terça-feira, 9 de agosto de 2016

.: Entrevista com Matheus Lara, escritor e jornalista


“As más condutas estão, sobretudo, nos julgamentos.”

Matheus Lara

Por Helder Miranda
Em agosto de 2016

Violência doméstica e abusos sexuais estão entre os temas de novo livro de escritor paranaense Matheus Lara. Ele lançou pela Arte Editora o livro “Má Conduta”, que retrata de maneira impactante a violência doméstica e abusos sexuais.

O livro reúne seis contos assinados pelo escritor, hoje com 22 anos, entre 2010 e 2013. Com referências à cultura pop, de “O Iluminado” a “Love Me Tender”, os contos tem diálogos sucintos, narrativa dinâmica, e exploram contradições do ser humano em sociedade. 

A violência contra as mulheres é tema recorrente. Assim como na vida real, nos contos dele as mulheres são subjugadas, violadas e mortas. Preconceitos, adultério e misoginia fazem parte do pacote, e a intenção do autor é debater a respeito da banalização desses temas. Matheus estreou na literatura em 2012, com o romance “A Flor que Não É Sua”, publicado em 2012 de forma independente pelo Clube de Autores, que ficou entre os contemplados com o IV Prêmio Clube de Autores da Literatura Contemporânea.  Nesta entrevista exclusiva para o Resenhando, ele fala sobre...


RESENHANDO - O que é ter uma má conduta?
MATHEUS LARA - As más condutas estão, sobretudo, nos julgamentos. São ações, atitudes, posicionamentos políticos, comportamentos ou formas de ser que costumam ser vistos ou entendidos como errados. Quando conservadores insistem em lutar contra o direito de minorias sociais, por exemplo, eles costumam pregar contra o que consideram uma má conduta. Quando uma sociedade inteira reprime a sexualidade das mulheres, por exemplo, é porque entende esta liberdade como uma má conduta. Negar ou contrariar a moral e os bons costumes é visto por muitos como uma má conduta. Ter uma má conduta, para mim, é justamente assumir um posicionamento desumano contra essas liberdades. O preconceito é uma má conduta. A violência é uma má conduta. Negar direitos humanos é uma má conduta. 


Crédito da foto: Renan Sedorko
RESENHANDO - Como surgiu a ideia de escrever esse livro? 
M.L. - A narrativa ficcional é uma ferramenta oportuna para criar e representar pessoas, situações, tipos e problemas. “Má Conduta” traz personagens desprezíveis, que filosofam de acordo com suas conveniências, e isso fala muito de nós mesmos. Os contos de “Má Conduta” estão calcados no real. Numa realidade hostil vivenciada por muitas pessoas, não por opção, evidentemente, e acompanhada por todos nós nas páginas dos jornais. A intenção é falar sobre essa realidade. É provocar qualquer mínimo debate sobre a banalização de alguns desses temas e, de certa forma, ajudar a identificá-los e talvez até a combatê-los. É evidente que isso extrapola o limite das páginas do livro, mas é justamente essa a provocação. 


RESENHANDO - Os temas de “Má Conduta” têm violência doméstica e abusos sexuais. Por que os escolheu?
M.L. - Quero dialogar com o público sobre esses temas. Ou, pelo menos, provocar o diálogo. E está sendo assim. Meu otimismo era grande em relação a isso, por que a gente parece viver um momento em que as pessoas querem debater, expressar o que pensam, ter voz. No fim, essa voz - calada muitas vezes pela inércia, pela violência ou por um conservadorismo - é o que faz com que atrocidades como algumas das retratadas em “Má Conduta” sejam revertidas ou combatidas.


RESENHANDO - A literatura sempre foi um objetivo em sua vida?
M.L. - Na verdade, não. Comecei a escrever com mais frequência em 2009, quando criei um blog para publicação de crônicas e textos dissertativos sobre assuntos diversos. A ideia do blog era treinar redação para o vestibular, que eu faria naquele ano. Porém, não demorou muito para que eu começasse a publicar outros formatos de texto, como alguns contos, ou mesmo cenas aleatórias. Esse blog ficou no ar entre 2009 e 2012. Antes desse período, eu me lembro de ter escrito algumas historinhas quando tinha uns 12 anos. Era um hobby, e não cheguei a publicar em lugar nenhum. Não tinha acesso à internet em casa naquela época, então escrever era um passatempo, tanto quanto jogar videogame ou brincar com meus amigos e cachorros. Eu realmente me divertia.


RESENHANDO - Como o jornalismo entrou em sua vida?
M.L. - O motivo principal que me fez querer trabalhar com jornalismo foi o interesse na área, de forma geral, e em suas diferentes possibilidades de atuação profissional. Com o curso e com o início da atuação profissional, tive cada vez mais a consciência da importância do jornalismo livre e plural numa sociedade democrática. 

RESENHANDO – Que importância é essa?
M.L. - O jornalismo tem uma grande responsabilidade, seja no provimento de informações, no suporte para que o poder público possa identificar mais demandas da comunidade, mas também como espaço de representação. Isso tudo pode trazer consequências, para o bem ou para o mal. Pensar no jornalismo criticamente exige ter a consciência de que o jornalismo é, também, uma atividade cheia de subjetividade, e que estas subjetividades estão sujeitas a muito mais coisas do que o simples ato de informar. O jornalismo não mostra a realidade como ela realmente é, mas nos oferece representações de aspectos da realidade. Ter isso em mente é fundamental quando estamos lendo um jornal, assistindo a TV ou lendo notícias pela internet. Em tempos de ameaças à democracia e ao Estado Democrático de Direito, ampliar o debate sobre a mídia e sobre a necessidade de sua democratização é um dos motivos que atualmente me mantém interessado cada vez mais no jornalismo.


RESENHANDO - O livro traz referências à cultura pop, como “Love Me Tender” “O Iluminado”. Como a arte interfere em sua criação? 
M.L. - As referências que temos na vida têm importância naquilo que fazemos e até naquilo que somos. Os produtos, livros, músicas, etc., citados em “Má Conduta” dialogam de certa maneira com os temas presentes, ou com os personagens ou com as histórias. São, para além de uma reverência aos seus criadores, também parte do enredo das histórias narradas.


RESENHANDO - A violência contra as mulheres é recorrente em “Má Conduta”. Como lutar contra? 
M.L. - Defender a luta contra a violência de gênero não deve ser algo restrito a quem sofre essas violências cotidianamente. Assim como não é preciso ser gay para lutar contra a homofobia, especificamente, ou ser negro para lutar contra o racismo. Reconheço que o protagonismo nas lutas é algo extremamente importante e necessário. Mas entendo também que aqueles que não sentem na pele os motivos pelos quais essas pessoas lutam podem e devem fazer pelo menos o mínimo, que é respeitar e transmitir o seu apoio e dar visibilidade a essas lutas. Como disse, vejo a narrativa ficcional como uma ferramenta oportuna para criar e representar pessoas, situações, tipos e problemas. “Má Conduta”, de certa forma, representa esse sentimento.


RESENHANDO - Você é muito jovem. De onde tira essas vivências para elaborar situações tão fortes? 
M.L. - Os elementos que ajudam a pensar nessas histórias e nesses temas estão no dia-a-dia de todos nós: nas mulheres que são violentadas dentro de casa e que, por uma centena de motivos, não cogitam denunciar seus agressores. Na criação dos filhos que crescem alimentando o sonho de se tornarem engenheiros, pilotos, cientistas enquanto suas irmãs crescem sob a pressão de que um dia precisam obrigatoriamente se tornar mães... E por aí vai, os exemplos infelizmente são inúmeros.


RESENHANDO – O que tem a dizer sobre o romance “A Flor que Não É Sua”? 
M.L. - “A Flor que Não É Sua” foi, antes de tudo, uma experiência. Apesar de ter sido publicado em 2012, ele foi escrito em 2009, num momento em que eu começava a escrever de forma mais recorrente. Deixei o texto abandonado na gaveta por alguns anos e até tinha desistido de publicar. É um romance sobre a história de um homem que perdeu o filho e que, em certo momento da vida, conhece um menino de rua, por quem passa a nutrir um sentimento de paternidade. Tive a honra de estar entre os premiados no IV Prêmio Clube de Autores de Literatura Contemporânea com o livro.


RESENHANDO - Quais os autores o influenciaram e por quê?
M.L. - Tem dois nomes que costumo citar. São minhas maiores referências. Rubem Fonseca (de “Agosto”, “A Grande Arte” e “Feliz Ano Novo”) e Chuck Palahniuk (de “Clube da Luta”, “Assombro” e “Sobrevivente”). O que mais me agrada nos dois é a ousadia no formato da narrativa, nas histórias e na linguagem.



Sobre o entrevistador
Helder Miranda é editor do Resenhando.com há 12 anos. É formado em Comunicação Social - Jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos-Universidade Católica de Santos, e pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela USP. Atuou como repórter em vários veículos de comunicação. Lançou, aos 17 anos, o livro independente de poemas "Fuga", que teve duas tiragens esgotadas.

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