segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

.: Os 80 anos de Adélia Prado, por outros escritores

Adélia Prado completa 80 anos no próximo dia 13 de dezembro. Para comemorar a data, a editora Record lançou uma nova edição de "Poesia Reunida", que traz o primeiro livro da autora, "Bagagem", lançado em 1976, além dos poemas de "O Coração Disparado", "Terra de Santa Cruz", "O Pelicano", "A Faca no Peito", "Oráculos de Maio", "A Duração do Dia" e "Miserere". 

O volume tem também textos de Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna e posfácio de Augusto Massi. A obra, lançada em edição de luxo, com capa dura, chega às livrarias em dezembro, pela Record. Confira o que os escritores Carlos Drummond de Andrade, Affonso Romano de Sant’Anna e Augusto Massi disseram sobre ela!

Sobre Adélia Prado, por Carlos Drummond de Andrade*
(...) Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: está à lei, não dos homens, mas de Deus:
Uma ocasião meu pai pintou a casa
toda de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa
como ele mesmo dizia
constantemente amanhecendo.

Nascida à beira-da-linha, o trem de ferro, para ela, “atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida virou só sentimento”. E diz entre outras “Eu gosto é de trem de ferro e de liberdade”“Eu peço a Deus alegria para beber vinho ou café, eu pelo a Deus paciência pra por meu vestido novo e ficar na porta da livraria, oferecendo meu livro de versos, que para uns é flor de trigo, pra outros nem comida é.”

Em política, Adélia diz que “já perdeu a inocência para os partidos”. “Sou do curso. Quer comer bolo de noiva, puro açúcar, puro amor carnal, disfarçado de corações e sininhos: um branco, outro cor-de-rosa, um branco, outra cor-de-rosa”.

Adélia vai às compras? “A crucificação de Jesus está nos supermercados, para quem queira ver. Quem não presta atenção está perdendo. Tem gente que compra imoral demais com um olho muito guloso, se sugando até a ponta dos pés, atochando o dedo nas coisas, pedindo abatimento, só de vício, com a carteira estufada de dinheiro, enquanto uns amarelos, desses cujo único passeio é varejar armazéns, ficam olhando e engolindo em seco, comprando meios quilinhos das coisas mais ordinárias”.

Adélia já viu a Poesia, ou Deus, flertando com ela, “na banca de cereais e até na gravata não flamejante do Ministro”. Adélia é fogo: fogo de Deus em Divinópolis. Como é que eu posso demonstrar Adélia se ela ainda está inédita: aquilo de vender livro à porta da livraria é pura imaginação e só uns poucos do país literário sabem da existência desta grande poeta-mulher à beira da linha?
*Trecho de crônica no Jornal do Brasil em 9 de outubro de 1975.


Adélia Prado, por Affonso Romano de Sant’Anna*
Adélia Prado é a Clarice Lispector de nossa poesia. Aproxima-as primeiramente este fato: ambas já nasceram (ou surgiram literariamente) com uma linguagem pronta. Mas isto não é tudo. Um escritor pode inventar um trejeito retórico, patentear isto e achar que tem uma linguagem. Falo aqui de algo comum às duas escritoras: aquela maneira de pegar a gente pelo pé e deixar a gente prostrado e besta com uma verdade revelada. Aquilo que se poderia chamar de “epifania” — a revelação abrupta de uma verdade desnorteante. Adélia pertence à raça dos mágicos e, diria, bruxos, se não a soubesse católica com uma fé de fazer inveja ao vigário.

Na verdade, trata-se da voz mais feminina de nossa poesia até hoje. Adélia não usa uma linguagem de empréstimo aos homens, nem repete pieguices em torno de imagens de noite-lua-canto-rosa-mar-estrela-solidão. Assim ela cruza seus textos com os de Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Drummond, mas para assinalar uma diferença. Veja-se o antológico poema que abre seu primeiro livro: “Com Licença Poética”, onde retoma a personagem gauche de Drummond, mas para marcar pelo avesso a sua trajetória, mesmo sabendo ser esse um “cargo muito pesado pra mulher / esta espécie ainda envergonhada”.

A verdade de sua experiência feminina é completada pela fidelidade à sua paisagem ambiental. Lá estão as comadres, as santas missões, as formigas pretas, o angu, as tanajuras, as pessoas na sombra com faca e laranja. Embora pudesse se mostrar pedantemente culta a autora se expõe visceral: “feito água no fundo da mina, levantando morrinho de areia”. Mais que meramente “feminina” e “telúrica” a poesia de Adélia vem do sertão. Do sertão não apenas como distância e mato, do sertão que deixa de ser mineiro para ser uma categoria cósmica. Exatamente como o mestre nesses assuntos, Guimarães Rosa, disse: há autores como Tolstoi, Goethe, Balzac, que nasceram no sertão. Ao passo que outros lógicos e racionais como Emile Zola vêm de São Paulo.
*Trecho de prefácio publicado na primeira edição de "O Coração Disparado", de Adélia Prado (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978)


Adélia Prado, por Augusto Massi*
Para todo escritor, há um momento em que o ato fundamental consiste em soltar os livros no mundo. Depois de gestados, é preciso que caminhem com as próprias pernas. Eles se tornam independentes, convivem com outras obras e criam novas relações. Porém, a certa altura da vida, o autor sente que precisa reuni-los novamente em um único e apertado abraço. Todos então retornam a casa, sentam-se à ampla mesa, redescobrem antigos vínculos e participam da estranha ideia de família viajando no verbo.

O primeiro momento é fruto da escrita. O segundo pertence à leitura. Com os livros lançados separadamente, descobrimos e aprendemos; com o conjunto da obra, convivemos e conversamos. No caso de Adélia Prado, Poesia reunida talvez corresponda a uma verdade mais íntima que a denominação tradicional de Poesia completa. Ao longo de sua trajetória poética, cada novo título nasce sempre da costela do volume anterior. Os seus livros dialogam, compõem um coro de vozes, formam um organismo vivo. Sob o mesmo teto, as palavras circulam, cantam, sonham. Poesia reunida, poesia religada. (...)

 Este é o Livro de Adélia. Formado por oito volumes cuja costura interna, matriz de estilo, é uma poética da voz. Ela ultrapassa os limites da língua escrita. Sobrevive fora dos livros. Só grandes artistas são capazes de converter outras vozes em argila, adubo, matéria maleável e fecunda, entrelaçando em cada linha escrita genealogias perdidas no tempo, versos livres e desgarrados, paixões sussurradas na concha do ouvido, conversas requentadas na cozinha, tagarelices do vasto mundo. A voz pessoal, original e intransferível da poeta confere unidade a este livrão.

O imenso móbile pode ser contemplado livremente, fora de qualquer ordem histórica, sustentado apenas pelo fio social e democrático da voz. A sugestão de leveza desse artefato aéreo e lúdico, na verdade, depende de uma sábia distribuição do peso. Os poemas de Adélia Prado alcançaram um perfeito equilíbrio entre a graça e a gravidade. Basta soprar: la donna è mobile.
*Trecho do posfácio escrito para esta edição de "Poesia Reunida"


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