Primeiro original Globoplay adaptado de um livro marca a estreia da parceria com a produtora Rádio Novelo.Primeiro original Globoplay baseado em um livro, "A República das Milícias", versão em áudio da obra de mesmo nome que se notabilizou ao retratar em detalhes a complexa organização das facções criminosas do Rio de Janeiro, estrou na última sexta-feira, dia 27. O projeto marca a primeira parceria da Globo com a Rádio Novelo - referência em podcasts e responsável por esta produção -, reforçando a aposta da empresa no mercado independente e em conteúdos com olhares diversificados na constante ampliação de seu portfólio de áudio digital.
Assim como o livro, o podcast "A República das Milícias" é conduzido pelo jornalista, pesquisador e autor Bruno Paes Manso, que trabalha em conjunto com uma equipe da Rádio Novelo para transportar sua pesquisa sobre o tema para o áudio. Dois roteiristas - Vitor Hugo Brandalise e Aurélio de Aragão - mergulharam na obra e nos arquivos de entrevistas realizadas por Bruno para a construção dos episódios a seis mãos. "Essa tem sido uma das partes mais fascinantes deste projeto: tenho dois grandes roteiristas ao meu lado e tivemos que repensar tudo absolutamente do zero. Como a gente contaria a história, respeitando o arco narrativo do livro, mas criando um outro que funcionasse mais com o áudio. Fico muito impressionado com a qualidade, com a preocupação deles de amarrar uma linha com a outra, cada fala, para manter o ritmo da história. É um quebra-cabeça incrível", destaca o autor.
O resultado final deve mesclar o material do livro com conteúdos inéditos, em um encadeamento de assuntos que reforça o formato narrativo construído a partir de uma forte influência do storytelling. A cada episódio, elementos do imaginário carioca e curiosidades do Rio de Janeiro - passando pelo trem com um trajeto pela supervia no episódio inaugural até canções da Bossa Nova, o funk e o hip hop - funcionam como fio condutor para o aprofundamento em alguma questão relacionada ao tema central das milícias. A equipe ainda fez uso de diferentes recursos sonoros, como efeitos de distorção, para proteger a identidade de alguns entrevistados.
O podcast busca aproximar o ouvinte de diferentes perspectivas e lados da mesma história. "Se os policiais e os juristas olham para um crime procurando entender o que está errado e em como deveria ser, eu tento entender como é. Eles pensam em como fazer os outros obedecerem as regras. Eu procuro entender como e por que as pessoas pensam e agem desse jeito. Por que usam a violência, usam armas e matam. A minha pegada é mais próxima da de um psicólogo ou um antropólogo, não a de um policial. Nessa pesquisa, o que me move é a vontade de entender e explicar o que é a milícia", esclarece Bruno.
A partir de depoimentos de diferentes personagens que convivem direta ou indiretamente com o crime em suas rotinas, Bruno promove uma imersão, apresentando os caminhos que desenharam o cenário generalizado de criminalidade que envolve a cidade do Rio de Janeiro. "Você vai reconhecer alguns personagens que aparecem no livro, mas vai conhecer várias outras histórias pela primeira vez aqui", avisa ele no primeiro episódio.
Episódio de estreia mostra os impactos da atuação da milícia na vida dos cariocas
A imersão na realidade da cidade começa com o podcast convidando o público a embarcar em uma viagem de trem por bairros periféricos do Rio de Janeiro dominados pela milícia. Para aproximar o ouvinte de tudo que está vendo e descobrindo, Bruno apresenta trechos de entrevistas de funcionários do serviço ferroviário, que detalham curiosidades sobre a atuação desses grupos criminosos - casos como o rotineiro roubo de trilhos de trem por milicianos que são vendidos para a construção de prédios irregulares e, ainda, a existência de uma banca de venda de drogas em uma estação, com direito a letreiro neon para anunciar a mercadoria ilícita.
"A cidade é dividida em pequenos feudos. O objetivo é entender a fundo esses territórios e, a partir disso, compreender como o Rio de Janeiro chegou a esse estado de deterioração", completa Bruno. Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e pesquisador no Núcleo de Estudos da Violência da USP, o jornalista também é autor de "A Guerra: a Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil", em coautoria com Camila Nunes Dias.
Nas gravações, realizadas em um estúdio em São Paulo, Bruno contou com a direção de Paula Scarpin, diretora da produtora. "Foram muitos os desafios. O primeiro deles era tratar de um tema complexo, sensível e com várias questões de segurança. Precisávamos garantir não apenas a segurança da nossa equipe como das pessoas que nos confiaram seus depoimentos. O segundo era adaptar um livro, experiência inédita na Rádio Novelo, e com poucos precedentes, pelo que mapeamos. Nossa preocupação era, ao mesmo tempo, respeitar o trabalho monumental do Bruno Paes Manso e oferecer um conteúdo diferente, com outra abordagem e novidades para aqueles que já leram o livro. O terceiro desafio era fazer isso durante a pandemia, sem expor nossa equipe e entrevistados a riscos de contaminação - o que, na prática, significou fazer boa parte das novas captações por videoconferência. Por fim, talvez o maior desafio de todos tenha sido fazer jus a todo o trabalho - tanto o que precedeu o início da produção do podcast quanto a própria - numa costura envolvente e capaz de atrair um público que não necessariamente se interessaria pelo tema da segurança pública", ressalta ela.
Original Globoplay produzido pela Rádio Novelo, "A República das Milícias", baseado no livro de mesmo nome, está disponível no Globoplay e na Deezer. O projeto conta com oito episódios publicados semanalmente, às sextas-feiras. A capa do podcast foi criada a partir da capa de Pedro Inoue para o livro "A República das Milícias", da editora Todavia.
Entrevista com Bruno Paes Manso, autor do livro e apresentador do podcast "A República das Milícias"
Como está sendo lançar seu primeiro podcast original Globoplay, o primeiro no Brasil desenvolvido a partir de um livro?
Bruno Paes Manso - Está sendo bem empolgante em diversos sentidos. É um assunto que eu tinha mergulhado muito, só que agora estou tendo outros olhares. De certa forma, acrescentando muita coisa que acabou passando no livro. Sem falar nas entrevistas que voltei a fazer, aprofundei algumas coisas que tinha dúvida, encontrei outros personagens para entrevistar. Muitas lacunas estão sendo preenchidas neste aprofundamento sobre o tema. Acho que é um grande desafio construir um roteiro, com essa linguagem mais imagética e, ao mesmo tempo, conseguir áudios para que as pessoas se sintam mais próximas e mais presentes daquilo que estou contando.
E a experiência de construir o roteiro a seis mãos?
Bruno Paes Manso - Tem sido uma das partes mais fascinantes desse projeto. Tem dois grandes roteiristas: o Aurélio Aragão, que já tinha participado do "Praia dos Ossos", e o Vitor Hugo Brandalise, que é jornalista e tem trabalhado com podcasts. O Aurélio tem uma visão mais do cinema, do audiovisual e de roteiro, de ficção e não-ficção. Tivemos que repensar absolutamente tudo do zero. Como a gente contaria a história, claro que sempre respeitando o arco narrativo do livro, mas criando um outro arco narrativo que funcionasse mais com o áudio. A gente sempre pensa em como acabar um episódio conectando com o seguinte, tem uma amarração entre personagens que é muito interessante. Estou impressionado com a capacidade que eles têm de fazer essa costura, para que a história seja atraente, já que é um podcast longo, e o grande desafio é manter o ouvinte interessado o tempo inteiro na história que está sendo contada. E a força do podcast, apesar de ser um assunto muito relevante, trazer informações relevantes, eu acho que é sobretudo as histórias. As histórias imprevisíveis, as histórias incríveis, as histórias que poucas pessoas conhecem.
O que esperar de inédito no podcast, em relação ao livro?
Bruno Paes Manso - O podcast tem muitos depoimentos de pessoas que vivem nos lugares onde as milícias dominam. Elas relatam o problema de viver nesses lugares, a rotina e como acontece o contato com as milícias. Isso é uma coisa que eu tinha tido muita dificuldade na apuração do livro e conseguimos acessar agora. Temos histórias muito emblemáticas sobre o problema que é viver nesses bairros. Outra coisa que acho bem interessante é a participação de depoimentos de policiais que tiveram ligação com a história da segurança pública do Rio. Também conversamos com alguns personagens marcantes do documentário "Notícias de Uma Guerra Particular", dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund, que é fundamental para a história do Rio de Janeiro. E é legal ouvir os relatos deles 20 anos depois.