terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

.: Entrevista com Sonia Regina Rocha Rodrigues, escritora e médica

"O texto escrito no papel é melhor, a gente rabisca, coloca flechas, faz uma verdadeira tempestade cerebral cheia de opções nas folhas". 
Sonia Regina Rocha Rodrigues


Por Helder Miranda
Em fevereiro de 2015


Se a máxima "de médico e louco, todo mundo tem um pouco"é correta, não é possível afirmar. Mas se "de médico e escritor, todo mundo tem um pouco", a santista Sonia Regina Rocha Rodrigues é a prova literal disso. Ela lança dois livros de contos em formato digital, acreditando no mercado emergente das plataformas de leitura, como Kobo, tablets e smartphones, que permitem ler com conforto virtual em leves aparelhos portáteis. 

Ela publicou“Coisas de Médicos, Poetas, Doidos e Afins”, que agrupa contos inspirados por episódios interessantes nas duas paixões da autora: a medicina, sua profissão, e a literatura, sua paixão.  O livro está disponível em formato epub, mobi e pdf. "É Suave a Noite", versando sobre temas do cotidiano, já está disponível à venda em papel, e em breve também nos formatos epub e mobi. 

Escritora e médica especializada em Pediatria e Medicina do Trabalho, idealizou o jornal "Um Dedo de Prosa" e foi co-editora da revista literária "Chapéu-de-Sol", que circulou em Santos de 1996 a 2001, com as escritoras Madô Martins, Neiva Pavesi e Mahelen Madureira. É autora do livro de contos "Dias de Verão", publicado em 1998, e  "O Que Você Diz a Seu Filho? – PNL Para Pais e Educadores", de 1999.

Em 1996, participou da fase regional do Mapa Cultural Paulista com o conto "A Auditoria", representando a cidade de Bebedouro. Sua monografia "A Importância da Cultura Para a Formação do Cidadão" foi utilizada pelo prova do Enem em 2011.


RESENHANDO - Você é médica, e também poeta e escritora. O que existe de mais divergente, e mais complementar, nas áreas que você exerce?

SONIA REGINA ROCHA RODRIGUES - O escritor e o médico lidam com o humano, e a comunicação é o eixo das duas profissões. Muitos médicos foram escritores, como Tolstói, Conan Doyle, Somerseth Maugham, Martins Fontes e Afrânio Peixoto. A profissão coloca diante do médico quadros bizarros, confissões e revelações que não acontecem na intimidade, em momentos de vulnerabilidade. A riqueza e a ambivalência da alma humana são um convite à reflexão e às anotações interessantes, pedindo para virar texto.


RESENHANDO - Quando e por que começou a escrever?
S. R. R. R. - Sou filha única e os livros eram meus companheiros de brincadeira. Quando o livro acabava, eu começava a inventar histórias para mim mesma. Sempre fui fascinada por histórias. O escritor era para mim uma espécie de mágico, que criava um mundo do nada, e o dava de presente aos leitores.


RESENHANDO - Existe um ritual que você faz antes de escrever?
S. R. R. R. - Eu me disciplino a escrever, pelo menos, meia hora todos os dias, geralmente de manhã cedo. Não sou uma pessoa de hábitos rígidos, que tem um local certo, um horário estabelecido, um prazo para escrever. Se tenho uma boa ideia, eu anoto, rascunho tudo o que se relaciona com o tema e fico pensando nela enquanto passeio pela praia ou me ocupo de tarefas manuais. A ideia fica amadurecendo, por assim dizer. Quando sinto que está pronta, escrevo. Às vezes acontece de o texto me acordar de madrugada, totalmente pronto. Tenho sempre um bloco de papel e uma caneta ao lado, para esses “partos” noturnos. Deixo o texto na gaveta por uns dias antes de revisar. Todo texto recente parece maravilhoso. É preciso tomar um distanciamento para perceber os pontos fracos, o que pode ser burilado ou mesmo descartado.


RESENHANDO - O que a inspira?
S. R. R. R. - O bizarro, o absurdo. Gosto de ler Poe e todos os mestres do realismo fantástico.  Sinto atração por tudo o que sai do normal. Isso quanto ao tema. Já quanto ao ambiente para escrever, o que me inspira é a natureza. Caminhar pela praia, sentar em frente a um lago, onde houver árvores, plantas e pássaros. Eu gosto de sentar com o meu caderninho e perder-me em contemplação até as idéias fluírem. O texto escrito no papel é melhor, a gente rabisca, coloca flechas, faz uma verdadeira tempestade cerebral cheia de opções nas folhas. Só depois que termino de batalhar com as palavras é que passo para o computador.


RESENHANDO - Você se apodera de muitos assuntos do cotidiano para escrever. Há algum motivo nisso?
S. R. R. R. - O cotidiano é uma rica fonte de motivos artísticos, para quem sabe olhar. Eu me refiro a artistas em geral: pintores, fotógrafos, desenhistas, e não apenas a escritores. O Brasil é privilegiado no gênero crônica. Tivemos e temos ainda excelentes cronistas que não me canso de reler. Aí aparecem ideias paralelas, complementares ou contraditórias. Por outro lado, as pessoas gostam de ler crônicas: são textos curtos, concisos, bem humorados e eventualmente com algum toque filosófico.


RESENHANDO - Quais são os seus autores favoritos?
S. R. R. R. - Os primeiros autores que me impressionaram foram Lobato e Machado de Assis. São dois contistas formidáveis, cada um a seu jeito. Não estou me referindo à obra infantil de (Monteiro) Lobato, e sim a seus livros para adultos, que são fantásticos. Os russos são, em minha opinião, leitura obrigatória. (Liev) Tolstói e (Fiódor) Dostoiévski mergulham fundo nos dramas humanos. O mesmo diga-se de Victor Hugo. Deve-se ler os livros, pois os filmes não fazem justiça à riqueza das obras desses mestres. (Edgar Allan) Poe é um caso à parte. Ele inovou em praticamente todos os gêneros e sabe expressar a dor da perda como nenhum outro. Autores humanitários que me influenciaram: Hermann Hesse e (Antoine de) Saint-Éxupery. Deste último cito "Terra dos Homens" que considero o livro mais importante que já li em minha vida. Atualmente a língua portuguesa está rica de bons autores, entre eles Gonçalo Tavares, Valter Hugo Mãe, (José Eduardo) Agualusa, Ondjaki e Mia Couto. A lista é longa...


RESENHANDO - Você foi membro da APEBS - Associação dos Poetas e Escritores da Baixada Santista. Que lembranças tem daquela época?
S. R. R. R. -  Coisa curiosa, conheci a APEBS fora de Santos. Eu coordenava um jornal literário em Bebedouro e recebi uma cartinha de uma escritora santista. Começamos a nos corresponder e nas férias vim a Santos e fui apresentada ao grupo. Fiquei como sócia correspondente por três anos, até mudar para cá. O grupo chegou a ter uns 140 membros, embora nas reuniões a média nunca passasse de uns 50 participantes. Gente animada, alegre. Fiz boas amizades que conservo até hoje. Havia os concursos internos. A cesta de jornais correspondentes que chegavam de todo canto do país. As antologias lançadas nas festas de final de ano. Os espetáculos de "Poesia Falada", concorridíssimos. Um grupo grande assim é difícil de liderar. Hoje o grupo fragmentou-se em vários movimentos menores e acho que a cidade ganhou com isso. Há gente falando de arte em vários bairros e horários diferentes, com propostas mais focadas, que resultam em um trabalho mais produtivo. Muitos são filhotes da APEBS.


RESENHANDO - Santos é berço de grandes artistas, em todas as áreas. Você considera que há algo nessa cidade que inspira as pessoas?
S. R. R. R. - Eu me inspiro com as garças, com as cigarras, com os prédios antigos. Há quem se inspire no mar, como Vicente de Carvalho. Uma amiga se inspira com a lua na janela. Já encontrei gente escrevendo na areia, acredite ou não. Santos tem um pouco de tudo: mar, serra, boa comida, um clima louco, muita gente de passagem circulando por aí, uma intensa atividade cultural oculta e por isso mesmo cativante. Oculta, porque não é divulgada pela imprensa, e quando é, parece escrito com tinta invisível. Uma pessoa afirmou que lia (o jornal) A Tribuna de cabo a rabo todos os domingos. Quando eu citei os nomes das colunistas Maria José Aranha de Resende e Therezinha Tagé, ela arregalou os olhos. Nunca tinha lido, disse-me.


RESENHANDO - Você vem investindo em publicar seus livros nas plataformas digitais. Há algum motivo específico para isso? Considera uma tendência?
S. R. R. R. - Eu não diria um tendência, diria que é a evolução natural. O computador não é uma tendência, ele chegou e invadiu nossa casa, nosso telefone, ameaça ser anexado ao corpo através de algum chip que projete imagens na pele. Comecei a ler nos tablets por conta de viagens, já tentou carregar vários livros na mochila? Descobri que são práticos, confortáveis, leves e muito versáteis. Você compra um livro digital pela internet e em minutos ele se abre em sua mão. Quer ler no escuro do avião? Basta mudar a cor da tela. O leitor que passou dos 50 aumenta a letra e lê com conforto. Encontrou uma palavra que não conhece? Basta consultar um dicionário online à sua escolha na língua que quiser. Eu sou do tipo que grifa e toma notas. Pois o livro digital tem a sua “caneta” marca texto na cor que o leitor preferir, e sua agenda paralela onde anotar as reflexões e dúvidas que aparecerem durante a leitura. Tem mais. Quer compartilhar com um amigo? Em um clique você envia suas anotações para o outro lado do planeta. Para ficar melhor, configure seu livro digital para virar as páginas imitando livro de papel ao invés de deslizar. A ilusão é perfeita. Só falta aquele cheirinho de traça dos livros velhos da estante de família...Os leitores digitais têm tela fosca, o que é agradável para a vista, são muito fáceis de usar e os preços estão baixando. Sempre existe o recurso de baixar o programa similar no tablete ou computador. Sim, eu aposto nessa ideia.


RESENHANDO - Com os aparatos tecnológicos, a maneira de ler e escrever, mudou. Mudaram, também, os leitores? Você considera isso positivo ou negativo?
S. R. R. R. -  Há espaço e época para tudo, de literatura de cordel e ganhadores de Goncourt. Considero o aparato tecnológico muito positivo. As pessoas não ficam mais atreladas ao que diz o crítico do único jornal nem ao acervo da livraria da cidade. Hoje são centenas de sites comentando, resenhando, analisando e vendendo livros. Leitores comentando e postando suas opiniões e sendo lidos pelos autores quase simultaneamente. Há até quem já escreve online, aguarda os comentários dos leitores e vai ajeitando o texto conforme as sugestões e críticas recebidas. Antes, só se sabia se um livro ia ser um fracasso de vendas depois de pronto, hoje a audiência já sinaliza desde o primeiro capítulo se o livro vai agradar ou não.


RESENHANDO - Você considera isso positivo ou negativo?
S. R. R. R. -  Os leitores estão em suas casas, amadurecendo. Sempre se ganha algo com a leitura. O que não se pode é querer que uma pessoa goste de cara dos escritores dito clássicos. Minha geração começava com "Reinações de Narizinho", a de hoje começa lendo "Harry Potter". Nós líamos "O Tesouro da Juventude", minhas filhas leram "O Diário da Princesa". Houve uma época em que o mais aplaudido escritor de língua portuguesa vivo foi Machado de Assis, hoje parece-me que é Mia Couto. Enfim, há escritores novos para leitores novos. Devemos dar espaço a todos eles. Para um país que já foi campeão de analfabetismo, acho positivo que a maioria dos jovens possa ler ao menos em sites, mesmo que textos curtos, mesmo que reportagens. Importante é que leiam, até que germine neles a semente da sabedoria. Vamos regando...


RESENHANDO - O que o público pode esperar de "É Suave a Noite"? Por que esse título?
S. R. R. R. - O título é o de uma das crônicas do livro. Que, evidentemente, fala da noite. Da noite verdadeira e daquela outra noite, a da alma. Nos momentos mais escuros da vida, há que se manter a esperança. Reuni nesse livro o melhor de tudo quanto escrevi nos últimos 40 anos. É, por assim dizer, uma espécie de antologia. As crônicas “Se essas paredes falassem”, e “Ser santista”, premiadas em 2003  e 2004 no Concurso Mario Covas, estavam aguardando publicação. O melhor prêmio para um escritor é a divulgação de seu texto. No entanto, mesmo nos concursos em que há a confecção de uma revista ou livro com os textos premiados, a tiragem é tão pequena que chega a ser simbólica. Os textos, pedindo para ser publicados, finalmente estão entregues ao mundo.


RESENHANDO - E sobre "Coisas de Médicos, Poetas, Doidos e Afins", o que esperar?
S. R. R. R. - Esse é um livro temático. Escolhi temas interessantes que cruzaram minha vida profissional para transformar em histórias. Como diz o ditado popular, cada um pode aí se identificar em uma ou outra situação. Ou identificar o seu vizinho...


RESENHANDO - Seu primeiro livro de contos foi "Dias de Verão", editado em 1977. De lá para cá, o que mudou na Sônia escritora?
S. R. R. R. - Amadureci a técnica da escrita. Eu sou a mesma, com os mesmos valores, as mesmas prioridades, as mesmas ideias. Bastante mais otimista. Acho que melhorei, não mudei. Sou a mesma criatura ecológica, que acredita que a maneira de melhorar o mundo é educando as crianças, e viver conforme a regra de ouro. Gostaria de terminar citando Saint- Éxupéry: “Ser homem é sentir, colocando a sua pedra, que se contribuiu para construir o mundo”.
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7 comentários:

  1. Parabéns, Sonia. Bela trajetória. O livro "Suave é a noite" já encontro nas livrarias?

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  2. Sinto-me privilegiada por conhecê-la, mesmo que apenas virtualmente por que, por conta disso, tive contato não apenas os textos encerrados em seus livros, mas também com sua experiência de vida, com seu olhar peculiar sobre os lugares onde esteve nesse mundão de meu Deus. Parabéns e sucesso Sônia, você com certeza merece...

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    1. Sandra, essa nossa amizade virtual, que começou lá no Skoob, tem sido uma fonte de alegrias. Obrigada pelo apoio, amiga.

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  3. Sonia, parabéns pela caminhada. Que esse seja só o começo. Seguirei contigo. E vamos embora ler Sonia Regina Rodrigues! ( o meu eu já li 😍😍😍)

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    1. Lu, você foi uma das minhas primeiras e preciosas leitoras, e minha mentota também. Fico feliz de ter feito parte de suas oficinas.

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  4. Muito interessante a entrevista ! Quero ler o livro ! *-*
    Parabéns !

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    1. Bruna, para adquirir o livro, visite o meu site, ok? Aí pode escolher entre comprar em papel ou digital, e me envie suasimpressões depois. Boa leitura!

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