sábado, 9 de agosto de 2025

.: "Brasil de Susto e Sonho", nova mostra de Rivane Neuenschwander em SP


Mostra mescla obras inéditas, releituras e trabalhos consagrados como Quarta-feira de Cinzas/Epílogo, de 2006. Entre vídeos, esculturas, pinturas, instalações e desenhos, os trabalhos abrangem diferentes caminhos artísticos percorridos por Rivane nos últimos 30 anos. 
Na imagem, a obra "Nunca Mais Brasil". Foto: Eduardo Ortega


No dia 14 de agosto, o Itaú Cultural abre para o público "Brasil de Susto e Sonho: um Panorama da Obra de Rivane Neuenschwander". A exposição segue em cartaz até 2 de novembro e apresenta obras inéditas, releituras e trabalhos consagrados de Rivane, como "Quarta-feira de Cinzas/Epílogo", de 2006. No conjunto, entre vídeos, esculturas, pinturas, instalações e desenhos, os trabalhos abrangem diferentes caminhos artísticos percorridos por ela nos últimos 30 anos.

De seus trabalhos inéditos tem Mestre Zenóbio e o Cordão da Bicharada, vídeo comissionado que marca o retorno das parcerias de Rivane e Cao Guimaraes. "Dream.lab/São Paulo", inédita no Brasil, foi apresentada no fim do ano passado e início deste na Áustria e agora ela é exibida feita com crianças brasileiras e seus sonhos desenhados. Também entre as novidades há dois conjuntos formados por seres surreais que representam a realidade: "As Insubmissas" e "Perversos, Marcianos, Canibais e Alienados". Ainda, tem uma nova escultura, "Apocaplástico", que evoca a região do rio Tocantins, onde há mais templos do que hospitais e escolas, e cinco pinturas inéditas acrescidas à série Notícias de Jornal.

Em suma, a mostra apresenta o olhar atento de Rivane sobre assuntos que vêm movendo os brasileiros na história contemporânea do país - dos anos de 1970 aos atuais. A inspiração trafega entre registros de manifestações diversas captadas por ela em solo firme, no espaço das redes sociais, em sonhos de crianças, em festas folclóricas e em observações subjetivas capturadas em suas andanças pelo país. A curadoria da exposição é de Fabiana Moraes e a concepção e realização são do Itaú Cultural. 


Até dia 2 de novembro no Itaú Cultural
"Dream.lab/São Paulo", obra inédita no Brasil, apresentada no fim do ano passado e início deste na Áustria, agora feita com crianças brasileiras e seus sonhos desenhados; "Mestre Zenóbio e o Cordão da Bicharada", vídeo comissionado realizado em colaboração com o cineasta Cao Guimarães; "As Insubmissas" e "Perversos, Marcianos, Canibais e Alienados", dois conjuntos formados por seres surreais que representam a realidade; "Apocaplástico", que evoca a região do rio Tocantins, onde há mais templos do que hospitais e escolas, e cinco pinturas inéditas acrescidas à série "Notícias de Jornal". Estas são as novas peças da artista visual Rivane Neuenschwander, que, com outras obras construídas por ela ao longo de sua trajetória de três décadas, compõem a exposição "Brasil de Susto e Sonho: um Panorama da Obra de Rivane Neuenschwander".

Com abertura no Itaú Cultural (IC) na noite de 13 de agosto - e visitação do público do dia seguinte, 14, até 2 de novembro -, a mostra tem curadoria da pesquisadora (Universidade Federal de Pernambuco/UFPE) e jornalista Fabiana Moraes e realização da equipe do IC. A exposição se estende pelos três pisos do espaço expositivo da instituição dedicados às mostras temporárias. No conjunto, Brasil de susto e sonho: um panorama da obra de Rivane Neuenschwander apresenta o olhar atento da artista sobre assuntos que vêm movendo os brasileiros na história contemporânea do país  dos anos de 1970 aos atuais. 

Os suportes artísticos são variados: vídeos, esculturas, pinturas, instalações e desenhos. A inspiração trafega entre registros de manifestações diversas captadas por ela em solo firme, no espaço das redes sociais, em sonhos de crianças, em festas folclóricas e em observações subjetivas capturadas em suas andanças pelo país.


Piso 1
Este andar acolhe duas de suas obras inéditas: "Dream.lab/São Paulo", ainda não vista pelo público brasileiro, e a estreia de "Mestre Zenóbio e o Cordão da Bicharada". A primeira navega pelos sonhos de crianças, cuja colaboração, como uma espécie de coautores de produção espontânea, marca outros trabalhos da artista. Apresentada no museu de arte moderna KinderKunstLabor, na Áustria, com curadoria de Mona Jas e Andreas Hoffer, esta é a primeira montagem da obra no Brasil após um processo de pesquisa denso e específico para a exposição. Resultado de oficinas conduzidas pela equipe de mediação cultural do Itaú Cultural, ao lado da artista, com alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Abrão de Moraes e da Emef Desembargador Amorim Lima, as atividades partiram de uma leitura do livro "Sonhozzz" (editora Salamandra, 2021), de Silvana Tavano e Daniel Kondo, que também assina as ilustrações. As crianças fizeram exercícios para a produção de desenhos nos quais manifestaram seus sonhos, desembocando em uma delicada investigação sobre a infância, o inconsciente coletivo e os sonhos desses brasileiros em crescimento.

A segunda obra, "Mestre Zenóbio e o Cordão da Bicharada", é um vídeo de cerca de 20 minutos dirigido por Cao Guimarães e Rivane, que retomam uma parceria já vista na obra "Quarta-feira de Cinzas/Epílogo" (2006), também presente na exposição. O trabalho versa sobre o cordão que lhe dá nome, fundado por Mestre Zenóbio na Vila de Juaba, em Cametá, interior do Pará, na primeira metade dos anos de 1970. Em um tempo em que a Copa do Mundo e a Transamazônica dominavam as telas e os discursos do regime ditatorial, Zenóbio enchia uma pequena embarcação com representações de animais de países e climas distintos para chamar a atenção para a preservação da natureza, em um cortejo que se repete todos os anos no Carnaval das Águas (tradição centenária da cultura paraense). Rivane e Cao registraram o mais recente, resultando neste filme que mescla sonho e susto, beleza e plástico jogado fora, ontem e agora. A trilha é da dupla performer brasileira O Grivo, que também aparece em trabalhos como Erotisme.

Ainda fazem parte deste piso "Atrás da Porta e L.L." ("O Vendedor de Furos"). A primeira é de 2007, uma serigrafia sobre madeira composta de 140 peças de dimensões variadas com desenhos e rabiscos, que a artista foi capturando ao longo dos anos nas portas de banheiros públicos. De 2023, a segunda reúne pequenas esculturas, que se espalham pelos três andares da exposição. A obra é baseada em uma memória de infância de L.L., amiga de Rivane, na qual ela imaginava um comerciante que ganhava dinheiro vendendo buracos, e faz uma conexão precisa sobre o mundo em que vivemos na atualidade.


Piso -1
Aqui, o público encontra mais dois trabalhos inéditos: "As Insubmissas" e "Perversos, Marcianos, Canibais e Alienados". Uma ema antifascista, um tubarão verde com lenço amarelo pronto para atacar, arapongas e tigrinhos, entre outros, representam personagens que falam da história mais recente do país. Somando os dois conjuntos, são 23 figuras, entre bichos, frutas, plantas na composição desses bonecos, feitos de tecido, papel machê, garrafas de vidro, bordados e outros materiais.

"As Insubmissas" reúne os personagens A Ativista; O Brasil; O Comunista; O Socialista; A Anti-fascista e O Ministro. Em "Perversos, Marcianos, Canibais e Alienados" estão A Agência de Vigilância; A Alta Patente; A Emenda Parlamentar; A Força Aérea Expedicionária; A Funcionária Fantasma; A Inflação; A Patriota; O Algoritmo; O Autocrata; O Deputado Federal; O Empresário; O Jogo de Apostas; O Magnata da Fé; O Oligarca; O Tarifaço e O Tecnocrata.

Estes trabalhos derivam da obra "O Alienista" (2019), atualmente exposta no Instituto Inhotim e baseada no livro de Machado de Assis. Nela, estão personagens como O Orador de Sobremesas, O Juiz de Fora, O Terraplanista, O Barbeiro, A Viúva e João de Deus (personagem de O alienista, de Machado de Assis), entre outros.

Também está neste piso o vídeo digital Enredo, produzido por Rivane em 2016 com o neurocientista Sérgio Neuenschwander. O audiovisual se inspira na coletânea de contos populares do Oriente Médio "As Mil e Uma Noites" (edição em português) para acompanhar uma aranha tecendo a sua teia com o seu fio entremeado por confetes feitos de pequenos trechos do livro, entre palavras que atravessam o seu caminho e ao som de um tamburello (versão italiana da pandeireta) tocado pelo cantor e compositor Domenico Lancellotti.  

Neste andar, ainda, o público encontra mais um vídeo de Rivane e Cao Guimarães: "Quarta-feira de Cinzas/Epílogo", realizado em 2006. O filme de 10 minutos articula a folia em fim de festa. A obra Repente, de 2016, apresenta etiquetas de tecido bordadas, painel de feltro, caixas de madeira, alfinetes de cabeça e de segurança, em um trabalho que a artista vem atualizando ao longo dos anos com novas palavras de ordem em um remix de protestos, mobilizações e lutas dos brasileiros. 

No trabalho "Noites Árabes" (2008), ela evoca a claridade volátil da Lua mobilizando um número palíndromo, assim como na obra "Enredo, as Mil e Uma Noites de Sherazade". Aqui, o rolo de filme de 16 milímetros se desdobra em 1.001 pequenos furos atravessados pela luz, entre 1.001 noites, histórias e recomeços. 

"À Espreita", acrílica sobre papel preto acid free, reúne 24 pinturas que investigam tanto o lado psicanalítico quanto político do medo. Rivane vem investigando há anos a infância como um lugar também político. Neste trabalho ela exibe formas sombrias desenhadas pelas próprias crianças, a partir de oficinas realizadas na pesquisa O nome do medo. As formas remetem a monstros, fantasmas e espíritos que além de viverem nas casas, habitaram porões e delegacias no período ditatorial brasileiro.

Piso -2
"Apocaplástico", obra exibida com destaque neste andar, também é inédita. Trata-se de uma escultura composta de madeira, massa e tinta acrílica, corda, plástico e papel, com dimensões variadas. Tem origem na viagem que a artista fez ao lado de Cao Guimarães, na região do rio Tocantins, para a produção de Mestre Zenóbio e o Cordão da Bicharada. Lá, Rivane observou uma grande quantidade de plásticos e outros materiais jogados após o Carnaval, cujas imagens aparecem no vídeo e nestas obras.

A artista também anotou pontos de reflexão sobre o projeto de colonização dos interiores do norte do país, que segue firme e cada vez mais forte por meio da religião, e as depositou em "Apocaplástico". A localidade é a que abriga mais templos religiosos no país – 459 deles a cada 100 mil habitantes; mais do que hospitais e escolas.

Também neste andar, "Notícias de Jornal (...)", de 2025, expõe o noticiário cotidiano – em especial os tantos casos de feminicídio – em uma série de cinco novas pinturas baseadas em ex-votos – sem santos, mas com sangue. São elas: Notícias de Jornal(Simone),Notícias de Jornal (Natália),Notícias de Jornal (Érica), Notícias de Jornal (Jaciara) e Notícias de Jornal (Suely), todas realizadas neste ano.

Em "A Conversação" (2010-2025), Rivane se inspirou no filme homônimo dirigido por Francis Ford Coppola em 1974. Nesta instalação composta de papel de parede, carpete, forro para carpete, cola, gravadores de áudio, aparelho de som e alto-falantes, também de dimensões variadas, o mote é a paranoia da espionagem, que transforma todos em suspeitos e alvos – dos celulares e drones, da entrega e monetização dos dados de cada pessoa, notícias sobre grupos e pessoas espionados pela gestão federal encerrada em 2022. Neste trabalho, há escutas escondidas no assoalho e nas paredes e microfones camuflados.

"M.C." ("Sete Exu da Lira/Chacrinha"), de 2025, é um bordado de miçangas e lantejoulas sobre sarja de algodão. O trabalho vai buscar o Brasil de 1971 – quando, em pleno governo militar, os brasileiros assistiam ao programa do Chacrinha aos domingos. Ele tem foco especialmente no último domingo de agosto daquele ano, no qual a umbandista Mãe Cacilda de Assis recebia a entidade Seu Sete Rei da Lira e promovia um transe coletivo no programa da TV Globo (e, depois, no famoso show de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi). Andrógina, negra e à frente de uma prática não cristã, Mãe Cacilda se tornou alvo do discurso moralista e racista das mais poderosas representantes do catolicismo conservador do país.

No vídeo "Erotisme", produzido por Rivane em 2014, a trilha sonora é de O Grivo. Nele, uma mão interpreta o alfabeto desobedecendo a sua sombra. Entre umas imagens e outras, vão aparecendo palavras em francês, usuais ou inventadas, riscadas a canivete na madeira: masturber, nidifier, occulter (masturbar, aninhar, ocultar), entre outras. A obra faz referência direta ao verbete “erotismo”, atribuído a Georges Bataille, na obra surrealista Le memento universel Da Costa, e passeia por dualidades do sexo, visto como prazer ou arma; gozo ou ferida, remetendo à violação.

"M.F. (Road Trip)", de 2015, poderia ser resumido como um buraco de 1 x 2 cm feito na parede, para exalar o cheiro de gasolina. Mas é muito mais do que isso. Trata-se de uma referência ao Brasil militar-desenvolvimentista e suas grandes estradas que cortaram aldeias e florestas, já a partir da década de 1970.

Em "A.E. (Nunca Mais Brasil)", de 2023, uma tapeçaria de 1,70m x 1,70m, Rivane apresenta uma costura de retalhos de medos e lembranças, infância e geografia, arquivos e pavores: monstros e nomes de locais que serviram como espaços de tortura e desova de corpos, em uma referência ao livro "Brasil: Nunca Mais" (1985; editora Vozes) – organizado por Dom Paulo Evaristo Arns, Hélio Bicudo e Jaime Wright, reúne documentos de episódios de tortura durante a ditadura militar no Brasil. Aqui, a artista mescla a pesquisa "O Nome do Medo" (iniciada em 2015) a outro tema que demarca suas investigações: o regime autoritário que por duas décadas enterrou pessoas em locais como a Ponta da Praia (RJ).

"R.R. (90 Milhões em Ação)", de 2025, também remete aos anos de 1970, quando o Brasil conquistou o tetra na Copa de Futebol, com jogadores como Pelé, Rivelino, Tostão, Gerson e Jairzinho em campo. A vitória foi capitalizada pelo governo Médici (1969-1974) e embalada pela marchinha de Miguel Gustavo transformada em uma espécie de hino: “Noventa Milhões em Ação / Pra Frente, Brasil, do Meu Coração”. Nas telas brilhava o Canal 100, fundado em 1957 pelo produtor Carlos Niemeyer, que exibia zooms de rostos em sua maioria desconhecidos acompanhando partidas de futebol enquanto, longe das câmeras, gestões autoritárias sequestravam, torturavam e matavam. 


Serviço
Itaú Cultural

Avenida Paulista, 149 – próximo à estação Brigadeiro do metrô.

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