walter Medeiros - Natal é a cidade onde nasci, e sempre procurei valorizá-la profundamente. Trata-se de uma cidade encantadora, com suas praias, seu povo amável. Passei seis anos fora e, quando voltei, com nove anos, comecei a cativar cada canto da cidade. Em Lisboa, vivi belos momentos por lá e escrevi poemas sobre ela. E a Floresta Negra tem sua beleza ímpar, mágica, que vale a pena conhecer. 


Entre a efemeridade do tempo, as adversidades e mudanças ao longo da vida, como você enxerga o papel da poesia para explorar a profundidade das experiências e emoções dos leitores? 
Walter Medeiros - A poesia tem o poder de sensibilizar as pessoas. Ao poeta, pode caber escolher a forma mais tocante de a apresentar. O tempo sempre remete a lembranças, e é bom quando traz memórias boas. As adversidades, enfrentam-se e podem ser registradas até com lirismo. As mudanças têm, cada uma, sua profundidade, que vem desde um momento de saudade, até o dia da aposentadoria. Quando contada com bom jeito, pode agradar e envolver o leitor. 

É possível dizer que este livro se conecta com suas outras atividades, como jornalista, pai e avô? Há influências mútuas entre essas diferentes facetas de sua vida? 
Walter Medeiros - 
Sim. Em muitos momentos podemos encontrar algum traço que reflete a veia do jornalista, a visão do pai e do avô. No entanto, essa conexão está bem mais explícita em outros poemas que não entraram no livro. Possivelmente, em um novo volume, outros poemas mostrarão mais esta parte do autor. 


“Cancelas do tempo” aborda um misto de sensibilidade e otimismo, alegrias e tristezas, liberdade e sensualidade. Como foi mesclar essas diversas temáticas? Tem alguma que mais lhe impactou ao retratar?  
Walter Medeiros - Tem. Poema que fala sobre o lugar onde morei. Refere-se ao bairro do Alecrim, onde vivi por 23 anos. A começar pela rua Campo Santo, onde passamos os belos tempos da Jovem Guarda. Ali, tínhamos uma convivência inesquecível, que mantemos até os dias atuais. Uma rua que tem uma vista magnífica para o rio Potengi, o porto e o mar. Costumo dizer que a formação geográfica da barra de Natal tem semelhança com Tróia, em Portugal. 


Qual mensagem ou sentimento você espera que os leitores levem consigo após lerem a obra? 
Walter Medeiros - Uma sensação de vida, natureza, amor, dedicação e sensibilidade. Que sintam a verdade expressa em cada verso, cada poema, como algo que podem usar, incorporar e propagar. Talvez venha a ter influência nos leitores para a forma como observam ambientes semelhantes aos que são apresentados no livro. Espero que cada um rememore momentos idênticos àqueles mostrados na obra. 



Sobre o autor
Walter Medeiros 
é jornalista, advogado, escritor e poeta, natural de Natal, no Rio Grande do Norte. Formou-se em Direito na UFRN, em 1977, mas sua vida profissional foi quase toda guiada pelo jornalismo. Começou jovem e enveredou nas redações de rádio e jornais da capital. Também atuou como professor e assessor de imprensa. Foi correspondente da Folha de S.Paulo e chefe de pauta da TV Cabugi, além de vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RN. Em 2012, recebeu título de Cidadão Matagrandense pela Câmara Municipal de Mata Grande – Alagoas. Na literatura, estreia no gênero de poesia com Cancelas do tempo, mas tem outros quatro livros publicados; dentre eles, o romance Abelardo, o alcoólatra, de 1990 e republicado em 2024, e obras técnicas voltadas a áreas de estudo da saúde e comunicação. Walter Medeiros é casado, tem cinco filhos e nove netos. Instagram do autor: @walterbmedeiros. Garanta o seu exemplar de "Cancelas do Tempo" neste link. 

sábado, 10 de agosto de 2024

.: Romance de Genki Kawamura é tema do Clube de Leitura Japan House SP


"Se os Gatos Desaparecessem do Mundo" (compre neste link)
,  romance de estreia do cineasta japonês Genki Kawamura, que vendeu mais de 2 milhões de exemplares ao redor do globo, é o tema do Clube de Leitura Japan House São Paulo + Quatro Cinco Um, que ocorre na quinta-feira, dia 29 de agosto, às 19h00 de forma on-line. Lançado pela editora Bertrand Brasil, a obra conta a história de um jovem carteiro, que vive apenas com seu gato. Ele recebe o diagnóstico de que sofre de uma doença em estágio terminal e tem apenas algumas semanas ou meses de vida. Ele então recebe uma visita do Diabo que lhe faz uma proposta: para cada coisa que ele estiver disposto a fazer desaparecer do mundo, ele ganhará um dia extra de vida. Sua existência ganha uma nova dinâmica a partir desse dilema cruel.

A convidada especial desta edição é a tradutora e criadora do canal Komorebi Translations, Anna Ligia Pozzetti. A conversa terá como mediadores Natasha Barzaghi Geenen, diretora cultural da JHSP, e Paulo Werneck, editor da revista Quatro Cinco Um. Neste best-seller internacional, o autor presenteia o público com um romance sensível e fascinante que traz à tona a importância da vida e de preservar nosso mundo, permeado por reflexões morais e contundentes. Como decidir o que faz a vida valer a pena? Como distinguir o que é dispensável daquilo que se ama? Essas são algumas das reflexões que o livro instiga.

Genki Kawamura é um diretor, roteirista, produtor e escritor japonês nascido na cidade de Yokohama. Seu filme "Mirai", estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cinema de Cannes e foi vencedor do Annie Award de Melhor Longa-Metragem Independente de Animação, e indicado para a categoria de Melhor Longa-metragem de Animação no Oscar. Kawamura também foi um dos produtores de "Your Name", um sucesso global que ganhou o prêmio de Melhor Filme de Animação da Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles e o Prêmio de Melhor Filme de Animação do Sitges Film Festival. Seu romance de estreia, "Se os Gatos Desaparecessem do Mundo" vendeu mais de 2 milhões de exemplares no mundo e foi traduzido para 18 línguas. Garanta o seu exemplar de "Se os Gatos Desaparecessem do Mundo" neste link.


Sobre o Clube de leitura Japan House São Paulo + Quatro Cinco Um
Com a mediação de Natasha Barzaghi Geenen, Diretora Cultural da JHSP, e Paulo Werneck, diretor de redação da revista Quatro Cinco Um, o Clube discute livros de autores nipônicos traduzidos diretamente do japonês para o português, com o objetivo de ampliar o acesso dos brasileiros a este universo literário. Todo mês, o encontro de caráter informal conta também com a presença de um leitor convidado, e já recebeu grandes profissionais da tradução japonesa no Brasil, autores brasileiros contemporâneos, editores, críticos, jornalistas e personalidades da cultura.


Serviço
Clube de Leitura JHSP + Quatro Cinco Um
"Se os Gatos Desaparecessem do Mundo"
Quando: quinta-feira, dia 29 de agosto
Horário: 19h00
Convidada: Anna Ligia Pozzetti
Duração: cerca de 90 minutos
Custo: participação gratuita, mediante inscrição prévia (vagas limitadas)
Inscrição: https://clubedeleitura.japanhousesp.com.br/
Acesso: on-line, via plataforma Zoom. O link de acesso é enviado aos inscritos por e-mail.
Participantes do clube terão 30% de desconto na compra pelo site da Bertrand Brasil, basta aplicar o cupom JHSP451 diretamente no site da editora. O cupom fica vigente entre 25 de julho e 31 de agosto, válido para um uso único por CPF.
Compre o livro neste link.

.: Exposição inspirada na obra de Clarice Lispector pode ser vista até terça


Com sua personalidade enigmática e uma linguagem poética e inovadora, Clarice Lispector (1920-1977) é, merecidamente, cultuada em todo o mundo como um dos maiores nomes da nossa literatura. Inspirado pelas obras da escritora, o Caminhão de Histórias, um caminhão-baú de 15 metros, adaptado para receber mostras culturais interativas, apresenta a exposição “A Casa que Anda. Que Mistérios tem Clarice?” baseada nos livros "A Vida Íntima de Laura", "O Mistério do Coelho Pensante" e "A Mulher que Matou os Peixes"

O projeto fica no Parque Linear Bruno Covas até terça-feira, dia 13 de agosto, com entrada gratuita, tendo passado pelo Parque Horto Florestal entre os dias 22 de julho e 4 de agosto, e visa a atender ao público circulante, bem como um amplo programa para escolas públicas e privadas do Estado. Com o patrocínio do Instituto CCR, a entidade do Grupo CCR responsável pelos investimentos socioculturais que busca democratizar o acesso à cultura e à educação, o projeto visa incentivar a formação de novos jovens leitores.

Com curadoria de Eucanaã Ferraz, poeta, consultor de literatura do Instituto Moreira Salles (IMS) e professor de literatura brasileira na Faculdade de Letras da UFRJ, e com direção artística e cenografia de Daniela Thomas, cineasta, diretora teatral, dramaturga e cenógrafa, e intervenções artísticas dos artistas plásticos Maria Klabin, Marcela Cantuária, Raul Mourão e Mariana Valente, “A Casa que Anda” apresentará atividades e reflexões sobre o universo infantojuvenil da criação de Clarice de Lispector a partir de histórias que dialogam com seus jovens leitores, despertando curiosidades sobre sentimentos e emoções, que evocam inúmeras reflexões.

Um projeto de educação gratuito, inclusivo e democrático, “A Casa que Anda” sucede o exitoso projeto Busão das Artes, que trouxe “O Mundo Invisível”, concebido no pós-pandemia, e que abordava de forma lúdica o mundo dos fungos, vírus e bactérias, e é uma realização de Renata Lima, que dirige a Das Lima Produções, e da dupla Lilian Pieroni e Luciana Levacov, da Carioca DNA. “Um caminhão-baú transformado em espaço expositivo, que percorre praças e parques do Brasil, ‘O Busão das Artes’ nasceu da nossa vontade de educar, humanizar e sensibilizar o público em relação a temas importantes, sempre permeando questões ambientais. Esse projeto acontece em praças e outros espaços públicos, gratuitamente, e está aberto a todos”, afirma Luciana Levacov, sócia da Carioca DNA.

Segundo Eucanaã Ferraz, a obra de Clarice Lispector tem um raro poder de atração, não importando a idade e outros traços particulares de quem a lê. "Sua palavra é, nesse sentido, universal. Não há dúvida de que associar a escrita com a materialidade das artes visuais e as experiências propriamente lúdicas será impactante para todos que passarem pela ‘Casa que anda’. Também é importante observar que a maior parte das narrativas de Clarice se passa nos ambientes domésticos e, desse modo, criar um ambiente de experiências sensoriais e estéticas numa ‘casa’ trará para mais perto do público o mundo mágico e atraente da autora”, ressalta o curador.

O encantamento começa com o próprio baú do caminhão, totalmente adesivado com primorosas ilustrações de autoria de Mariana Valente, neta de Clarice, que abordam vários aspectos de sua vida, com imagens de cidades e países que visitou ou onde viveu, como Recife, Rio de Janeiro, Pisa, Genebra, e Washington, intercaladas com imagens da escritora cercada de crianças, jardins e animais. Instalações artísticas e interativas apresentam dois ambientes da casa: interno e externo. Quem guia o visitante por esse universo é a “própria” Clarice, com mediadoras caracterizadas que incorporam a personagem, dando a ideia de que a autora os recebe em sua própria casa.

Daniela Thomas, que recriou o espaço interno da casa de Clarice a partir de fotos da residência da autora, reflete sobre como conduziu essa experiência. "Clarice tem a capacidade de revelar a profundidade da experiência humana nas situações mais banais e corriqueiras da vida. Com isso, nos desperta da alienação diária e somos tomados de uma hipersensibilidade para a nossa própria vida. Nosso objetivo é que os visitantes possam ter a experiência de olhar as mesmas coisas que sempre olham, só que agora com a sensibilidade renovada, surpreendendo-se com o que a literatura pode oferecer para a ampliar nossas perspectivas e nossa própria vida".

Além da reprodução do ambiente onde viveu a escritora, que abriga inclusive sua mesa de trabalho, onde repousam manuscritos e uma máquina de escrever com um texto em andamento, o espaço inclui referências e curiosidades dos três livros abordados na exposição, como um aquário vazio - já que os peixes morreram por falta de alimento, quadros da galinha Laura, do Coelho e do peixe, além de vídeo gravado com câmera em primeira pessoa na visão dos animais - assim como fazia a escritora, que criava as histórias a partir da perspectiva dos bichos.

“Busquei replicar a experiência da leitura dessas obras recriando seu apartamento e povoando-o com suas reflexões escritas, cuidadosamente selecionadas por Eucanaã. Clarice, sentadinha em seu sofá com a máquina de escrever apoiada nos joelhos, digitava seus textos extraordinários, enquanto seu olhar não via mais do que as mesmas mobílias e animaizinhos que a cercavam, dia após dia. Uma imaginação fulgurante! Já do lado de fora, o quintal da casa foi reinterpretado por artistas contemporâneos. Também foi criado um filme, que me surgiu com furor quando li os livros pela primeira vez. Pensei: precisamos ver o mundo dos bichos como Clarice apontou, do ponto de vista deles”, ressalta Daniela.  

Do lado externo, as três histórias se unem com diversas atividades de referência aos animais retratados, como o cercado do coelho - que dá algumas pistas para que as pessoas tentem descobrir como sua fuga ocorreu. A Casa do Coelho, projeto do artista Raul Mourão, é representada por uma pequena casa de aço criada para retratar o misterioso desaparecimento do coelho da ficção de Clarice. “Uma gaiola/escultura sobre confinamento e fuga, confeccionada com o mesmo material das grades de segurança que nos acompanham nas grandes cidades brasileiras”, afirma o artista. 

Um lindo tapete, desenhado pela artista plástica Maria Klabin, transmite a sensação do piso de um quintal, com caracóis, tatus-bola, folhas, restos de comida, que podem ser explorados com o auxílio de lupas de aumento. “Esses três livros fazem parte das minhas melhores lembranças com meus filhos crianças”, conta Maria. “Líamos os três em série. É nítida a memória do momento em que eu abria a capa de ‘A mulher que matou os peixes’. A capa era dura, como um pequeno portão. E éramos conduzidos dos risos, gargalhadas à confusão, tristeza, ternura, apreensão, e algumas emoções cuja existência só descobrimos pelos livros da Clarice.  É um privilégio visitar esse quintal pelo qual já devo ter passado muitas vezes, dessa vez, olhando para o chão que deu origem a tantos voos”, completa a artista, sobre a experiência de criar o piso.

Ainda no quintal, o ovo da Galinha Laura, criado por Marcela Cantuária, leva os visitantes a uma reflexão sobre o mistério da vida e a promessa de futuro. "Simboliza de maneira lúdica a gestação e as inúmeras possibilidades que a existência nos traz", explica Marcela. "Eu me senti honrada com o convite para participar da exposição, pois admiro imensamente o legado de Clarice. Uma mostra de arte circulante e interativa, como é o caso do Caminhão de Histórias, reforça o compromisso da arte com o coletivo, além de ser um movimento interessante e inovador", completa a artista.

A experiência traz práticas educativas que remetem ao ofício da escritora, como o espaço de leitura, atividades com máquinas de escrever, oficinas criativas inspiradas nos enigmas das histórias, produção e envio de cartão postal entre outras dinâmicas a serem conduzidas por educadores formados pela equipe da Percebe - consultoria especializada em educativos de museus e exposições.  Os estudantes que visitarem a exposição receberão um caderno de atividades para continuarem a experiência na escola, orientados por seus professores, ou mesmo em casa com seus familiares.

Contando de forma lúdica e participativa a história e obras de Lispector para as crianças, a exposição busca democratizar o acesso à arte e à literatura em diversas localidades do País.  Em 2024, “A Casa que Anda” passará por São Paulo (Parque Horto Florestal e Parque Linera Bruno Covas), Paraná (Londrina e Curitiba), Santa Catarina (Joinville), Goiás (Goiânia), Maranhão (Imperatriz), Bahia (Salvador), Minas Gerais (Belo Horizonte) e Rio de Janeiro (Rio de Janeiro e Niterói). A expectativa é que mais de 60 mil pessoas passem pelo Caminhão de Histórias nessa temporada.

Sobre os livros infantojuvenis de Clarice Lispector
Eucanaã Ferraz nos oferece um panorama sobre os livros de Clarice Lispector para a infância. “Os livros de Clarice Lispector para a infância – como suas obras para o público adulto – são inquietantes. Se a linguagem é acessível e próxima do universo infantil, lá estão as perplexidades, as dúvidas, as perguntas, os mistérios da vida e da morte. Os textos conversam com o leitor e, assim, criam uma intimidade que desarma seu olhar e lhe possibilita viver experiências nas quais a natureza e os animais são parte fundamental. Não são, de modo algum, textos que buscam educar pelo viés da obviedade ou da complacência, como se o leitor-criança fosse imaturo ou intelectual e existencialmente despreparado. Pelo contrário, no convívio do humano com a natureza há traumas, choques, incompreensões, tristezas, mas também amor, humor, alegrias, enfim, múltiplos afetos. O resultado é o exercício estético e vital que se exige de toda e qualquer literatura. E, isso, claro, faz com que esses textos sejam atraentes também para público adulto”.

A exposição é inspirada em três livros infanto-juvenis de Clarice
"A Vida Íntima de Laura" (compre o livro neste link):
conta a história de Laura, a galinha que mais bota ovos em todo o galinheiro. Compondo uma personalidade cheia de nuances para sua personagem, Clarice diverte os pequenos sem subestimar sua inteligência.

"O Mistério do Coelho Pensante" (compre o livro neste link): o sumiço de um simples coelhinho branco – quem diria! – inspira uma das mais instigantes histórias infantojuvenis de Clarice Lispector. Nesse livro a escritora discorre sobre profundas questões existenciais, na dose certa para a apreciação dos pequenos leitores. Qual a diferença entre "natureza humana" e "natureza de coelho"? Como a gente sai do terreno da necessidade para o da vontade e da criatividade? É possível um pensamento que seja também um sentimento e uma sensação?

"A Mulher que Matou os Peixes" (compre o livro neste link): aqui a sintonia com os leitores é obtida a partir do endereçamento direto, e o texto anuncia-se como uma confissão da narradora (“Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu”) e um pedido de perdão à humanidade. Suspenses são encontrados a partir de pequenas tramas, em que perdão e culpa se sucedem. A união das obras busca explorar temas como mistério - o sumiço do coelho, culpa - matou o peixe, autoestima - galinha Laura que se acha feia, o mistério da vida - o ovo - e da morte - o peixe.


Serviço
Caminhão das Histórias em São Paulo
“A Casa que anda. Que mistérios tem Clarice?”
Parque Linear Bruno Covas (Av. Magalhães De Castro, R. Pedro Avancine - Jardim Panorama, São Paulo - https://maps.app.goo.gl/AVMEV67Ve81LQczB6?g_st=iw)
Datas e horário: até terça-feira, dia 13 de agosto, das 9h00 às 17h00
*Entrada gratuita
**A exposição não funciona na segunda-feira.

quarta-feira, 31 de julho de 2024

.: "Terra Estranha": relações inter-raciais e bissexualidade no centro da discussão


Tendo como pano de fundo a agitada cena musical de Nova York dos anos 1950, o romance "Terra Estranha", escrito por James Baldwin, é um retrato franco sobre bissexualidade e relações inter-raciais, publicado em uma época em que esses assuntos eram tabu. Na terra estranha que é Nova York nos anos 50-60, a questão racial tratada permeia todos os aspectos na vida dos personagens e nas relações humanas vividas por eles. Um grande mosaico humano em que tudo resvala em uma literatura de primeira categoria. 

Este livro de tirar o fôlego, publicado em 1962, tem como pano de fundo os clubes de jazz de Greenwich Village, em Nova York, na década de 1950. Rufus, um baterista negro em decadência, se envolve com Leona, uma mulher branca nascida no sul dos Estados Unidos. Dessa relação complexa em sua origem, desdobram-se temas caros a James Baldwin, como raça, nacionalismo, identidade, depressão e bissexualidade.

Em "Terra Estranha", o celebrado autor de "O Quarto de Giovanni" (compre o livro neste link) constrói uma obra comovente, violenta e apaixonada, cujos personagens tentam reverter a todo custo as barreiras da segregação racial e das convenções burguesas em busca da felicidade e de si mesmos.

Sobre o autor
James Baldwin nasceu em Nova York em 2 de agosto de 1924 e é um dos maiores nomes da literatura norte-americana do século XX. Entre seus principais temas, sobressaem a luta racial e questões relacionadas à sexualidade e à identidade. É autor de "O Quarto de Giovanni", "Terra Estranha", "Se a Rua Beale Falasse", "Notas de Um Filho Nativo" e "Da Próxima Vez, o Fogo", entre outros títulos. Morreu em Saint-Paul-de-Vence, no sul da França, em 1987. Compre os livros de James Baldwin neste link.


"Terra Estranha"
James Baldwin (autor)
Rogério W. Galindo (tradutor)
Daniel Trench (arte de capa)
544 páginas
Companhia das Letras
Compre o livro neste link

.: Dossiê James Baldwin: cancro cala a voz mais representativa do século XX


Negro, gay e oriundo de família religiosa, James Baldwin era uma mente extraordinária que negava rótulos e os caminhos mais fáceis. Foto: Getty Images


Escritor negro e gay, James Baldwin andava meio esquecido no meio literário, mas voltou com força nos últimos tempos, especialmente no Brasil, onde a Companhia das Letras vem lançando de tempos em tempos as principais obras dele em edições que respeitam o legado do autor. No dia 2 de agosto de 2024, ele completa 100 anos de nascimento. Romancista, ensaísta, dramaturgo, poeta, ativista e crítico social norte-americano, Baldwin morreu de cancro do estômago, tendo sido enterrado ao lado da mãe, Emma Berdis Jones. Os dois repousam na Campa 1203 do Ferncliff Cemetery and Mausoleum, Hartsdale, em Nova York.

Amigo de Baldwin desde o início dos anos 1970, Fred Nall Hollis cuidou do escritor em seu leito de morte. Baldwin lhe pagava bebidas no Café de Flore. Nall lembrou-se de uma conversa com Baldwin pouco antes de ele morrer. Falaram sobre racismo no Alabama. Nall disse a Baldwin: "Através de seus livros, você me libertou da minha culpa por ser tão intolerante vindo do Alabama e por causa da minha homossexualidade". Baldwin insistiu: "Não, você me libertou ao revelar isso para mim".

Na época da morte de Baldwin, em 1° de dezembro de 1987, ele trabalhava em um manuscrito inacabado chamado "Remember This House", um livro de memórias de suas lembranças pessoais dos líderes dos direitos civis Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr.  Após a morte de Baldwin em Saint-Paul-de-Vence, a editora McGraw-Hill deu um passo sem precedentes: processar o espólio do autor para recuperar o adiantamento de 200 mil dólares que havia pago pelo livro. O processo foi arquivado em 1990. 

O manuscrito forma a base para o documentário de 2016 de Raoul Peck, "Eu Não Sou Seu Negro" (2016), que foi indicado para Melhor Documentário na cerimônia de entrega do Oscar de 2017. Compre os livros de James Baldwin neste link.


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.: "Da Próxima Vez, o Fogo" é lançado na semana dos 100 anos de Baldwin

.: Dossiê James Baldwin 100 anos: autor falava abertamente sobre sexualidade

terça-feira, 30 de julho de 2024

.: "Notas de Um Filho Nativo": obra-prima de Baldwin sobre raça e identidade


Na nota introdutória de "Notas de Um Filho Nativo" (compre o livro neste link), o escritor James Baldwin, aos 31 anos, se dá conta do momento mais importante de sua formação, quando se viu obrigado a perceber que a linha do seu passado não levava à Europa, e sim à África. Foi então que ele se deparou com uma revelação chocante: Shakespeare, Bach e Rembrandt não eram criações realmente dele, não abrigavam sua história. "Seria inútil procurar nelas algum reflexo de mim. Eu era um intruso; aquele legado não era meu”, afirmou o autor. 

Lançada pela Companhia das Letras, esta edição inclui o prefácio à edição de 1984, assinado por Edward P. Jones, posfácios de Teju Cole e Paulo Roberto Pires e um alentado “Sobre o autor”, por Marcio Macedo. A arte da capa é de Daniel Trench. Publicada originalmente em 1955, esta reunião de ensaios escritos entre as décadas de 1940 e 1950 é a primeira obra de não-ficção do autor de "O Quarto de Giovanni" (compre o livro neste link).

O que mais impressiona nesses testemunhos - narrados com inteligência, sensibilidade e estilo extraordinário - é a atualidade dos textos. Ao usar como matéria-prima sua própria experiência para refletir sobre o que representa ser um escritor negro e homossexual nos Estados Unidos, seu país de origem, e em Paris, cidade onde viveu por muitos anos, Baldwin oferece um poderoso e urgente depoimento sobre direitos civis.


Sobre o autor

James Baldwin nasceu em Nova York em 2 de agosto de 1924 e é um dos maiores nomes da literatura norte-americana do século XX. Entre seus principais temas, sobressaem a luta racial e questões relacionadas à sexualidade e à identidade. É autor de "O Quarto de Giovanni", "Terra Estranha", "Se a Rua Beale Falasse", "Notas de Um Filho Nativo" e "Da Próxima Vez, o Fogo", entre outros títulos. Morreu em Saint-Paul-de-Vence, no sul da França, em 1987. Compre os livros de James Baldwin neste link.


"Notas de Um Filho Nativo"
James Baldwin (autor)
Paulo Henriques Britto (tradução)
Daniel Trench (arte de capa)
248 páginas
Companhia das Letras
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.: Dossiê James Baldwin 100 anos: autor falava abertamente sobre sexualidade


Os romances e peças do escritor transformam em ficção perguntas pessoais fundamentais e dilemas em meio a pressões sociais e psicológicas complexas. Foto: Ulf Andersen/Getty Images

Os textos de James Baldwin, tal como o "Notas de Um Filho Nativo" (1955), exploram complexidades palpáveis ainda não ditas sobre a sexualidade e as distinções de classes raciais nas sociedades ocidentais, principalmente na América da metade do século 20, e suas inevitáveis tensões. Alguns textos do escritor, que completa 100 anos de nascimento no dia 2 de agosto, são do comprimento de um livro, como por exemplo "Da Próxima Vez, o Fogo" (1963), recém-lançado pela Companhia das Letras, "No Name in the Street" (1972), e "The Devil Finds Work" (1976).

Os romances e peças do escritor transformam em ficção perguntas pessoais fundamentais e dilemas em meio a pressões sociais e psicológicas complexas frustrando a integração equitativa, não só de negros, mas também de homens homossexuais e bissexuais, enquanto descrevem alguns obstáculos internalizados nas buscas de tais indivíduos à aceitação. Essa dinâmica é proeminente no segundo romance de Baldwin, "O Quarto de Giovanni" (compre o livro neste link), escrito em 1956, bem antes dos direitos dos homossexuais serem amplamente defendidos nos Estados Unidos.

Baldwin era filho de Emma Berdis Jones, que teria abandonado o pai biológico dele por causa de abuso de drogas e mudou-se para o Harlem, na cidade de Nova York. Lá, ela se casou com um pastor, David Baldwin. A família era muito pobre. O escritor passou muito tempo cuidando de vários irmãos e irmãs mais novos. Aos dez anos de idade, Baldwin foi provocado e abusado por dois policiais de Nova Iorque, um caso de assédio racista pelo Departamento de Polícia de Nova Iorque que ele iria experimentar mais tarde quando adolescente e viria a documentar em seus textos. O pai adotivo, ao qual Baldwin se referia nos textos simplesmente como "pai", parece tê-lo tratado - em comparação com os irmãos - com grande dureza.

O padrasto morreu de tuberculose no verão de 1943, pouco antes de Baldwin completar 19 anos. O dia do aniversário de 19 anos de Baldwin foi o dia do funeral de seu pai, o dia que a última criança de seu pai nasceu, e o dia do motim do Harlem de 1943, que foi retratado no início de seu texto "Notas de Um Filho Nativo". A busca para responder ou explicar a rejeição familiar e social - e alcançar um senso de individualidade, coerente e benevolente - tornou-se um motivo condutor nos escritos de Baldwin. Compre os livros de James Baldwin neste link.

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.: Dossiê James Baldwin 100 anos: escritor, revolucionário e maldito

.: "Da Próxima Vez, o Fogo" é lançado na semana dos 100 anos de Baldwin

.: Literatura: Itamar Vieira Junior dará palestra aberta ao público no Sesc RJ


Palestra do escritor de "Torto arado" integrará abertura oficial do projeto Palavra Líquida na próxima sexta-feira, dia 2 de agosto, na sede do Sesc RJ. Projeto promoverá encontros formativos com aulas-passeio pelo Rio. Foto: Adenor Gandin

O Sesc RJ receberá o premiado escritor Itamar Vieira Junior na próxima sexta-feira, dia 2 de agosto, às 19h00, para palestrar na abertura do Palavra Líquida, no auditório da sua sede, no Flamengo. De agosto a outubro, o projeto promoverá encontros que mesclam aulas e passeios pelo Rio de Janeiro, partindo das unidades Sesc Ramos e Sesc Tijuca, repensando a forma como se habitam os muitos territórios que compõem a cidade. O autor acaba de ingressar na literatura infantojuvenil com o livro "Chupim" (compre neste link), lançado pela Baião Livros.

A escolha do autor para o lançamento está afinada ao tema da edição de 2024, que explora os substantivos “terra” e “território” para pensar pertencimento, origem e a geografia dos afetos. Nascido em Salvador, Itamar Vieira Junior é geógrafo, doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA e servidor público do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A temática da disputa de terras está fortemente representada em sua obra, como no romance “Torto Arado” (compre neste link), sucesso de público e crítica que conquistou os prêmios Leya, Oceanos e Jabuti, tendo sido traduzido em mais de vinte países.

O projeto Palavra Líquida dialoga a partir da literatura com as artes cênicas, artes visuais, audiovisual e música, buscando fomentar as várias possibilidades de escrita e leitura de mundo. A proposta do projeto é formar um público cada vez mais plural e conectado às questões contemporâneas, oferecendo oportunidades de conhecimentos nos fazeres artísticos.

Nos próximos três meses, o Palavra Líquida oferecerá os Percursos Formativos Terra e Território, uma formação no modelo de encontros híbridos, intercalados quinzenalmente entre aula-passeio e encontros online. Nas aulas-passeio, serão visitados locais como Ramos, Penha, Floresta da Tijuca, Aldeia Maracanã, Madureira, Praça Mauá, Praça XI e Pequena África. Os pontos de partida serão as unidades Sesc Tijuca e Sesc Ramos, de onde partirão ônibus de passeio. As unidades receberão ainda uma programação multilinguagem entre 12 e 22 de setembro, com linguagem não apenas literária, mas também musical, de artes cênicas, artes visuais e audiovisual.  Mais detalhes serão enviados após a confirmação das inscrições, que devem ser feitas através do formulário: https://forms.office.com/r/yvWPubJn93


Serviço
Lançamento do Palavra Líquida 2024 | Palestra de Itamar Vieira Junior
Sexta-feira, dia 2 de agosto às 19h00
Auditório da Fecomércio: Rua Marquês de Abrantes, 99, Flamengo
Entrada franca (sujeito a lotação)
Classificação livre


Palavra Líquida 2024 | Percursos formativos Terra e Território
Período: 3 de agosto a 26 de outubro, aos sábados, 9h às 13h
Encontros on-line: realizados via Plataforma Teams, transmitidos ao vivo pelo YouTube do Sesc RJ.

Período de inscrição para os núcleos: até dia 1° de agosto
Formulário para inscrições: https://forms.office.com/r/yvWPubJn93
Palavra Líquida 2024 | Programação multilinguagem
Período: 12 a 22 de setembro
Unidades Sesc Ramos e Sesc Tijuca

segunda-feira, 29 de julho de 2024

.: Dossiê James Baldwin 100 anos: escritor, revolucionário e maldito


Nascido em Nova York em 2 de agosto de 1924, James Arthur Baldwin foi um romancista, ensaísta, dramaturgo, poeta e crítico social norte-americano. Foto: Getty Images


Antes de tudo, James Baldwin (compre os livros dele neste link) era um revolucionário. Tudo o que ele fez pelas pautas antirracistas e contra o preconceito contra a intolerância em relação à sexualidade dos outros comprovam isso. Nascido em Nova York em 2 de agosto de 1924, James Arthur Baldwin foi romancista, ensaísta, dramaturgo, poeta e crítico social norte-americano. 

Como escritor, foi aclamado em vários meios, incluindo ensaios, romances, peças de teatro e poemas. O primeiro romance dele, "Go Tell It on the Mountain", foi publicado em 1953. Décadas depois, a revista Time incluiu a obra na lista dos 100 melhores romances de língua inglesa lançados de 1923 a 2005. 

A primeira coleção de ensaios, "Notas de Um Filho Nativo", foi publicada em 1955. O trabalho de Baldwin ficcionaliza questões e dilemas pessoais fundamentais em meio a complexas pressões sociais e psicológicas. Temas como masculinidade, sexualidade, raça e classe se entrelaçam para criar narrativas intrincadas que correm paralelas a alguns dos principais movimentos políticos em direção à mudança social na América de meados do século XX, como o movimento pelos direitos civis e o movimento de liberação gay. 

Os protagonistas de Baldwin são frequentemente, mas não sempre, afro-americanos. Homens gays e bissexuais frequentemente aparecem com destaque na literatura do autor. Esses personagens, muitas vezes, enfrentam obstáculos internos e externos na busca por autoaceitação social. Essa dinâmica é proeminente no segundo romance de Baldwin, "O Quarto de Giovanni", que foi escrito em 1956, bem antes do movimento de liberação gay.

A reputação do escritor perdurou desde que morreu e o trabalho dele foi adaptado para as telas com grande aclamação. Um manuscrito inacabado, "Remember This House", foi expandido e adaptado para o cinema como o documentário "Eu Não Sou Seu Negro" (2016), que foi indicado para Melhor Documentário na cerimônia de entrega do Oscar de 2017. Um de seus romances, "Se a Rua Beale Falasse", foi adaptado para o filme homônimo que venceu o Oscar em 2018, dirigido e produzido por Barry Jenkins. Além de escrever, Baldwin também era uma figura pública e orador conhecido e controverso, especialmente durante o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. Morreu em Saint-Paul-de-Vence, em 1° de dezembro de 1987.

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.: "Da Próxima Vez, o Fogo" é lançado na semana dos 100 anos de Baldwin

.: Dossiê James Baldwin 100 anos: autor falava abertamente sobre sexualidade

domingo, 28 de julho de 2024

.: Entrevista: Myriam Scotti fala sobre reconexão com a ancestralidade


"Acredito que a literatura tem a capacidade de nos fazer praticar a alteridade, ou seja, a oportunidade de se colocar no lugar do outro", afirma a escritora Myriam Scotti, em entrevista
 


Terra, imigração, laços familiares, ancestralidade e a investigação do feminino. Esses são alguns dos principais temas do romance “Terra Úmida” (compre o livro neste link), lançado pela editora Penalux, de Myriam Scotti , que venceu o Prêmio Literário de Manaus em 2020. Nele, a autora traz a descrição da imigração de judeus para a Amazônia durante o ciclo da borracha a partir da perspectiva de Abner, um dos filhos de uma família marroquina que instala-se na região para fugir da perseguição aos judeus. A partir dessa premissa, a autora desenrola uma trama complexa com temas como relações familiares e o feminino; e que possui personagens apegados à tradição, mas que são intimamente atravessados pela vida e pela cultura novas.

Myriam Scotti nasceu em 1981, em Manaus, no Amazonas. É escritora, crítica literária e mestre em Literatura pela PUC-SP. Ela começou a escrever na infância, porém começou a publicar crônicas em um blog após virar mãe e a escrita passou a ser uma atividade profissional em 2014. Além do romance “Terra Úmida”, a autora possui mais dois livros publicados: “Quem Chamarei de Lar?” (editora Pantograf, um romance juvenil que foi aprovado no PNLD literário e escolhido pelo edital Biblioteca de São Paulo de 2021; e “Receita para Explodir Bolos” (editora Patuá), livro finalista do prêmio Pena de Ouro 2021 na categoria Conto e que ficou em segundo lugar na categoria conto do prêmio Off Flip de 2022.


Quais são os temas centrais do livro? 
Myriam Scotti - Acima de tudo, o romance trata de relações familiares, bem como das dificuldades de uma mulher Imigrante, que abre mão de seus desejos em prol da família e da tradição.


Por que os escolheu?
Myriam Scotti - Primeiramente, senti necessidade de contar a história da chegada dos judeus marroquinos na Amazônia durante o ciclo da borracha, algo que ainda é muito pouco explorado na ficção. Como descendente de judeus sefarditas, eu quis homenagear os meus ancestrais, e, claro, homenagear as mulheres. Não à toa, escrevi uma personagem que pudesse representar um pouco das dificuldades de ser mulher em qualquer época.

O que a motivou a escrever o livro?
Myriam Scotti - O que me motivou a pensar o romance foi o desafio de escrever uma história longa, tendo em vista que estava acostumada a escrever contos e poesia. Isso aconteceu ao participar de uma das oficinas de escrita criativa, eu me senti desafiada a dar continuidade num curso de preparação do romance. 

Por que escolher o gênero adotado?
Myriam Scotti - Ao participar de uma das oficinas de escrita criativa, me senti desafiada a dar continuidade num curso de preparação do romance. Nunca havia escrito uma história longa e achava que não teria fôlego para tanto. Então, decidi que era hora de começar a tentar. Escrevi o romance “Terra Úmida” a partir de um conto chamado “Terra Prometida”, que faz parte de um livro de contos que ainda não foi publicado. Desde então, já escrevi dois romances e estou na escrita do terceiro.


Que tipo de estrutura e escrita você adotou ao escrever a obra?
Myriam Scotti - Não sei dizer se eu tenho um tipo determinado de escrita. “Terra Úmida” foi uma escrita que me fez pensar e repensar a forma do romance diversas vezes até chegar ao formato que foi publicado. Escolhi trabalhar a primeira parte com uma personagem que falava em primeira pessoa e a segunda parte com a escrita de um diário. Foi um grande exercício de escrita e também de paciência. Não é fácil colocar o ponto final em uma obra, sempre achamos que podemos mudar ou melhorar algo.


Quanto tempo durou o processo de produção do livro?
Myriam Scotti - Foram três anos entre pesquisa, escrita e viagem ao Marrocos.

Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Myriam Scotti - Acredito que a literatura tem a capacidade de nos fazer praticar a alteridade, ou seja, a oportunidade de se colocar no lugar do outro. Dessa forma, desde que lancei o romance tenho recebido muitas devolutivas, inclusive de homens, do quanto refletiram sobre as questões femininas, assim como sobre relações familiares.


Quais são seus planos literários?
Myriam Scotti - Estou às voltas com a escrita de um romance contemporâneo e também já tenho algumas páginas escritas de outro romance histórico. Vamos ver em qual deles vou conseguir me jogar de cabeça.

.: Leo Nunes fala sobre sexualidade, morte, identidade e poesia subversiva


"Eu queria esgotar o tema 'viadagem' para dar lugar a outras pesquisas. Resolvi então aceitar esse tema e tentar explorá-lo ao máximo", afirma Leo Nunes em entrevista. Autor fala sobre os bastidores de seu livro  “está na hora de me tornar um homem sério", publicado pela editora Minimalismos. Foto: divulgação


Inspirado pela contracultura e geração mimeógrafo, o escritor Leo Nunes mergulha nas profundezas da alma humana através de sua poesia íntima e subversiva no livro "está na hora de me tornar um homem sério". Em sua estreia literária pela editora Minimalismos, Leo desafia tabus e explora os percalços da vida moderna, especialmente para um homem gay em um contexto urbano. Nascido em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o escritor traz consigo uma bagagem multidisciplinar. Formou-se em Comunicação Social - Rádio e TV pela UFRJ e trabalha, desde 2010, em produtoras de TV e Cinema no Rio de Janeiro. 

A obra adota um tom confessional e autoficcional, sendo dividido em três partes. Na primeira, “pequena trajetória de uma bicha da baixada”, acompanhamos a trajetória de se descobrir um homem gay e encarar o mundo conservador de uma região pobre da cidade. Na segunda parte, “a magia está aqui”, o poeta nos apresenta um mundo mais convulso e complexo, das montanhas-russas ao Bate-Bate, das Maratonas ao Sambas, a poesia encontra um espaço urbano complexo de se aprender, cuja aparência é retratada através das entrelinhas da poesia. Por fim, na terceira parte, “a vida no apartamento 1107”, seguimos com este jovem adulto em seu pequeno apartamento e fazemos companhia às aventuras íntimas das noites mal dormidas, dos amores mal passados e das poéticas que atravessam sua vida.


Se pudesse resumir os temas centrais do seu livro, quais seriam?  
Leo Nunes - Para mim, os principais temas do livro são sexualidade, morte, amadurecimento, religião e identidade.


Por que escolher esses temas?
Leo Nunes - Na realidade, não foram escolhas, foram temas que identifiquei nos poemas e que surgiram naturalmente ao longo da escrita. Este livro nasceu de um projeto de exploração pessoal, como estava me propondo a escrever poesia, resolvi resgatar temas e assuntos que me acompanharam ao longo da adolescência e início da vida adulta.


O que motivou a escrita do livro?
Leo Nunes - Comecei o projeto deste livro durante uma oficina organizada pelo poeta Rafael Zacca. Elaborei um projeto que pudesse resolver uma questão: eu queria esgotar o tema "viadagem" para dar lugar a outras pesquisas. Resolvi então aceitar esse tema e tentar explorá-lo ao máximo.


Como foi o processo e quanto tempo você levou para escrever o livro?
Leo Nunes - Escrevi o livro ao longo de três semestres de oficina, fui construindo, através das provocações e exercícios, novos poemas que buscavam formar uma imagem. Com isso, consegui reunir uma quantidade de textos e, a partir dali, trabalhar em um conjunto de poemas que funcionasse. Comecei a escrever no meio de 2021 e terminei em dezembro de 2022, um ano e meio para conseguir elaborar todo o projeto.


Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Leo Nunes - Procurei trabalhar no livro a jornada de um personagem. Queria poder ler um livro que contasse e trouxesse os desejos e sabores de um ser muito específico: uma bicha da baixada fluminense que vai tentar descobrir o mundo.


Quais são as suas principais influências artísticas e literárias? Quais influenciaram diretamente a obra?
Leo Nunes - Durante minha adolescência fui um consumidor ávido dos livros da Meg Cabot, eles eram um grande escape e muleta para suportar a confusão interna da minha sexualidade. Por isso, eu quis, por muito tempo, seguir a carreira como escritor de livros infantojuvenis e sempre foquei muito mais nos gêneros prosaicos do que na poesia. Além dela, fui muito marcado pela Cecília Vasconcellos e pelos livros paradidáticos que lia na escola. Mais velho, conheci a literatura de Victor Heringer, Cris Lisbôa e Andrea del Fuego, autores que me impactaram e ainda me instigam. Na poesia, meu interesse de pesquisa e consumo tem aumentado, estão em minha lista de leitura Ana Martins Marques, Marília Garcia, Lilian Sais, Rafael Zacca, Angélica Freitas, Pedro Cassel, Ana Cristina Cesar, Leonardo Gandolfi entre outros nomes. Para além da poesia, pensando em cinema, minhas grandes influências são Eduardo Coutinho e Agnès Varda. Durante minha formação acadêmica, me apaixonei pelo documentário e, talvez, eles sejam os maiores influenciadores do livro.


O que esse livro representa para você? 
Leo Nunes - Entendo que este livro é também o resultado de um processo de autoconhecimento. Trabalho nele muitas percepções de sexualidade e de como isso afetou meu processo de amadurecimento. 


Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma? 
Leo Nunes - No livro exploro a persona Leonardo Nunes, poeta, gay e morador da baixada fluminense. De certa forma, posso dizer que passei a existir a partir do livro.


Como a bagagem de projetos anteriores ajudou na construção da obra?
Leo Nunes - Eu trabalhei alguns anos em um livro de contos, mas hoje percebo que ele não ficou pronto. Talvez um dia eu o reescreva, ou não, no entanto, entendo que ele contribuiu para o processo de criar pequenas narrativas. Fora isso, vejo que meu projeto final da faculdade, um curta documentário, foi um processo importante para a construção de uma voz. Algo que comecei lá, acabou se aprofundando neste livro.


Por que escolher o gênero adotado?
Leo Nunes - A poesia chegou relativamente tarde na minha vida. Comecei a explorá-la na oficina da Márcia Tiburi em 2017. Desde então fui procurando outras oficinas para tentar aprender mais. Para mim, sempre foi difícil escrever poemas ao mesmo tempo que sempre fui muito curioso sobre esse gênero textual. O que também me motivou foi querer ver na poesia a realidade, as palavras, os sentimentos de um homem gay nos anos 2020, algo que eu não conhecia à época.


Como você definiria seu estilo de escrita? 
Leo Nunes - Não sei definir um estilo, talvez ainda seja cedo para conseguir indicar um caminho pessoal. Hoje, diria que escrevo de forma mais confessional e autoficcional, ao mesmo tempo que procuro elaborar uma narrativa poética.


Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?
Leo Nunes - O livro é dividido em três partes, três atos da vida dessa personagem que aparece ao longo do livro. Durante o processo de organização, decidi deixar esses atos em ordem cronológica, justamente para evidenciar o processo acontecendo para quem for ler o livro na ordem.


Como você escolheu a editora para a obra?
Leo Nunes - Com o original pronto em fevereiro de 2023 fui à procura de editoras dispostas a publicar novos autores. Vi uma chamada aberta da Minimalismos e enviei o livro. Gostei muito da proposta da editora, de focar em um estreitamento entre autor e leitor, além do cuidado editorial com o projeto.


Você escreve desde quando?
Leo Nunes - Acho que antes de escrever veio primeiro o desejo. Meu interesse pelos livros começou no interesse pelo objeto. Na escola, nas aulas de literatura, o que mais me atiçava a atenção era saber quais livros leríamos ao longo do ano, como seriam suas capas, quantas páginas etc. Depois foi descobrir as histórias contidas em cada um deles, poder navegar por outros mundos, sair da minha realidade, ler algo além da bíblia. Na quinta ou sexta série li o livro que mais me marcou: "Nas Pernas da Mentira", da Cecília Vasconcellos. Ele foi o divisor, a partir dali eu também queria ser escritor. Porém, do desejo para a realidade, demorei muito. Sempre escrevi pelos cantos, sempre tentei começar projetos e processos, mas nunca tinha conseguido me dedicar de forma concreta. Em 2013 conheci a Go Writers, escola de escrita criativa da Cris Lisbôa, e passei a frequentar os cursos, ali foi o momento em que comecei esse percurso de escrita de maneira consciente.


Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Leo Nunes - Com um trabalho que me toma muito tempo, não consigo me dedicar 100% do tempo à escrita. Então, escrevo quando posso, quando dá, onde dá, do jeito que dá. Por muito tempo idealizei o cenário perfeito, achei que só poderia escrever quando todas as condições estivessem propícias… Hoje, entendo que é mais importante fazer o possível do que esperar pelo momento perfeito.


Quais são os seus projetos atuais de escrita?
Leo Nunes - Estou desenvolvendo um projeto para meu segundo livro de poemas. Dessa vez, focando no corpo, cidade e memória. Quero trazer minha cidade natal, Duque de Caxias, e trabalhar a tensão do encontro com a capital, Rio de Janeiro.

.: Ana Helena Reis, do livro “Conto ou Não Conto?”, e o cotidiano na literatura


"Um pequeno conto é um desafio, pois ele tem que desenvolver em uma lauda ou duas uma narrativa completa: dar personalidade aos personagens, contar uma história, desenvolver o conflito de forma coerente, e isso me atrai", afirma a escritora Ana Helena Reis em entrevista.

A observação do cotidiano por meio de contos sobre relações afetivas, dilemas sociais e conflitos interiores são abordados em “Conto ou Não Conto?” (compre o livro neste link), lançamento da editora Paraquedas, de Ana Helena Reis, por meio da hibridez nos formatos e temas ao longo da obra. A autora intercala os 34 contos, misturando aqueles com assuntos leves e nostálgicos, com outros mais profundos e densos, buscando equilíbrio e fluidez na obra. Alguns dos temas percebidos nos contos são o medo, a indignação, o preconceito, o amor, o envelhecimento, a intolerância e as desigualdades.

Ana Helena Reis tem 73 anos e nasceu em São Paulo, capital. Ela se define como pesquisadora do comportamento humano, investigadora de si mesma, escritora do cotidiano e ilustradora de devaneios. Conta com uma carreira profissional consagrada: formada em administração de empresas pela EAESP/FGV e mestre pela FEA/USP, é empresária, já publicou diversos livros acadêmicos, papers e trabalhos de pesquisa. Também conta com uma extensa vida acadêmica, tendo sido professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) na Faculdade de Economia e Administração durante 15 anos.

Sua área de especialidade em pesquisa é comportamento do consumidor - a observação, investigação e análise do comportamento das pessoas sempre foi um fascínio. Ponto importante para a criação do livro “Conto ou não Nonto?”, pois lhe ajudou a criar um olhar mais crítico e apurado para os acontecimentos diários.

Embora escreva desde sempre, vide seus “diários infindáveis” da adolescência, começou a dedicar-se com mais afinco à literatura em 2019, quando passou a publicar contos, crônicas e resenhas no blog Pincel de Crônica. Foi esse blog, cujo nome faz referência à pintura, sua outra paixão, que deu substância para a criação do livro, também influenciado por autores que consome: cronistas e contistas como Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector e Luís Fernando Veríssimo; e, de forma mais ampla, Saramago e García Marquez.

Quais são os temas centrais do livro?
Ana Helena Reis O livro é uma coletânea de contos variados, que tem como fio condutor o meu olhar sobre situações cotidianas que podem despertar memórias afetivas e reflexões. De uma forma às vezes irônica e divertida, outras vezes dramática ou surpreendente, desperta o leitor para os conflitos interiores que enfrentamos, como o medo, a indignação, o preconceito, o amor, o envelhecimento, a intolerância, as desigualdades, entre outros. Se fosse escolher três temas, eles seriam: relações afetivas, dilemas sociais e conflitos interiores.

Por que você escolheu esses temas?
Ana Helena Reis - Escolhi esses temas porque creio que eles fazem parte dos nossos questionamentos, nossos sentimentos muitas vezes inconfessos. A ideia foi criar ficções que permitissem, no subtexto, gerar reflexões importantes para os leitores. Para isso, escolhi contos que pudessem abarcar uma diversidade grande de narrativas, tanto na temática como na forma.

O que motivou a escrita do livro e qual foi o processo de escrita?
Ana Helena Reis - Venho escrevendo contos e crônicas há tempos, diria que em torno de dois anos, e armazenando no meu blog Pincel de Crônica. Chegou uma hora que achei que já tinha um material interessante para um livro de contos (depois pretendo fazer o mesmo com as crônicas), e senti que esse era o momento de dar um passo à frente, com a minha primeira publicação literária. O processo de escrita do livro foi rápido, menos de seis meses. Como já tinha os contos, o trabalho foi de escolha do que caberia nesse livro, uma leitura crítica inicial e depois a contratação da editora. Como sempre, uni o texto à ilustração. Na conversa com a editora decidimos que eu colocaria uma seleção das minhas ilustrações na capa e miolo. Escolhi um formato que me encanta que é o do traço único, trabalhei nas ilustrações e seguimos em frente.


Por que escolher o gênero “conto”?
Ana Helena Reis - Porque alguns motivos - um pequeno conto é um desafio, pois ele tem que desenvolver em uma lauda ou duas uma narrativa completa: dar personalidade aos personagens, contar uma história, desenvolver o conflito de forma coerente, e isso me atrai.

Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Ana Helena Reis - Acho que uma característica da minha escrita é deixar uma mensagem aberta o suficiente para que cada leitor extraia daquele conto aquilo que despertou em si o sentimento mais forte, a reflexão mais engajada com a sua realidade. Para dar um exemplo, um conto aparentemente singelo como “Looping” envolve questões como o pânico, o sentimento maternal, o companheirismo entre um casal, a capacidade de rir de nós mesmos e de nossas fragilidades…então vai depender de cada leitor qual dessas mensagens ecoa de maneira mais forte.

O que esse livro representa para você?
Ana Helena Reis - O inesperado. Depois de uma longa carreira profissional, com a publicação de livros acadêmicos, papers, enfim, toda uma história de escrita voltada ao trabalho de pesquisa de mercado, não imaginava que a vida me proporcionasse a oportunidade de dar essa guinada para a escrita literária.

Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma?
Ana Helena Reis - A escrita de contos está sendo muito transformadora para mim. Criar personagens e situações de ficção é como uma catarse de tudo o que foi sendo acumulado nas minhas lembranças afetivas, porque o escritor, mesmo quando trabalha com a ficção, está colocando uma parte de si naquele texto. Isso acredito que é muito libertador e fez fluir muitos guardados da minha caixa de pandora.


Quais são os seus projetos atuais de escrita?
Ana Helena Reis - Estou começando a coletar as crônicas para uma nova coletânea, e o projeto de 2024 é trabalhar em uma narrativa longa, que já venho estruturando há tempos. É um romance ficcional, baseado na figura da "meiga" (como eram chamadas as bruxas na mitologia da Galícia) e sua atuação como benfeitora para a comunidade de mulheres solteiras que se aventuravam a ter filhos… Estou dando muito spoiler!


.: Solange Ocker explica como as perdas são realidade no trabalho de pescador


"A dor de uma família é a dor de todos": autora reflete sobre ausências na vida de pequenas comunidades. Em entrevista, Solange Ocker explica como as perdas são uma realidade no trabalho de pescador e ressalta o papel das mulheres para combater preconceitos à beira do mar. Foto: divulgação


A escritora Solange Ocker nasceu e cresceu na vila Armação da Piedade, em Santa Catarina, composta por famílias pescadoras. À beira do mar, o local foi primeiro construído por portugueses durante a colonização, mas agora são os trabalhadores da pesca que vivem ali. Esta comunidade, repleta de história, tradições e também perdas, foi retratada no livro "Não se Esqueça de Mim" (compre o livro neste link), escrito pela autora como uma forma de homenagear suas raízes.

Na obra, ela atravessa complexidades presentes na região e que dialogam com os contextos sociais conhecidos por muitas pessoas, principalmente mulheres, em todas as regiões do país. "A essência das experiências vividas aqui, as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, a força das relações familiares e comunitárias, a luta pela sobrevivência e a constante presença da saudade são temas universais que ressoam com muitas outras comunidades e realidades no Brasil”, explica.

Além de detalhar o sentimento constante de perda presente nesses moradores, também retrata a luta das mulheres por se firmarem em uma profissão majoritariamente exercida por homens. Com uma protagonista responsável por assumir o comando do lar depois do desaparecimento do marido, a autora ficcionaliza a experiência feminina que muito conheceu durante a vida na vila.

Solange Ocker é professora e empreendedora, natural de Governador Celso Ramos, cidade do litoral catarinense. Formada em Língua Portuguesa e Literatura, com pós-graduação em Literatura Infantojuvenil, mergulha no mercado do livro com Não se esqueça de mim!, romance regional que aborda com sensibilidade as vidas perdidas ao longo das décadas, na atividade pesqueira. 


No romance “Não se Esqueça de Mim!”, você retrata não só a vida e os desafios nas pequenas comunidades pesqueiras, mas também as muitas vidas perdidas de trabalhadores no mar e as famílias que ficaram com o fardo da saudade. Por que decidiu abordar esta questão? 
Solange Ocker - Nasci e cresci nessa comunidade pesqueira. Desde cedo testemunhei a dureza da vida no mar, mas o que mais intensificou essa percepção foi ter casado com um pescador. As longas ausências e o medo constante pairavam sob mim e todos aqueles que esperam seus familiares em terra firme.


De que forma esta realidade se conecta com você?
Solange Ocker Certa feita, um acidente marcou profundamente nossa comunidade. Um barco com todos os tripulantes desapareceu. Nenhum deles foram encontrados. Percebi que, em um lugar pequeno, que vivencia as mesmas expectativas e rotinas, a dor de uma família é a dor de todos.


A trama da obra se passa em Santa Catarina, na turística cidade de Governador Celso Ramos - inclusive lugar em que você cresceu com a sua família. Por que decidiu escrever sobre a vila da Armação da Piedade?
Solange Ocker Escrever sobre a Armação da Piedade é uma maneira de homenagear minhas raízes e compartilhar a riqueza cultural desse lugar.


Como o contexto específico da vila consegue se aproximar das realidades de brasileiros de outras regiões e estados?
Solange Ocker A essência das experiências vividas aqui, as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, a força das relações familiares e comunitárias, a luta pela sobrevivência e a constante presença da saudade, são temas universais que ressoam com muitas outras comunidades e realidades no Brasil.


De que maneira os temas de empoderamento feminino e assédio sexual são abordados através das experiências das personagens Amélia e a mãe, no contexto dos anos 1960 e 70?
Solange Ocker A mãe de Amélia simboliza uma geração de mulheres que tiveram menos oportunidades, pois viveram em um tempo marcado por normas patriarcais rígidas. Mulheres que sofriam em silêncio, carregando as cicatrizes do assédio e da submissão esperada pela sociedade da época. Entretanto, mesmo em meio à opressão silenciosa, as personagens lutaram com coragem em busca de voz e liberdade. Elas personificam a resistência e a determinação, reforçando sobre a importância de combater as injustiças de gênero em todas as suas formas.

A cultura açoriana e os locais emblemáticos de Governador Celso Ramos, como a Igreja Nossa Senhora da Piedade, estão muito presentes na trama. Para você, qual a importância de abordar a presença colonizadora portuguesa na região e como essa herança cultural influencia a identidade dos personagens e a dinâmica da comunidade no romance?
Solange Ocker A abordagem da presença colonizadora portuguesa da herança cultural açoriana é fundamental para contextualizar a identidade dos personagens e a dinâmica da comunidade. O livro ressalta essas heranças diretamente na personalidade e nos valores dos personagens. A fé, a resiliência e a valorização das famílias, por exemplo, são aspectos centrais que derivam dessa cultura.

Qual a importância da preservação da cultura açoriana para o país; e como você acha que a literatura contribui para o processo de proteção dessa memória?
Solange Ocker A cultura açoriana é uma parte fundamental da identidade cultural de muitas comunidades no Brasil, especialmente no litoral sul do país. A literatura tem o poder de documentar e registrar essa herança e manter viva a história e as tradições que moldaram essas regiões.

.: Tropeiros: Jorge Antonio Salem exalta contribuição cultural de trabalhadores


"Todos os livros que contam a história de alguém ou algum lugar levarão os leitores a viverem aquele período histórico", afirma Jorge Antonio Salem, em entrevista. Ele explica como os brasileiros contemporâneos podem aprender com as experiências dos condutores de cargas de séculos atrás. Foto: divulgação


Quando Jorge Antonio Salem decidiu eternizar as lembranças do sogro no livro "Memórias de Um Tropeiro" (compre o livro neste link), ele percebeu que os brasileiros contemporâneos tinham muito a aprender com os trabalhadores anônimos responsáveis por explorar as regiões sul e sudeste do Brasil nos séculos passados. A resiliência perante momentos turbulentos, a crença de que seu ofício contribui positivamente para a vida das pessoas e a busca por uma existência digna para a família são algumas das características que ele descreveu na obra e dialogam com o contexto socioeconômico do mundo atual. 

Além de escritor, Jorge Antônio Salem é farmacêutico-fiscal do Conselho Regional de Farmácia do Paraná desde 1996 e mestre em Ciências da Saúde. Ele também publicou a obra "60 Anos - Uma História de Dedicação ao Conhecimento" e o livro de poemas "Poesias da Vida Cotidiana". Foi casado por 30 anos com Maura Lúcia Azevedo, filha de João Azevedo, personagens que inspiraram a publicação de Memórias de um tropeiro. Nesta entrevista, o autor reforça a importância de conhecer o movimento tropeirista e explicita o valor do ofício para as próximas gerações. Leia:


Você escreveu “Memórias de Um Tropeiro” a partir dos relatos do seu sogro. Como as lembranças dele reforçam a importância da contribuição dos tropeiros para o Brasil?
Jorge Antonio Salem - Assim como os tropeiros do passado distante levavam animais que faziam o transporte de cargas de alimentos para o estado de Minas Gerais, pois o Império proibia essa população de plantar, meu sogro também fazia o transporte de animais para outras regiões. Assim, ele contribuía para o desenvolvimento dessas regiões, fornecendo animais de carga e outros produtos de consumo.


João Boiadeiro era um homem que conhecia diversas regiões do país e citava com riqueza de detalhes alguns lugares por onde passava. Na sua opinião, por que estas memórias devem ser preservadas para a posterioridade?
Jorge Antonio Salem - Hoje, somos pessoas bem formadas pela leitura de livros que foram escritos nos séculos 19 e 20, com histórias inspiradoras. Penso que as experiências vividas pelo João Azevedo e as dificuldades que ele enfrentou durante o transporte de animais para nossas terras podem levar os leitores a refletirem sobre a vida no mundo atual. Não podemos reclamar de qualquer situação um pouco mais difícil, porque é mais fácil viver hoje se compararmos com o passado.

Você acredita que a preservação destas memórias em um livro pode contribuir para a construção de um país que reconhece seu passado? De que maneira?
Jorge Antonio Salem - Todos os livros que contam a história de alguém ou algum lugar levarão os leitores a viverem aquele período histórico. É um prazer poder levar essas histórias aos leitores para fazê-los conhecer uma atividade que pouco ocorre nos dias atuais. No século passado, as viagens dos tropeiros duravam meses, enquanto hoje elas acontecem apenas por alguns quilômetros. Acredito que os leitores, ao verem o amor pela profissão e a luta para cumprir sua missão por parte do João Azevedo, podem ser inspirados a não desistirem do que fazem e a terem a dimensão de como o trabalho deles pode contribuir para um país melhor.

O que os brasileiros de hoje podem aprender com os tropeiros do passado? Qual foi também seu principal aprendizado pessoal?
Jorge Antonio Salem - Muitas de nossas cidades foram fundadas ao longo das estradas que os tropeiros passavam. Por isso, eles deixaram um legado muito grande ao nosso país. Algumas vezes, os tropeiros conheciam alguma jovem e fixavam residência naquele local, logo tornando aquela pequena vila em uma cidade. Esses trabalhadores incansáveis também levavam notícias de muitos lugares para aquelas regiões que tinham dificuldade de acesso a meios de comunicação. Os tropeiros eram unidos, trabalhavam duro e voltavam para seus entes queridos. Esse foi o exemplo que tive na convivência com João Azevedo, que exerceu essa atividade por 30 anos e sempre voltava para sua família.


Qual a mensagem que você pretende transmitir com “Memórias de Um Tropeiro”?
Jorge Antonio Salem - Uma primeira mensagem do livro "Memórias de Um Tropeiro" apresenta o relacionamento do homem com o animal de forma respeitosa, porque os condutores de tropas transportavam os animais de maneira segura e calma. Assim, os trabalhadores tiveram que desenvolver um senso de direção e tranquilidade, para que os animais não se assustassem. Além disso, acredito que a segunda mensagem é mostrar como o país viveu e vive momentos de turbulências, que não se restringe a um período histórico específico. Assim, todos nós devemos aprender a ser tolerantes e resilientes, para atravessarmos situações difíceis de nossas vidas.

Na sua perspectiva, qual foi o papel do tropeirismo para o Brasil, não apenas numa visão macro, mas também para as famílias que garantiam sustento a partir desse trabalho?
Jorge Antonio Salem - Esse emprego ajudou de certa forma a acomodar as pessoas que não conseguiam se manter fixo em uma determinada região e que, por isso, precisavam se mudar com certa frequência. O condutor de tropas ganhou a oportunidade de viajar para diversas regiões e conseguia sustentar sua família, para que todos tivessem uma vida mais dignidade e segura financeiramente. Mas a profissão foi importante também para as pessoas que gostavam de viajar e se sentiam livres nos campos: elas podiam exercer esse ofício alinhadas à vontade delas de conhecer novos lugares.



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