Uma mulher negra, usuária de cadeira de rodas, está no ponto de ônibus. Dá o sinal. O motorista não para e segue viagem. Esse é o mote criado pela Zózima Trupe para o espetáculo que celebra os 18 anos do grupo, em 2025. Quem dá vida à cena é a performer Ma Devi Murti, que usa o ônibus - objeto de pesquisa da companhia - como ponto de partida para refletir sobre esse meio de transporte enquanto espaço contemporâneo de opressão.
Desde 2007, a Zózima ocupa o ônibus como palco, reafirmando seu compromisso com a descentralização e a democratização do acesso às artes. Agora, estaciona sua mais nova criação, “A (Ré)tomada da Palavra ou A Mulher que Não se Vê”, no Terminal Parque Dom Pedro II (de 4 a 13 de julho) na Praça das Artes (de 7 a 9 de agosto) e na Praça Franklin Roosevelt (de 18 de julho a 28 de setembro), com sessões às sextas e sábados, às 20h, e aos domingos, às 19h (e quinta, 7 de agosto às 20h). A temporada é gratuita e reúne 30 apresentações — um marco inédito na trajetória do grupo, que tradicionalmente distribui sessões por múltiplas datas e locais. O projeto foi contemplado na 19ª edição do Prêmio Zé Renato de Apoio à Produção e Desenvolvimento da Atividade Teatral para a Cidade de São Paulo.
Com dramaturgia de Shaira Mana Josy — do Slam Dandaras do Norte — e Piê Souza, atuação de Ma Devi Murti e acompanhamento musical de Victória dos Santos & Aworonke Lima, o espetáculo dá voz às existências silenciadas, denunciando o descaso, a violência, o racismo, o capacitismo, o patriarcado e a pobreza.
A obra conta a história de Rosa, uma passageira comunicativa, trabalhadora da limpeza, que tem olhar atento para as injustiças sociais. Em certo dia, ela exige que o motorista pare para uma mulher negra em cadeira de rodas. Ao descer para ajudá-la, o público vê apenas uma cadeira de rodas vazia.
“Somente nossa protagonista enxerga essa mulher e começa a perguntar sobre sua vida. Nesse momento, criamos a imagem de um navio negreiro, porque muitas pessoas enxergam o ônibus como uma versão contemporânea desse espaço tão opressor”, explica o diretor Anderson Maurício.
Inspirado na trajetória de Flávia Diniz (1983–2024) — mulher preta, com deficiência, ativista, mãe solo, LGBTQIAP+ e integrante do coletivo VNDI (Vidas Negras com Deficiência Importam) —, o espetáculo revela as múltiplas camadas de opressão que atravessam mulheres negras e pessoas com deficiência, ao mesmo tempo em que reivindica espaço, voz e visibilidade.
O ônibus como catalisador de mudanças
A personagem também se inspira na ativista negra norte-americana Rosa Parks, que, em 1955, em Montgomery, Alabama, se recusou a ceder seu assento a um homem branco no transporte público. Seu gesto desencadeou um boicote de um ano aos ônibus da cidade e se tornou um marco na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, culminando na decisão da Suprema Corte que proibiu a segregação nesses veículos.
“Para nós, esse acontecimento é extremamente simbólico. Uma mulher, sozinha, no cotidiano, se insurgiu contra a ordem vigente e provocou uma transformação profunda. Muitas vezes, acreditamos que as revoluções precisam ser grandiosas, mobilizar multidões, mas, na verdade, qualquer gesto — por mais trivial que pareça — pode ser uma fagulha de reflexão e mudança. É isso que queremos provocar”, afirma o diretor.
A pandemia escancarou desigualdades, especialmente na população negra, mais exposta por depender do trabalho presencial. Dados da SPTrans mostraram que, na retomada, 57% dos passageiros de ônibus em São Paulo eram mulheres jovens e negras, e 70% seguiam usando transporte coletivo, evidenciando a desigualdade no acesso ao trabalho remoto.
O espetáculo questiona a crueldade do sistema capitalista exploratório-predatório que faz da Mulher Preta uma Atlas contemporânea, condenada a carregar o mundo nas costas para sustentar uma sociedade estruturalmente desigual. “Como contraponto, a figura do motorista representa o patriarcado - e até o próprio capital - que não pode parar, operando sob a lógica da velocidade, da produtividade e da exclusão”, completa Anderson.
No processo de criação de “A (Ré)tomada da Palavra ou A Mulher que Não se Vê”, o coletivo se deparou com um paradoxo que evidencia os limites da inclusão no transporte público. Como os ônibus oferecem apenas um espaço para pessoas que usam cadeira de rodas, quando esse elemento foi incorporado à cena, os espectadores que também dependem desse recurso passaram a não ter onde se acomodar. “Se todos os ônibus oferecem só um único lugar, como, então, ampliar essa discussão de forma concreta?”, questiona o diretor.
Ficha técnica
“A (Ré)tomada da Palavra ou A Mulher que Não se Vê”
Atuação Ma Devi Murti
Dramaturgia Shaira Mana Josy e Piê Souza
Direção Anderson Maurício
Músicas Cleide Amorim
Direção vocal Eloiza Paixão
Direção de movimento Janette Santiago
Desenho de luz Junior Docini
Iluminação Flávia Servidone & Abner Félix
Figurino e adereços Clau Carmo
Maquiagem Gil Ramos & Suze Ferreira
Cenografia palhAssada ateliê soluções cenográficas
Percussão Victória dos Santos & Aworonke Lima
Sonoplastia Pedro Moura & Bárbara Frazão
Efeitos sonoros Pero Manzé
Vivência de voz, corpo e ancestralidade Camila Sá
Designer: Nando Motta
Conteúdo do programa do espetáculo Wanessa Yano
Fotografia Christiane Forcinito & Leonardo Souzza
Vídeo Leonardo Souzza
Coordenação de produção Tatiane Lustoza
Assistência de produção Samyra Keller, Iara Nazario, Kauã Tripoloni, Maytê Costa, Silvia de Oliveira
Estágio de produção Mabel Machado, Samuel Sousa
Convidadas da roda de conversa Suely Rezende, Ana Carolina Toledo, Flávia Rosa, Marli de Fátima Aguiar e Priscila Obaci
Idealização Zózima Trupe
Assessoria de imprensa Canal Aberto - Márcia Marques, Daniele Valério e Marina Franco
Realização Arte expressa
Serviço
Espetáculo “A (Ré)tomada da Palavra ou A Mulher que Não se Vê”
De 4 de julho a 28 de setembro de 2025
Ingressos gratuitos
Outras informações: @zozimatrupe
Duração: 60 minutos
Classificação: 12 anos
Gratuito e aberto ao público, com retirada de ingressos pelo Sympla
Terminal Parque Dom Pedro II - Plataforma 0
Data: 4 a 13 de julho, às sextas e aos sábados, às 20h, e, aos domingos, às 19h
Endereço: Av. do Exterior, s/nº - Sé
Link da Sympla aqui
Praça das Artes - Flipei
Data: 7, 8 e 9 de agosto - quinta, sexta e sábado às 20h
Endereço: Av. São João, 281 - Centro Histórico de São Paulo, São Paulo
Link da Sympla aqui
Praça Franklin Roosevelt - s/n.º - Bela Vista
Data: 18 de julho a 28 de setembro, às sextas e aos sábados, às 20h, e, aos domingos, às 19h
Link da Sympla aqui
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