sexta-feira, 1 de julho de 2005

.: Entrevista com Ana Cristina Duarte, escritora

"Usar a tecnologia indiscriminadamente acrescenta risco a um processo que normalmente funciona sem maiores problemas" - Ana Cristina Duarte

Por: Mary Ellen Farias dos Santos

Em julho de 2005




Ana Cristina Duarte, autora Parto Normal ou Cesárea? O Que Toda Mulher Deve Saber (e todo homem também), editado pela Unesp, em entrevista exclusiva ao Resenhando.com, fala sobre a tecnologia à favor do nascimento humano e seu uso indiscriminado.

Conheça mais esta bióloga graduada pela Universidade de São Paulo, doula e educadora perinatal, ela que é uma das idealizadoras das iniciativas Amigas do Parto (www.amigasdoparto.com.br) e Doulas do Brasil. Coordena grupos de gestantes e cursos de capacitação de doulas e educadores perinatais em São Paulo, além de ser casada e mãe de dois filhos. Aproveite a conversa do Resenhando e de Ana Cristina Duarte! 



RESENHANDO - Por que escrever um livro sobre Parto Normal e Cesárea? 
ANA CRISTINA DUARTE - Uma das razões é que não existia uma única obra que tratasse das evidências científicas numa linguagem que pudesse ser compreendida pela mulher leiga. Sem a devida noção das evidências, dos riscos e dos benefícios de cada procedimento, exame, tratamento ligados à gravidez, ao parto e ao pós-parto, fica muito fácil ser enganada por discursos amedrontadores durante o pré-natal. A outra razão é que os livros traduzidos de outros países são ótimos para preparar uma mulher para o parto, mas não contextualizam essa preparação dentro do cenário que a mulher brasileira vai encontrar em nossas maternidades. Temos recebido muitos telefonemas e e-mails de mulheres que chegam ao final da gestação perturbadas pelo fato de não terem ainda encontrado um profissional ou uma instituição adequados às suas próprias necessidades. Enfim, existia uma demanda por uma obra em português que estivesse adaptada à nossa realidade, que é muito particular.


RESENHANDO - Como foi o processo para produção de Parto Normal ou Cesárea? O Que Toda Mulher Deve Saber (e todo homem também)?
ANA CRISTINA DUARTE - A parte que produzi já estava praticamente pronta, pois utilizo essas informações nos cursos para gestantes. Eu apenas tive que adaptar e acrescentar algumas informações. Escrevi em três semanas, no máximo.


RESENHANDO - Na sua visão de autora, o livro é voltado para um público específico? Por que?
ANA CRISTINA DUARTE - É voltado para toda pessoa que se interessa por nascimento, pode ser uma grávida, um homem que está prestes a ganhar um filho, um casal pensando em ter filhos, ou mesmo quem já teve filhos, mas gostaria de entender melhor seus partos. Acho que é um público geral.


RESENHANDO - Você concorda com o uso das tecnologias a favor da mulher ou prefere a moda antiga para parto? Por quê?
ANA CRISTINA DUARTE - Eu sou a favor do uso racional da tecnologia. Usar a tecnologia indiscriminadamente acrescenta risco a um processo que normalmente funciona sem maiores problemas. Por exemplo quando se usa anestesia em todos os partos normais, sem critério, aumenta o número de cesáreas, de fórceps, de sofrimento fetal, de mal posicionamento do bebê, e de problemas com as mulheres também. No entanto a tecnologia bem empregada salva vidas. O uso de monitoramento fetal (aparelho que ouve os batimentos cardíacos do bebê continuamente) em gestações de alto risco está associado a um menor número de mortes neonatais. A maioria das mulheres e bebês não precisa de nada em especial para parir, a não ser um acompanhamento profissional de boa qualidade, que pode ser oferecido tanto por um médico como por uma enfermeira obstetra/obstetriz. Ainda não inventaram substituição tão segura, tão simples e com tão poucos erros como o processo natural de parto e nascimento.


RESENHANDO - A capa do livro é muito bonita, tanto pela foto, quanto o tom amarelado que dá um ar de leveza. Como ela foi escolhida?
ANA CRISTINA DUARTE - A escolha foi dos editores, e nós gostamos muito.


RESENHANDO - Na questão do formato, o livro é prático e pode ser levado pela grávida (ou não) para todos os lugares. O formato foi escolhido para facilitar? Por quê?
ANA CRISTINA DUARTE - Sim, o formato foi escolhido para toda a coleção de Saúde e Cidadania. Ela é direcionada para usuários em geral e portanto deve ter um formato prático.


RESENHANDO - Já tem algum livro publicado?
ANA CRISTINA DUARTE - Não, esse é o primeiro.


RESENHANDO - Este livro é explicativo. Há algum interesse seu em outro estilo literário? O que gosta de ler?
ANA CRISTINA DUARTE - Como autora, meu interesse é informar usuárias, de modo que não pretendo investir em outro estilo. Mas como leitora, devoro tudo o que me cai nas mãos, quando tenho tempo. Ser mãe, profissional, esposa, dona-de-casa, estudante e autora dá menos espaço e tempo para a leitura do que eu gostaria.


RESENHANDO - Por que mesmo estando no século XXI, e nos considerando modernos, muitas mulheres (e homens) ainda são desinformadas sobre o parto?
ANA CRISTINA DUARTE - Acho que as mulheres (e homens) estão desinformados sobre muitas coisas, pois o Brasil não é um país focado na educação e no empoderamento do cidadão. O parto é apenas uma das facetas dessa deseducação nacional. As pessoas estão fazendo cirurgia de estômago, de safena, lipoaspiração, implantes de silicone, sem ter a menor idéia dos riscos envolvidos. Uma cesárea entra nessa equação como uma gotinha a mais de água num copo de desinformação. Por outro lado, culturalmente e tradicionalmente, as mulheres acham que o parto é uma questão do médico e ninguém mais. Muitas pensam que o parto não é delas, apesar de acontecer por mérito e esforço delas próprias, e com satisfação e/ou seqüelas para ela e para seu bebê e não para os médicos.


RESENHANDO - Qual a razão do grande número de cesáreas realizadas no Brasil?
ANA CRISTINA DUARTE - Penso que não há um fator único, nem um só vilão. Temos uma população desinformada e assustada, que não assume seu próprio papel nos processos de saúde, e temos uma classe médica que pratica algo como 90% de cesáreas nos hospitais privados de todo o país. Temos planos de saúde que pagam uma ninharia pela assistência ao parto, e temos um governo que demora para responder a uma necessidade clara. Colocar a culpa em um ou em outro, unicamente, seria no mínimo leviano. Mas penso que a classe médica teria uma obrigação moral de lutar contra essa realidade vergonhosa.



RESENHANDO - As mulheres atuais têm medo da dor?
ANA CRISTINA DUARTE -Sim, têm medo da dor, têm medo da exposição e falta de privacidade associadas ao parto institucionalizado. O objetivo do livro é desmistificar essa tal "dor do parto", dando a ela a dimensão real e mostrando o que pode ser feito para minimizá-la, desde os procedimentos simples como os banhos e as massagens, até os meios farmacológicos como as anestesias. Associar o parto normal à dor e pensar na cesárea como uma opção "sem dor" é o maior erro de muitas mulheres, que é alimentado por um grupo de profissionais que deseja que essa crença se perpetue.


RESENHANDO - Qual a importância de fazer um plano de parto?
ANA CRISTINA DUARTE - O plano de parto faz a mulher pensar um pouco sobre o que pode ser escolhido no parto. São diversos itens que são de responsabilidade e escolha do casal, como o ambiente do parto, quem deverá estar presente, quais procedimentos gostaria de evitar e a quais está mais aberto. Ao discutir o plano do parto com seu médico, o casal poderá compreender quais são as limitações desse profissional e escolher se ele atende realmente suas necessidades ou se é melhor partir para uma outra alternativa.


RESENHANDO - O que fazer para não ficar tão frustrada no caso de uma cesárea necessária?
ANA CRISTINA DUARTE - Quando uma mulher se preparou para um parto e acaba passando por uma cesárea, é difícil evitar a frustração, pois esse sentimento faz parte de qualquer desejo não atendido. Mas para uma elaboração saudável da cesárea não desejada é necessário conversar muito com pessoas que compreendam essa frustração, sem culpá-la ou fazê-la sentir-se inadequada. Nessas conversas é importante a mulher compreender porque a cesárea aconteceu, em que contexto, o que poderia ter sido diferente, o que fazer na próxima gravidez para evitar outra cirurgia. Conversa, compreensão e tempo são os melhores remédios para a frustração.
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