quinta-feira, 10 de setembro de 2015

.: Crítica da trilha sonora nacional de "A Regra do Jogo"

Por Helder Miranda
Em setembro de 2015

“O Sooooooooooool, há de brilhar mais uma vez...” abre o CD da trilha sonora nacional da novela “A Regra”. Se levarmos em consideração que "Juízo Final" seria o título de "A Favorita", primeiro folhetim do autor João Emanuel Carneiro no horário nobre da Globo, é possível que a inserção desta novela seja um desejo antigo do novelista.

Seguindo a linha clássica de nacional, nada daquelas bobajadas de volume 1 ou 2, que misturam temas nacionais e internacionais. Parece, finalmente, que uma trilha voltou a ser respeitada, tendo em vista que foi lançada já na primeira semana de exibição da novela. Há ainda uma foto respeitável, posada, de Alexandre Nero, o galã do momento e um dos personagens principais da trama, não um personagem sem relevância numa foto de divulgação da emissora.

A segunda música é “Ser Humano”, um samba gostoso de Zeca Pagodinho, que tem todo o clima da “favela chic” proposta pelo autor da novela.  O samba segue soberano na terceira canção, “O Amor Mandou Dizer”, de Xande de Pilares. O sambista Péricles prossegue com a quarta música, “Quando o Morcego Doar Sangue”, que vem com uma crítica social - “Para tirar, meu Brasil desta baderna, só falta um morcego doar sangue e um saci cruzar as pernas” - tão típicas das trilhas mais antigas, que andavam meio sumidas das atuais.

Saindo um pouco do samba, que estava deixando o CD meio monótono, uma gravação antiga do hit “Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo”, de Roberto Carlos. Ana Carolina defende a sexta faixa, “Coração Selvagem”, de longe a melhor canção do disco, uma regravação de um sucesso de Belchior, lançada no seu mais recente CD ao vivo, que mais cedo ou mais tarde seria uma escolha óbvia para as trilhas sonoras de novelas. 

A sétima música vem com a Banda do Mar, formada por Marcelo Camelo (do Los Hermanos, aquele grupo que a gente nunca sabe se acabou de tanto que volta sazonalmente) e a jovem esposa dele, Malu Magalhães. Canção bonita, mas superestimada, como tudo o que rodeia esses dois artistas, e não sei em que contexto pode se encaixar em um personagem ou em aqueles takes que mostram as paisagens.

Paulinho da Viola segue em frente com a oitava música, “Para Um Amor no Recife”, outro samba, meio bossa-nova, com letra bonita, a voz melodiosa de sempre, o poético do cantor, mas quero ver enquadrar essa música mole com o ritmo alucinado da novela. Sabe aquelas músicas lindas que dão sono? Pois é... Aí, na nona música, Mosquito dá uma sacudida com outro samba, “Papel de Bobão”, uma canção quase humorística sobre uma mulher com dupla personalidade.

Se na nona música o clima popular começa a se desenhar, o popularesco chega, sem cerimônia, com o popularesco “Safadim”, de Aviões do Forró, a décima música - “Aonde eu chego é assim, safadim, safadim”, na certa para algum personagem cômico, sem grandes firulas e, como não poderia deixar de ser, uma letra elaborada, mas gostosa para um churrasco, e o refrão gruda.

“Casado Também Namora”, de Frank Aguiar, dá continuidade ao “safadim, safadim” dos Aviões do Forró. Honestamente, achei desnecessário ter duas músicas com quase a mesma temática para uma trilha só. Mas a situação degringola na nada sutil música 12. “A Dona do Barraco”, da banda Calcinha Preta (tudo bem, não dá para esperar profundidade mesmo). Mas é a música da Adisabeba, personagem feita sob medida para a atriz Susana Vieira brilhar. Fala de “vuco-vuco e quebrar a cama na hora H”, mas é só isso, e a partir disso é triste constatar que o emburrecimento cultural invadiu as trilhas sonoras. 

Depois tem a décima terceira canção, “De Ladin”, do Dream Team Do Passinho, um funk insosso que parece ter a participação de MC Koringa, aquele do refrão “eu gosto dessa dança sensual, que faz bumbum mexer”. Seguida de “Só No Charminho”, da Gang Do Eletro, um bando de gritando, uma voz feminina estridente repetindo “é só no charminho, ai, ai, ai” e uma batida eletrônica. Refrão por refrão, para ficar colando na sua cabeça. Fuja dessa música.

A décima quinta canção é “Nuvem De Lágrimas”, defendida por Fafá de Belém, uma reciclagem, pois a música já fez parte da novela “Barriga de Aluguel”, de Glória Perez, no início dos anos 90. A diferença é que Chitãozinho e Xororó não fazem dueto com ela, mas é a mesmíssima versão sem a dupla sertaneja. Se quisessem usar, mesmo, a música, poderiam fazer uma regravação com a própria cantora, ou apostar em um cover de algum contratado da Som Livre. Imaginem que maravilha a Maria Gadú cantando esta canção assumidamente brega?

A MPB volta com tudo com uma música de Ana Cañas, “Tô Na Vida”, na décima sexta faixa. Ana Cañas, que lançou o melhor CD nacional de 2015, é ponto para qualquer trilha sonora. O questionável é escolherem esta canção, já que o álbum tem músicas muito mais bonitas, como “Amor e Dor” e “Bandido”. Mas como o álbum leva o título da música, o comodismo deve ter falado mais alto. 
Finalizando as 17 músicas do CD, está “Danse Macabre”, da banda Scalene, vice-campeã da edição deste ano do programa “Superstar”. Isto mostra, mais uma vez, a tentativa de agradar a todos os públicos. O CD finaliza com uma música horrorosa, em que reina a gritaria e não se entende o que é dito (sabe quando palavras são pronunciadas com preguiça? É essa a sensação que esse rapaz, vocalista, passa). Mas essa escolha dá um panorama geral desse CD de “A Regra do Jogo”

É uma trilha sonora incoerente e inconsistente, feita para atrair a gregos e troianos. Há no início uma overdose de samba, alguns bem caidinhos, que dão sono, embora contenham letras poéticas como a cantada por Paulinho da Viola. Depois, há uma série de forrós com temas repetitivos forçosamente puxados para serem engraçados. Mas não conseguem passar de simples músicas ruins. 

Quem escuta Paulinho da Viola vai pular os forrós, e quem escuta os forrós vai pular Paulino da Viola. Colocar uma música da banda Scalene para finalizar o disco mostra a necessidade de emplacar uma banda goela abaixo do público. Só que escolheram uma música horrorosa. E mais coerente até com a temática da novela era colocar uma canção da dupla vencedora do “Superstar”. “Preta Perfeita” ou “Presságio”, se bem escolhidas para este ou aquele personagem, poderiam alavancar as vendas. Honestamente? Muito ruim! Fuja.


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