Entre figuras da noite, remédios contrabandeados, lares suburbanos e quartos de hospital, "Sangue Neon" tece mosaico da epidemia que redefiniu uma era
A epidemia da Aids não começou com estardalhaço, mas com sussurros: homens jovens e saudáveis, de repente, condenados à morte. "Sangue Neon", romance histórico do médico Marcelo Henrique Silva, joga o leitor de cabeça nesse cenário em que figuras da noite, travestis destemidas, profissionais de medicina recém-formados e comissários de bordo se unem em uma luta contra a doença e a indiferença. Entre contrabando de medicamentos e massacres ignorados, a narrativa ilumina vidas marginalizadas que desafiaram o sistema e moldaram a saúde pública brasileira.
A obra, publicada pela pela Editora Faria e Silva, do Grupo Alta Books, foi a grande vencedora do 67º Prêmio Jabuti, na categoria "Escritor Estreante: Romance" do eixo Inovação. A consagração aconteceu em cerimônia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na noite da última segunda-feira, dia 27 de outubro. Marcado por celebrações à literatura brasileira e conduzida por Marisa Orth e Silvio Guindane, o prêmio é o mais tradicional do país e reconhece o talento de novos e consagrados escritores, reafirmando a força criativa da literatura contemporânea.
Para construir a narrativa, Marcelo se baseia em fatos, não apenas para recriar a dramática ascensão da Aids no Brasil nos anos de 1980 e 1990, mas também como forma de desvelar as camadas de preconceito, desinformação e lutas que marcaram o período. Por meio de uma prosa potente, ele entrelaça personagens ficcionais e eventos históricos, e tece um mosaico de relatos verossímeis sobre coragem, solidariedade e abnegação. Episódios que aconteceram diante de um cenário nefasto de negligência e desigualdade social.
Entre as vozes, destacam-se Vera Lynn, inspirada em Brenda Lee, uma travesti nordestina que transforma dor em acolhimento ao fundar o primeiro abrigo para pessoas com HIV, e Sara, médica residente que enfrenta o peso de ser chamada “a doutora dos viados” enquanto luta para salvar vidas em meio à falta de recursos. Há também um grupo de comissários de bordo da Varig, que traziam os medicamentos do exterior, enquanto médicos idealistas, como o jovem infectologista Itamar, sonhavam com a construção de um novo sistema de saúde.
O surto de vício em heroína e a ausência de testes nas doações de sangue agravaram a propagação do vírus. Além de enfrentar a doença, esses profissionais tinham que combater a desinformação: grande parte da população acreditava na falsa ideia de que heterossexuais eram imunes. A maneira atabalhoada com que a sociedade enfrentou o que rotulavam como “peste gay” é retratada com intensidade por Marcelo, que expõe, com igual veemência, a ineficiência do poder público.
“O Inamps, responsável por grande parte dos serviços de saúde, atendia apenas trabalhadores com carteira assinada, focando no retorno rápido ao trabalho, enquanto o Ministério da Saúde transferia a responsabilidade para as secretarias estaduais”, expõe. Meses após a criação do SUS, um contrato decisivo entre o Estado de São Paulo e o "Palácio das Princesas" foi concretizado pelo peso jurídico da nova Constituição Federal, o que consolidou a luta contra a doença - e tornou o Brasil referência mundial no controle da Aids.
Carregada de emoções intensas, personagens complexos e questões sociais e humanas profundas, a narrativa desperta uma reflexão inevitável e, muitas vezes, desconfortável: epidemias afetam a todos, mas atingem mais os vulneráveis. Em "Sangue Neon", o autor não permite ao leitor se manter indiferente ou ileso, ele confronta, arrebata e faz questionar.
Sobre o autor
Marcelo Henrique Silva nasceu em Passos, no interior de Minas Gerais, mas hoje mora em Belo Horizonte. É médico e atuou na linha de frente durante a pandemia de Covid-19. Tem como foco o cuidado de grupos vulneráveis, minorias e pacientes oncológicos. "Sangue Neon" é seu romance de estreia e vencedor da categoria autor estreante do Prêmio Alta Literatura. Compre o livro "Sangue Neon", de Marcelo Henrique Silva, neste link.













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