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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

.: Lindomar Wessler Boneti fala sobre a educação como antídoto


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação

Doutor em Sociologia, professor e pesquisador do curso de Ciências Sociais e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Lindomar Wessler Boneti é uma voz de referência quando o assunto é cidadania, políticas públicas e convivência democrática. Agora, como um dos organizadores do livro "Uma Pedagogia para o Viver em Comum - Direitos e Deveres dos Seres Humanos e das Comunidades", lançado pela PUCPRESS, ele propõe — junto a especialistas nacionais e internacionais — um olhar crítico e inovador sobre como educar para a vida em sociedades fragmentadas, articulando direitos e deveres como dimensões inseparáveis do viver em comum. Nesta entrevista, Boneti reflete sobre os desafios contemporâneos da democracia, a urgência de uma educação cidadã e os limites do individualismo em tempos de polarização e desigualdade. "Compre o livro "Uma Pedagogia para o Viver em Comum - Direitos e Deveres dos Seres Humanos e das Comunidades" neste link.


Resenhando.com - Em um cenário global onde direitos humanos parecem cada vez mais contestados, como “Uma Pedagogia para o Viver em Comum” desafia a dicotomia entre direitos e deveres sem cair no risco de restringir liberdades individuais?
Lindomar Wessler Boneti - "Uma Pedagogia para o Viver em Comum" propõe uma superação da dicotomia entre direitos e deveres ao deslocar o foco da individualidade isolada para o sujeito inserido em um tecido social, histórico e ético. Em vez de tratar direitos e deveres como polos opostos ou negociações formais entre o Estado e a pessoa cidadã, essa pedagogia os entende como dimensões interdependentes da convivência humana. Ela desafia a ideia de que o exercício de direitos precisa ser condicionado ao cumprimento de deveres, propondo, ao contrário, que ambos se sustentam na lógica da corresponsabilidade e da amorosidade. Ao promover uma ética do cuidado, do reconhecimento mútuo e da interdependência, essa pedagogia evita o risco de restringir liberdades individuais. Em vez de impor deveres como formas de controle, ela convida à participação ativa, consciente e solidária na vida coletiva. Isso significa que a liberdade individual não é negada, mas ressignificada: ela não se exerce à revelia da outra pessoa, mas no encontro de ambos, no entendimento de que o meu existir está condicionado ao existir da outra pessoa.


Resenhando.com - A obra propõe superar o individualismo liberal e os particularismos identitários - é possível criar uma convivência comum sem diluir as identidades culturais e políticas que definem grupos minoritários?
Lindomar Wessler Boneti - Sim, é possível criar uma convivência comum sem diluir as identidades culturais e políticas de grupos minoritários. A chave está em construir um espaço ético-político de reconhecimento mútuo, onde a diferença não seja vista como ameaça, mas como componente da própria tessitura do comum. A proposta é pensar o “viver em comum” não como uniformidade, mas como convivência solidária e dialogada, uma pedagogia da escuta, do cuidado e da coabitação respeitosa. Assim, faz-se necessário a superação tanto do individualismo liberal, que absolutiza a liberdade desvinculada da outra pessoa, quanto dos particularismos identitários, que podem cristalizar diferenças e dificultar o diálogo. A convivência comum exige o reconhecimento recíproco das vulnerabilidades, dos direitos e das potências de cada grupo, sem que isso signifique apagamento de suas singularidades. Portanto, é na valorização da pluralidade, mediada por uma ética da alteridade, que se constrói um comum inclusivo e justo.


Resenhando.com - Em que medida a educação formal no Brasil está preparada - ou não - para assumir o papel central de formar cidadãos para o viver em comum, especialmente diante da fragmentação social crescente e da banalização da intolerância?
Lindomar Wessler Boneti - A educação formal no Brasil ainda não está plenamente preparada para assumir o papel central de formar cidadãos para o viver em comum, especialmente diante da fragmentação social e da banalização da intolerância. Isso se deve a alguns fatores estruturais e culturais: Currículo centrado no conteúdo e no rendimento individual: a lógica escolar ainda valoriza fortemente o desempenho técnico e a competição, em detrimento da formação ética, da empatia e da convivência democrática; Ausência de uma pedagogia crítica e dialógica: embora exista uma base legal que promova os direitos humanos e a cidadania, como a BNCC, a prática pedagógica muitas vezes não incorpora de fato metodologias voltadas ao diálogo, à escuta ativa e à valorização da diversidade; Falta de formação docente contínua: faz-se necessário intensificar a formação docente  para lidar com conflitos sociais, discursos de ódio ou questões identitárias de maneira construtiva, isto na perspectiva do enfrentamento da intolerância e da exclusão dentro do ambiente escolar; Desigualdade estrutural: a educação ainda reproduz as desigualdades sociais. Escolas em contextos vulneráveis enfrentam dificuldades básicas que dificultam qualquer proposta de convivência ética e democrática. Portanto, apesar de haver potencial e diretrizes legais para que a educação contribua com o viver em comum, a prática cotidiana ainda está distante dessa proposta. Para que isso se concretize, é necessário investir em uma educação humanizadora, voltada à formação de sujeitos ético-políticos capazes de conviver com o diferente e agir no coletivo.


Resenhando.com - O livro aponta riscos de uma pedagogia estatal que pode se transformar em controle social. Como distinguir uma educação emancipadora de uma pedagógica autoritária em tempos de polarização política?
Lindomar Wessler Boneti - Uma educação emancipadora se distingue de uma pedagogia autoritária, especialmente em tempos de polarização política, por sua capacidade de promover autonomia crítica, diálogo e reconhecimento da pluralidade, enquanto a autoritária impõe valores únicos silenciando as pessoas. A educação emancipadora parte do reconhecimento da dignidade de cada sujeito e da complexidade do tecido social. Ela não instrumentaliza a formação para servir a um projeto político-partidário, mas estimula a construção coletiva de sentidos, o respeito às diferenças e o compromisso com os direitos humanos. Por outro lado, uma pedagogia autoritária, mesmo travestida de projeto nacional ou moral, tende a reduzir a diversidade ao consenso forçado, usando a escola como aparelho de controle e uniformização. Em contextos de polarização, o risco aumenta: o Estado pode usar a educação como ferramenta ideológica, suprimindo o pensamento crítico sob o pretexto da ordem ou da tradição. Portanto, a chave da distinção está na finalidade: se a educação visa formar sujeitos críticos, participativos e conscientes de seu papel na democracia, é emancipadora; se busca formar obedientes e homogêneos, é autoritária. O "por quê" está na própria essência da democracia: ela exige cidadãos, não apenas súditos.  É o caso, por exemplo, da distinção entre o ensinar pensar e o ensinar fazer a partir do pensamento de Paulo Freire. No Brasil se faz presente, muito mais neste momento histórico, uma defesa explícita pelas elites econômicas na perspectiva de uma política educacional voltada ao ensinar fazer mais que o pensar, interferindo em algo essencial dos direitos humanos, a autonomia pessoal.


Resenhando.com - Como o senhor avalia o papel das políticas públicas na promoção de uma cidadania ativa e solidária? Elas têm sido eficazes em romper com a exclusão estrutural ou apenas reproduzem velhas desigualdades?
Lindomar Wessler Boneti - As políticas públicas têm um papel fundamental na promoção de uma cidadania ativa e solidária, na medida em que podem criar condições concretas para o exercício de direitos, a participação social e a construção de vínculos coletivos. No entanto, sua eficácia em romper com a exclusão estrutural ainda é limitada. Em muitos casos, elas acabam por reproduzir desigualdades históricas ao priorizar interesses de grupos hegemônicos, manter práticas burocráticas excludentes ou adotar abordagens meramente compensatórias. Faz-se necessário levar em consideração que as políticas públicas não se constituem de uma outorga do Estado à sociedade civil simplesmente a partir do preceito do direito, mas resultam de uma correlação de forças sociais carregando diferentes projetos a partir de diferentes segmentos sociais.  Neste caso, são concebidas de forma verticalizada, desconectadas da realidade vivida pelos grupos sociais com maior necessidade. Porém, quando formuladas a partir de processos democráticos, com participação de diferentes segmentos sociais, com escuta ativa das comunidades e foco na justiça social, podem de fato promover a transformação social necessária. Portanto, para que sejam instrumentos de emancipação e solidariedade, as políticas públicas precisam ser pautadas por princípios de equidade, participação cidadã e reconhecimento das diversidades. Isso exige uma ação deliberada contra os mecanismos de exclusão e uma redefinição contínua do próprio sentido de cidadania.


Resenhando.com - Diante do enfraquecimento dos marcos normativos universais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, qual o papel das comunidades locais e da educação para fortalecer esses princípios? 

Lindomar Wessler Boneti - Diante do enfraquecimento dos marcos normativos universais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as comunidades locais e a educação assumem um papel estratégico na resistência e revitalização desses princípios. Em contextos marcados por retrocessos democráticos, intolerância e relativização dos direitos, são os espaços locais – escolas, movimentos sociais, associações comunitárias – que se tornam guardiões vivos da dignidade humana. A educação, nesse cenário, deve ir além da instrução técnica para o simples exercício do fazer, ou da transmissão de conteúdos neutros. Ela precisa cultivar uma pedagogia crítica, ética e dialógica, que forme individualidades capazes de reconhecer a dignidade da outra pessoa, agir com solidariedade e se comprometer com a justiça social. Faz-se essencial promover uma pedagogia para o viver em comum, que una o respeito às diferenças com a busca de valores universais, como liberdade, igualdade e fraternidade. Por outro lado, as comunidades locais, enraizadas em realidades concretas, podem traduzir os princípios abstratos dos direitos humanos em práticas cotidianas, mobilizando saberes populares e vínculos de solidariedade. Elas têm o potencial de reconstruir o sentido dos direitos a partir da base, tornando-os mais acessíveis, contextualizados e legítimos. Portanto, em tempos de tamanha destruição dos consensos globais, é na articulação entre educação transformadora e mobilização comunitária que reside a esperança do reencanto e da defesa dos direitos humanos.


Resenhando.com - A obra trata também das questões de gênero como eixo estruturante da convivência democrática. Como a pedagogia para o viver em comum pode lidar com os conservadorismos e retrocessos no debate sobre gênero no Brasil?
Lindomar Wessler Boneti - A pedagogia para o viver em comum entende que as questões de gênero constituem temáticas centrais na discussão com a perspectiva da construção de uma convivência verdadeiramente democrática. Isto por entender que tais questões dizem respeito diretamente à justiça, à igualdade e ao reconhecimento da diversidade humana. Diante do conservadorismo e do retrocesso no debate sobre gênero no Brasil, essa pedagogia propõe um caminho baseado no diálogo, no respeito às diferenças e na formação ética dos sujeitos. Em vez de impor verdades absolutas, ela busca criar espaços educativos onde as desigualdades de gênero possam ser problematizadas de forma crítica, mas também sensível, com a perspectiva do acolhimento em sua pluralidade. Essa abordagem é fundamental porque o conservadorismo tende a reforçar hierarquias e estigmas, enquanto a pedagogia para o viver em comum aposta na emancipação e na convivência solidária. Lidar com retrocessos, portanto, exige uma educação que não apenas informe, mas forme sujeitos capazes de reconhecer e transformar realidades excludentes.


Resenhando.com - Na sua experiência, que práticas pedagógicas concretas conseguem transformar a educação cidadã em uma experiência genuína de reconhecimento e cuidado com o outro?
Lindomar Wessler Boneti - Na minha experiência, práticas pedagógicas que promovem a educação cidadã como uma experiência genuína de reconhecimento e cuidado com a outra pessoa envolvem, especialmente: 1. Dialogicidade e escuta ativa: criar espaços onde as crianças possam expressar suas vivências, ouvir os (as) colegas e refletir coletivamente. Isso fortalece o respeito às diferenças e o reconhecimento da outra pessoa como sujeito; 2. Aprendizagem colaborativa, com atividades em grupo que exigem cooperação e responsabilidade compartilhada estimulam o cuidado mútuo e a solidariedade; 3. Projetos de intervenção social, envolvendo estudantes em ações concretas na comunidade com a perspectiva de despertar o senso de pertencimento e compromisso ético, aproximando o ambiente escolar com a prática da vida; 4. Educação envolvendo subjetividades, emoções e empatia, trabalhar o reconhecimento dos próprios sentimentos das outras pessoas ajuda a construir relações baseadas no respeito e na compreensão. Essas práticas são importantes porque reforçam o sentimento do ser social assim como o do ser cidadão, cidadã, não entendendo a cidadania como um conceito abstrato, mas com fortalecimento de vínculos entre as individualidades e a comunidade. O processo educativo deixa de ser uma simples transmissão de conteúdos para se tornar uma experiência transformadora, de convivência e de solidariedade.


Resenhando.com - Com tantos especialistas nacionais e internacionais colaborando, quais foram os principais desafios de articular uma visão interdisciplinar para enfrentar crises tão complexas como as de identidade, democracia e justiça social?
Lindomar Wessler Boneti - Os principais desafios de articular uma visão interdisciplinar para enfrentar crises complexas como as de identidade, democracia e justiça social residem, sobretudo, na diversidade de perspectivas, metodologias e linguagens próprias de cada área do conhecimento. Especialistas nacionais e internacionais trazem saberes distintos que, muitas vezes, partem de pressupostos técnicos, teóricos e valores diversos, dificultando a construção de um diálogo fluido e integrado. Além disso, essas crises são multifacetadas e interligadas, identidades envolvendo aspectos culturais, psicológicos e sociais. Mas a democracia perpassa as dimensões políticas, históricas e econômicas e a justiça social exige entendimento jurídico, ético e econômico. Por isso, articular um olhar interdisciplinar exige não apenas conhecimento técnico, mas também sensibilidade para reconhecer as interdependências e evitar reducionismos. Outro desafio importante é o contexto sociopolítico, marcado por polarizações e tensões que dificultam consensos e a formulação de estratégias conjuntas. Nesse sentido, a interdisciplinaridade precisa também incorporar a dimensão ética e política da escuta e do respeito às diferenças para promover respostas efetivas e democráticas. Por essas razões, construir uma visão interdisciplinar não é apenas um exercício acadêmico, mas um processo dinâmico de mediação e diálogo que busca integrar saberes e práticas para enfrentar crises que, por sua complexidade, não podem ser resolvidas isoladamente.


Resenhando.com - Como o senhor vislumbra o futuro da sociologia da educação e dos direitos humanos diante do avanço das tecnologias digitais que, ao mesmo tempo que aproximam, também podem aprofundar a fragmentação social?
Lindomar Wessler Boneti - O futuro da sociologia da educação e dos direitos humanos, diante do avanço das tecnologias digitais, apresenta-se como um campo de grandes desafios e ao mesmo tempo de oportunidades. As tecnologias digitais têm o potencial de ampliar o acesso ao conhecimento, criar novas formas de comunicação e fortalecer redes de solidariedade, aproximando pessoas de diferentes contextos sociais e culturais. Contudo, esse mesmo avanço pode aprofundar a fragmentação social ao intensificar desigualdades no acesso às tecnologias, reforçar bolhas informacionais e facilitar a disseminação de discursos de ódio e de intolerância. Além disso, algo mais grave vislumbra-se com o avanço das tecnologias digitais, a invasão da essência do ser humano, o ato do pensar. Nesse cenário, a sociologia da educação precisa ampliar seu olhar para compreender essas novas dinâmicas, investigando como a educação pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico e da cidadania digital. A mediação pedagógica deve promover o uso consciente e ético das tecnologias, combatendo as desigualdades estruturais e incentivando a construção de espaços democráticos de diálogo. Os direitos humanos, por outro lado, enfrentam o desafio de se reafirmar em ambientes digitais, onde a privacidade, a liberdade de expressão e o combate à discriminação se tornam temas centrais. É fundamental que políticas públicas e práticas educativas dialoguem para garantir que as tecnologias não sejam instrumentos de exclusão, mas sim de inclusão e fortalecimento dos direitos fundamentais. Portanto, o futuro desses campos depende de uma ação interdisciplinar e crítica, capaz de aproveitar o potencial das tecnologias digitais para promover uma educação emancipadora, uma sociedade mais justa e solidária e a autonomia humana.





terça-feira, 12 de agosto de 2025

.: "Os Roses": Benedict Cumberbatch e Olivia Colman em remake de clássico


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. 

Protagonizado por Benedict Cumberbatch e Olivia Colman, o filme “Os Roses: até Que a Morte os Separe” é a nova versão do clássico dos anos 80 e estreia nos cinemas brasileiros em 28 de agosto. Dirigido por Jay Roach e com roteiro de Tony McNamara, o longa é uma releitura de “A Guerra dos Roses” (1989), inspirado no livro de Warren Adler, e aposta em uma abordagem contemporânea para explorar a linha tênue entre amor e rivalidade.

O original, dirigido por Danny DeVito, tornou-se um marco das comédias politicamente incorretas. Estrelado por Michael Douglas e Kathleen Turner - com DeVito também no elenco -, “A Guerra dos Roses” narrava o processo de degradação de um casamento aparentemente perfeito, que se transformava em uma disputa cada vez mais cruel e física. Com cenas icônicas, diálogos afiados e uma estética exagerada para mostrar a escalada do ódio, o filme conquistou crítica e público, sendo lembrado como uma das sátiras mais ácidas sobre relações conjugais no cinema. A produção rendeu três indicações ao Globo de Ouro e consolidou seu status de cult ao longo das décadas.

Na nova versão, Theo e Ivy Rose, vividos por Cumberbatch e Colman, também aparentam ter a vida perfeita: carreiras de sucesso, um casamento apaixonado e filhos adoráveis. Ele, um arquiteto prestes a conquistar reconhecimento internacional; ela, uma chef em ascensão. No entanto, quando o grande projeto de Theo fracassa e destrói sua reputação, enquanto o restaurante de Ivy alcança fama e prestígio, o equilíbrio da relação se rompe. O que antes era companheirismo dá lugar a uma competição implacável, alimentada por ressentimentos ocultos e ironias cortantes.

O diretor Jay Roach descreve o tom do filme como “basicamente a vida real”, utilizando o humor para tratar de momentos difíceis. “Esse filme explora como a linguagem do amor pode se transformar de uma provocação para um ataque - e às vezes, é difícil distinguir uma coisa da outra”, afirma. McNamara acrescenta que, na sociedade atual, forças externas como o sistema capitalista empurram as pessoas em direções diferentes, o que “não favorece um casamento feliz”.

Para Olivia Colman, o roteiro de McNamara encontra um equilíbrio raro: “Tony escreve com um humor seco e anárquico. Você ri e, de repente, ele quebra seu coração”. Já Cumberbatch destaca a humanidade da história: “É um roteiro divertido, criativo e cheio de falhas humanas. Esse filme mostra duas pessoas que se amam, mas que são disfuncionais e enfrentam um obstáculo enorme”.

Mais do que apenas mostrar um casamento em ruínas, “Os Roses: até Que a Morte os Separe” investiga padrões de comportamento, expectativas sociais e os desafios de manter uma conexão genuína diante de pressões externas. Para o produtor Adam Ackland, “essa tinha que ser uma reimaginação completa, não um remake”. O resultado é uma mistura de comédia e tragédia, conduzida por personagens complexos e conflitos emocionais que vão do encantamento inicial aos limites extremos de uma relação marcada pelo ressentimento. “Esse é um filme com momentos engraçados, mas, no fundo, é uma tragédia. Uma quase shakespeariana”, resume Roach.

O elenco reúne ainda Andy Samberg, Allison Janney, Belinda Bromilow, Ncuti Gatwa, Sunita Mani, Zoë Chao, Jamie Demetriou e Kate McKinnon. Produzido pela Searchlight Pictures, o longa conta com a participação de Cumberbatch e Colman também como produtores executivos. “Os Roses: Até Que a Morte os Separe” estreia em 28 de agosto nos cinemas brasileiros.

As diferenças entre o clássico e a nova versão de “Os Roses”
Uma das principais diferenças entre as duas versões está no ponto de vista e na construção dos personagens. Enquanto o longa de 1989 abraçava o exagero e a caricatura para amplificar o absurdo da guerra conjugal, a nova adaptação aposta em um tom mais realista, ainda que temperado pelo humor ácido. 

A rivalidade entre os protagonistas surge menos da teatralidade e mais de pressões sociais contemporâneas, como a busca por sucesso profissional, a desigualdade de reconhecimento e o impacto da vida pública nas relações íntimas. Outro diferencial é que o roteiro de McNamara aprofunda a humanidade dos protagonistas, revelando momentos de fragilidade e conexão que tornam o embate ainda mais doloroso.

Uma curiosidade é que McNamara e Roach decidiram preservar a essência ácida e desconfortável que tornou o filme de 1989 inesquecível, mas substituíram os grandes gestos destrutivos por conflitos mais sutis, verbais e psicológicos, que espelham as formas modernas de desgaste conjugal. A estética também mudou: se o original usava uma casa luxuosa como palco para a guerra, aqui os ambientes refletem as conquistas profissionais e o estilo de vida atual, funcionando como extensão da disputa entre Theo e Ivy.

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.: Chad Michael Murray retoma papel em “Uma Sexta-feira Mais Louca Ainda”


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. 

Em “Uma Sexta-feira Mais Louca Ainda” (“Freakier Friday”), em cartaz nos cinemas brasileiros, o público reencontra não apenas Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan no papel das icônicas Tess e Anna Coleman, mas também um dos personagens mais queridos do filme original de 2003: Jake, vivido por Chad Michael Murray. No novo longa-metragem, Jake continua arrancando suspiros com a moto e o cabelo impecáveis, mas agora ele é proprietário da loja de discos The Record Parlour - um retorno que promete aquecer o coração dos fãs nostálgicos.

A volta de Murray ao papel é mais um capítulo de uma carreira marcada por papéis que se tornaram referências para toda uma geração. O ator ganhou projeção internacional no início dos anos 2000, especialmente com o papel de Lucas Scott no seriado “One Tree Hill” (2003–2012), drama adolescente que conquistou fãs fiéis ao longo de nove temporadas. Antes disso, já havia participado de produções populares como “Gilmore Girls” e “Dawson’s Creek”, consolidando-se como um dos rostos mais conhecidos da TV americana na época.

No cinema, um ds trabalhos mais lembrados de Chad Murray é o suspense de terror “A Casa de Cera” (2005), no qual contracenou com Elisha Cuthbert e Paris Hilton. O filme, que se tornou cult entre os fãs do gênero, mostrou um lado mais sombrio do ator, distante dos papéis românticos e dramáticos que o consagraram na televisão. Murray também participou de produções como “A Nova Cinderela” (2004), ao lado de Hilary Duff, reforçando seu status de galã juvenil da década.

Agora, em “Uma Sexta-feira Mais Louca Ainda”, o ator revisita um papel que, embora pequeno no primeiro filme, marcou presença no imaginário do público como o crush definitivo da personagem Anna. Dirigido por Nisha Ganatra e baseado no livro "Que Sexta-feira Mais Pirada!", de Mary Rodgers, o novo filme mistura nostalgia e frescor, trazendo novamente personagens e elementos que fizeram sucesso há 22 anos.

Com roteiro de Jordan Weiss e Elyse Hollander, o filme tem no elenco Maitreyi Ramakrishnan, Julia Butters, Sophia Hammons, Manny Jacinto, Vanessa Bayer, Rosalind Chao e Mark Harmon. A comédia, distribuída pela Disney no Brasil, tem 115 minutos de duração, classificação indicativa livre e uma única cena pós-créditos, que deve agradar especialmente aos fãs de longa data. Seja como o misterioso Jake, o romântico Lucas Scott ou o sobrevivente de “A Casa de Cera”, Chad Michael Murray construiu uma trajetória que atravessa diferentes gêneros e públicos. E agora, com seu retorno à franquia, prova que alguns personagens - e até mesmo alguns atores - continuam inesquecíveis.

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“Uma Sexta-feira Mais Louca Ainda” | "Freakier Friday" | “Sexta-feira Ainda Mais Louca” | Sala 2
Classificação indicativa: livre. Ano de produção: 2025. Idioma: inglês. Direção: Nisha Ganatra.
Roteiro: Jordan Weiss, Elyse Hollander. Elenco: Jamie Lee Curtis, Lindsay Lohan, Julia Butters, Sophia Hammons, Manny Jacinto, Maitreyi Ramakrishnan, Rosalind Chao, Chad Michael Murray, Vanessa Bayer, Mark Harmon e outros. Distribuição no Brasil: Walt Disney Studios. Duração: 115 minutos. Cenas pós-créditos: sim, uma.


Legendado
12/8/2025 - Terça-feira: 18h10 e 20h40
13/8/2025 - Quarta-feira: 18h10 e 20h40


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domingo, 10 de agosto de 2025

.: "Antes do Início": Ernesto Mané encara o passado com olhos de futuro

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Valeria Fiorini

Doutor em física nuclear, diplomata de carreira, pesquisador em centros de excelência como o CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) e a Universidade de Princeton - Ernesto Mané poderia, com facilidade, ser apenas um desses nomes que figuram em listas internacionais de prestígio, como a dos 100 negros mais influentes do mundo segundo a plataforma global MIPAD (Most Influential People of African Descent). Mas ele decidiu se mover por outro campo de força: o das memórias partidas.

Em "Antes do Início", livro de estreia dele publicado pela Tinta-da-China Brasil, Ernesto embarca em uma travessia que vai além do Atlântico. Vai do abandono ao pertencimento, do racismo velado às feridas expostas, da ciência para a espiritualidade, em uma escrita híbrida que combina diário de viagem, ensaio e confissão. Ao retornar à Guiné-Bissau em busca da família paterna, o autor confronta heranças esquecidas, desmancha mitos familiares e apresenta uma África real - nem exótica, nem idealizada - onde a fome e a alegria dividem o mesmo prato.

Filho de uma paraibana e de um guineense que o deixou aos sete anos, Ernesto Mané não se contenta em ser um sobrevivente da meritocracia. Quer ser ponte. Ou, como sugere nas páginas do livro escrito por ele, uma espécie de embaixador informal entre dois mundos que se evitam: o Brasil que apagou a África da memória e a África que não reconhece o Brasil como semelhante.

Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, ele fala sobre relações interrompidas, a difícil arte de construir identidade em terra movediça e os desafios de existir entre continentes, línguas, códigos e silêncios. Porque, às vezes, antes do início, há uma urgência: a de não esquecer. Compre o livri "Antes do Início", de Ernesto Mané, neste link.


Resenhando.com - Você é doutor em Física Nuclear e diplomata. Agora se lança como autor de um diário afetivo sobre ancestralidade. Onde termina o cientista cético e começa o filho órfão de continente, tentando religar os fios rompidos da Kalunga?
Ernesto Mané - Da maneira como vejo, existe um contínuo entre o cientista e o filho da diáspora africana. Quando fui estudar física na Europa, me sentia incomodado com todo o processo. Havia uma relação quase colonial, em que eu, um jovem negro vindo de um país periférico, estava sendo “civilizado” pelos europeus. Essa tensão sempre esteve presente. Por outro lado, desde o final da adolescência vinha nutrindo o desejo de conhecer a Guiné-Bissau e minha família paterna, de modo que só consegui reunir as condições materiais para realizar a viagem depois de ter completado o doutorado.


Resenhando.com - 
No livro, seu pai surge como uma figura dividida entre a fuga e o abandono. Que palavras o Ernesto de hoje, pai e diplomata, diria ao pai que partiu quando você tinha sete anos?
Ernesto Mané Diria para ele ainda que, embora eu hoje entenda mais sobre as complexidades da vida, ainda tenho dificuldade de entender a escolha que ele fez de abandonar seus filhos tanto da África quanto os do Brasil, sobretudo se considerar que morávamos na mesma cidade, em João Pessoa. Sua falta foi sentida e precisávamos de uma referência e de alguém que nos protegesse do racismo e da branquitude. Na falta dele, tive que aprender a lidar com essas questões do jeito mais doloroso.


Resenhando.com - Você já foi chamado de “macaco” nas ruas do Brasil e de “branco” nas ruas de Bissau. O que significa para você habitar essa encruzilhada racial em que nenhuma identidade parece bastar?
Ernesto Mané Não me resta dúvidas de que sou um homem fenotipicamente negro, embora seja mestiço. Ter sido chamado de “branco” pelas crianças da Guiné-Bissau tem muito a ver com o fato de eles considerarem o Brasil como “terra de gente branca”, ou seja, não está presente no imaginário de uma criança guineense que o Brasil seja um país majoritariamente negro - o segundo maior país negro depois da Nigeria. Além disso, ser “branco” está relacionado a uma questão de poder, e eu, pelo fato de ser estrangeiro, projetava esse poder através da forma de me vestir, de falar e de portar comigo uma câmera fotográfica digital - todos códigos relacionados com o poder financeiro e com a branquitude no imaginário deles.


Resenhando.com - Em “Antes do Início”, você revela que ninguém em sua família africana toca tambores ou veste roupas tradicionais, mas você ensina capoeira angola às crianças da Guiné. A cultura afro-brasileira está mais próxima da África do que a própria África?
Ernesto Mané Algumas mulheres da minha família, inclusive a minha avó, usam roupas tradicionais. De fato, não tive contato com nenhum parente que tocasse instrumentos musicais locais. Mas isso não os torna menos africanos. São indivíduos pertencentes a um continente que possui uma diversidade cultural riquíssima e que continua sendo a fonte de referência para toda a diáspora, incluindo o Brasil.


Se fosse possível colocar seu livro nas mãos de uma única pessoa - viva ou morta - para que ela o lesse com atenção, quem seria essa pessoa?
Ernesto Mané Seria o meu pai, seguramente. Na verdade, o diário de viagem que serviu de inspiração para o livro ficou por algum tempo guardado junto com alguns dos meus pertences na casa do meu pai. Tenho algumas evidências de que ele talvez tenha lido o diário, embora nem ele nem eu jamais tenhamos puxado o assunto em nossas conversas.


Em algum momento, entre o transporte de uma galinha viva e os silêncios da memória familiar, você se sentiu um estrangeiro em sua própria origem?
Ernesto Mané Eu me senti bastante acolhido pela minha família africana. A etnia a qual pertenço, a balanta, é patrilinear, de modo que todos reconheceram que eu era guineense, a única diferença sendo a de que eu fui “parido fora” da Guiné-Bissau. Hoje, minha leitura sobre os silêncios da memória familiar tem muito a ver com o dano causado pelo colonialismo ao tecido social e familiar do país, que sofreu com a presença colonial portuguesa por mais de 500 anos. Esse dano causou e causa muita dor, sofrimento e vergonha para todos os afetados, de modo que eu entendo que estava sendo poupado pela minha própria família dos detalhes acerca de um capítulo triste da história recente da Guiné-Bissau.


Você é um diplomata que lida com desarmamento e segurança internacional, mas seu livro desmonta outro tipo de armamento: o emocional, o simbólico, o familiar. Foi mais difícil negociar com líderes mundiais ou com seus próprios fantasmas?
Ernesto Mané Se, por um lado, minha decisão de publicar livro sobre a viagem que fiz a Guiné-Bissau foi fruto de uma negociação interna, em que tive que lidar com meus próprios fantasmas, por outro, a questão do armamento nuclear está intimamente vinculada com as relações coloniais. Portugal, por exemplo, já fazia parte da Organização do Tratado do Atlantico Norte - OTAN, durante a luta pela independência da Guiné-Bissau. Cabe lembrar que a OTAN é uma aliança fundada em cima do poderio nuclear de seus membros. Atualmente vivemos em um período de grande tensão internacional, que tem colocado em xeque a segurança de toda a humanidade. Meu trabalho como diplomata e como físico tem sido guiado pela convicção de que essas armas precisam ser eliminadas, pois representam um grande risco existencial. Sem dúvidas, essa tarefa é urgente e muito mais difícil do que lidar com meus próprios fantasmas, uma vez que o livro foi publicado, mas os países nuclearmente armados seguem aumentando seus arsenais.


O crioulo é falado por todos na Guiné-Bissau, mas não é língua oficial. No Brasil, o racismo é falado em silêncio, mas rege as relações sociais. Em qual idioma se traduz melhor o que é ser negro entre dois mundos?
Ernesto Mané Fiz essa reflexão no livro, em que verifiquei ser o crioulo a língua franca da Guiné-Bissau, ao passo que o português ainda está associado com a língua do colonizador. Registrei que minha avó simplesmente se recusava a falar o português, ao mesmo tempo em que há guineenses que deixam de ensinam o crioulo a seus filhos, por acreditarem ser o português o melhor veículo para ascensão social. No Brasil, país que se tornou independente a mais tempo, acabamos por moldar o português através das contribuições dos africanos trazidos para cá e das nações originarias, como nos ensinou Lélia Gonzales. Em ambos os casos, o crioulo e o português brasileiro trazem consigo a marca da resistência contra o colonizador.


Sua trajetória parece negar a ideia de origem fixa - como se você tivesse que começar sempre outra vez. Qual é o seu ponto de partida hoje?
Ernesto Mané Essa sensação de ter que recomeçar constitui experiencia definidora dos processos diaspóricos. Ao longo de cinco séculos, sofremos violências físicas, psicológicas, epistêmicas e materiais. Muitas vezes, o que temos é apenas nosso corpo. Meu ponto de partida é saber que carrego comigo esse legado e tenho que seguir a diante, reconstruindo pontes e criando possibilidades de existir. Isso passa, por exemplo, em ser capaz de garantir as condições para que as próximas gerações não tenham que começar do zero.


Para quem acredita na meritocracia como dogma, sua trajetória seria um exemplo da famosa “superação”. Mas você parece rejeitar esse rótulo. O que existe por trás do homem que venceu - e o que ele ainda precisa perder para se reencontrar?
Ernesto Mané Existe uma pessoa que cobra de si o tempo inteiro excelência em tudo o que faz, porque não consegue esquecer uma frase que ele escutou ainda quando criança, vinda de pessoas próximas: “o preto quando não caga na entrada, caga na saída”. Essa frase é de um fatalismo gigantesco, porque não importa o quanto você seja um “vencedor”, a branquitude sela o seu destino, ao dizer que você, em dado momento, vai colocar tudo a perder, pelo fato de ser preto. Eu trabalho tanto para assegurar que esse dia nunca chegue, mas, se chegar, preciso ser capaz de reivindicar minha humanidade, porque como cantava o mestre Jorge Bem, “errare humanum est”.


sábado, 9 de agosto de 2025

.: Bernadete Moraes revela como a mente sabota e como reprogramá-la

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação

Em um cenário em que a busca por autoconhecimento e saúde mental ganha cada vez mais urgência, Bernadete Moraes - psicanalista, pedagoga sistêmica e hipnoterapeuta - chega para desafiar o leitor a encarar a maior armadilha que as pessoas criam: as mentiras internas que bloqueiam o desenvolvimento e paz interior. Coautora do best-seller "Seja (Im) Perfeito", ela lança agora o livro "Pare de Mentir para Si Mesmo", publicado pela Editora Gente.

A obra que mergulha fundo nas ilusões mentais que sustentam a autossabotagem e oferece um método psicossistêmico para desmontar essas narrativas falsas e resgatar a autonomia emocional. Nesta entrevista exclusiva para o Resenhando.com, ela conversa sobre as complexas dinâmicas entre mente, trauma, crenças limitantes e liberdade emocional - e desafia você a parar de se enganar e reescrever uma história de vida com coragem e clareza. Compre o livro "Pare de Mentir para Si Mesmo", de Bernadete Moraes, neste link.


Resenhando.com - A mente humana é expert em criar narrativas para se proteger - até que ponto essa autossabotagem pode ser considerada uma forma de autopreservação legítima e quando ela se torna um cárcere mental?
Bernadete Moraes - A autossabotagem é, muitas vezes, um grito de autopreservação. A mente cria narrativas ilusórias para evitar o sofrimento, repetindo padrões que mantêm o indivíduo em uma zona conhecida - ainda que dolorosa. No olhar psicossistêmico, isso é compreendido como uma estratégia inconsciente de sobrevivência, enraizada em traumas, lealdades familiares e crenças limitantes. Ela se torna um cárcere mental quando impede o fluxo natural da vida, bloqueando o movimento da alma rumo ao crescimento, à liberdade e à verdade pessoal.


Resenhando.com - Seu método integra ciência, psicanálise, hipnose e abordagens sistêmicas. Você acredita que o autoconhecimento profundo pode substituir, em algum momento, a necessidade de medicação para transtornos mentais, ou essas ferramentas devem sempre caminhar juntas?
Bernadete Moraes - A medicina tem seu lugar e deve ser respeitada. No entanto, muitas vezes a medicação trata o sintoma, não a causa. O autoconhecimento profundo, quando conduzido de forma ética, amorosa e integrada, pode transformar o terreno onde o sofrimento se instala. Já acompanhei casos em que a transformação foi tão significativa que a medicação se tornou desnecessária — sempre com acompanhamento médico. O psicossistêmico não substitui, mas complementa. Ele convida o paciente a se tornar o protagonista da própria cura.


Resenhando.com - No seu livro, você fala em “mentiras que contamos a nós mesmos”. Qual é a mentira mais comum e mais perigosa que as pessoas se contam, e que poucos têm coragem de confrontar?
Bernadete Moraes - A mais comum e perigosa é: “Eu sou assim mesmo, não tem jeito”. Essa mentira cristaliza a identidade em um lugar de impotência, como se a pessoa estivesse condenada a repetir o que viveu. No fundo, ela esconde medo, dor e vergonha. Confrontar essa mentira exige olhar para as feridas da infância, para os condicionamentos herdados - e isso dói. Mas é aí que começa a libertação.


Resenhando.com - Em sua experiência, até que ponto as “lealdades familiares” inconscientes moldam nossas escolhas - e como se libertar dessas amarras sem romper com a própria história?
Bernadete Moraes - As lealdades familiares moldam nossas escolhas de forma profunda. No inconsciente, existe o desejo de “pertencer” à família, mesmo que isso signifique repetir fracassos, doenças ou dores ancestrais. Libertar-se dessas amarras não é desrespeitar a história, mas honrá-la de forma madura: reconhecendo que é possível continuar o legado familiar com mais saúde, consciência e liberdade. No Método Psicossistêmico, trabalhamos esse rompimento simbólico com amor, inclusão e verdade.


Resenhando.com - O que você diria a quem está preso no ciclo da autossabotagem, mas teme encarar as próprias feridas porque tem medo do que pode encontrar?
Bernadete Moraes - Eu diria: você já está convivendo com a dor - só que ela está disfarçada de rotina. Encarar as feridas dói, sim. Mas negar esse enfrentamento gera um sofrimento silencioso, contínuo e, muitas vezes, devastador. O medo passa. A cura fica. Enfrentar as sombras é um ato de amor-próprio - e no caminho, você vai descobrir uma força que nem imaginava que tinha.


Resenhando.com - Como psicanalista e educadora, você vê a educação formal atual preparada para integrar saúde mental de forma efetiva, ou ainda seguimos numa lógica obsoleta que alimenta crenças limitantes?
Bernadete Moraes - Ainda vivemos uma educação que prioriza notas, desempenho e controle. Pouco se fala sobre emoções, pertencimento e sentido de vida. A criança é vista como um “aluno”, não como um ser sistêmico com uma história, uma família e uma subjetividade. A mudança já começou, mas ainda é tímida. Precisamos educar para o ser, não apenas para o fazer.


Resenhando.com - Você liderou projetos em políticas públicas para autoestima e autoconhecimento. Qual é o maior desafio para que as esferas públicas e privadas adotem a saúde emocional como prioridade real?
Bernadete Moraes - O maior desafio é a mentalidade de curto prazo. Muitos gestores ainda enxergam a saúde emocional como algo secundário ou intangível. O olhar psicossistêmico mostra que o emocional impacta diretamente nos resultados - seja na educação, na produtividade ou na saúde pública. Falta coragem política e visão humanizada. O futuro será de quem compreender isso agora.


Resenhando.com - O seu livro propõe exercícios vivenciais para desbloquear emoções. Na sua opinião, por que a maioria das pessoas prefere soluções rápidas, como remédios ou fórmulas mágicas, ao invés de se engajar nesse processo de autorresponsabilidade?
Bernadete Moraes - Porque fomos educados a não sentir. A sociedade nos vendeu a ilusão de que curar é apagar o sintoma - e não entender o que ele quer dizer. O remédio, muitas vezes, alivia. Mas só o mergulho consciente cura. As pessoas fogem da autorresponsabilidade porque ela exige mudança, atitude e enfrentamento. Mas só ela nos devolve o poder da vida.


Resenhando.com - A autossabotagem muitas vezes é invisível até para quem a vive. Quais sinais sutis indicam que alguém está preso nessa armadilha mental?
Bernadete Moraes - Sinais como: procrastinar sonhos, atrair relacionamentos tóxicos, ter medo de crescer, sentir culpa quando se sente feliz, repetir padrões familiares de fracasso. Tudo isso são vozes internas dizendo: “Você não pode”, “Você não merece”, “É melhor não tentar”. O olhar psicossistêmico ajuda a ouvir essas vozes e ressignificá-las.


Resenhando.com - Se você pudesse implantar uma mudança radical no modo como a sociedade enxerga a mente e o sofrimento psíquico, qual seria o ponto central dessa revolução?
Bernadete Moraes - Eu implantaria a consciência de que o sofrimento psíquico é um pedido de escuta da alma, ou da mente profunda. Não é fraqueza, não é falha, não é desvio. É uma tentativa de reorganizar a história interna. Se a sociedade aprendesse a acolher a dor com presença, sem julgamento e com responsabilidade, viveríamos em uma cultura de saúde integral - não de repressão emocional.


quinta-feira, 7 de agosto de 2025

.: Papo reto e divã aberto: Darson Ribeiro responde sem censura, nem filtro


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Na imagem, Darson Ribeiro entre os atores Guilherme Chelucci e Olivetti Herrera. Foto: Moisés Pazianott

Quando o assunto é teatro, Darson Ribeiro não apenas sobe no palco: ele inventa, ilumina, dirige e às vezes até abandona. Ousado, polêmico e apaixonado pelo ofício, é um artista sem freios e nenhum tipo de filtro. Com passagens marcantes por novelas, séries e uma extensa carreira teatral, ele cravou o nome na cena com obras que mesclam inquietação estética, existencialismo bem-humorado e aquele faro certeiro para o que mexe com a alma, até mesmo quando incomoda.

Um dos maiores sucessos da carreira dele, "Homens no Divã" - em cartaz até 25 de agosto no Teatro Fernando Torres com sessões às sextas, sábados e domingos - completa dez anos de apresentações com sessões abarrotadas, risos nervosos e confissões sussurradas até o cair do pano. Darson não quer plateias confortáveis, ele precisa provocar espectadores. Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, Darson Riobeiro responde a perguntas nada terapêuticas sobre vaidades cênicas, fracassos, fetiches teatrais e a eterna dúvida: o que é, afinal, um bom teatro?


Resenhando.com - Você já saiu de espetáculos por tédio ou repulsa estética. Já pensou em sair de algum espetáculo seu no meio da apresentação? E o que o impediu?
Darson Ribeiro - Já saí, sem o menor constrangimento. Assim como eu, no palco, penso e avalio que isso é passível de acontecer, do outro lado eu também tenho esse direito. Por isso, até prefiro comprar ingresso para prestigiar autores, atores, diretores. Sempre fico - é raro acontecer. Mas já saí numa peça do Gerald Thomas e numa do Zé Celso, no Museu Hélio Oiticica, ambas no Rio. E isso não significa que não os admire. Mas não foi por tédio ou repulsa estética, esses adjetivos são muito pesados.


Resenhando.com - Você afirma detestar escatologia no teatro. O que te causa mais nojo: uma cena de excremento em cena ou uma plateia que aplaude qualquer coisa por medo de parecer burra? 
Darson Ribeiro - De novo, uma palavra pesada demais: “nojo”. Nunca saí só por isso. O pseudo-excremento ou escatologia, num bom contexto, me segura. Ou segura qualquer espectador. Os Satyros, por exemplo, já fizeram muita coisa escatológica e nunca saí. Pelo contrário. Assisti a uma peça num festival na Holanda em que o ator comia um fígado cru, mas aquilo fazia todo sentido dentro da encenação. O que é ruim é o “gratuito” - querer chocar por chocar. Isso já foi, é passado. Como o nu, quando inserido de forma grotesca ou gratuita. E jamais teria nojo de uma plateia que aplaude qualquer coisa. O teatro tem isso: ele provoca, transforma (quando é bom) e as pessoas, às vezes, o fazem porque não entenderam ou estão só seguindo a massa, que levanta pra aplaudir mesmo sem ter gostado.


Resenhando.com - Em uma era em que o streaming domestica o olhar e o teatro luta por público, ainda faz sentido montar clássicos como "O Jardim das Cerejeiras"? Ou seria melhor enterrar os coveiros de Tchekhov de vez?
Darson Ribeiro - Jamais. Por isso se chama clássico: sempre será, e nunca morrerá. Graças a Deus temos o TAPA fazendo do bom e do melhor desses clássicos todos. Amo "O Jardim das Cerejeiras" e já sonhei em montar. Dei uma entrevista hoje e comentei sobre isso. O teatro está perdendo - ou já perdeu - a tradição.


Resenhando.com - "Homens no Divã" completa uma década em cartaz. O que mudou mais: o homem no palco, o homem na plateia ou o terapeuta invisível que está entre eles?
Darson Ribeiro - Não existe terapeuta invisível. Quem dera! Por isso o êxito da peça: ela traz a psicanálise como forma de entendimento da vida, usando a risada pra isso. É uma comédia inteligentíssima que, graças a anos de análise freudiana, eu pude contribuir. O homem não mudou. Pelo contrário: piorou. O ser humano está regredindo na sua forma de pensar, de agir, de conviver, de se autovalorizar. O homem no palco fará aquilo que o autor ou o diretor propuser. O da plateia, jamais teremos controle - por isso disse que é natural um espectador sair.


Resenhando.com - Você citou "A Falecida", de Nelson, como um marco. Hoje, o autor ainda nos representa ou virou fetiche de encenador sem repertório?
Darson Ribeiro - Concordo que algum encenador pode, sim, usar Nelson Rodrigues pra se firmar ou mostrar que conhece a dramaturgia brasileira. Mas Nelson é um clássico - e, como disse, nunca morrerá. Graças! Não é que “ele nos representa” - isso parece frase feita, pronta. Mas ele ainda escreve como ninguém sobre a sordidez humana. E isso, infelizmente, nunca vai morrer também.


Resenhando.com - Paulo Autran foi seu conselheiro. Qual foi o melhor conselho que você ignorou – e se arrepende até hoje?
Darson Ribeiro - Ignorei, mas não me arrependi. Quando montei "Disney Killer", de Philip Ridley - que traduzi, produzi, dirigi e protagonizei (risos) - ele me aconselhou a não montar. Disse: “Pra quê? Quem é que vai ver isso?”. E fiquei dois anos em cartaz, sempre com público, sempre com muita discussão e retorno positivo.


Resenhando.com - Você disse que “o espetáculo dos sonhos sempre será o próximo”. E se o seu próximo fosse o último, o que você colocaria em cena como testamento artístico?
Darson Ribeiro - Já tenho o meu “testamento artístico”, que é o texto do Flavio de Souza, "O Homem que Queria Ser Livro". Sendo assim, o que vier pode ser ou não o último. Mas confesso que ando cansado de ter que provar o tempo todo o improvável do teatro. Ele é. E ponto.


Resenhando.com - Já dirigiu, produziu, atuou e fez cenários. Em qual dessas funções você mais errou?
Darson Ribeiro - Não errei. Ainda comentei com o Ulysses Cruz, esses dias, que tenho orgulho do que fiz, porque sempre deu certo. Nenhuma peça minha ficou sem público. Nenhum projeto me deu prejuízo. Te respondo isso com carinho e sobriedade, porque é difícil reconhecer o próprio erro.


Resenhando.com - Você elogia Beckett, Ridley e Bonder. Em tempos de urgência política, onde cabe o teatro filosófico e poético?
Darson Ribeiro - Um homem sem poesia é um homem já morto. Sem viço. Sem tesão pela vida. A filosofia vem pra chancelar isso tudo - ou seja, essa existência. Já sofri muito por ter nascido com uma sensibilidade que me joga num lugar solitário, de difícil compreensão e partilha. As pessoas concretas são chatas. Não consigo ter muita relação. Amo os silêncios de Beckett. Bonder consegue nos atualizar filosoficamente sem cair na autoajuda. E Ridley... Bem, montei três peças dele e traduzi uma. É um ótimo dramaturgo, que também escancara essa miséria humana que a maioria morre teimando que não é. É muito triste morrer sem ter uma história pra contar. Vivemos delas. Somos elas.


Resenhando.com - Em dez anos de "Homens no Divã", você ouviu confissões de público nos bastidores? Qual foi a mais absurda, comovente ou inesperada que te fez pensar: “valeu a pena montar isso”?
Darson Ribeiro - Valeu muito a pena. Cheguei a apanhar em cena aberta uma vez, e ainda assim não fiz a pergunta querendo parar. Pelo contrário. Mas talvez tenha sido a participação de dois casais que tinham uma relação a quatro - e abriram isso publicamente ali, comigo. E a vontade de continuar só aumentava, porque vinham a mim me pedindo o cartão do consultório.


Resenhando.com - O que é mais difícil hoje: fazer bom teatro ou convencer as pessoas de que ainda vale a pena assisti-lo?

Darson Ribeiro - Convencer as pessoas a irem ao teatro. Vivemos num mundo de concorrência desleal - futebol, shows sertanejos, stand-up, mídia eletrônica... É como convencer alguém a ler. As pessoas acham um absurdo, mas quando sentem o cheiro da leitura e embarcam numa imaginação, o mundo gira. E vira!


Serviço
Espetáculo "Homens no Divã"
Temporada: a partir de 1° de agosto de 2025 – sextas-feiras, às 20h00
Duração: 90 minutos
Classificação indicativa: 12 anos
Local: Teatro BDO-Jaraguá Rua Martins Fontes, 71, Centro (Metrô Anhangabaú)
Capacidade: 260 lugares
Bilheteria: a partir de duas horas antes do início do espetáculo ou pelo portal Sympla. Ingressos: https://www.sympla.com.br/
Ingressos: R$ 100,00 (inteira) e R$ 50,00 (meia)

Estacionamento no local: entrada principal do hotel com valor reduzido para frequentadores do teatro - R$ 20,00 por até 4h, valorizando a experiência “espetáculo + jantar” no restaurante do hotel

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

.: Entrevista: Luciana Carnieli fala sobre a ousadia de (re)viver Sarah Bernhardt

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: João Caldas F.°

Em tempos de efemeridades, é sempre curioso - e necessário - quando uma atriz decide parar tudo para escavar o tempo. Luciana Carnieli escreveu e interpreta "Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt", mais vai além disso: revive, em carne, voz e memória, o legado da mulher que, ao redefinir o que era ser atriz no século XIX, ainda incomoda o século XXI. 

Com direção de Elias Andreato e trilha sonora que reverbera compositoras esquecidas pela história, o espetáculo colocou em cena duas mulheres: Sarah Bernhardt, a lendária, e uma atriz brasileira contemporânea que se reconhece nela. Entre uma e outra, o tempo se dobra e o palco vira algo sagrado. Nesta entrevista exclusiva ao Resenhando.com, Luciana Carnieli fala sobre teatro, envelhecimento, criação, fantasmas e a insistência corajosa de não se calar quando o pano cai.


Resenhando.com - Ao dar voz a Sarah Bernhardt no Brasil de 2025, você acredita estar dialogando com o espírito da atriz francesa - ou exorcizando fantasmas seus?
Luciana Carnieli - Acredito estar dialogando com o público sobre o Teatro e a trajetória histórica das mulheres nessa arte. E meu ponto de partida é a vida de Sarah Bernhardt.


Resenhando.com - Sarah Bernhardt perdeu uma perna. A atriz brasileira perde o quê, hoje, para continuar de pé no palco?
Luciana Carnieli - Sarah teve um problema de saúde bastante sério e lutou bravamente por manter-se ativa no palco, mesmo após a perda da perna. Mais do que pensar propriamente em “perdas”, o paralelo que uma atriz brasileira contemporânea pode fazer com esse fato da vida de Sarah está na resistência e na força pra superação das dificuldades, quaisquer que sejam.


Resenhando.com - A peça fala de etarismo. Você sente que o teatro também passou a exigir das atrizes uma “eterna juventude” instagramável, ou ainda há espaço para rugas e profundidade? Por quê?
Luciana Carnieli - O etarismo existe, sim. A eterna juventude é extremamente bem-vinda. Mas o Teatro é como a vida: o efêmero é inevitável... as rugas são inevitáveis... E você pode escolher ter “profundidade” ou não.


Resenhando.com - Como autora e intérprete, qual foi o momento em que Sarah Bernhardt deixou de ser personagem e virou espelho?
Luciana Carnieli - Sarah é sempre uma personagem para mim. Aliás, uma personagem maravilhosa! Mas acredito que todos os atores e atrizes são um pouco “Sarah Bernhardt” quando enfrentam o medo. Medo do público, das limitações, da vaidade e da falta de oportunidades pra continuar no caminho da arte.


Resenhando.com - Você já interpretou Cacilda Becker em “Meu Abajur de Injeção” e agora encarna Sarah Bernhardt. O que a atrai tanto em atrizes que já partiram?
Luciana Carnieli - Tanto Cacilda como Sarah foram admiráveis, marcaram época e fizeram história na arte do Teatro. Impossível não se apaixonar por essas mulheres e querer dialogar teatralmente com o público sobre elas.


Resenhando.com - Sarah foi irreverente, escandalosa, revolucionária. Se ela surgisse hoje, você acredita que seria cancelada ou idolatrada?
Luciana Carnieli - Sarah foi extremamente inteligente pra lidar com a parte “celebridade” de sua vida. Acredito que poderia encarar muito bem tudo que envolve ser uma celebridade de hoje, pois foi muito autêntica em suas escolhas, até mesmo quando errava. Aposto que continuaria sendo idolatrada.


Resenhando.com - Em uma era de algoritmos e inteligência artificial, que lugar ainda ocupa uma atriz que se expõe em cena?
Luciana Carnieli - Ocupa o lugar da arte que privilegia o contato humano, a troca direta entre palco e plateia. Pode ser que um dia isso acabe, mas ainda tem muita gente que adora! Gente que gosta de estar no palco e gente que gosta de estar na plateia, frente ao ator, à atriz. E esse encontro é muito valioso e prazeroso.


Resenhando.com - Você já brilhou em musicais, dramas clássicos e comédias. Criar um solo sobre Sarah Bernhardt foi um grito de liberdade artística... ou um ato de sobrevivência?
Luciana Carnieli - Criar, para mim, é sempre um ato de liberdade e também, de sobrevivência, pois vivo do meu ofício. Mas essa criação nasceu para além disso. Veio sem querer, a partir de uma pesquisa que foi se tornando fascinante. E foi do aprofundamento dessa pesquisa, fazendo paralelos com nosso tempo, que revolvi criar um espetáculo sobre Sarah. Uma leitura subjetiva de quem foi Sarah. Por isso chamo o espetáculo de “Rapsódia”. São recortes, impressões, sobre uma personalidade histórica. E o encontro com o diretor Elias Andreato foi fundamental pra essa criação tomar a forma poética da cena. Elias trouxe um olhar muito importante pra nossa criação. E tudo foi sendo construído com harmonia e cumplicidade.


Resenhando.com - A trilha sonora do espetáculo traz compositoras como Lili Boulanger e Cécile Chaminade. Foi um aceno sonoro àquelas mulheres que, como Sarah, compunham em surdina? 
Luciana Carnieli - Tanto Chaminade, quanto Boulanger não foram artistas que viveram “nas sombras” em seu tempo. Tiveram seu espaço, embora Boulanger tivesse uma vida bastante curta. A ideia do maestro João Maurício Galindo de trazê-las para essa peça veio justamente por serem mulheres contemporâneas de Sarah e, também, grandes artistas, com criações belíssimas. A trilha foi muito importante para mim durante a criação do espetáculo. E entrelaça uma sonoridade perfeita à narrativa.


Resenhando.com - Se Sarah Bernhardt assistisse à sua peça, o que você pensa que ela diria... e o que você teria coragem de responder?
Luciana Carnieli - Jamais poderia imaginar o que ela diria... Mas, se eu a encontrasse, faria uma reverência. E assim agradeceria a oportunidade. De tanto...!

terça-feira, 5 de agosto de 2025

.: Fernanda Emediato fala sobre o livro que devolve a infância ao Brasil


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação

Em um tempo em que infância e poesia parecem cada vez mais deslocadas da paisagem cotidiana, o livro "As Pipas de Portinari" surge como um gesto raro: não é apenas um livro, mas uma travessia entre a arte e as brincadeiras de criança. A obra organizada por Fernanda Emediato e Leo Cunha reúne dez autores brasileiros em um voo poético sobre as telas do pintor Candido Portinari. São textos de Cíntia Barreto, Dilan Camargo, Henrique Rodrigues, João Bosco Bezerra Bonfim, José Carlos Aragão, Marco Haurélio, Roseana Murray e Sônia Barros. Mais do que uma antologia, o livro é um gesto de reconexão com o Brasil que brinca, sonha e sobrevive. 

Com formas diversas - haicais, cordéis, sonetos, parlendas, poemas visuais e limeriques - a obra transforma o olhar do artista em linguagem acessível, multiforme e profundamente brasileira. Nesta entrevista exclusiva ao Resenhando.com, Fernanda Emediato, que começou a trajetória editorial ainda menina - ela é filha do escritor Luiz Fernando Emediato - e hoje dirige a Tróia Editora, fala sobre a gênese do projeto, a relação entre arte e literatura, o papel da infância e os riscos de tentar voar com uma pipa em um país em que o vento, às vezes, sopra contra. Compre o livro "As Pipas de Portinari" neste link.


Resenhando.com - Se Portinari pintava o Brasil que doía e sonhava, “As Pipas de Portinari” pinta um Brasil que ainda se permite brincar? Ou é um suspiro poético diante de um país que insiste em cortar as linhas da infância?
Fernanda Emediato - Vejo "As Pipas de Portinari" como uma ode à infância. A ideia do livro nasceu em 2022, quando visitei a exposição “Portinari para Todos”. Havia um espaço encantador chamado “Quintal do Portinari”, voltado especialmente às crianças. Naquele dia, fui com meu filho Raul, então com cinco anos, e minha irmã Serena, de seis. Começamos a visita por esse quintal lúdico, onde as crianças corriam de um lado para o outro, encantadas, interagindo com as obras do artista. Uma das estações convidava os pequenos a desenhar sua própria pipa, que depois ganhava vida em uma das telas de Portinari - um momento mágico. Mas o mais surpreendente foi o que veio depois: avançamos para a parte principal da exposição e, mesmo diante das obras mais densas e simbólicas, as crianças continuaram engajadas, comentando, observando, se emocionando. Foi comovente perceber que a arte, quando acessível, toca todas as idades. Ali, antes mesmo de sairmos da mostra, nasceu a ideia de unir poesia e pintura em uma obra literária que resgatasse a potência sensível da infância brasileira. Este livro é um suspiro poético, sim, mas é também um grito de urgência. Um apelo para que a infância não seja esquecida. Que não cortemos as linhas que a fazem voar. A arte, o brincar, o encontro entre crianças precisam ser preservados. Precisamos tirá-las das telas, devolvê-las ao vento, ao chão, às pipas. Nós - pais, educadores, cuidadores - temos a responsabilidade de manter viva essa essência. Não podemos continuar tentando silenciar nossas crianças com tecnologia. Elas têm direito à alegria, à poesia, ao sonho - e também ao tédio. Sim, ao tédio de contar palitos no restaurante durante conversas que não as interessam, de observar formigas no chão, de contar postes pela janela do carro durante longos trajetos.


Resenhando.com - Você cresceu em meio a livros, editores e ideias. O que a pequena Fernanda, que publicou seu primeiro livro aos nove anos, diria ao ver que um projeto seu agora dialoga com um gigante das artes como Portinari?
Fernanda Emediato - De fato, eu passei a vida cercada por livros - mesmo antes de saber ler, já abria meus exemplares e recriava as histórias a partir das ilustrações. Aos 14 anos, comecei a trabalhar com meu pai, na Geração Editorial, e quando chegou a hora de me formar em Publicidade, precisei decidir: seguir no caminho da comunicação ou continuar aprendendo o ofício de editar livros. Um momento marcante foi quando ajudei meu pai a editar a obra "As Maluquices do Imperador", de Paulo Setúbal. Fizemos uma edição especial, com pinturas da época, e mesmo sendo uma obra em domínio público, ela se destacou justamente pela escolha das imagens. Ali eu aprendi que as pinturas também contam histórias - e que a união entre palavra e imagem pode transformar uma leitura. Hoje, como editora, gosto muito de usar essa estratégia em obras de domínio público: resgatar não só a literatura clássica, mas também as artes visuais. Trabalhar com as obras de Candido Portinari foi uma experiência profundamente tocante. E ter o apoio, a generosidade e a confiança de João Candido Portinari foi essencial para tornar esse projeto possível. Sou imensamente grata por isso. Portinari se importava com as crianças. E isso é algo que temos em comum. Esse projeto é todo voltado a elas. É uma ponte entre o olhar da arte e o olhar da infância - e acredito que a pequena Fernanda de nove anos, que publicou seu primeiro livro ainda criança, se emocionaria ao ver que sua paixão por palavras e imagens a levou até aqui.


Resenhando.com - Há algo de contrarrevolucionário em apostar em poesia para crianças num tempo de TikTok, fake news e hiperconectividade?
Fernanda Emediato - Olha, hoje em dia, lançar qualquer obra literária já é, por si só, um ato contrarrevolucionário. O mercado editorial vive um momento muito delicado. As vendas caíram cerca de 45% e, segundo a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 53% dos entrevistados não leram sequer um trecho de livro no último ano. Onde estão os nossos leitores? As listas de mais vendidos seguem dominadas por livros de colorir - o que não é um problema em si, mas revela uma busca por algo rápido, efêmero. E eu me pergunto: cadê os leitores que amam palavras? Cadê as crianças e os jovens que mergulham nas histórias com o mesmo brilho nos olhos que têm ao abrir um aplicativo? As pessoas precisam se reconectar com a leitura. Precisam lembrar que um livro pode trazer muito mais satisfação - e transformação - do que um vídeo de 15 segundos. O que falta, muitas vezes, é só encontrar o gênero certo. Tem literatura para todo mundo: de Sabrina a Agatha Christie, dos clássicos “cabeças” à ficção leve, da não-ficção à fantasia, autores internacionais e nacionais - é impossível que alguém não encontre seu gênero favorito e se divirta com ele. E o mais triste é perceber que até quem já era leitor está se afastando dos livros, como se esquecesse da própria essência. Hoje, eu vivo essa agonia. 


“As Pipas de Portinari” é também um manifesto?
Fernanda Emediato - O mercado editorial parece estar murchando diante dos nossos olhos. Os programas de aquisição pública de livros estão desaparecendo. Os editais estão sendo encerrados. Muitas editoras estão vivendo uma fase melancólica - quase uma resistência silenciosa. Por isso, sim,  "As Pipas de Portinari" é também um manifesto. Um grito poético. Uma aposta radical na infância, na arte e na palavra. É dizer: "ainda dá tempo! Ainda podemos voar!".


Resenhando.com - Por que reunir tantos estilos poéticos e formas tão distintas? Foi uma escolha estética, política ou um desejo de descomplicar a arte para todos os públicos - inclusive os que têm medo de poesia?
Fernanda Emediato - Quando tive a ideia do projeto, meu objetivo era unir arte e poesia. Sempre acreditei que um poema pode contar a história de uma pintura de forma mais sensível, mais ampla - criando pontes entre palavra e imagem, entre memória e imaginação. Também queria que o livro pudesse ser usado como ferramenta pedagógica nas escolas, tocando leitores de diferentes idades e repertórios. Para me ajudar nessa missão, convidei o escritor Leo Cunha para organizar a obra comigo. Conversamos bastante sobre qual seria a melhor faixa etária para dialogar com as pipas - e foi ele quem assumiu com sensibilidade e inteligência a curadoria dos poetas. Leo foi brilhante ao trazer diversidade geográfica, estética e afetiva para a seleção. Reunimos vozes de diferentes cantos do Brasil, e cada poeta pôde escolher a tela que mais o tocava e o estilo poético com que desejava conversar com ela. O resultado foi uma coletânea rica, vibrante e plural. Há cordel, haicai, soneto, verso livre, adivinha, parlenda, quadrinha, décima, limerique e poema visual - cada forma com sua própria melodia e o seu modo único de tocar o leitor. E quem dá vida a esse arco-íris de linguagem, além de mim e de Leo Cunha, são poetas contemporâneos que admiro profundamente: Cíntia Barreto, Dilan Camargo, Henrique Rodrigues, João Bosco Bezerra Bonfim, José Carlos Aragão, Marco Haurélio, Roseana Murray e Sônia Barros. Sim, essa escolha foi estética, pedagógica e também política: porque é urgente descomplicar a poesia, torná-la acessível, brincante, viva. Há muita gente que tem medo de poesia - como se fosse difícil demais, ou elitista demais. Mas a poesia pode ser simples, leve, divertida. Pode emocionar sem explicar tudo. E é isso que queremos mostrar com "As Pipas de Portinari".


Resenhando.com - Em um país em que as políticas públicas de cultura são tão instáveis, como foi lidar com três frentes de fomento (ProAC, Aldir Blanc e Lei Rouanet)?
Fernanda Emediato - O projeto demorou quase três anos para se concretizar. Eu poderia ter lançado a obra sem apoio de políticas públicas, mas, justamente pela importância do conteúdo e pelo apelo simbólico, decidi aguardar e insistir. A primeira vez que o inscrevi no ProAC, ele foi reprovado - teve uma boa pontuação, mas não foi suficiente para aprovação. Mesmo assim, não desisti. Aprimorei o projeto, esperei mais um ano e, nesse meio-tempo, também consegui viabilizá-lo pela Lei Rouanet. A espera valeu a pena. Hoje, boa parte da tiragem impressa está sendo distribuída gratuitamente. E no próximo mês, o livro estará disponível também em formato digital com descrição de imagens, gratuito para download pela Amazon. Além disso, a obra está sendo adaptada para audiolivro com acessibilidade, que será disponibilizado gratuitamente no YouTube. Também teremos um vídeo-aula sobre Portinari e poesia, disponível para qualquer pessoa, e um caderno de atividades para crianças, tanto impresso quanto digital, para download livre. Mesmo com acabamento de luxo e capa dura, o livro físico também tem um preço acessível: está à venda por R$ 49,90. Isso é fruto de uma escolha consciente: acessibilidade em todos os sentidos - estética, econômica, pedagógica e tecnológica.


Ainda dá para sonhar em alto nível com incentivo público ou é preciso ser contorcionista cultural?
Fernanda Emediato - Acho que o maior segredo para trabalhar com incentivo público é manter o foco no público. O papel do produtor cultural é distribuir cultura com qualidade - e se empenhar para que ela chegue, de fato, às pessoas. Sim, as políticas públicas são instáveis, nem sempre justas e quase nunca fáceis de acessar. Mas com amor, persistência e compromisso com o bem comum, a gente chega lá.


Resenhando.com - Se o Brasil fosse uma tela de Portinari hoje, que cores estariam mais gastas? E que verso você escreveria sobre ela?
Fernanda Emediato - As cores mais gastas seriam justamente o verde, o amarelo e o azul - e isso me entristece profundamente. Durante muito tempo, essas cores eram celebradas com orgulho, especialmente nos esportes, como símbolo de união. Mas hoje, elas carregam disputas, bandeiras ideológicas, rupturas. Perderam o brilho, o afeto. O que antes era de todos, agora parece dividido. O verso que eu escreveria seria uma paráfrase do início da minha parlenda no livro: “Um, dois... ela se foi?” Como quem pergunta: e a nossa alegria? E o nosso Brasil? Mas eu sigo acreditando. Ainda dá tempo de resgatar o amor pelo país - e não um amor vazio ou de ocasião, mas aquele que valoriza nossos artistas, escritores, professores, atores, artesãos, agricultores, cuidadores. O Brasil tem tudo o que precisamos: alma, talento e beleza. Só falta devolver às nossas cores o que elas sempre representaram: esperança, criação e pertencimento.


Resenhando.com - Por que ainda é tão difícil unir literatura e artes visuais de forma realmente integrada nas escolas?
Fernanda Emediato - Essa é realmente uma batalha difícil. Na minha opinião, mais do que medo ou teimosia institucional, o que existe é despreparo - e isso só se resolve com formação e valorização dos professores. É preciso investir mais em quem está na ponta: oferecer treinamento de qualidade, incentivo, tempo para estudar, liberdade criativa. Não adianta exigir inovação se os educadores estão sobrecarregados, mal remunerados ou sem apoio. Sou apaixonada pela filosofia Waldorf, e meu filho estuda em uma escola assim desde a Educação Infantil. Lá, a arte é usada como pano de fundo para tudo: matemática, linguagem, ciências, história. E isso faz uma diferença imensa na forma como as crianças aprendem e se relacionam com o mundo. Se as escolas tradicionais tivessem um pouco mais disso - mais espaço para o sensível, para o estético, para o simbólico - seria maravilhoso. Acredito, sim, que um dia chegaremos lá. Acompanho de perto o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e sei que há boas intenções. Mas também vejo com preocupação a aposta excessiva em livros digitais convertidos em HTML. Sou totalmente a favor da tecnologia quando ela é uma ponte de acessibilidade. Mas sou crítica do uso de conteúdos digitais como substitutos do livro físico em sala de aula. Nada substitui o vínculo concreto com o objeto-livro - com o virar da página, com o toque, com a presença da arte no papel. Literatura e artes visuais nasceram juntas. Separá-las foi um erro do sistema. Reuni-las exige coragem, preparo e, acima de tudo, confiança na sensibilidade das crianças.

Resenhando.com - “As Pipas de Portinari” traz uma carta emocionante do filho do pintor. Para você, que cresceu com a figura paterna tão presente no mundo editorial, o que significa esse gesto de João Candido Portinari? Foi também um aceno simbólico de pai para filho?
Fernanda Emediato - A carta do João Candido Portinari para seu pai é emocionante em muitos aspectos. É um texto que carrega amor, memória e uma busca sincera por reconexão. Já assisti a diversas palestras do João, e todas me tocaram profundamente - são sempre generosas, inspiradoras e carregadas de afeto. O trabalho de resgate que ele faz da obra e da figura de Portinari é um gesto de amor filial, mas também de amor ao Brasil. Ele não está apenas preservando a memória de um artista - está dizendo: este país tem raízes, tem arte, tem beleza que não podemos esquecer. Meu trecho favorito da carta é este: "Até que, no ano passado, comecei a te reencontrar. Aos poucos, foi se esboçando em mim a necessidade de te buscar. Buscar você, buscar o Brasil". Esse trecho me tocou profundamente. Eu me identifiquei. Como filha de um escritor e editor muito conhecido, também carrego essa herança com orgulho. Os prêmios que meu pai recebeu, as obras que escreveu, o que ele construiu - tudo isso me acompanha. Muitas vezes discordamos (aliás, acho que discordamos de quase tudo! risos), mas temos algo essencial em comum: o amor pelos livros e a vontade de fazer a literatura chegar às pessoas. Vivendo no mundo editorial, vejo muitos herdeiros apagarem as vozes dos seus pais - deixando de autorizar o uso de seus textos ou ilustrações, muitas vezes pensando apenas em questões monetárias. Isso me entristece, porque acredito que todo artista carrega, no fundo, o desejo de ver sua obra difundida, compartilhada, viva. Por isso, sim - vejo essa carta também como um aceno simbólico de pai para filho. E, para mim, poder ter esse gesto dentro da obra "As Pipas de Portinari" é um presente. Porque é, no fundo, uma carta sobre pertencimento, reconciliação e continuidade - valores que eu também carrego, como filha, como mãe, como editora.


Resenhando.com - A arte pode ser libertadora - mas também pode ser domesticada. Como você evita que um projeto como este vire apenas “conteúdo pedagógico” e perca sua alma poética?
Fernanda Emediato - A arte pode - e deve - entrar nas escolas. Mas ela precisa chegar como experiência sensível, não apenas como tarefa ou prova. Para mim, o maior cuidado é esse: preservar a alma da obra. A poesia não é feita para ser decodificada como fórmula, mas para ser sentida, lida em voz alta, desenhada, reinventada. "As Pipas de Portinari" foi pensada para dialogar com o universo escolar, sim - mas como uma ponte, não como uma cartilha. Sou totalmente a favor de que a literatura esteja nas escolas - desde que respeite a infância, a subjetividade e o tempo de cada leitor. A arte não deve ser domesticada, nem usada como um “treinamento para o Enem”. Ela precisa provocar, encantar, abrir perguntas. Acredito, sim, que uma obra pode ser usada pedagogicamente sem perder a força poética - desde que o educador esteja comprometido com isso. Por isso, insisto tanto em produzir também materiais de apoio com sensibilidade, como os cadernos de mediação, os audiolivros acessíveis, as videoaulas criativas.


Resenhando.com - Se você tivesse que resumir o livro em um bilhete que voasse preso na rabiola de uma pipa, o que escreveria para os leitores do futuro?
Fernanda Emediato - Se eu tivesse que resumir o livro em um bilhete preso na rabiola de uma pipa, eu escreveria: “Nem toda linha aprisiona. Algumas ensinam a voar”. E, logo abaixo: “Saiam das telas, entrem nos livros”. Porque "As Pipas de Portinari" é exatamente isso: um convite ao voo. Um chamado para que as crianças e os leitores do futuro não se esqueçam do corpo, do vento, da arte, da palavra. Que saibam que há outros caminhos - mais lentos, mais belos, mais vivos - do que os oferecidos pelas telas.

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