Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Aline Grego
Em uma era em que os algoritmos decidem o que vale a pena ouvir, um show que se propõe a reviver a música de raiz soa como um manifesto. No próximo dia 14 de agosto, no Centro Cultural São Paulo, Cláudio Lacerda se une a Rodrigo Zanc para lançar o EP "Tributo a Pena Branca e Xavantinho" - um projeto que surgiu do afeto, atravessou o luto e chegou ao palco como resistência.
A apresentação celebra uma dupla que marcou a história da música brasileira com voz, viola e verdade. Mas por trás do repertório que passeia por Patativa do Assaré, Rolando Boldrin e Chico Buarque, há um gesto político e poético: o de lembrar que o Brasil ainda pulsa no interior, nos causos, nos bois de chifre e nas janelas sem vidro que abrem para a paisagem da memória.
Em entrevista exclusiva para o Resenhando.com Cláudio Lacerda - cantor, compositor e defensor incansável da cultura caipira - fala sobre o espetáculo, o peso simbólico de homenagear Pena Branca, e os dilemas de cantar o campo em um país que insiste em asfaltar a própria história.
Resenhando.com - Depois de cantar ao lado de Pena Branca em sua última apresentação em vida, vocês se tornaram guardiões involuntários de um legado. Quando é que a homenagem deixa de ser reverência e começa a virar responsabilidade sufocante?
Cláudio Lacerda - Entendemos que de certa forma a responsabilidade seja grande, mas não chega a ser sufocante pois além da gente, muitos outros artistas trabalham para preservar e valorizar a obra de Pena Branca e Xavantinho. Somos apenas mais dois artistas que têm consciência da importância do legado deles.
Resenhando.com - Em tempos de algoritmos que premiam o descartável, lançar um EP com “Triste Berrante” e “Chuá Chuá” é quase um ato subversivo. Vocês acham que a música de raiz ainda tem chance de furar a bolha digital - ou está condenada ao rodapé da memória nacional?
Cláudio Lacerda - Adorei o subversivo! É improvável furar a bolha digital. O consumo de música, de cultura, está muito condicionado ao mainstream. Infelizmente é a realidade. Mas ainda são muitos os festivais de viola, são muitas as orquestras de viola e artistas queridos pela população nas cidades pequenas. Podemos ser rodapé, mas um rodapé que nunca vai sair de moda.
Resenhando.com - Pena Branca e Xavantinho sempre falaram do Brasil profundo. Como é lidar com esse Brasil hoje, onde o campo virou sinônimo de disputa política e o sertão, de esquecimento?
Cláudio Lacerda - Sim, sempre. Tanto que em todos os discos da dupla havia sempre ao menos uma Folia de Reis. Nos grandes centros é raro, mas as folias, congadas, jongos, as expressões populares têm sido vistas mais frequentemente nos rincões do Brasil. Pesquisadores como o Professor Ivan Vilela da USP também confirmam isso, o que nos enche de esperança.
Resenhando.com - Quando vocês sobem ao palco e tocam “Cálix Bento”, estão em busca de quê: fé, redenção ou apenas silêncio respeitoso da plateia?
Cláudio Lacerda - Acredito que estamos em busca da união da gente com o público, no sentido de comemorarmos a nossa cultura, que é rica, que é linda, e nos enche de orgulho e pertencimento. Andar com fé...sempre!
Resenhando.com - “Cio da Terra” e “Vide, Vida Marvada” são músicas que choram por dentro. Que dor do Brasil vocês ainda não conseguiram cantar?
Cláudio Lacerda - A dor mais “dilurida” hoje em nosso país é a desunião e polarização política. A música de Pena e Xavantinho suaviza e ajuda a mitigar essa segregação. A arte cura!
Resenhando.com - Já que o show nasce de uma despedida abrupta, me digam com franqueza: o que ficou engasgado naquele último encontro com Pena Branca?
Cláudio Lacerda - Pena Branca era um ser humano extremamente simples e gentil. Aquela noite fluiu docemente com sua presença. O que lamentamos foi não podermos ter realizado outras apresentações com ele. Foi tudo lindo.
Resenhando.com - Se Xavantinho estivesse vivo, o que ele detestaria no projeto de vocês — e o que, talvez, elogiasse com um meio sorriso?
Cláudio Lacerda - Não acredito que ele detestaria nada não. Provavelmente ele ficaria muito feliz em ver seus antigos companheiros com a gente. Falo dos músicos incríveis que o acompanhavam, e de quem somos muito amigos: Ricardo Zoyo, Priscila Brigante, Ana Rodrigues e Ed Graballos. E acho que ele elogiaria a inclusão da canção “Bandeira do Divino” do Ivan Lins e Victor Martins, que eles não cantavam. É uma folia mais moderna digamos, sabemos, mas eles eram mestres em fazer adaptações de canções da MPB para uma versão regionalista.
Resenhando.com - Vocês são músicos que resistem à pasteurização do sertanejo universitário. Como é manter a dignidade artística em um país onde o som do berrante foi trocado por um beat de TikTok?
Cláudio Lacerda - A dignidade é fácil de manter, pois a gente ama a cultura popular. Não é oportunismo ou estratégia. A gente gosta de verdade. Cada um com sua consciência!
Resenhando.com - Existe espaço para melodia sem maquiagem em um mundo que venera a estética autotune? Vocês já se sentiram tentados a trair a simplicidade por uns likes a mais?
Cláudio Lacerda - Somos totalmente contra o uso de VS (playback) em shows. Para ouvir músicos tocando de verdade, sem maquiagem, vão lá assistir a gente dia 14 de agosto no CCSP!
Resenhando.com - E se a alma caipira fosse, de fato, um espírito: onde ela ainda habita neste país rachado entre o concreto e o agronegócio?
Cláudio Lacerda - A alma caipira é um espírito sim, e muito presente por sinal na Paulistânia (área de aculturamento bandeirante). E esse espírito jamais será extinto. Se depender da gente e de um mundão de artistas, há de imperar.
Dia 14 de agosto, no Centro Cultural São Paulo, Cláudio Lacerda se une a Rodrigo Zanc para lançar o EP "Tributo a Pena Branca e Xavantinho". Foto: Adriano Rosa
Serviço
Tributo a Pena Branca e Xavantinho - com Cláudio Lacerda e Rodrigo Zanc
Centro Cultural São Paulo - Sala Adoniran Barbosa
Quinta-feira, dia 14 de agosto de 2025
Às 19h00 (duração: 90 minutos)
Rua Vergueiro, 1000 - Paraíso / São Paulo
Ao lado da Estação Vergueiro do Metrô
Entrada gratuita | Classificação: livre
Capacidade: 400 lugares (chegue cedo, sujeito à lotação)
Saiba mais: @claudiolacerdaoficial | @rodrigozanc
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