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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

.: Entrevista: Tom Schuman entra em nova fase com disco solo


Por
 Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural.

O músico Tom Schuman, que por mais de 40 anos integrou o grupo Spyro Gyra, está iniciando uma nova fase da carreira solo. Morando atualmente na Espanha, ele acaba de lançar o álbum "I Am Schuman" nas plataformas digitais e começa a divulgar esse novo trabalho autoral, no qual tem o controle total da produção e mixagem e segue a linha do chamado smooth jazz com influência direta do estilo fusion. Destaque para as faixas "Loose Change" e "Set It Off", onde ele demonstra sua habilidade como solista no teclado. Em entrevista para o Resenhando.com, Schuman explica o conceito utilizado para esse trabalho e revela seus planos para o futuro. “Este álbum representa minhas capacidades de produção”.


Resenhando.com - Como você define o conceito musical do seu novo CD," I Am Schumam"?
Tom Schuman - O conceito musical para "I Am Schuman" começou como uma série de faixas que criei usando improvisações improvisadas. Eu as executei no meu estúdio e/ou no meu piano em Las Vegas nos últimos 15 anos. Já lancei dois singles com esse conceito em mente. "The Candy Store is Open" e "Syntropy". Esses dois singles também estão sendo relançados neste álbum. Meu título inicial era "I'm Only Schuman". Mas quando Sandeep Chowta concordou em promovê-lo em seu selo Namma Music na Índia, ele o chamou de "I Am..." em vez de "Im Only...". Então, para mim, este álbum representa minhas capacidades de produção, bem como meu trabalho de teclado sozinho no estúdio. Com exceção de dois cortes, ("Comfortable Silences" e "Loose Change"), executei cada parte e mixei o álbum inteiro sozinho. "Comfortable Silences" apresenta o guitarrista indiano, Abhay Nayampally. "Loose Change" incorpora os ritmos ofegantes de Kevin Whalum.

Resenhando.com - Qual é a diferença entre esse trabalho atual e o que você fez no Spyro Gyra?
Tom Schuman - Este trabalho atual é um esforço completamente solo. Tenho controle sobre todos os aspectos da música, som, performance e mixagem. Enquanto Spyro Gyra era um ambiente mais democrático, incorporando muitas pessoas que influenciam o resultado final.

Resenhando.com - Como funciona seu processo de criação musical?
Tom Schuman Meu processo de criação geralmente começa com um sentimento inspirado por um solo de piano improvisado ou um groove de um orquestrador de ritmo ou patch de sintetizador. O resto do processo é deixado para a performance improvisada, conforme eu sinto ao longo do tempo. Às vezes, edito muitas improvisações diferentes juntas para criar algo único para mim. Outras vezes, a peça inteira sai de mim em uma tomada. Então, eu a produzo usando patches de baixo, ritmos, pads, cordas ou outros sons para aprimorar a performance básica. Eu chamo isso de método Zawinul. O falecido e grande Joe Zawinul do Weather Report falou sobre esse método de escrita durante uma entrevista. A maioria de suas composições surgiu de uma improvisação básica que ele então escreveu para outros músicos interpretarem. Descobri que essa era a melhor maneira de escrever algo novo e interessante, pelo menos para meus ouvidos.


Resenhando.com - Você tocou com vários nomes atuais do jazz, como Jeff Lorber e Jeff Kashiwa, entre outros. Há planos para novas parcerias musicais no futuro?
Tom Schuman Ainda não há planos, mas estou sempre aberto a trabalhar com qualquer um que queira pensar fora da caixa. Recentemente trabalhei com Paul Brown em algumas faixas. Ele tem uma técnica de mixagem linda que faz tudo soar como uma lufada de ar fresco!


Resenhando.com - Como o novo CD está sendo promovido? Há planos para shows?
Tom Schuman Estou deixando Sandeep Chowta e o consórcio Namma Music liderarem o caminho na promoção e distribuição. Quanto aos shows, tenho algo marcado na Sardenha, Itália, com meu trio de jazz. É para o Culture Fest de 2024 lá. Será no dia 16 de novembro e contará com Ameen Saleem no baixo e Guido May na bateria. O material de "I Am Schuman" exigiria muito mais músicos e ensaios para representá-lo adequadamente ao vivo. Então, espero poder apresentá-lo em um futuro próximo. Fique ligado!


"Set It Off"

"Loose Change"

"How Sensitive"

terça-feira, 24 de setembro de 2024

.: Entrevista: Bruno Haulfermet traz representatividade gorda, LGBT+ e racial


"Que a gente não se permita viver uma vida pela metade, sem plenitude"
, defende o autor Bruno Haulfermet integra uma nova geração de escritores nacionais que lutam para trazer representatividade real na literatura brasileira. Autor gay, ele escreveu a romantasia young adult "Depois das Cinco", publicada pela Buzz Editora, para abordar a pluralidade de existências brasileiras por meio de protagonismo gordo, racial e LGBTQIAPN+. Em entrevista, ele fala sobre a importância da real representatividade na literatura brasileira.

Romance, fantasia, uma boa dose de mistério e muita diversidade: essa é a premissa de "Depois das Cinco", que narra a jornada de Ivana, uma adolescente que deixa de existir todas as tardes, quando o relógio marca seis horas em ponto, e ressurge somente depois das cinco da manhã do dia seguinte.  Enquanto tenta esconder esse segredo a sete chaves, a garota acaba se apaixonando por Dario, um menino desconhecido por todos na província onde moram. O rapaz vive a mesma condição corporal, mas de forma oposta: sempre que ela retorna ao mundo físico, ele desaparece. Com encontros limitados a breves minutos diários, quando seus corpos estão translúcidos, os dois iniciam uma busca para descobrir como driblar o impasse temporal e viver essa paixão. Mas se deparam com uma teia de mentiras capaz de colocar seus destinos em risco.  

Em entrevista, Bruno Haulfermet revela as inspirações por trás do enredo e as reflexões humanas presentes na obra, além da relação com quadrinhos e o gênero de terror. O autor destaca principalmente a importância da representatividade na literatura jovem brasileira, por meio de personagens que dão voz à pluralidade de existências. Ele sempre foi ligado à arte. Seu amor precoce pela leitura se deu graças aos quadrinhos da "Turma da Mônica" e, com o passar dos anos, foi se estendendo aos livros. Ainda na adolescência, começou a escrever contos de terror e fantasia baseados nos volumes de "Goosebumps". Entusiasta da cultura pop, sobretudo a dos anos 1990, Bruno é designer por formação, já foi colunista do blog Plugcitários e embaixador do Wattpad, onde se tornou líder de curadoria de conteúdo. É fã de animes e filmes hollywoodianos, adora frappuccinos e generosas fatias de bolo caseiro. Depois das cinco é o romance de estreia do autor. Leia a entrevista na íntegra. Compre o livro "Depois das Cinco" neste link.


Ivana e Dario vivem um amor quase impossível em "Depois das Cinco", por causa da diferença temporal que dificulta a convivência entre o casal. Como surgiu a ideia de criar um romance no qual os protagonistas estão em tempos opostos, e qual lição de vida os leitores podem levar dessa leitura?
Bruno Haulfermet - A inspiração veio do filme "A Casa do Lago", com a Sandra Bullock e o Keanu Reeves, onde eles ficavam nessa casa, mas cada um em um dado ponto do tempo. Havia uma diferença de dois anos entre eles. Eles começam a se corresponder, se apaixonam e tentam encontrar uma forma de viverem esse amor, apesar da questão do tempo. Daí veio a ideia de a Ivana só existir em um período do dia e do Dario em outro. O livro traz um alerta sobre o quão incompletos a gente pode se sentir ao longo da vida, à medida que nos conformamos com os acontecimentos que nos chegam. E carrega uma mensagem de que a gente fique atento e não se permita viver uma vida pela metade, sem plenitude. Temos o direito de ser quem quisermos e lutar por isso.  


A pluralidade é um aspecto muito presente na obra, a partir de personagens gordas, com diversidade racial e que se identificam como LGBTQIAPN+. Como escritor e homem gay, de que forma você enxerga hoje a importância da representatividade na literatura nacional?
Bruno Haulfermet - Obrigatória, não apenas na literatura nacional, mas em todos os veículos artísticos. Cresci nos anos 90 e não tive oportunidade de me ver representado em personagens. E, não vendo personagens gays, foi mais difícil me sentir parte do mundo. E como você – ainda muito jovem, com uma personalidade em formação – faz quando simplesmente percebe que não se encaixa em nada? Por ter vivido isso diretamente, assumi o compromisso de não ter essas “ausências” nas minhas obras. É de extrema importância apresentar personagens diversos, não apenas em situações pouco/não-convencionais, mas também dar voz e relevância a eles. É assim que, a meu ver, o leitor vai se sentir visto, respeitado e vai vislumbrar para o seu futuro um milhão de possibilidades. 


Província de Rosedário, com as rosas de caule rosado e seus mistérios, pode ser considerada até mesmo uma personagem secundária do livro. O que inspirou a criação desse cenário e como ele reflete os temas abordados?
Bruno Haulfermet - As próprias rosas são tão protagonistas quanto Ivana e Dario, na mesma medida. Eu quis criar um cenário que fosse bastante visual e que conseguisse transmitir a atmosfera intimista de forma bem fácil. Me inspirei em cidadezinhas da Itália e da França, rústicas e pequenas, para que a Província de Rosedário pudesse encantar pela beleza e, ao ser revelado o plot, tivesse um contraste bem grande com a coisa terrível que acontece por lá. Ser um lugar de poucos habitantes também reforçou o quesito “fofoca”, onde todo mundo se conhece e qualquer passo errado pode e vai repercutir em todos os cantos de lá, o que, por si só, já é bem assustador.  


Como designer por formação, de que maneira sua bagagem profissional influenciou a forma como você descreve cenários, personagens e as cenas no livro?
Bruno Haulfermet - Carrego comigo a máxima de que quando algo é bem-conceituado, absolutamente tudo pode encantar. Então sempre fiquei atento para que o conceito do livro não se perdesse. É muito importante ver – e não esquecer – que o livro é um produto. E como tal, precisa estar lapidado para o leitor/consumidor. Capítulos objetivos, descrições claras e sem delongas, diálogos interessantes e reais, entre tantos outros aspectos que precisam ser levados em conta para, ao mesmo tempo, não frustrar o leitor e proporcionar uma experiência de imersão inesquecível. Da parte visual: capa e todo material de apoio, impresso ou digital, também vai conversar com esse conceito. E, como designer, fica bem mais fácil conduzir esses alinhamentos de forma que se crie uma identidade sólida, porque eu sei o que vai funcionar ou não diante daquele contexto.  


O seu amor pela leitura começou com quadrinhos e evoluiu para livros de terror e fantasia. Como essas influências moldaram seu estilo de escrita no young adult "Depois das Cinco", em que você mistura romance, fantasia e suspense?
Bruno Haulfermet - Os quadrinhos tiveram um papel fundamental no desenvolvimento do meu vocabulário, antes dos livros, além de ter esse “elemento fantástico” bem visual. Embora eu escreva/assista romance e fantasia, meu gênero da vida é o terror. É o que mais consumo desde sempre, e é o gênero que mais me traz inspirações. Por conta disso, é inevitável que as minhas obras tenham elementos de mistério, suspense e até uma dose macabra. Em "Depois das Cinco" não foi diferente: apesar do romance e da fantasia, a obra não é totalmente água-com-açúcar e tem momentos de prender o fôlego.


Antes de ser publicado pela Buzz Editora, "Depois das Cinco" foi um sucesso no Wattpad. Agora, você lança a obra com exclusividade durante a Bienal de São Paulo. Como essa transição do digital para a publicação tradicional impactou sua carreira enquanto autor estreante?
Bruno Haulfermet - "Depois das Cinco" teve uma grande aceitação no Wattpad, tendo inclusive sido shortlist no The Wattys (premiação interna e oficial da plataforma) e semifinalista em um concurso da Galera Record. O impacto do digital para o físico é enorme: a primeira coisa – a mais legal e também a mais clássica – é poder ver o resultado do seu trabalho literalmente na palma da sua mão. O livro físico ainda tem uma força muito grande e isso facilita a aproximação com o leitor, em uma sessão de autógrafos, por exemplo. Aprendi muito com o processo em si, desde a assinatura do contrato até a distribuição. Conheci profissionais incríveis. O próprio convite para a publicação foi um reconhecimento muito gratificante e que mostra que meu trabalho está sendo bem-visto.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

.: Entrevista com Fagner, muito além do futuro


Por
 Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural.

O cantor e compositor Raimundo Fagner está em plena atividade. Depois de realizar um disco conceitual com canções da época da seresta e trabalhos em parceria com Zeca Baleiro, Elba Ramalho e Renato Teixeira, o cearense lançou um tributo ao amigo Belchior, um novo (e ótimo) disco de canções autorais ("Além do Futuro") e já está finalizando um novo disco com canções de forró pé de serra. Trabalhos esses que mostram não só a sua versatilidade mas também o seu apreço pelo som popular sem perder a força da poética e do romantismo. Em entrevista para o portal Resenhando.com, Fagner conta um pouco do conceito do seu trabalho autoral e seus planos para o futuro, ou melhor, além do futuro. "A música sempre esteve presente na minha vida".

Resenhando.com - Com 50 anos de carreira, você ainda encontra força para lançar álbuns autorais. Qual é o segredo dessa vitalidade criativa?
Raimundo Fagner -
Acho que muito dessa vitalidade que você citou vem do fato de eu ter muitos parceiros. Fausto Nilo, Caio Silvio, Abel Silva...a lista é bem grande. Tem momentos que estou trabalhando em uma melodia e imagino que determinado parceiro pode acabar gostando e se identificando. Mas não nego que gosto de compor também. A música sempre reinou em minha vida e vai continuar reinando por muito tempo, se depender de mim.


Resenhando.com - Esse seu disco autoral, "Além do Futuro", parece soar saudosista. Isso foi intencional?
Raimundo Fagner - A intenção foi ressaltar a força da poética dentro da música. Realmente algumas canções soam nessa toada mais saudosista. Mas não tive essa intenção. Eu deixei a coisa fluir como ela deveria ser. O ponto de partida foi a faixa Noites do Leblon, que canto com o Zeca Baleiro. Logo depois veio a faixa que deu título ao disco (Além do Futuro), com letra de Fausto Nilo. A partir daí já tinha o conceito do disco e tudo fluiu muito bem.  Há uma releitura de Onde Deus Possa me Ouvir, do Vander Lee, que eu já queria gravar há algum tempo

Resenhando.com - Há uma bela canção intitulada "Filho Meu", que foi composta para seu filho, que você conheceu mais recentemente.
Raimundo Fagner - Foi uma felicidade imensa esse reencontro com meu filho. Essa canção eu fiz com o Caio Silvio, que percebeu a beleza dessa história e fez uma homenagem sutil ao meu filho Bruno. É uma das músicas que mais gosto desse disco. Tenho mostrado para amigos e não tem quem não se emocione.


Resenhando.com - Você já fez discos em parceria com Zeca Baleiro, Renato Teixeira e Elba Ramalho recentemente. De onde vem essa facilidade para fazer essas parcerias?
Raimundo Fagner - Como eu disse anteriormente, a lista de parceiros que tenho é bem grande (risos). Eu gosto de trabalhar em parceria porque sempre rende algo positivo musicalmente. Todos esses trabalhos que você citou me deixaram realmente realizado.


Resenhando.com - É verdade que você tem uma relação afetiva com Santos?
Raimundo Fagner - Você mora na cidade do clube do Rei Pelé. Então já tem algo muito especial. Eu tive amizade com Pelé e com o Zito, que chegou a ir em shows meus. Sou amigo do filho do eterno capitão santista. Eu estava na arquibancada da Vila Belmiro quando o Pelé se despediu do futebol em 1974. E cheguei a jogar com ele na época em que ele estava no Cosmos de Nova York, que tinha outros jogadores lendários, como o Carlos Alberto Torres, Beckenbauer e outros. Tenho um carinho enorme pela Cidade de Santos, no Litoral Paulista.

Resenhando.com - Você segue fazendo os shows ao vivo?
Raimundo Fagner - Com certeza. Estamos acertando apresentações em Minas Gerais. E espero poder levar aí, para Santos. Quem sabe ainda dá tempo para jogar um pouco de futebol na Vila Beimiro?  Seria perfeito.

"Além Desse Futuro"

"Noites do Leblon"

"Recomeçar"

.: Entrevista com Jay Beckenstein: Spyro Gyra completa 50 anos de boa música


Por
 Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural.

Há 50 anos, um grupo de jovens músicos começava nos Estados Unidos uma incrível jornada pelo jazz instrumental, influenciado pelo estilo fusion que estava em alta na época. E a receita deles trazia um certo tempero pop ao som, que acabou se tornando sua irresistível marca registrada e conquistou centenas de fãs pelo mundo afora. Mundo esse que não se cansou nunca de presenciar o som mágico da banda Spyro Gyra em todos os seus continentes. E mesmo com as mudanças na formação, a sonoridade se manteve intacta.

Líder e fundador do grupo, o saxofonista Jay Beckenstein, continua tocando seu instrumento com a mesma vitalidade do início, contando com Julio Fernandez (guitarra), Scott Ambush (baixo), Lionel Cordew (bateria) e Chris Fisher (teclados) como integrantes fixos atuais. Em entrevista para o Resenhando, Jay Beckenstein conta como foi seu início na música, comenta sobre o panorama atual do jazz e não descarta lançar mais um álbum com canções inéditas. “Espero que a gente crie um conceito para outro disco no futuro”.


Resenhando.com - Como e quando foi que a música chegou até você?
Jay Beckenstein -
Nasci em 14 de maio de 1951 no Brooklyn, Nova York, e cresci cercado por música. Minha mãe era cantora de ópera e o amor do meu pai pelo jazz me apresentou a Charlie Parker e Lester Young antes que eu pudesse falar. Comecei a tocar piano aos cinco anos de idade, quando minha família se mudou para Farmingdale. Ganhei meu primeiro saxofone por meio do programa de música na escola primária aos sete anos de idade. No meu primeiro ano na faculdade, comecei a trabalhar em clubes em Buffalo e, quando me formei, tinha um trabalho estável nos clubes. Os próximos anos foram gastos tocando em algumas grandes bandas de blues e Rhythm & Blues.


Resenhando.com -Nesses 50 anos, você viu muitas mudanças no mundo da música. Como avalia o momento atual?
Jay Beckenstein - Acho que há tanta coisa que foi feita musicalmente que muito do que está acontecendo parece ser uma repetição de ideias antigas. Não parece haver muito espaço para novas descobertas e música agora, mas é claro que ainda há ótima música sendo feita. Mas muito disso parece ser uma repetição do passado.

Resenhando.com - Apesar das mudanças na formação, o som do Spyro Gyra continua intacto. Qual é o segredo da longevidade?
Jay Beckenstein - Permanecendo fiéis a nós mesmos. Sabe, nunca perseguimos um estilo. Sempre fizemos o que parecia natural, o que era natural e acho que nosso estilo foi formulado em uma época na música em que havia muita riqueza e ecletismo. Havia tantos tipos diferentes de música dos quais se basear na época. Então, esse amálgama particular de música nos moldou.


Resenhando.com - Em 1992, você tocou na gravação da música "Another Day", com o grupo Dream Theater. Como foi essa experiência?
Jay Beckenstein - Primeiro de tudo, eu gostei muito. Eu era dono de um estúdio de gravação, o BearTracks, e o Dream Theater estava gravando lá. Então foi tudo muito, muito casual. Eles estavam lá em cima gravando e alguém disse: "Você quer tentar um solo de sax?" Então eu subi e levou cerca de 15 minutos. Pareceu muito natural, foi ótimo. Essa foi minha introdução inicial a eles. Aquele solo de sax entrou no disco deles e estou orgulhoso disso. É um solo muito legal. Mas então fomos um pouco mais longe com isso e eu me apresentei com eles algumas vezes. E ainda sou amigo de Jordan Rudess (o tecladista do Dream Theater), que mora na minha área.

Resenhando.com - Desde o começo, a influência da música brasileira pode ser notada no som do Spyro Gyra. Fale sobre a relação com a nossa música.
Jay Beckenstein - Como um jovem que estava apenas desenvolvendo meu som, eu estava imensamente interessado em Samba. Era simplesmente a música mais bonita, alegre e ainda incrivelmente sofisticada. Acho que fui apresentado a ela pela colaboração de Stan Getz, João Gilberto e Tom Jobim. Mas sim, meu apego à música brasileira remonta a quando eu tinha 14 e 15 anos, com aquelas coisas maravilhosas de jazz samba acontecendo.

Resenhando.com - Qual é a sua opinião sobre o momento atual do jazz?
Jay Beckenstein - O jazz é uma forma de arte grande demais para desaparecer. Quer ele permaneça em algum tipo de estado puro ou não, sua influência continuará sendo imensa. Eu sinto que o jazz, junto com a música clássica, são os pináculos da musicalidade. Eles exigem tanta dedicação. Eles exigem tanto trabalho que são realmente uma arte elevada no mundo da música. E esse é o tipo de coisa que não desaparece. Bach não desaparece e nem 'Trane” (apelido dado ao renomado músico de jazz John Coltrane).

Resenhando.com - A banda já está em turnê para comemorar seu 50º aniversário. Há alguma intenção de gravar um novo álbum?
Jay Beckenstein - Essa é uma pergunta muito boa. Eu acho que eu consideraria gravar um novo álbum se eu sentisse que tenho algo novo a dizer. Qualquer reticência de que eu teria que não fazê-lo é mais que, agora, eu não tenho uma ideia totalmente nova para onde ir. Não valeria a pena apenas refazer o que fizemos em mais de 30 discos. Por outro lado, no passado, quando começamos a gravar projetos, eles me energizaram e energizaram a banda. Então, espero que a gente crie um conceito para outro álbum no futuro.


"Morning Dance"

"Catching The Sun"

"Shaker Song"

domingo, 1 de setembro de 2024

.: Entrevista: escritora gaúcha Marina Monteiro fala sobre o livro “Açougueira”


Marina Monteiro leva o leitor a assumir o lugar da acusada e oferecer-lhe o benefício da dúvida, criando uma reflexão sobre a culpabilização feminina. Fotos: Manu Deça

A violência doméstica e as opressões sofridas pelas mulheres, bem como a discussão das posições sociais dos gêneros são alguns dos assuntos que a autora e dramaturga Marina Monteiro escolheu abordar no romance de estreia “Açougueira”, publicado pela editora Claraboia. O enredo deste romance provocativo acompanha as investigações do assassinato e esquartejamento de um homem e é narrado por meio dos depoimentos dos moradores da cidade, uma cidadezinha interiorana onde todos se conhecem.

A principal suspeita de ter cometido o crime é a esposa do assassinado, que detalha em seus depoimentos a história da vida do casal, desde seu enlace até a decadência da relação. Por meio deste formato narrativo, a autora leva o leitor a assumir o lugar da acusada e oferecer-lhe o benefício da dúvida, criando uma reflexão sobre a culpabilização feminina. Marina Monteiro é atriz, arte-educadora, produtora e gestora cultural, possui licenciatura em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), e ainda o título de bacharela em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela nasceu em Porto Alegre, em 1982, e vive atualmente entre as capitais Rio de Janeiro (RJ) e Florianópolis (SC). A autora é vencedora na categoria de narrativas curtas do Prêmio da Associação Gaúcha de Escritoras (AGES) de 2020 com o livro “Em Nossa Cidade Amarelinha Era Sapata”, e do Prêmio Minuano de 2022, na categoria contos com o  livro “Contos de Vista Pontos de Queda”, obra que também foi indicada na mesma categoria ao Prêmio Açorianos de 2023. Compre o livro "Açougueira", de Marina Monteiro, neste link.


Por que você escolheu abordar temas referentes à justiça em sua obra?
Marina Monteiro - O tema da justiça é algo que me inquieta desde muito nova. É uma temática que me move bastante. O papel da justiça, seu ideal de imparcialidade, sua realidade muitas vezes parcial em uma sociedade tão desigual quanto a nossa. Os embates morais e éticos que advém quando refletimos sobre os processos da justiça me inquietam. Quando li a peça "Antígona" na faculdade de teatro já fiquei atenta e anos depois na faculdade de filosofia a revisitei com diversas matérias e debates sobre ética, moral, justiça e as relações com as realidades sociais, e sempre fiquei muito motivada. 


De onde veio a ideia do romance?
Marina Monteiro - 
A ideia do romance surgiu de uma dramaturgia que finalizei em março de 2020, chamada “Carne de Segunda”. Esta dramaturgia surgiu de uma prática de escrita coletiva, de um trio de atrizes escritoras que eu participava junto com Érida Castello Branco e Sônia Alves, no Rio de Janeiro. Fizemos uma determinada dinâmica que funcionava assim: escrevíamos nossos nomes em papéis e dobrávamos, escrevíamos situações em outros papéis e dobrávamos. Depois cada uma sorteava um nome e uma situação. A ideia era escrevermos textos teatrais para a outra atuar. Meus papéis foram Sônia e júri. Lembro que fui pra casa e joguei no google as palavras júri e mulher e a quantidade de matéria sobre violência doméstica foi absurda. O que me fez querer ir mais a fundo. Fiquei pesquisando casos de violência doméstica e feminicídio e o papel da justiça nesses casos, em muitos a mulher saía perdendo, condenada mesmo sendo vítima e de ter perdido a própria vida. Tem um fato estranho no meio disso tudo que é o seguinte: eu juro que achei uma reportagem sobre uma mulher, moradora de uma cidade do interior, que toda a cidade era testemunha de que o marido corria atrás dela com um machado em volta da casa, e ninguém fazia nada. Um belo dia este homem aparece morto, esquartejado, e toda a cidade se volta contra a mulher, ela é tratada como o monstro, mas nem um pio sobre o cara cercar ela com um machado. Lembro de um vizinho dizer a frase absurdamente clássica “em briga de marido e mulher não meto a colher”, só que para condená-la estava metendo. O fato curioso é que esta reportagem me fez começar a pensar na história da dramaturgia que depois foi semente para o romance, desapareceu, eu não salvei o link e nunca mais consegui encontrar. Este embate moral me interessa, dessa mulher da reportagem, ela era perseguida e violentada diariamente, o marido aparece morto e é ela acusada por todos, e mesmo sendo ela a responsável pelo crime, ainda assim, onde estavam todos quando essa mulher precisou de ajuda? E como a justiça prontamente já coloca essa mulher no centro do palco de acusação, sem nem pestanejar, porque claro, matar alguém é um crime sem desculpas, mas violentar uma mulher também deveria ser.


E como foi o processo de escrita da obra?
Marina Monteiro - Eu terminei essa dramaturgia um pouco antes da pandemia, daí veio o isolamento e todo o horror que começamos a viver e essa personagem não saía da minha cabeça. Em determinado momento comecei a fazer uma oficina que o escritor Robertson Frizero estava oferecendo gratuitamente no Instagram, era sobre a escrita do romance, e pra aproveitar melhor a oficina, seria legal eu ter um projeto pra me exercitar, então pensei: “ah, já que essa personagem não sai da minha cabeça, quem sabe não brinco de adaptar a peça para um romance.” Mas zero pretensão de publicar ou de que aquilo viraria um livro, era mais uma distração do horror do que um compromisso sério. Tanto que comecei a escrever o romance todo em caderno de papel com caneta vermelha, acho que pra fugir das telas, para reafirmar uma vida menos virtual naquele momento. Aí a brincadeira foi me tomando: comecei repetindo a dramaturgia e fui vendo que me limitava, ao mesmo tempo em que o texto ia ganhando vida e mudando o rumo da prosa. Quando terminei a primeira parte tive uma trava, porque sentia que mudava a forma e a linguagem mas não achava qual, e também porque eu tinha cismado que queria me distanciar do teatro, fazer apenas literatura. Superei isso e descobri que podia sim beber no teatro, na dramaturgia para fazer nascer esse romance e foi aí que voltei pros meus livros de tragédia, estudei o coro, fui mergulhando nesse universo e consegui encontrar a linguagem da segunda parte e aí o restante do livro foi se fazendo junto.


Você conta que encontrar a linguagem para a narrativa demandou muita experimentação. Como esse processo aparece no livro?
Marina Monteiro - 
Eu tento trabalhar forma, linguagem e conteúdo muito em consonância. Com uma experimentação de uma linguagem que se cola muito a sonoridade da voz da personagem, que tenta trazer o corpo pra página de alguma maneira. Também experimento muito em “Açougueira” as estruturas narrativas, variando as formas de contar esta história e de apresentar estas vozes. O livro é dividido em cinco partes, compostas de capítulos curtos. Em cada uma das partes há uma experimentação de forma diferente, que tenta dar conta da polifonia e do entrecruzamento dessas vozes para movimentar a narrativa. Todas as partes são em primeira pessoa.


Além dos capítulos com diferentes narradores, você traz a questão da fofoca para compor a polifonia. Qual era sua intenção em apresentar tantas opiniões e versões dos fatos ao leitor?
Marina Monteiro - A coisa da fofoca surge nessas vozes preconceituosas e repressoras dos vizinhos dessa personagem, que a julgam o tempo todo, com rara exceção. Aqui brinquei um pouco com a ideia de coro grego só que pensado como um grupo de fofoca, um grupo de Whatsapp de bairro, onde o julgamento e os conservadorismos rolam soltos, no livro eles estão depondo contra ela, mas tem esse tom de fofoca, de invenção. Eu brinco com isso também, de deixar a pessoa leitora tentar decidir que lado ela vai tomar na história. Viver seu próprio embate moral ali. Decidir quem é culpado, quem é inocente e até mesmo se existem culpados e inocentes num caso como o do livro. Ouvir todas aquelas vozes e se movimentar a partir delas.

Quais são as suas influências literárias? Teve alguma que influenciou diretamente o “Açougueira”?
Marina Monteiro - Meus primeiros escritos emulavam muito do estilo de Clarice Lispector e do Fernando Pessoa, autores que me fizeram perceber que literatura podia ser mais que contar uma história, que tinha um mistério ali no como contar, que era fascinante. Outras influências que eu posso citar aqui são Saramago, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, Guimarães Rosa, Faulkner, Natalia Borges Polesso, Marcela Dantés, Carola Saavedra, Érico Veríssimo, entre muitos outros. “Açougueira” não teve influência de nenhuma obra ou escritor específico, talvez um pouco da “Antígona”, porque eu tinha acabado de vir de um semestre debatendo ela a partir da República de Platão e as noções de justiça inclusas na peça, além de uma influência do estudo do coro grego.


A escrita do livro te transformou de alguma maneira?
Marina Monteiro - Esse livro pra mim é um marco no meu amadurecimento enquanto escritora. Através dele eu pude entender melhor meu movimento literário, minha pesquisa, meus próprios desejos e também assumir mais minhas obsessões estéticas. Esse livro representa pra mim um amadurecimento como artista. Os desafios que ele me exigiu, as escolhas que ele me exigiu. Um assumir uma relação com a linguagem, a forma e conteúdo que nele eu faço com mais consciência e coragem. Mas o melhor de escrever é o movimento, então não tem jogo ganho, é uma maturidade em relação aos meus processos, com minha própria régua, mas cada novo projeto pode me colocar em movimento noutras direções e exigir novas performances.


Quais são seus projetos atuais de escrita?
Marina Monteiro - Eu tenho um livro de contos com uma primeira versão pronta, descansando há um ano na nuvem, e estou escrevendo um novo romance. O livro de contos traz a temática da presença da infância no espaço urbano e as reverberações dessa presença. São contos mais curtos dos que costumo escrever e brincam muito com as fronteiras da dramaturgia e da literatura. O romance ainda é muito cedo pra falar, estou muito no processo ainda de escrever e descobrir, tenho tido o prazer de fazer isso em coletivo também, no curso "Levantando a Casa" com a Euler Lopes e uma turma muito maravilhosa. Escrever trocando é bom demais. Eu estava precisando desse movimento de troca que um curso proporciona. Já tinha o projeto iniciado, e com os encontros com a turma e com a Euler a coisa tem deslanchado bem. É um romance que vai falar um pouco sobre masculinidade, crise de identidade na adolescência, internet, política de armas, e tudo pode mudar até a hora dele virar um livro publicado. Tenho também me aventurado nos roteiros de audiovisual. Já escrevi uns episódios de uma websérie para uma produtora cultural de Florianópolis, tenho um curta metragem finalizado, um outro em processo e um projeto de longa metragem com protagonismo LGBTQIA+ que um dia há de virar roteiro.

domingo, 25 de agosto de 2024

.: Entrevista com Walter Medeiros: "Vivo sabendo que não estarei mais aqui"


Autor de "Cancelas do Tempo", Walter Medeiros reflete sobre a importância de escrever poemas e cultivar memórias para encontrar felicidade nos momentos simples. Foto: divulgação

Escritor, poeta, jornalista e advogado, Walter Medeiros transformou 70 anos de experiências em versos que contemplam a transitoriedade da vida. Observador atento e sensível, o autor reúne em "Cancelas do Tempo" uma coletânea de 80 poemas que capturam a simplicidade dos detalhes, os sentimentos marcantes e a riqueza das lembranças para a construção humana. Em entrevista, ele destaca a importância da escrita poética para fazer as pazes com o tempo e reflete sobre como encontrar a felicidade nos momentos simples.

Os primeiros raios de sol do dia, a tristeza de quando Plutão deixou de ser um planeta, o cheiro de café feito pela avó e a leveza de uma viagem de trem. As memórias corriqueiras de Walter Medeiros são cuidadas, guardadas e apreciadas por ele em uma busca para contemplar a beleza da vida em sua simplicidade. Além de serem uma maneira de celebrar a existência, essas lembranças também são as inspirações para os poemas do livro "Cancelas do Tempo". 

Na contramão de uma sociedade que parece cada vez mais acelerada, o autor reforça a importância de parar para admirar o mundo e as experiências. Ele explica os motivos que o levaram a publicar uma obra em homenagem à transitoriedade da vida e à nostalgia: “o tempo sempre remete a lembranças, e é bom quando traz memórias boas. As adversidades, enfrentam-se e podem ser registradas até com lirismo. As mudanças têm, cada uma, sua profundidade, que vem desde um momento de saudade, até o dia da aposentadoria”. Confira a entrevista completa abaixo. Compre o livro "Cancelas do Tempo" neste link. 

O livro é descrito como uma ode à nostalgia, sobre poemas que ajudam fazer as pazes com o tempo. Dada a sua experiência, como você enxerga a transitoriedade da vida?  
Walter Medeiros - Vivo, sabendo que algum dia não estarei mais aqui. Não tenho maiores preocupações com o fim; mas lembro que na juventude a impressão que tinha era de que a vida poderia ser mais longa. Agora, lembro do meu sogro, seu Sebastião, que faleceu em 2022, com 106 anos. Se tiver a sorte de chegar mais uns bons anos para a frente, aí talvez venha a refletir mais sobre o assunto. 

Em “Cancelas do tempo”, você menciona algumas experiências pessoais e lugares, como Natal, Lisboa e a Floresta Negra. Como essas vivências influenciaram sua escrita? 
Walter Medeiros - Natal é a cidade onde nasci, e sempre procurei valorizá-la profundamente. Trata-se de uma cidade encantadora, com suas praias, seu povo amável. Passei seis anos fora e, quando voltei, com nove anos, comecei a cativar cada canto da cidade. Em Lisboa, vivi belos momentos por lá e escrevi poemas sobre ela. E a Floresta Negra tem sua beleza ímpar, mágica, que vale a pena conhecer. 


Entre a efemeridade do tempo, as adversidades e mudanças ao longo da vida, como você enxerga o papel da poesia para explorar a profundidade das experiências e emoções dos leitores? 
Walter Medeiros - A poesia tem o poder de sensibilizar as pessoas. Ao poeta, pode caber escolher a forma mais tocante de a apresentar. O tempo sempre remete a lembranças, e é bom quando traz memórias boas. As adversidades, enfrentam-se e podem ser registradas até com lirismo. As mudanças têm, cada uma, sua profundidade, que vem desde um momento de saudade, até o dia da aposentadoria. Quando contada com bom jeito, pode agradar e envolver o leitor. 

É possível dizer que este livro se conecta com suas outras atividades, como jornalista, pai e avô? Há influências mútuas entre essas diferentes facetas de sua vida? 
Walter Medeiros - 
Sim. Em muitos momentos podemos encontrar algum traço que reflete a veia do jornalista, a visão do pai e do avô. No entanto, essa conexão está bem mais explícita em outros poemas que não entraram no livro. Possivelmente, em um novo volume, outros poemas mostrarão mais esta parte do autor. 


“Cancelas do tempo” aborda um misto de sensibilidade e otimismo, alegrias e tristezas, liberdade e sensualidade. Como foi mesclar essas diversas temáticas? Tem alguma que mais lhe impactou ao retratar?  
Walter Medeiros - Tem. Poema que fala sobre o lugar onde morei. Refere-se ao bairro do Alecrim, onde vivi por 23 anos. A começar pela rua Campo Santo, onde passamos os belos tempos da Jovem Guarda. Ali, tínhamos uma convivência inesquecível, que mantemos até os dias atuais. Uma rua que tem uma vista magnífica para o rio Potengi, o porto e o mar. Costumo dizer que a formação geográfica da barra de Natal tem semelhança com Tróia, em Portugal. 


Qual mensagem ou sentimento você espera que os leitores levem consigo após lerem a obra? 
Walter Medeiros - Uma sensação de vida, natureza, amor, dedicação e sensibilidade. Que sintam a verdade expressa em cada verso, cada poema, como algo que podem usar, incorporar e propagar. Talvez venha a ter influência nos leitores para a forma como observam ambientes semelhantes aos que são apresentados no livro. Espero que cada um rememore momentos idênticos àqueles mostrados na obra. 



Sobre o autor
Walter Medeiros 
é jornalista, advogado, escritor e poeta, natural de Natal, no Rio Grande do Norte. Formou-se em Direito na UFRN, em 1977, mas sua vida profissional foi quase toda guiada pelo jornalismo. Começou jovem e enveredou nas redações de rádio e jornais da capital. Também atuou como professor e assessor de imprensa. Foi correspondente da Folha de S.Paulo e chefe de pauta da TV Cabugi, além de vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RN. Em 2012, recebeu título de Cidadão Matagrandense pela Câmara Municipal de Mata Grande – Alagoas. Na literatura, estreia no gênero de poesia com Cancelas do tempo, mas tem outros quatro livros publicados; dentre eles, o romance Abelardo, o alcoólatra, de 1990 e republicado em 2024, e obras técnicas voltadas a áreas de estudo da saúde e comunicação. Walter Medeiros é casado, tem cinco filhos e nove netos. Instagram do autor: @walterbmedeiros. Garanta o seu exemplar de "Cancelas do Tempo" neste link. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

.: Entrevista com Simone Kopmajer: a sustentável leveza da voz da Áustria


Por
 Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural. Foto: Tinksi

A cantora austríaca Simone Kopmajer está divulgando o seu mais recente trabalho, o álbum "Hope", que reúne algumas releituras com foco no jazz e em alguns elementos do pop, além de canções autorais compostas em parceria com outros músicos. O disco segue a linha de sonoridade de outros lançamentos, mostrando uma voz suave, madura e bem segura de si como intérprete. Em entrevista para o portal Resenhando.com, ela conta como foi seu início na música e comenta o atual panorama do mercado fonográfico, marcado pela volta do vinil em países da Europa e na América do Norte. “Espero que possamos desacelerar um pouco nesse processo e curtir mais a música em sua essência”.


Resenhando.com - No seu álbum "With Love" você apresenta músicas autorais. Neste álbum mais recente, "Hope", você se mostrou como compositora novamente?
Simone Kopmajer - Sim, eu co-escrevi três músicas: "Black Tattoo", "Hope" e "So Faengt das Leben an".


Resenhando.com - Como você começou na música?
Simone Kopmajer - Cresci em uma família musical e comecei a tocar piano quando tinha oito anos. Mas cantar continuou sendo meu primeiro amor e ainda é. 


Resenhando.com - Quais foram as suas referências musicais?
Simone Kopmajer - Quando criança, ouvia os artistas favoritos do meu pai, como Frank Sinatra, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Dean Martin, Herb Alpert, ... e mais tarde fui influenciada por todos os grandes cantores de pop e soul como Aretha Franklin, Stevie Wonder, Whitney Houston, Marvin Gaye, Al Jarreau, entre outros.


Resenhando.com - A indústria musical vem mudando nos últimos anos. Como você vê a situação atual?
Simone Kopmajer - Está mudando rápido e as plataformas de downloads e streaming estão se tornando cada vez mais importantes, mas também está voltando para o vinil e isso é bom. Acho que teremos que desacelerar novamente e selecionar mais.


Resenhando.com - Você conhece a música brasileira?
Simone Kopmajer - Claro, eu adoro música brasileira e também há uma comunidade musical brasileira em Viena que começou anos atrás com Alegre Correa.


Resenhando.com - E quem você mais admira na MPB?
Simone Kopmajer - Eu gosto muito de Elis Regina. Adoro a voz dela, seu fraseado e interpretação de uma música.


Resenhando.com - Quais são os planos para shows de promoção do álbum "Hope"?
Simone Kopmajer - Estamos agora fazendo muitos shows na minha terra natal, Áustria. E faremos uma turnê nos Estados Unidos em fevereiro de 2025.


"The Dock Of The Bay"

"Black Tatoo"

"Hope"

terça-feira, 13 de agosto de 2024

.: #ResenhaRápida: entrevista exclusiva com Gab Lara, o Evan Hansen brasileiro


Produzido pela Estamos Aqui Produções, de “A Cor Púrpura”, e Touché Entretenimento, de “Beetlejuice”, o espetáculo vencedor de 6 Prêmios Tony chega ao Brasil para, além de entreter, sensibilizar e apoiar a saúde mental dos jovens. Gab Lara é Evan Hansen em "Querido Evan Hansen" | Foto: Carlos Costa

Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. 

Colecionando montagens pelo mundo, o fenômeno “Querido Evan Hansen” chegou ao país pela primeira. Todos querem saber quem é Gab Lara, o intérprete do protagonista do espetáculo, que ficou conhecido com a interpretação de Ben Platt no papel-título, e o Resenhando.com foi atrás dele para perguntar o que ninguém teria coragem. No Brasil, o espetáculo tem concepção e direção geral de Tadeu Aguiar. Interpretando o primeiro protagonista da carreira, Gab Lara já participou de "Clube da Esquina - Os Sonhos Não Envelhecem". Produzido pela Estamos Aqui Produções e Touché Entretenimento, "...Evan Hansen" é escrito por Steven Lenson, tem músicas e letras de Benj Pasek e Justin Paul, e está em curta temporada no Teatro Liberdade, em São Paulo, até dia 22 de setembro. Nesta entrevista exclusiva, Gab Lara, o Evan Hansen brasileiro, conta tudo.

#ResenhaRápida com Gab Lara


Nome completo:
Gabriel Lara Resende Wilmer.
Apelido: Gab.
Data de nascimento: 3 de junho de 1996.
Altura: 1m83.
Signo: gêmeos.
Ascendente: capricórnio.
Uma mania: cantarolar.
Religião: católico.
Time: Flamengo.
Amor: é sorte.
Sexo: é escolha.
Mulher bonita: existem várias.
Homem bonito: também.
Família é: acolher e ser acolhido.
Ídolo: um deles, Gilberto Gil.
Inspiração: uma delas, Milton Nascimento.
Arte é: tudo que alguém deseja que seja arte.
Fé: tenho.
Política: tudo é política.
Hobby: colecionar discos de vinil.
Lugar: minha casa.
O que não pode faltar na geladeira: manteiga.
Prato predileto: do momento, tonkatsu.
Sobremesa: bolo mole e quente com sorvete.
Fruta: manga.
Bebida favorita: chá Matte Leão.
Cor favorita: do momento, verde.
Uma peça de teatro: "Querido Evan Hansen".
Um show: Gilberto Gil ao vivo na USP em 1973.
Uma atriz: Adriana Esteves.
Um ator: Othon Bastos.
Uma cantora: Gal Costa.
Um cantor: Tim Bernardes.
Uma escritora: Hilda Hilst.
Um escritor: Valter Hugo Mãe.
Um filme: "De Volta para o Futuro".
Um livro:
"O Elo Partido e Outras Histórias", de Otto Lara Rezende (compre neste link).
Uma música:
"Avarandado", de João Gilberto e Caetano Veloso.
Um disco: "Brasil" (João Gilberto, Caetano, Gil e Bethânia).
Um personagem:
Moritz Stiefel, de "O Despertar da Primavera".
Uma novela: "O Beijo do Vampiro", de Antônio Calmon.
Uma série: "Breaking Bad".
Um programa de TV: "Padrinhos Mágicos" (animação).
Uma saudade: avós e avôs.
Algo que me irrita: muita coisa.
Algo que me deixa feliz: também muita coisa.
Uma lembrança querida: aulas no Teatro O Tablado.
Não abro mão de: cantar.
Um talento oculto: fazer sanduíche de carne assada.
Você tem fome de quê? De viver.
Você tem nojo de quê? De insetinhos principalmente os voadores.
Medo de: Insetinhos nojentos principalmente os voadores.
Se tivesse que ser um bicho, seria: um insetinho voador pra botar medo no pessoal.
Um sonho: sonhei uma vez que eu tava numa cidade inteira feita de toboágua.
O que me tira do sério: sonhos interrompidos.
Democracia é: o sonho da maioria.
Ser homem, hoje, é: entender o que implica ser homem hoje.
O que seria se não fosse ator: louco.
Ser ator é: enlouquecedor.
Cinema em uma palavra: quadro.
Teatro em uma palavra: jogo.
Televisão em uma palavra: trama.
Evan Hansen em uma palavra: você.
Frase favorita: "vamo se falando".
Palavra favorita: peripécia.
Gab Lara por Gab Lara: "vou pensar, vamo se falando".

Ficha técnica
Musical "Querido Evan Hansen"
Elenco: Gab Lara, Vannessa Gerbelli, Mouhamed Harfouch, Flavia Santana, Hugo Bonemer, Thati Lopes, Gui Figueiredo e Tati Christine.
Produzido por Estamos Aqui Produções e Touché Entretenimento
Concepção, tradução e direção original: Tadeu Aguiar
Produção geral: Renata Borges Pimenta e Eduardo Bakr
Direção musical: Liliane Secco
Direção de movimento e Coreografias: Suely Guerra
Cenografia: Natália Lana
Figurinos: Ney Madeira e Dani Vidal
Design de luz: Dani Sanchez
Design de som: Gabriel D’Angelo
Conteúdo e imagens: Agência Control+
Assessoria de imprensa: GPress Comunicação > Grazy Pisacane


Serviço
Musical "Querido Evan Hansen"
Teatro Liberdade - R. São Joaquim, 129, São Paulo - São Paulo
De 2 de agosto a 22 de setembro
Sessões: às sextas-feiras, às 21h00, sábados, às 16h00 e às 20h00, domingos, às 16h00
Valor: R$ 60,00 e R$ 280,00
Vendas: Site Sympla (com taxa de conveniência) | Bilheteria do Teatro
Duração: 2h30min (com intervalo de 15min)
Gênero: Musical
Classificação: 14 anos
*Desconto 35%: Obtenha 35% de desconto no ingresso inteiro ao preencher o formulário durante o processo de compra.
Obs: Para comprar mais de um ingresso nessa modalidade, basta preencher um formulário por ingresso conforme será solicitado. Desconto disponível para todos os públicos.
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domingo, 28 de julho de 2024

.: Entrevista: Myriam Scotti fala sobre reconexão com a ancestralidade


"Acredito que a literatura tem a capacidade de nos fazer praticar a alteridade, ou seja, a oportunidade de se colocar no lugar do outro", afirma a escritora Myriam Scotti, em entrevista
 


Terra, imigração, laços familiares, ancestralidade e a investigação do feminino. Esses são alguns dos principais temas do romance “Terra Úmida” (compre o livro neste link), lançado pela editora Penalux, de Myriam Scotti , que venceu o Prêmio Literário de Manaus em 2020. Nele, a autora traz a descrição da imigração de judeus para a Amazônia durante o ciclo da borracha a partir da perspectiva de Abner, um dos filhos de uma família marroquina que instala-se na região para fugir da perseguição aos judeus. A partir dessa premissa, a autora desenrola uma trama complexa com temas como relações familiares e o feminino; e que possui personagens apegados à tradição, mas que são intimamente atravessados pela vida e pela cultura novas.

Myriam Scotti nasceu em 1981, em Manaus, no Amazonas. É escritora, crítica literária e mestre em Literatura pela PUC-SP. Ela começou a escrever na infância, porém começou a publicar crônicas em um blog após virar mãe e a escrita passou a ser uma atividade profissional em 2014. Além do romance “Terra Úmida”, a autora possui mais dois livros publicados: “Quem Chamarei de Lar?” (editora Pantograf, um romance juvenil que foi aprovado no PNLD literário e escolhido pelo edital Biblioteca de São Paulo de 2021; e “Receita para Explodir Bolos” (editora Patuá), livro finalista do prêmio Pena de Ouro 2021 na categoria Conto e que ficou em segundo lugar na categoria conto do prêmio Off Flip de 2022.


Quais são os temas centrais do livro? 
Myriam Scotti - Acima de tudo, o romance trata de relações familiares, bem como das dificuldades de uma mulher Imigrante, que abre mão de seus desejos em prol da família e da tradição.


Por que os escolheu?
Myriam Scotti - Primeiramente, senti necessidade de contar a história da chegada dos judeus marroquinos na Amazônia durante o ciclo da borracha, algo que ainda é muito pouco explorado na ficção. Como descendente de judeus sefarditas, eu quis homenagear os meus ancestrais, e, claro, homenagear as mulheres. Não à toa, escrevi uma personagem que pudesse representar um pouco das dificuldades de ser mulher em qualquer época.

O que a motivou a escrever o livro?
Myriam Scotti - O que me motivou a pensar o romance foi o desafio de escrever uma história longa, tendo em vista que estava acostumada a escrever contos e poesia. Isso aconteceu ao participar de uma das oficinas de escrita criativa, eu me senti desafiada a dar continuidade num curso de preparação do romance. 

Por que escolher o gênero adotado?
Myriam Scotti - Ao participar de uma das oficinas de escrita criativa, me senti desafiada a dar continuidade num curso de preparação do romance. Nunca havia escrito uma história longa e achava que não teria fôlego para tanto. Então, decidi que era hora de começar a tentar. Escrevi o romance “Terra Úmida” a partir de um conto chamado “Terra Prometida”, que faz parte de um livro de contos que ainda não foi publicado. Desde então, já escrevi dois romances e estou na escrita do terceiro.


Que tipo de estrutura e escrita você adotou ao escrever a obra?
Myriam Scotti - Não sei dizer se eu tenho um tipo determinado de escrita. “Terra Úmida” foi uma escrita que me fez pensar e repensar a forma do romance diversas vezes até chegar ao formato que foi publicado. Escolhi trabalhar a primeira parte com uma personagem que falava em primeira pessoa e a segunda parte com a escrita de um diário. Foi um grande exercício de escrita e também de paciência. Não é fácil colocar o ponto final em uma obra, sempre achamos que podemos mudar ou melhorar algo.


Quanto tempo durou o processo de produção do livro?
Myriam Scotti - Foram três anos entre pesquisa, escrita e viagem ao Marrocos.

Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Myriam Scotti - Acredito que a literatura tem a capacidade de nos fazer praticar a alteridade, ou seja, a oportunidade de se colocar no lugar do outro. Dessa forma, desde que lancei o romance tenho recebido muitas devolutivas, inclusive de homens, do quanto refletiram sobre as questões femininas, assim como sobre relações familiares.


Quais são seus planos literários?
Myriam Scotti - Estou às voltas com a escrita de um romance contemporâneo e também já tenho algumas páginas escritas de outro romance histórico. Vamos ver em qual deles vou conseguir me jogar de cabeça.

.: Leo Nunes fala sobre sexualidade, morte, identidade e poesia subversiva


"Eu queria esgotar o tema 'viadagem' para dar lugar a outras pesquisas. Resolvi então aceitar esse tema e tentar explorá-lo ao máximo", afirma Leo Nunes em entrevista. Autor fala sobre os bastidores de seu livro  “está na hora de me tornar um homem sério", publicado pela editora Minimalismos. Foto: divulgação


Inspirado pela contracultura e geração mimeógrafo, o escritor Leo Nunes mergulha nas profundezas da alma humana através de sua poesia íntima e subversiva no livro "está na hora de me tornar um homem sério". Em sua estreia literária pela editora Minimalismos, Leo desafia tabus e explora os percalços da vida moderna, especialmente para um homem gay em um contexto urbano. Nascido em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o escritor traz consigo uma bagagem multidisciplinar. Formou-se em Comunicação Social - Rádio e TV pela UFRJ e trabalha, desde 2010, em produtoras de TV e Cinema no Rio de Janeiro. 

A obra adota um tom confessional e autoficcional, sendo dividido em três partes. Na primeira, “pequena trajetória de uma bicha da baixada”, acompanhamos a trajetória de se descobrir um homem gay e encarar o mundo conservador de uma região pobre da cidade. Na segunda parte, “a magia está aqui”, o poeta nos apresenta um mundo mais convulso e complexo, das montanhas-russas ao Bate-Bate, das Maratonas ao Sambas, a poesia encontra um espaço urbano complexo de se aprender, cuja aparência é retratada através das entrelinhas da poesia. Por fim, na terceira parte, “a vida no apartamento 1107”, seguimos com este jovem adulto em seu pequeno apartamento e fazemos companhia às aventuras íntimas das noites mal dormidas, dos amores mal passados e das poéticas que atravessam sua vida.


Se pudesse resumir os temas centrais do seu livro, quais seriam?  
Leo Nunes - Para mim, os principais temas do livro são sexualidade, morte, amadurecimento, religião e identidade.


Por que escolher esses temas?
Leo Nunes - Na realidade, não foram escolhas, foram temas que identifiquei nos poemas e que surgiram naturalmente ao longo da escrita. Este livro nasceu de um projeto de exploração pessoal, como estava me propondo a escrever poesia, resolvi resgatar temas e assuntos que me acompanharam ao longo da adolescência e início da vida adulta.


O que motivou a escrita do livro?
Leo Nunes - Comecei o projeto deste livro durante uma oficina organizada pelo poeta Rafael Zacca. Elaborei um projeto que pudesse resolver uma questão: eu queria esgotar o tema "viadagem" para dar lugar a outras pesquisas. Resolvi então aceitar esse tema e tentar explorá-lo ao máximo.


Como foi o processo e quanto tempo você levou para escrever o livro?
Leo Nunes - Escrevi o livro ao longo de três semestres de oficina, fui construindo, através das provocações e exercícios, novos poemas que buscavam formar uma imagem. Com isso, consegui reunir uma quantidade de textos e, a partir dali, trabalhar em um conjunto de poemas que funcionasse. Comecei a escrever no meio de 2021 e terminei em dezembro de 2022, um ano e meio para conseguir elaborar todo o projeto.


Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Leo Nunes - Procurei trabalhar no livro a jornada de um personagem. Queria poder ler um livro que contasse e trouxesse os desejos e sabores de um ser muito específico: uma bicha da baixada fluminense que vai tentar descobrir o mundo.


Quais são as suas principais influências artísticas e literárias? Quais influenciaram diretamente a obra?
Leo Nunes - Durante minha adolescência fui um consumidor ávido dos livros da Meg Cabot, eles eram um grande escape e muleta para suportar a confusão interna da minha sexualidade. Por isso, eu quis, por muito tempo, seguir a carreira como escritor de livros infantojuvenis e sempre foquei muito mais nos gêneros prosaicos do que na poesia. Além dela, fui muito marcado pela Cecília Vasconcellos e pelos livros paradidáticos que lia na escola. Mais velho, conheci a literatura de Victor Heringer, Cris Lisbôa e Andrea del Fuego, autores que me impactaram e ainda me instigam. Na poesia, meu interesse de pesquisa e consumo tem aumentado, estão em minha lista de leitura Ana Martins Marques, Marília Garcia, Lilian Sais, Rafael Zacca, Angélica Freitas, Pedro Cassel, Ana Cristina Cesar, Leonardo Gandolfi entre outros nomes. Para além da poesia, pensando em cinema, minhas grandes influências são Eduardo Coutinho e Agnès Varda. Durante minha formação acadêmica, me apaixonei pelo documentário e, talvez, eles sejam os maiores influenciadores do livro.


O que esse livro representa para você? 
Leo Nunes - Entendo que este livro é também o resultado de um processo de autoconhecimento. Trabalho nele muitas percepções de sexualidade e de como isso afetou meu processo de amadurecimento. 


Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma? 
Leo Nunes - No livro exploro a persona Leonardo Nunes, poeta, gay e morador da baixada fluminense. De certa forma, posso dizer que passei a existir a partir do livro.


Como a bagagem de projetos anteriores ajudou na construção da obra?
Leo Nunes - Eu trabalhei alguns anos em um livro de contos, mas hoje percebo que ele não ficou pronto. Talvez um dia eu o reescreva, ou não, no entanto, entendo que ele contribuiu para o processo de criar pequenas narrativas. Fora isso, vejo que meu projeto final da faculdade, um curta documentário, foi um processo importante para a construção de uma voz. Algo que comecei lá, acabou se aprofundando neste livro.


Por que escolher o gênero adotado?
Leo Nunes - A poesia chegou relativamente tarde na minha vida. Comecei a explorá-la na oficina da Márcia Tiburi em 2017. Desde então fui procurando outras oficinas para tentar aprender mais. Para mim, sempre foi difícil escrever poemas ao mesmo tempo que sempre fui muito curioso sobre esse gênero textual. O que também me motivou foi querer ver na poesia a realidade, as palavras, os sentimentos de um homem gay nos anos 2020, algo que eu não conhecia à época.


Como você definiria seu estilo de escrita? 
Leo Nunes - Não sei definir um estilo, talvez ainda seja cedo para conseguir indicar um caminho pessoal. Hoje, diria que escrevo de forma mais confessional e autoficcional, ao mesmo tempo que procuro elaborar uma narrativa poética.


Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?
Leo Nunes - O livro é dividido em três partes, três atos da vida dessa personagem que aparece ao longo do livro. Durante o processo de organização, decidi deixar esses atos em ordem cronológica, justamente para evidenciar o processo acontecendo para quem for ler o livro na ordem.


Como você escolheu a editora para a obra?
Leo Nunes - Com o original pronto em fevereiro de 2023 fui à procura de editoras dispostas a publicar novos autores. Vi uma chamada aberta da Minimalismos e enviei o livro. Gostei muito da proposta da editora, de focar em um estreitamento entre autor e leitor, além do cuidado editorial com o projeto.


Você escreve desde quando?
Leo Nunes - Acho que antes de escrever veio primeiro o desejo. Meu interesse pelos livros começou no interesse pelo objeto. Na escola, nas aulas de literatura, o que mais me atiçava a atenção era saber quais livros leríamos ao longo do ano, como seriam suas capas, quantas páginas etc. Depois foi descobrir as histórias contidas em cada um deles, poder navegar por outros mundos, sair da minha realidade, ler algo além da bíblia. Na quinta ou sexta série li o livro que mais me marcou: "Nas Pernas da Mentira", da Cecília Vasconcellos. Ele foi o divisor, a partir dali eu também queria ser escritor. Porém, do desejo para a realidade, demorei muito. Sempre escrevi pelos cantos, sempre tentei começar projetos e processos, mas nunca tinha conseguido me dedicar de forma concreta. Em 2013 conheci a Go Writers, escola de escrita criativa da Cris Lisbôa, e passei a frequentar os cursos, ali foi o momento em que comecei esse percurso de escrita de maneira consciente.


Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Leo Nunes - Com um trabalho que me toma muito tempo, não consigo me dedicar 100% do tempo à escrita. Então, escrevo quando posso, quando dá, onde dá, do jeito que dá. Por muito tempo idealizei o cenário perfeito, achei que só poderia escrever quando todas as condições estivessem propícias… Hoje, entendo que é mais importante fazer o possível do que esperar pelo momento perfeito.


Quais são os seus projetos atuais de escrita?
Leo Nunes - Estou desenvolvendo um projeto para meu segundo livro de poemas. Dessa vez, focando no corpo, cidade e memória. Quero trazer minha cidade natal, Duque de Caxias, e trabalhar a tensão do encontro com a capital, Rio de Janeiro.

.: Ana Helena Reis, do livro “Conto ou Não Conto?”, e o cotidiano na literatura


"Um pequeno conto é um desafio, pois ele tem que desenvolver em uma lauda ou duas uma narrativa completa: dar personalidade aos personagens, contar uma história, desenvolver o conflito de forma coerente, e isso me atrai", afirma a escritora Ana Helena Reis em entrevista.

A observação do cotidiano por meio de contos sobre relações afetivas, dilemas sociais e conflitos interiores são abordados em “Conto ou Não Conto?” (compre o livro neste link), lançamento da editora Paraquedas, de Ana Helena Reis, por meio da hibridez nos formatos e temas ao longo da obra. A autora intercala os 34 contos, misturando aqueles com assuntos leves e nostálgicos, com outros mais profundos e densos, buscando equilíbrio e fluidez na obra. Alguns dos temas percebidos nos contos são o medo, a indignação, o preconceito, o amor, o envelhecimento, a intolerância e as desigualdades.

Ana Helena Reis tem 73 anos e nasceu em São Paulo, capital. Ela se define como pesquisadora do comportamento humano, investigadora de si mesma, escritora do cotidiano e ilustradora de devaneios. Conta com uma carreira profissional consagrada: formada em administração de empresas pela EAESP/FGV e mestre pela FEA/USP, é empresária, já publicou diversos livros acadêmicos, papers e trabalhos de pesquisa. Também conta com uma extensa vida acadêmica, tendo sido professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) na Faculdade de Economia e Administração durante 15 anos.

Sua área de especialidade em pesquisa é comportamento do consumidor - a observação, investigação e análise do comportamento das pessoas sempre foi um fascínio. Ponto importante para a criação do livro “Conto ou não Nonto?”, pois lhe ajudou a criar um olhar mais crítico e apurado para os acontecimentos diários.

Embora escreva desde sempre, vide seus “diários infindáveis” da adolescência, começou a dedicar-se com mais afinco à literatura em 2019, quando passou a publicar contos, crônicas e resenhas no blog Pincel de Crônica. Foi esse blog, cujo nome faz referência à pintura, sua outra paixão, que deu substância para a criação do livro, também influenciado por autores que consome: cronistas e contistas como Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector e Luís Fernando Veríssimo; e, de forma mais ampla, Saramago e García Marquez.

Quais são os temas centrais do livro?
Ana Helena Reis O livro é uma coletânea de contos variados, que tem como fio condutor o meu olhar sobre situações cotidianas que podem despertar memórias afetivas e reflexões. De uma forma às vezes irônica e divertida, outras vezes dramática ou surpreendente, desperta o leitor para os conflitos interiores que enfrentamos, como o medo, a indignação, o preconceito, o amor, o envelhecimento, a intolerância, as desigualdades, entre outros. Se fosse escolher três temas, eles seriam: relações afetivas, dilemas sociais e conflitos interiores.

Por que você escolheu esses temas?
Ana Helena Reis - Escolhi esses temas porque creio que eles fazem parte dos nossos questionamentos, nossos sentimentos muitas vezes inconfessos. A ideia foi criar ficções que permitissem, no subtexto, gerar reflexões importantes para os leitores. Para isso, escolhi contos que pudessem abarcar uma diversidade grande de narrativas, tanto na temática como na forma.

O que motivou a escrita do livro e qual foi o processo de escrita?
Ana Helena Reis - Venho escrevendo contos e crônicas há tempos, diria que em torno de dois anos, e armazenando no meu blog Pincel de Crônica. Chegou uma hora que achei que já tinha um material interessante para um livro de contos (depois pretendo fazer o mesmo com as crônicas), e senti que esse era o momento de dar um passo à frente, com a minha primeira publicação literária. O processo de escrita do livro foi rápido, menos de seis meses. Como já tinha os contos, o trabalho foi de escolha do que caberia nesse livro, uma leitura crítica inicial e depois a contratação da editora. Como sempre, uni o texto à ilustração. Na conversa com a editora decidimos que eu colocaria uma seleção das minhas ilustrações na capa e miolo. Escolhi um formato que me encanta que é o do traço único, trabalhei nas ilustrações e seguimos em frente.


Por que escolher o gênero “conto”?
Ana Helena Reis - Porque alguns motivos - um pequeno conto é um desafio, pois ele tem que desenvolver em uma lauda ou duas uma narrativa completa: dar personalidade aos personagens, contar uma história, desenvolver o conflito de forma coerente, e isso me atrai.

Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Ana Helena Reis - Acho que uma característica da minha escrita é deixar uma mensagem aberta o suficiente para que cada leitor extraia daquele conto aquilo que despertou em si o sentimento mais forte, a reflexão mais engajada com a sua realidade. Para dar um exemplo, um conto aparentemente singelo como “Looping” envolve questões como o pânico, o sentimento maternal, o companheirismo entre um casal, a capacidade de rir de nós mesmos e de nossas fragilidades…então vai depender de cada leitor qual dessas mensagens ecoa de maneira mais forte.

O que esse livro representa para você?
Ana Helena Reis - O inesperado. Depois de uma longa carreira profissional, com a publicação de livros acadêmicos, papers, enfim, toda uma história de escrita voltada ao trabalho de pesquisa de mercado, não imaginava que a vida me proporcionasse a oportunidade de dar essa guinada para a escrita literária.

Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma?
Ana Helena Reis - A escrita de contos está sendo muito transformadora para mim. Criar personagens e situações de ficção é como uma catarse de tudo o que foi sendo acumulado nas minhas lembranças afetivas, porque o escritor, mesmo quando trabalha com a ficção, está colocando uma parte de si naquele texto. Isso acredito que é muito libertador e fez fluir muitos guardados da minha caixa de pandora.


Quais são os seus projetos atuais de escrita?
Ana Helena Reis - Estou começando a coletar as crônicas para uma nova coletânea, e o projeto de 2024 é trabalhar em uma narrativa longa, que já venho estruturando há tempos. É um romance ficcional, baseado na figura da "meiga" (como eram chamadas as bruxas na mitologia da Galícia) e sua atuação como benfeitora para a comunidade de mulheres solteiras que se aventuravam a ter filhos… Estou dando muito spoiler!


.: Solange Ocker explica como as perdas são realidade no trabalho de pescador


"A dor de uma família é a dor de todos": autora reflete sobre ausências na vida de pequenas comunidades. Em entrevista, Solange Ocker explica como as perdas são uma realidade no trabalho de pescador e ressalta o papel das mulheres para combater preconceitos à beira do mar. Foto: divulgação


A escritora Solange Ocker nasceu e cresceu na vila Armação da Piedade, em Santa Catarina, composta por famílias pescadoras. À beira do mar, o local foi primeiro construído por portugueses durante a colonização, mas agora são os trabalhadores da pesca que vivem ali. Esta comunidade, repleta de história, tradições e também perdas, foi retratada no livro "Não se Esqueça de Mim" (compre o livro neste link), escrito pela autora como uma forma de homenagear suas raízes.

Na obra, ela atravessa complexidades presentes na região e que dialogam com os contextos sociais conhecidos por muitas pessoas, principalmente mulheres, em todas as regiões do país. "A essência das experiências vividas aqui, as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, a força das relações familiares e comunitárias, a luta pela sobrevivência e a constante presença da saudade são temas universais que ressoam com muitas outras comunidades e realidades no Brasil”, explica.

Além de detalhar o sentimento constante de perda presente nesses moradores, também retrata a luta das mulheres por se firmarem em uma profissão majoritariamente exercida por homens. Com uma protagonista responsável por assumir o comando do lar depois do desaparecimento do marido, a autora ficcionaliza a experiência feminina que muito conheceu durante a vida na vila.

Solange Ocker é professora e empreendedora, natural de Governador Celso Ramos, cidade do litoral catarinense. Formada em Língua Portuguesa e Literatura, com pós-graduação em Literatura Infantojuvenil, mergulha no mercado do livro com Não se esqueça de mim!, romance regional que aborda com sensibilidade as vidas perdidas ao longo das décadas, na atividade pesqueira. 


No romance “Não se Esqueça de Mim!”, você retrata não só a vida e os desafios nas pequenas comunidades pesqueiras, mas também as muitas vidas perdidas de trabalhadores no mar e as famílias que ficaram com o fardo da saudade. Por que decidiu abordar esta questão? 
Solange Ocker - Nasci e cresci nessa comunidade pesqueira. Desde cedo testemunhei a dureza da vida no mar, mas o que mais intensificou essa percepção foi ter casado com um pescador. As longas ausências e o medo constante pairavam sob mim e todos aqueles que esperam seus familiares em terra firme.


De que forma esta realidade se conecta com você?
Solange Ocker Certa feita, um acidente marcou profundamente nossa comunidade. Um barco com todos os tripulantes desapareceu. Nenhum deles foram encontrados. Percebi que, em um lugar pequeno, que vivencia as mesmas expectativas e rotinas, a dor de uma família é a dor de todos.


A trama da obra se passa em Santa Catarina, na turística cidade de Governador Celso Ramos - inclusive lugar em que você cresceu com a sua família. Por que decidiu escrever sobre a vila da Armação da Piedade?
Solange Ocker Escrever sobre a Armação da Piedade é uma maneira de homenagear minhas raízes e compartilhar a riqueza cultural desse lugar.


Como o contexto específico da vila consegue se aproximar das realidades de brasileiros de outras regiões e estados?
Solange Ocker A essência das experiências vividas aqui, as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, a força das relações familiares e comunitárias, a luta pela sobrevivência e a constante presença da saudade, são temas universais que ressoam com muitas outras comunidades e realidades no Brasil.


De que maneira os temas de empoderamento feminino e assédio sexual são abordados através das experiências das personagens Amélia e a mãe, no contexto dos anos 1960 e 70?
Solange Ocker A mãe de Amélia simboliza uma geração de mulheres que tiveram menos oportunidades, pois viveram em um tempo marcado por normas patriarcais rígidas. Mulheres que sofriam em silêncio, carregando as cicatrizes do assédio e da submissão esperada pela sociedade da época. Entretanto, mesmo em meio à opressão silenciosa, as personagens lutaram com coragem em busca de voz e liberdade. Elas personificam a resistência e a determinação, reforçando sobre a importância de combater as injustiças de gênero em todas as suas formas.

A cultura açoriana e os locais emblemáticos de Governador Celso Ramos, como a Igreja Nossa Senhora da Piedade, estão muito presentes na trama. Para você, qual a importância de abordar a presença colonizadora portuguesa na região e como essa herança cultural influencia a identidade dos personagens e a dinâmica da comunidade no romance?
Solange Ocker A abordagem da presença colonizadora portuguesa da herança cultural açoriana é fundamental para contextualizar a identidade dos personagens e a dinâmica da comunidade. O livro ressalta essas heranças diretamente na personalidade e nos valores dos personagens. A fé, a resiliência e a valorização das famílias, por exemplo, são aspectos centrais que derivam dessa cultura.

Qual a importância da preservação da cultura açoriana para o país; e como você acha que a literatura contribui para o processo de proteção dessa memória?
Solange Ocker A cultura açoriana é uma parte fundamental da identidade cultural de muitas comunidades no Brasil, especialmente no litoral sul do país. A literatura tem o poder de documentar e registrar essa herança e manter viva a história e as tradições que moldaram essas regiões.

.: Tropeiros: Jorge Antonio Salem exalta contribuição cultural de trabalhadores


"Todos os livros que contam a história de alguém ou algum lugar levarão os leitores a viverem aquele período histórico", afirma Jorge Antonio Salem, em entrevista. Ele explica como os brasileiros contemporâneos podem aprender com as experiências dos condutores de cargas de séculos atrás. Foto: divulgação


Quando Jorge Antonio Salem decidiu eternizar as lembranças do sogro no livro "Memórias de Um Tropeiro" (compre o livro neste link), ele percebeu que os brasileiros contemporâneos tinham muito a aprender com os trabalhadores anônimos responsáveis por explorar as regiões sul e sudeste do Brasil nos séculos passados. A resiliência perante momentos turbulentos, a crença de que seu ofício contribui positivamente para a vida das pessoas e a busca por uma existência digna para a família são algumas das características que ele descreveu na obra e dialogam com o contexto socioeconômico do mundo atual. 

Além de escritor, Jorge Antônio Salem é farmacêutico-fiscal do Conselho Regional de Farmácia do Paraná desde 1996 e mestre em Ciências da Saúde. Ele também publicou a obra "60 Anos - Uma História de Dedicação ao Conhecimento" e o livro de poemas "Poesias da Vida Cotidiana". Foi casado por 30 anos com Maura Lúcia Azevedo, filha de João Azevedo, personagens que inspiraram a publicação de Memórias de um tropeiro. Nesta entrevista, o autor reforça a importância de conhecer o movimento tropeirista e explicita o valor do ofício para as próximas gerações. Leia:


Você escreveu “Memórias de Um Tropeiro” a partir dos relatos do seu sogro. Como as lembranças dele reforçam a importância da contribuição dos tropeiros para o Brasil?
Jorge Antonio Salem - Assim como os tropeiros do passado distante levavam animais que faziam o transporte de cargas de alimentos para o estado de Minas Gerais, pois o Império proibia essa população de plantar, meu sogro também fazia o transporte de animais para outras regiões. Assim, ele contribuía para o desenvolvimento dessas regiões, fornecendo animais de carga e outros produtos de consumo.


João Boiadeiro era um homem que conhecia diversas regiões do país e citava com riqueza de detalhes alguns lugares por onde passava. Na sua opinião, por que estas memórias devem ser preservadas para a posterioridade?
Jorge Antonio Salem - Hoje, somos pessoas bem formadas pela leitura de livros que foram escritos nos séculos 19 e 20, com histórias inspiradoras. Penso que as experiências vividas pelo João Azevedo e as dificuldades que ele enfrentou durante o transporte de animais para nossas terras podem levar os leitores a refletirem sobre a vida no mundo atual. Não podemos reclamar de qualquer situação um pouco mais difícil, porque é mais fácil viver hoje se compararmos com o passado.

Você acredita que a preservação destas memórias em um livro pode contribuir para a construção de um país que reconhece seu passado? De que maneira?
Jorge Antonio Salem - Todos os livros que contam a história de alguém ou algum lugar levarão os leitores a viverem aquele período histórico. É um prazer poder levar essas histórias aos leitores para fazê-los conhecer uma atividade que pouco ocorre nos dias atuais. No século passado, as viagens dos tropeiros duravam meses, enquanto hoje elas acontecem apenas por alguns quilômetros. Acredito que os leitores, ao verem o amor pela profissão e a luta para cumprir sua missão por parte do João Azevedo, podem ser inspirados a não desistirem do que fazem e a terem a dimensão de como o trabalho deles pode contribuir para um país melhor.

O que os brasileiros de hoje podem aprender com os tropeiros do passado? Qual foi também seu principal aprendizado pessoal?
Jorge Antonio Salem - Muitas de nossas cidades foram fundadas ao longo das estradas que os tropeiros passavam. Por isso, eles deixaram um legado muito grande ao nosso país. Algumas vezes, os tropeiros conheciam alguma jovem e fixavam residência naquele local, logo tornando aquela pequena vila em uma cidade. Esses trabalhadores incansáveis também levavam notícias de muitos lugares para aquelas regiões que tinham dificuldade de acesso a meios de comunicação. Os tropeiros eram unidos, trabalhavam duro e voltavam para seus entes queridos. Esse foi o exemplo que tive na convivência com João Azevedo, que exerceu essa atividade por 30 anos e sempre voltava para sua família.


Qual a mensagem que você pretende transmitir com “Memórias de Um Tropeiro”?
Jorge Antonio Salem - Uma primeira mensagem do livro "Memórias de Um Tropeiro" apresenta o relacionamento do homem com o animal de forma respeitosa, porque os condutores de tropas transportavam os animais de maneira segura e calma. Assim, os trabalhadores tiveram que desenvolver um senso de direção e tranquilidade, para que os animais não se assustassem. Além disso, acredito que a segunda mensagem é mostrar como o país viveu e vive momentos de turbulências, que não se restringe a um período histórico específico. Assim, todos nós devemos aprender a ser tolerantes e resilientes, para atravessarmos situações difíceis de nossas vidas.

Na sua perspectiva, qual foi o papel do tropeirismo para o Brasil, não apenas numa visão macro, mas também para as famílias que garantiam sustento a partir desse trabalho?
Jorge Antonio Salem - Esse emprego ajudou de certa forma a acomodar as pessoas que não conseguiam se manter fixo em uma determinada região e que, por isso, precisavam se mudar com certa frequência. O condutor de tropas ganhou a oportunidade de viajar para diversas regiões e conseguia sustentar sua família, para que todos tivessem uma vida mais dignidade e segura financeiramente. Mas a profissão foi importante também para as pessoas que gostavam de viajar e se sentiam livres nos campos: elas podiam exercer esse ofício alinhadas à vontade delas de conhecer novos lugares.



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