segunda-feira, 12 de agosto de 2019

.: Livro de Pedro Cardoso incentiva o pensamento no universo das curtidas


O autor e dramaturgo reúne em "PedroCardosoEuMesmo: em Busca de Um Diálogo Contra o Fascismo Brasileiro" as crônicas políticas postadas em seu perfil de Instagram ao longo de quase três anos e analisa a relação com as redes sociais, com as fake news e com as selfies para, como num manifesto, conclamar: “Mil vezes um abraço do que milhões de likes; mil vezes um olhar do que miniaturas de coração. (...) Mil vezes vinte ou trinta pessoas num teatro do que 1 milhão de seguidores no Instagram”. Livro deu origem a espetáculo teatral inédito que será encenado em São Paulo. Texto de orelha é assinado por uma seguidora

O bizarro espetáculo protagonizado por parlamentares na sessão que decidiu pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff, em 2016, - quem não se lembra dos infindáveis votos dedicados a Deus e à família? – serviu como centelha para o ator e dramaturgo Pedro Cardoso transformar seu perfil de Instagram na tribuna de afiadas crônicas políticas. 

Valendo-se de rara sensibilidade artística e vasto repertório intelectual, Pedro Cardoso constrói uma fotografia do caminho que levou Jair Bolsonaro à presidência. Sem poupar em suas análises o outro oposto do espectro político, @pedrocardosoeumesmo conquistou a simpatia de seguidores – já são quase 300 mil - na mesma medida que colecionou detratores. Uma coletânea da produção literária postada nas redes antissociais, como define o próprio, integra o livro "Pedro Cardoso Eu Mesmo: Em Busca de Um Diálogo Contra o Fascismo Brasileiro", que traz uma provocação logo no próprio título. 

Estaria o autor disposto a dialogar ao propor uma conversa contra? A resposta fica muito clara ao longo dos seus textos: “Cansei de dar terreno para fascistas falarem comigo. Falem sozinhos! Este é um momento de absoluta ruptura. Diante do holocausto que se pronuncia, aceitar a divergência, como se fosse mera questão de opinião, é uma leviandade que custará caro. Com o fascismo, não há conversa. É guerra! De palavras apenas, sempre; no que depender de mim. Palavras, atitude e desprezo. São as únicas armas que eu admito”, comentou no calor da votação de primeiro turno, em 2018.

Ainda que não se trate, como afirma Pedro Cardoso na introdução, de um livro de filosofia política ou de ciências sociais, as considerações acerca da lógica e da dinâmica do Instagram são de grande valor e instigam a reflexão sobre o espírito de nosso tempo. A rede onde posta suas crônicas é chamada de “praia” idealizada com a finalidade de venda de publicidade. Ciente disso, conclama seus seguidores a propagandear suas ideias. “Se esta praia imaterial aqui é usada pelos donos dela como um veículo para venda de publicidade, é para isso que ela serve! Façamos o mesmo! Usar as redes antissociais para publicidade das nossas ideias; e não - jamais - como um substituto do convívio! Convivamos, pois! Saraus, poesia, tocar piano, xadrez, paqueras, namoros... Resistir à anulação dos nossos corpos. E ler livros! Beijos. Manter-me-ei raro por aqui. Por convicção. Mil vezes vinte ou trinta pessoas num teatro do que 1 milhão de seguidores no Instagram”.

“Todos nós, self-falantes, nos deparamos com nós mesmos na tela que nos filma e nos exibe enquanto nos filmamos. Essa peculiaridade não é um detalhe inofensivo. Acho que o caráter bumerangue do selfvídeo é um dos atrativos das redes antissociais. Aqui forjamos nossa identidade no espelho e não diante de um do outro que reage a nós. Selfpúblico de nós mesmos, a nossa imagem sempre recebe bem o que estamos dizendo”.

Sobre o livro e a vida digital
Ao inaugurar sua conta no Instagram (@pedrocardosoeumesmo), o ator e dramaturgo Pedro Cardoso não fazia ideia, nem tinha intenção, de ter ali uma plataforma para publicação de algo semelhante a uma crônica política. 

No entanto, suas reflexões diárias compõem uma espécie de mosaico da situação política do Brasil, ao mesmo tempo em que denunciam a manipulação da verdade, a escalada do autoritarismo no país e refletem sobre o espírito do nosso tempo, regido pelo uso desenfreado das “redes antissociais”, como define o influenciador digital que já conta com quase 300 mil seguidores. Com grande coragem, o autor expõe e justifica brilhantemente suas escolhas, acompanhado quando necessário do jargão que se tornou conhecido entre seus leitores: “minha opinião”.

O livro "PedroCardosoEuMesmo: em Busca de Um Diálogo Contra o Fascismo Brasileiro" se divide em oito partes, começando pelas postagens mais recentes, entre a posse de Jair Messias, como ele costuma se referir ao presidente, até 31 de março de 2019, quando o tom se eleva para criticar a decisão de se comemorar o golpe de 1964, e retrocedendo até a posse de Michel Temer. Alguns marcos pontuam cada um dos períodos, entre eles o assassinato da vereadora Marielle Franco, a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, a facada em Bolsonaro e o incêndio do Museu Nacional.

Em meio às análises políticas, surgem observações perspicazes sobre a relação com as redes sociais. Na fase em que ainda estava se habituando à vida de influenciador digital, perguntou: “O que é o Instagram?”. Num vídeo, leu a resposta de Robéio César, um dos seus seguidores: “Instagram é uma forma de estar no mundo sem estar; de se sentir importante sem ser, é não ser ninguém e se isolar num mundo irreal onde se busca o inevitável esquecimento”

As indicações bibliográficas, postadas recorrentemente, revelam algumas de suas influências e preferências intelectuais. A lista de autores indicados inclui o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, o escritor Mia Couto, as jornalistas Miriam Leitão, Eliane Brum e Suzanne Moore, o ativista americano Malcolm X, o cientista social Jorge Caldeira, o teólogo Leonardo Boff e o religioso Dom Paulo Evaristo Arns.

O texto de orelha é assinado por uma seguidora, Taís Diniz, que revela a razão do sucesso do perfil @pedrocardosoeumesmo: “O que não poderíamos esperar, e aqui falo por mim e por tantos outros que o acompanharam na sua praia seca e sem sol, era conhecer, através de sua generosa entrega, o Pedro. Sim, o Pedro, o ele mesmo, que nos esperava de roupão, no Instagram, para ter aquela conversa amiga. Ele mesmo, o cidadão brasileiro apaixonado por seu país, inconformado coma barbárie que começa a se delinear à nossa volta e ameaçava a nossa democracia. Todos os dias pela manhã aguardávamos ansiosos por suas opiniões, que vinham sempre certeiras, incisivas, cirúrgicas, claras, descomplicadas e carregadas de uma lucidez que a muitos pegou de surpresa”.

Pedro Cardoso é ator, roteirista e escritor. Autor do romance "O Livro dos Títulos", também pela Editora Record, "PedroCardosoEuMesmo: em Busca de Um Diálogo Contra o Fascismo Brasileiro" é seu primeiro livro de não ficção. Como ator, ficou conhecido por interpretar o personagem Agostinho Carrara em "A Grande Família", uma das séries mais bem-sucedidas da televisão brasileira, e pelas peças "O Autofalante" e "Os Ignorantes", sucesso de público e crítica.

Pitadas de "PedroCardosoEuMesmo: Em Busca de Um Diálogo Contra o Fascismo Brasileiro"
“O valor possível desta obra não reside na originalidade eventual - e improvável - do que eu digo. Eu apenas repito o que aprendi, lendo e ouvindo, de uma multiplicidade de fontes variadas. O encontro do que sei com a minha genética e a minha biografia resulta na minha opinião. Este não é, de modo algum, um livro de ciências sociais; muito menos de filosofia política. Este é um livro de opinião, e de uma opinião amadora. Se este livro tiver algum valor, será o de ser um testemunho do nosso tempo e de contar a história de como eu, um desorientado, inábil, anacrônico e cético instagramista, vim fazer uso entusiasmado da rede para publicação de uns arremedos de crônica política; e como, depois, terminei por descrer da eficiência do que fiz justamente por tê-lo feito em uma rede antissocial.” (página 14).


“Somos uma espécie gregária. A identidade de cada pessoa se cons­trói em sua relação com a identidade coletiva do grupo. Mas, como li em algum livro por aí, nosso cérebro só consegue classificar umas cem pessoas. Para além de cem, já não fazemos reconhecimento individual de quem sejam. Vivemos hoje em grupos enormes, de milhões. Por isso, desconfio, procuramos formar grupos menores: torcidas organizadas, surfistas, artistas, militares, sindicalistas, naturalistas... diversos. Reconhecer os membros do grupo, e o grupo, é fundamental para sentirmo-nos seguros. E segurança é a função primordial do grupo, pois só unidos somos mais fortes que o inimigo externo.” (página 50)


“A imaterialidade e o anonimato que este lugar aqui oferece são uma armadilha. Esta eleição está sendo decidida no campo do adversário! Entendem?! Eu quero voltar para o mundo físico. Falar com uma pessoa de cada vez. Digo a vocês: aqui, na presença da imaterialidade, só se fala com iguais ou xingam-se os diferentes; e atordoam-se os fracos até os convencer por nocaute. Por ser o próprio terreno uma armadilha, nós aqui perderemos todas as batalhas. Eu não sinto que tenha conseguido influenciar ninguém que pense diferente de mim. Fiz amizade com os afins e inimizade com os outros. À parte os afetos encontrados, nada se moveu. E eu quero o movimento! Espero esbarrar com os amigos por aí, nos recantos da realidade material.” (página 126)


“A demo­cracia brasileira tem claudicado por causa da desonestidade da quase totalidade da classe política e das elites econômicas a ela associadas. Mentiram tanto, por tanto tempo, todos eles — criaram-se re­centemente as ditas redes sociais, ambientes propícios a proliferação industrial de inverdades —, que eu hoje considero impossível proteger uma verdade de ser deformada por versões falsificadas dela. Os agentes públicos agem todos como jogadores de futebol: negam, ofendidos e revoltados, as faltas que cometem mesmo quando o vídeo-árbitro as expõe em câmera lenta.” (página 194)


“Eu queria para o Brasil uma grande novidade. Mas ela não surgiu, na minha opinião. Eu já disse, e reitero, que não me agrada o modo como tratamos da nossa vida em comum; e gostaria de ver tudo posto em questão. Mas os políticos e seus sócios na sociedade criam mecanismos para manter opoder longe das mãos do povo. A política é o lugar onde os poderosos se en­tendem; e não onde nós discutimos os nossos assuntos e decidimos o nosso futuro. Político é funcionário do povo, executante do que já foi decidido; e não líder! Eu odeio parecer ser necessário haver líderes! Esse messianismo do qual os políticos se investem é repugnante porque falso!” (página 218)

"PedroCardosoEuMesmo: Em Busca de Um Diálogo Contra o Fascismo Brasileiro"
Pedro Cardoso
 406 páginas | R$ 34,90
Editora Record | Grupo Editorial Record

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