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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

.: Entrevista: Malu Garcia transforma o confinamento em viagem interior


Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com

Malu Garcia viajou para enfrentar a realidade. Em "Indomável", livro de estreia escrito por ela, a autora transforma quatro meses de confinamento em Cuba durante a pandemia em um exercício radical de liberdade e lucidez. O resultado é um relato que mistura crônica, memória e reflexão sobre o olhar estrangeiro, que ora vigia, ora liberta. 

Jornalista, radialista e apresentadora, Malu carrega na palavra o peso e o alívio das metamorfoses. Nas páginas do livro, Cuba não é o cartão-postal congelado no imaginário turístico, mas um território pulsante de contradições, onde a escassez revela a criatividade e o afeto se impõe na realidade do país. Escrever sobre a ilha é também escrever sobre o Brasil  e sobre a mulher que se reinventou ao ultrapassar as próprias fronteiras. 

Nesta entrevista exclusiva para o portal Resenhando.com, Malu fala da solidão feminina como potência, dos riscos ideológicos de narrar um país sob permanente observação, do poder político da ternura e do espelho incômodo que a ilha lhe devolveu. Entre a vigilância e a rebeldia, a autora descobre que a literatura é o único passaporte que realmente atravessa. Compre o livro "Indomável", de Malu Garcia, neste link.


Resenhando.com -⁠ Você transformou a experiência de “turista controlada” em literatura. No fundo, a sua escrita nasce da vigilância ou da rebeldia?

Malu Garcia - Penso que minha escrita nasceu do atrito entre as duas coisas. Eu não esperava me encontrar naquela situação de “controlada”, e isso me causou pânico. Sentia um medo absurdo e nem sabia muito bem o por quê. Num primeiro momento me ocorreu que talvez eu não pudesse voltar outra vez a Cuba. E também no contexto da pandemia, por óbvio, perder as minhas  pessoas no Brasil era um medo real e diário. Foi tenso. Os motivos do “controlada” estão no livro, e posso dizer que desobedecer certas regras, primeiro, me manteve viva; depois me impulsionou na escrita, sim. O que vivi lá nunca coube em roteiros prontos. Então, na hora de escrever as minhas vivências foi como fazer um balanço de uma rebeldia que não sabia que tinha vivido. A vigilância me ensinou a prestar atenção, a observar minúcias. Já a rebeldia me deu coragem para escrever a partir das brechas, para atravessar o que era imposto num tempo raro, aquele da pandemia. A experiência de “controlada” acabou se revelando uma proteção. Hoje penso que minha escrita é filha desse embate: nasce da vigilância, porque dela vem a consciência aguda do olhar sobre mim quase aos 50, mas floresce na rebeldia, porque só desobedecendo ao viajar num momento sanitariamente delicado pude encontrar a Cuba real e, mais ainda, a mim mesma.

Resenhando.com -⁠ ⁠Em suas crônicas, Cuba não aparece como cartão-postal. O que descobriu de si mesma ao enxergar a ilha como espelho e não apenas cenário?
Malu Garcia - Já na minha primeira viagem, em 2005, deixei de olhar Cuba como um cartão-postal e passei a encará-la como espelho. As conexões que fiz lá me levaram de volta à minha infância e foi aí que descobri aspectos de mim mesma que no cotidiano corrido talvez eu não tivesse chance. A ilha me confrontou com contradições: a beleza e a dureza, a alegria e a falta, a liberdade que pulsa apesar das amarras. Percebi que eu também sou feita dessas tensões - do desejo de ir além das limitações e da força para encontrar sentido mesmo em contextos difíceis. Ao escrever, vi que Cuba não era apenas cenário para minhas viagens, mas um reflexo das minhas próprias inquietações e da necessidade de me reinventar. No fundo, ao ficar presa na ilha, enxerguei também minhas fronteiras internas - e a coragem de atravessá-las. Aí entram as pessoas e os encontros que vão mudando minha vida e inauguram minha escrita.

Resenhando.com -⁠ ⁠Você diz que “viajar sozinha é a maior expressão de liberdade que uma mulher pode experimentar”. Mas, na prática, essa solidão já lhe foi cruel em algum momento?
Malu Garcia - Sim, já foi cruel - e é justamente por isso que também é tão libertadora. Toda liberdade pressupõe uma quota de sacrifício primeiro. Depois, o prazer! Viajar sozinha deixa de ser apenas sobre paisagens e descobertas externas, é também sobre encarar a si mesma sem distrações. É estar como inteira, sem a distração que outra presença proporciona e limita. Tem o fator de você não ter que convencer ninguém que está com fome de almoço às onze horas da manhã ou que quer ficar no museu da hora que abre até fechar, por exemplo. Viajando sozinha me obrigou a ser minha própria companhia, a sustentar meus medos e minhas escolhas. No começo eu pensava “o que as pessoas estavam pensando ao me virem sozinha”; sentiam pena? Depois tudo se transformou em potência: percebi que estar só significava estar fazendo aquilo que escolhi, totalmente inteira.

Resenhando.com -⁠ ⁠Onze viagens para Cuba em tempos de desencanto global parecem um mergulho obsessivo. O que a ilha tem que o Brasil insiste em lhe negar?
Malu Garcia - Eu viajo a Cuba desde de 2005. São vinte anos acompanhando as mudanças que ocorrem internamente muito mais como reflexo das agressões externas que o país sofre, do que qualquer outra coisa. Para entender isso é conveniente estudar a História. Mas Cuba me oferece uma intensidade que muitas vezes sinto faltar no Brasil. Lá, a vida pulsa sem pressa. Penso que como se trata de um lugar relativamente pequeno, tem-se muita cultura sem ter que atravessar grandes distâncias. Havana é como uma espécie de showroom de cultura. E tem o lado da escassez que revela a criatividade, e cada encontro é vivido como se fosse único. É um lugar que não me permite ser espectadora - me chama para dentro da experiência. O Brasil, com toda sua grandeza e riqueza cultural, muitas vezes me nega esse mergulho profundo porque se perde no excesso, no barulho, na pressa. Em Cuba, o tempo desacelera e me obriga a olhar nos olhos, a ouvir histórias inteiras, a participar de uma vida menos mediada por filtros. Talvez por isso eu tenha voltado tantas vezes: porque a ilha me oferece uma radicalidade de experiência que me revela não apenas um outro país, mas uma outra versão de mim mesma - aquela que o Brasil, na correria e na abundância, e no medo da violência, insiste em calar.

Resenhando.com -⁠ ⁠Há algo de político em cada escolha estética do seu livro. Escrever sobre Cuba, hoje, não é também assumir um risco ideológico?
Malu Garcia - Escrever sobre Cuba é, sim, assumir um risco - porque qualquer narrativa sobre a ilha costuma ser lida através de lentes ideológicas já polarizadas. Mas eu não poderia escrever de outro modo. Minha relação com Cuba não é panfletária, é existencial. Foi lá que fiz um balanço da minha vida chegando aos 50. Vivemos tempos de excesso de informação e sobre tudo temos que ter uma posição, uma opinião, um sentimento. Mas conhecimento mesmo não há. Sobre Cuba isso ainda vem carregado de desinformação. Se eu tivesse escrito minhas vivências passadas em qualquer outra ilha do mundo, Maldivas por exemplo, não suscitaria esse juízo do bem e do mal. Cuba tem uma História e muitas narrativas que interessam à manutenção de agressões externas. O povo está cansado mas não tem outra alternativa a não ser resistir. Daí o meu título Indomável. As minhas histórias lá não são nada de panfletárias a favor de uma ideologia. São as minhas vivências de lá, espelhadas numa vida nas daqui. As pessoas conhecem Cuba pelas notícias, a favor e contra, mas o meu livro é mais uma abordagem amorosa acerca da realidade cotidiana, das coisas simples e grandes que também dão a singularidade de um país. A bandeira impressa na parte interna da capa do livro não é um manifesto, é um símbolo de respeito à intensidade do país que tanto me transformou. Por outro lado tenho comigo uma vida inteira de expectativa por justiça social no meu próprio país. Talvez por isso Cuba me convoque tanto: porque, ao mesmo tempo em que revela suas contradições e falhas, expõe também o desejo coletivo de dignidade, de partilha, de sobrevivência com criatividade. O risco ideológico existe, mas para mim escrever é escolher não se esconder. E se minha literatura carrega política, é porque acredito que toda experiência humana - sobretudo a viagem - está atravessada por questões de liberdade, de desigualdade e de esperança. Em Cuba, nos quesitos segurança, solidariedade, educação e saúde, encontrei o espelho que me ajudou a refletir sobre o Brasil que ainda sonho viver.

Resenhando.com -⁠ ⁠Você conheceu a ex-mulher de Glauber Rocha e a mãe de Leonardo Padura. Mas qual foi o encontro mais íntimo, aquele que não coube no livro porque ainda é ferida aberta ou segredo guardado?
Malu Garcia - Tive muitos encontros profundos que não estão notoriamente no livro. Essa pergunta, nesse contexto mundial que vivemos hoje, me leva a refletir sobre um em especial: certa manhã fui apresentada a um senhor de um metro e meio, e 85 anos. Ele tinha acabado de escrever um livro e me presenteou com um exemplar, autografado para mim no parapeito da sua janela, de onde víamos o Malecon. Conversamos um pouco e nos despedimos já que eu seguiria direto para o aeroporto, de volta ao Brasil. No voo li o livro. Era a história vivida por ele enquanto chefe diplomático da embaixada de Cuba no Panamá, em 1989. Pude entender que aquela história era menos sobre geopolítica e mais sobre as coisas que acontecem na vida das pessoas e são imparáveis. Particularmente, guardo um grande medo desses grandes acontecimentos que viram vidas de cabeça para  baixo. O livro do Lázaro Mora conta a invasão do Panamá. Ele passou por tudo aquilo como personagem. O livro agora está editado no Brasil e chama “Não Temos o Direito de Esquecer”. E ainda hoje olhando o noticiário penso que a qualquer momento podemos ter a repetição disso, aqui, ou em países vizinhos. Mas essa sua pergunta me leva a refletir que gosto da minha vida sem grandes sobressaltos, grandes acontecimentos. Gosto da minha vida como maré, vezes alta, vezes baixa, mas nunca um furacão que descontrola tudo. Digo sempre às minhas amigas quando estamos em “café terapia” que tenho medo das cambalhotas que a vida dá: uma doença grave, uma perda, um revés. Aqueles acontecimentos que tiram a vida do prumo. Quando fiquei presa em Cuba por quatro meses eu só pensava nisso. Mas com a escrita me dei conta que todos os acontecimentos ruins da minha vida só me jogaram para o alto. Aquele encontro com Lázaro continua comigo, inteiro, e me ensinou que literatura é escuta antes de ser voz.

Resenhando.com -⁠ ⁠Suas crônicas são atravessadas por afetos, memórias e descobertas. Em algum momento, teve medo de que a literatura romantizasse demais um país onde a sobrevivência diária é, muitas vezes, luta bruta?
Malu Garcia - Sim, esse medo sempre me acompanhou, principalmente, pelo fato de que sobre Cuba todo mundo pensa que sabe tudo… e tenho consciência que meu livro por óbvio não esgota assunto algum, ainda mais um tema que sofre polarização, propaganda e o instinto já conduz à política. Tinha medo dos julgamentos, dos preconceitos que a simples menção ao nome da ilha já causam. Mas é necessário frisar que o meu livro são as minhas vivências. E, por óbvio, escrevo carregada das minhas próprias bagagens, de criação, sonhos e conquistas. A literatura tem uma força de encantamento, e Cuba, tem a sua crueza, que é vista por nós, brasileiros, com lupa, sem que enxerguemos ao nosso redor, nossas próprias crueldades, como pessoas morando nas ruas que nem nos impactam ou apiedam mais. Cuba hoje está diferente da Cuba que conheci nos últimos vinte anos. Mas meu livro é um testemunho desse tempo, visto por uma sempre estrangeira, está claro. A Ilha toda, com sua música, luz e intensidade humana, convida facilmente à idealização, contra ou a favor. Mas eu vivi o melhor que eu poderia ter vivido nesse tempo. Sem esquecer que por trás do riso generoso existia a dureza da fila, da falta, do improviso diário para garantir o básico. O risco de romantizar está em transformar a falta em espetáculo. Eu não queria cair nessa armadilha. Por isso escrevi tentando equilibrar afeto e lucidez: reconhecendo a beleza do que vivi, mas sem negar a luta. Minha intenção nunca foi pintar Cuba como um paraíso, mas como uma ilha de contradições que também revela minhas próprias contradições como uma brasileira do meu tempo e do meu lugar. Sim, porque ao meu redor também há pobreza ainda maior do que a que existe em Cuba, acrescida de uma violência e medo,  únicos também no mundo. A literatura, nesse sentido, não é romantização, mas tentativa de testemunho. E se existe idealização no que escrevo, ela não está em suavizar a realidade, mas em dar voz à dignidade com que o povo cubano atravessa suas batalhas cotidianas, reflexo de agressões externas históricas.

Resenhando.com -⁠ Ao narrar uma brasileira em Cuba, você inevitavelmente fala da identidade brasileira. O que descobriu sobre o Brasil estando longe dele?
Malu Garcia - Estar em Cuba me obrigou a enxergar o Brasil sem os filtros que a minha bolha de privilégios me oferece. De longe, percebi o quanto carregamos uma desigualdade naturalizada, quase anestesiada, como se fosse destino. Em Cuba, a escassez é explícita, mas existe também um senso de coletividade que amortece isso. No Brasil, temos abundância em alguns pontos, mas ela convive com um abismo social gritante — e muitas vezes escolhemos não ver. Descobri que a identidade brasileira é feita de contradições tão radicais quanto as cubanas, mas nós aprendemos a disfarçá-las. Distante, percebi o silêncio que me atravessa quando volto para o meu país e reconheço que o acesso à educação, à saúde, à segurança e até ao ato de viajar sozinha são privilégios. Escrever sobre Cuba foi, no fundo, escrever sobre o Brasil que me habita e sobre a culpa e a responsabilidade que carrego como mulher brasileira consciente dos meus privilégios. A ilha me mostrou um espelho menos confortável, mas mais verdadeiro. E talvez por isso eu volte sempre: para não esquecer que a identidade também se constrói no confronto com aquilo que preferiríamos não enxergar.

Resenhando.com -⁠ Você foi radialista, repórter, apresentadora de TV e agora escritora. Essa metamorfose da palavra em sua vida tem mais de cura ou de provocação?
Malu Garcia - Olha, para além dessas funções que exerci, eu acho que antes eu fui a primeira neta da dona Maria e sobrinha de uma freira, dona de uma mala cheirosa. Essa mala da minha tia teve um grande impacto nos meus sonhos de infância. Já minha avó era analfabeta, mas foi junto dela que a palavra ganhou o território da minha inquietação. No livro eu decifro um pouco dessas duas relações de afeto que mais tarde são decisivas para eu ganhar o mundo. Daí, a palavra passa a ser uma espécie de fio condutor na minha vida. No rádio, era rápida, quase um sopro; na TV, precisava estar enquadrada, bem medida; e na escrita… na escrita ela ganhou silêncio, pausa, ganhou corpo. Quando escrevi "Indomável", percebi que não era só sobre Cuba. Era sobre mim também. E aí entrou a cura - porque escrever me fez revisitar memórias, lacunas e contradições que na correria do dia a dia a gente não encara. Mas entrou também a provocação - porque, ao me ver fora do meu país, fora da minha bolha de privilégios, eu fui obrigada a me perguntar: quem eu sou nesse novo cenário, fazendo outras descobertas, ganhando referências, com outras verdades? Ao narrar minhas descobertas em Cuba, precisei revisitar memórias, deslocamentos e afetos que eu mesma não entendia completamente. Assim, a  palavra, funcionou como um espelho que obrigou a me encarar quase numa linha do tempo, sem possibilidade de volta, já que estou aos 50. Mas também foi provocação - para mim e para o leitor - porque expôs contradições de uma brasileira que vive em sua bolha de privilégios e, de repente, se vê diante de uma realidade que subverte certezas. Para mim até está engraçado. Depois da escrita eu passei a ter uma relação diferente, mais saudável com a minha própria casa. Domesticamente, virei uma pessoa mais organizada. Outra cura é que dias nublados ou chuvosos não me oprimem mais; e perdi a pressa para muitas coisas também. Penso que a escrita cicatrizou coisas que eu nem sabia que doíam. Então, quando terminei de escrever Indomável, percebi que não havia feito narrações apenas sobre minhas idas e vindas de Cuba, mas sim atravessado a mim mesma. De fato, essa metamorfose da palavra, em mim, não é escolha entre remédio e inquietação. Penso que seja muito mais um movimento que costura as duas coisas. E talvez seja isso que me põe em movimento até hoje: habitar esse espaço onde a palavra tanto acalenta quanto cutuca.

Resenhando.com - ⁠Se tivesse que resumir Cuba em uma única cena que dissolvesse política, poesia e contradição, qual seria?
Malu Garcia - Olha, se eu tivesse que resumir Cuba em uma cena só, eu escolheria um final de tarde no Malecón, em Havana. Você vê aqueles carros antigos passando, soltando fumaça e ao mesmo tempo ali perto as crianças saem da escola com um uniforme lindo e com uma alegria marcante, como se não houvesse falta nenhuma. Sentado, um casal apaixonado, mas ele com vontade de deixar o país e ela ligada a mil coisas da ilha; mais ao lado, um senhor com um violão gasto, tirando música da precariedade. Tudo isso sendo tomado pelo alaranjado do pôr do sol. Essa cena carrega tudo o que Cuba me revelou: a beleza que se entrelaça a dureza, a vida que pulsa apesar das faltas. É política porque a sobrevivência diária é, em si, um ato político; é poesia porque o povo cubano tem a capacidade quase mágica de extrair alegria do improvável; e é contradição porque nada ali é simples, tudo é atravessado por camadas de histórias, separações e resistências. Escolho essa cena porque foi num pôr de sol que entendi que Cuba não cabe numa frase pronta ou numa ideologia. Ela se encarna nas pessoas, nos gestos pequenos, no som do mar batendo contra o muro e devolvendo, de alguma forma, a força de quem nunca deixou de resistir. O Malecón é bem a expressão disso: a água bate forte, por vezes o encobre, e ele persevera, gigante. Foi numa tarde assim que me dei conta que tudo o que havia descoberto e vivido por ali era grandioso demais e eu precisava organizar dentro de mim, sobretudo. E foi assim que  nasceu Indomável.


domingo, 19 de outubro de 2025

.: Teatro: Thalles Cabral vai até a beira do precipício para enfrentar a tristeza


Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com. Fotos: Ronaldo Gutierrez

Thalles Cabral, ator, músico e protagonista do solo "Triste! Triste… Triste?", mergulha em uma das experiências mais intensas da arte: a representação da perda de uma mãe e a busca por identidade em meio ao luto. Inspirado no livro "Triste Não É ao Certo a Palavra", escrito por Gabriel Abreu, e dirigido por Nicolas Ahnert, o espetáculo não apenas traduz a dor do personagem, mas a transforma em uma experiência sensível, íntima e, por vezes, surpreendentemente leve para o público.

Em entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, Thalles fala sobre a liberdade de interpretar um solo literário, a complexidade de misturar memórias próprias com as do personagem e a relação quase terapêutica que se estabelece entre ator e público. Ele comenta ainda como o humor e o cinismo coexistem com a tragédia, criando camadas que tornam o espetáculo um convite à reflexão sobre memória, família e identidade. 


Resenhando.com - Interpretar um filho lidando com a iminência da morte da mãe exige mergulhar em emoções extremas. Como você separa o que é seu do que é do personagem em cenas tão íntimas e dolorosas?
Thalles Cabral - Eu gosto de ir até a beira do precipício. O que eu mais prezo na atuação é a verdade. Como ator, preciso acreditar naquilo pra que os outros acreditem também. E pra isso, acabo buscando dentro de mim ferramentas pra acionar esse lugar: memórias, sensações, experiências, que possam me colocar ao lado daquele personagem. Muitas vezes são emoções que já conheci, mesmo que em outra intensidade. Se há algo de similar, já serve. Depois vem a investigação, o quanto usar, até onde ir. Não me interessa criar um personagem sem misturar algo de mim e tão pouco me confundir com ele. O que me move é essa linha tênue, chegar perto do abismo, mas não saltar.


Resenhando.com - Sua carreira transitou entre novelas, séries e cinema. O que muda na sua abordagem quando o palco é um solo literário, e você não tem outros atores para “compartilhar” a carga emocional?
Thalles Cabral - Quando o Nicolas surgiu com o convite pra transformar o livro em um solo, eu hesitei. Contar uma história sozinho é um desafio enorme. O jogo com outros atores é uma das maiores alegrias do teatro, e abrir mão disso me parecia um risco grande. Mas quando li o livro do Gabriel e depois a adaptação do Nicolas, vi que "Triste..." é, na verdade, um terreno fértil, cheio de possibilidades. E com o tempo, percebi que, no fundo, não estou sozinho. O público, tão perto, respira junto comigo. Eles se tornam meus parceiros de cena, e é com eles que eu compartilho essa viagem toda.


Resenhando.com - O personagem que você interpreta lida com memória, identidade e cinismo. Algum 
desses elementos acabou refletindo em você durante os ensaios ou na vida pessoal?
Thalles Cabral - Ah, passei por todos esses e mais alguns (risos). É impossível lidar com as diferentes emoções que um texto exige sem se encharcar delas. Mas acho que o que mais ficou em mim foi a relação com a memória. Revirei fotos minhas quando criança, fotos antigas dos meus pais, fui atrás desses registros, que aliás é uma coisa maravilhosa. Com o digital, a gente foi perdendo o costume de revelar as fotos, mas eu sempre tive essa mentalidade de registrar tudo, tenho HDs cheios de fotos e vídeos. Acho que a memória é o que nos faz ser quem somos, e é preciso preservá-la com carinho.


Resenhando.com - Em "Triste! Triste… Triste?", o humor surge como contraponto à tragédia. Qual foi 
o momento mais divertido ou irônico que você descobriu dentro do luto do personagem?
Thalles Cabral - Acho que os momentos mais divertidos são os das lembranças da mãe. Ela nunca aparece em cena, mas está por toda parte, principalmente nessas histórias que o filho rememora num tom quase de talk show. Essa escolha foi linda, porque humaniza a ausência. Aquelas histórias são engraçadas, familiares, e o público se reconhece nelas. Nos ensaios, a gente explorou muito essas passagens, buscando uma forma de narrar leve e íntima, como quem conta algo da própria vida. E nesses momentos, eu realmente me diverti.


Resenhando.com - Você já lidou com grandes prêmios e reconhecimento no cinema. Como é lidar com a vulnerabilidade extrema do teatro íntimo, onde cada gesto e silêncio pesa para o público?Thalles Cabral - O teatro é uma das coisas que eu mais amo na vida e o lugar onde eu mais me sinto inteiro. Faço desde os sete anos, e ainda hoje é o espaço onde mais aprendo sobre mim. Talvez só andar de bicicleta tenha começado tão cedo e permanecido até hoje (risos). Existe algo de muito especial entre o ator e o público, algo que não se explica, só se vive. Essa vulnerabilidade é o que me fascina. É o risco, a troca, a sinergia com aquele público daquela noite, um pacto que nunca se repete. Ainda não inventaram nada melhor do que sair de um teatro mexido depois de uma peça boa. E tentar provocar isso nos outros é um privilégio raro.


Resenhando.com - Ao explorar a dor do filho, você se sentiu obrigado a buscar memórias próprias de perda, ou conseguiu criar tudo a partir da imaginação e empatia? 
Thalles Cabral - Sim. Eu vejo o espetáculo como uma grande alegoria do luto. O personagem atravessa todas as fases desse sentimento, ora de maneira realista, ora num registro mais lúdico. É quase um ensaio sobre o que significa perder. O luto é sempre uma quebra, uma interrupção, e pode aparecer de muitas formas na vida, não só na morte. Durante o processo, olhei pras minhas próprias experiências de perda e lembrei de como reagi diante delas. Acho que é sempre a partir da gente que o trabalho começa.


Resenhando.com - O solo é inspirado no livro de Gabriel Abreu, mas Nicolas Ahnert expandiu a 
narrativa. Qual foi a cena que mais te desafiou a reinventar sua própria atuação dentro dessa liberdade dramatúrgica?
Thalles Cabral - A cena em que as várias vozes da cabeça dele começam a discutir foi, sem dúvida, a mais desafiadora. Era preciso dar identidade a cada uma delas sem nenhum apoio visual, só com corpo e voz. Além disso, a cena tem um ritmo próprio, que vai crescendo até quase o caos. Demorei pra encontrar o tom dela, mas depois virou uma das minhas favoritas.


Resenhando.com - Thalles, você já disse que seu disco “Utopia” é uma narrativa própria, com clipes dirigidos por você. Existe alguma relação entre a construção desse universo musical e a construção do personagem em "Triste! Triste… Triste?"?
Thalles Cabral - "Utopia" é um álbum que fala sobre uma geração que vive pro amanhã, um amanhã distante, idealizado, quase inalcançável, e acaba esquecendo do agora. O personagem de Triste é o oposto. Ele não vive pro futuro, vive preso ao passado, sem perspectiva. É justamente olhando pra trás que ele consegue se mover pra frente. De algum modo, os dois se encontram nesse mesmo estado de suspensão: o que paralisa por excesso de futuro e o que paralisa por excesso de passado. Talvez ambos estejam tentando entender o agora, que é o lugar mais difícil de habitar.


Resenhando.com - A peça fala de uma geração anestesiada em busca de identidade. Você se identifica com essa “geração” ou vê o personagem como um espelho crítico do que poderia ter
sido você?
Thalles Cabral - 
Acho que o teatro e a arte no geral sempre me fizeram olhar pro mundo de outro jeito. Desde pequeno, sou curioso, atento, inquieto. O personagem de "Triste..." evita o enfrentamento, foge daquilo que realmente importa, e nisso a gente é bem diferente. Eu não fujo. Posso levar um tempo pra elaborar, pra entender como abordar certas coisas, mas enfrento logo. Não gosto de prolongar nada. E quanto à busca de identidade, eu entendo que é algo que vai nos acompanhar durante a vida toda, e isso não me angustia. Pelo contrário, gosto de me surpreender comigo mesmo e me sinto orgulhoso de quem estou me tornando.


Resenhando.com - Se pudesse escolher um momento do espetáculo para que o público lembrasse de 
você para sempre, qual seria?
Thalles Cabral - Não escolheria um momento, mas uma sensação. Triste oferece várias possibilidades de reflexão, e cada espectador leva a sua. Eu adoro quando vou ao teatro e saio com uma tarefa de casa, algo que me acompanha na volta, que me faz pensar sobre a minha vida. É isso que eu desejo pro público, que saiam pensando sobre as próprias relações, sobre como se comunicam com seus pais, filhos, amores. A palavra é o início e o fim de tudo.

 
Ficha técnica
Epetáculo "Triste! Triste… Triste?"
Texto e direção: Nicolas Ahnert. Elenco: Thalles Cabral. Cenário e figurino: Pazetto. Iluminação: Nicolas Caratori. Trilha sonora: Alê Martins. Direção de produção: Nicolas Ahnert. Produção: Laura Sciulli e Victor Edwards. Realização: ZERO TEATRO.

 
Serviço
Epetáculo "Triste! Triste… Triste?"
Temporada: outubro (sábados, às 20h00, e domingos, às 19h00). Novembro (sábados, às 20h00, domingos, às 19h00, e segundas, às 20h00)
Classificação: 14 anos
Duração: 70 minutos
Ingressos: R$80
Link para venda: linktr.ee/tristeespetaculo
Teatro Do Núcleo Experimental
R. Barra Funda, 637 - Barra Funda/São Paulo
Capacidade: 100 lugares.



sábado, 18 de outubro de 2025

.: Adelino Costa transforma memórias em teatro com "Não Tem Meu Nome"


Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com. Foto: arquivo pessoal do artista

Sozinho em cena, Adelino Costa faz de "Não Tem Meu Nome" um território em que memória, denúncia e pertencimento colidem. O monólogo escrito, dirigido e interpretado por ele segue em cartaz no Teatro Arthur Azevedo até 26 de outubro, com sessões às sextas,  sábados e domingos. A partir de lembranças da infância e adolescência em Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre, o ator constrói uma dramaturgia que mistura ficção e realidade para tratar do silenciamento das periferias e da falsa ideia de universalidade que apaga vozes dissidentes.

Nitidamente inspirado por obras de Jeferson Tenório, bell hooks, Conceição Evaristo e Itamar Vieira Júnior, o ator propõe uma encenação minimalista, mas intensa, em que corpo, voz e luz se tornam extensões da própria experiência. O resultado é um depoimento pessoal sobre identidade e resistência, que convida o público a refletir sobre o lugar social da arte e o poder de transformar dor em discurso. Em entrevista exclusiva para o portal Resenhando.com. Adelino Costa fala sobre o processo criativo, as referências literárias e o desafio de transformar a própria história em matéria cênica.

Resenhando.com - Você transforma suas memórias de infância em arte no palco. Até que ponto revisitar essas experiências foi libertador ou, pelo contrário, traumático?
Adelino Costa -
A proposta deste espetáculo é analisar como indivíduos de comunidades subalternizadas sacrificam características de sua identidade para se encaixar e sobreviver em um mundo repleto de padrões. Minha abordagem para explorar essa proposta foi o resgate das memórias da minha infância. Mergulhar nessas lembranças me ofereceu um reencontro pessoal crucial, que me permitiu entender melhor quem sou hoje e as relações com as pessoas ao meu redor. Neste aspecto, em particular, foi uma experiência libertadora.


Resenhando.com - O título "Não Tem Meu Nome" sugere invisibilidade. A sensação de ser “não nomeado” permeia sua vida pessoal ou apenas a narrativa da periferia que você retrata?
Adelino Costa - 
A dramaturgia possui múltiplas camadas, e tentei propor essa complexidade também em seu título. A narrativa proposta é indissociável de minha vida pessoal, especialmente das experiências que forjam minha identidade: homem cisgênero, pardo, periférico e heterossexual. O espetáculo aborda os silenciamentos e apagamentos sofridos por ser um homem pardo de origem periférica. Nesse contexto, utilizo meu nome incomum, neste tempo e espaço que vivo, para simbolizar o isolamento e a diferença. Essa singularidade provoca uma reflexão sobre a produção em série da sociedade capitalista, que impõe um padrão rígido a tudo que é produzido e, por extensão, a quem não se enquadra. Contudo, para tratar dessas questões e contextualizar as demais comunidades subalternizadas, foi essencial reconhecer os privilégios inerentes aos recortes de ser homem cisgênero e hétero em determinados contextos. Essa clareza sobre meu lugar de fala foi fundamental para universalizar as questões tratadas no espetáculo. Acredito que a obra propõe uma reflexão profunda sobre nossas relações – não apenas sociais, mas sobretudo humanas. É uma homenagem à diversidade e uma proposta de recontar a história, incluindo aqueles que foram apagados dos livros.


Resenhando.com - Sua obra questiona a “suposta universalidade” da experiência humana. Você acredita que o teatro brasileiro ainda trata a periferia como um adereço, e não como protagonista?
Adelino Costa - 
A minha proposta com esse espetáculo vai além dessa questão, acredito. Me interessa, nesse momento, falar sobre quem está na periferia: quais seus traumas herdados dos seus antepassados, quais personagens e histórias que foram apagadas ao longo dos tempos. É preciso resgatar essas narrativas e figuras para que possamos entender a nossa diversidade e que, embora tenha sido apagada dos livros, esta parte da história constitui nossa história real. A diretora Eliana Monteiro, em depoimento sobre o espetáculo, comenta que eu não estou vencendo a periferia, mas, sim, trazendo ela para a burguesia. Acredito que esta fala sintetiza perfeitamente a minha proposta com este espetáculo. Como fala Cida Bento em "O Pacto da Branquitude", precisamos não só falar da herança dos escravizados, mas também da dos escravocratas. Como ela mesma sugere, se tivéssemos real conhecimento da nossa história recente, quem deveria ter vergonha dos seus ancestrais seriam os brancos descendentes de escravocratas.


Resenhando.com - Ao fundir ator e personagem, você rompe com a separação tradicional entre interpretação e vivência. Isso é resistência estética ou necessidade íntima?
Adelino Costa - 
Por se tratar de uma bioficção, o depoimento pessoal é uma característica inevitável da obra. Essa junção de fatos e personagens reais com elementos ficcionais obviamente se refletiu na escolha estética do espetáculo. Ao utilizar elementos narrativos em cena, busco engajar o público na construção desta história. Para as reflexões e a formação de sentido iniciadas pela atuação, é fundamental evocar o repertório de mundo da plateia.


Resenhando.com - Em sua pesquisa, você dialoga com autores como bell hooks e Frantz Fanon. Como essas leituras moldaram a dramaturgia sem transformar o espetáculo em aula de sociologia?
Adelino Costa - 
Ao identificar que o tema central do espetáculo era identidade e pertencimento, o aprofundamento teórico tornou-se indispensável. As reflexões de Frantz Fanon em "Pele Negra, Máscaras Brancas" validaram o argumento de que a resolução das injustiças sociais globais passa, obrigatoriamente, pela solução da questão racial. Essa perspectiva, que utilizei para fundamentar a proposta da dramaturgia, ganhou clareza a partir de uma observação pessoal: conforme eu me distanciava da Cohab - meu local de origem –, a paleta de cores das pessoas ao meu redor mudava. Essa mudança me impulsionou a alterar minha própria identidade em busca de pertencimento a essa nova realidade. Foi a partir daí que investiguei como o racismo estrutural interfere na construção identitária ao longo da vida. De forma complementar, bell hooks, em "Pertencimento: uma Cultura do Lugar", oferece crônicas que refletem sobre seu distanciamento e retorno à cidade natal após viver anos em Nova Iorque. A autora aborda o racismo e o machismo no contexto pós-'apartheid' dos EUA, o que me permitiu traçar paralelos significativos com a realidade da pessoa periférica no Brasil atual. Essas leituras foram fundamentais para que eu conseguisse tratar de assuntos tão complexos com leveza e profundidade em cena.


Resenhando.com - Você fala de periferia entrando na burguesia. Até que ponto isso significa conquista simbólica e quando se transforma em concessão ao poder dominante?
Adelino Costa - 
A afirmação da Eliana, como mencionei, remete à necessidade de ocupar os espaços que são nossos também, incluindo os físicos. Refiro-me a teatros, universidades, Avenida Paulista e instituições como a Pinacoteca e o MASP, por exemplo. O "imperialismo cultural simbólico", conceito abordado por bell hooks, faz com que não nos sintamos legitimados a ocupar cargos e lugares públicos. A própria nomeação 'periferia' carrega um esforço para que fiquemos à margem, sem direito à mesa, pois, na visão da elite, alguém precisa estar na cozinha. 

Resenhando.com - Minimalismo, luz, objetos e trilha sonora constroem seu palco. A escolha estética é política ou estética? Ou ambas, inseparáveis?
Adelino Costa - 
Trata-se de uma questão de estética e, simultaneamente, política. A própria produção do espetáculo, realizada sem qualquer subsídio e dependendo de um investimento financeiro mínimo próprio, já é um reflexo desse posicionamento. O minimalismo em cena reforça a habilidade do indivíduo periférico de criar e sobreviver com poucos recursos.


Resenhando.com - Muitos dos seus colegas permanecem no anonimato mesmo com talento. O que você acha que impede que vozes periféricas se afirmem no teatro além de reconhecimentos individuais como o seu?
Adelino Costa - 
Esta reflexão é, inclusive, verbalizada no espetáculo. É essencial questionar: anonimato sob qual ponto de vista? Anonimato para o público dos Jardins, em São Paulo, ou da Zona Sul do Rio de Janeiro? Muitos artistas já possuem seu reconhecimento devido dentro de suas comunidades. A pergunta que lanço na peça e que reitero aqui é: se você pudesse ser o que quisesse, por que ter que deixar sua comunidade para realizar?


Resenhando.com - Se "Não Tem Meu Nome" pudesse ser encenado para além do palco tradicional - na rua, em favelas, em escolas -, que efeito você espera que tenha sobre a noção de pertencimento?
Adelino Costa - 
Eu prefiro inverter a questão: E se o público que você infere que eu só encontraria na rua, na favela e em escolas, fosse ao Teatro Arthur Azevedo (um equipamento público administrado pela Prefeitura de São Paulo) assistir a uma história que os representa, contada por um deles? Certamente, sairiam com a sensação de que aquele espaço nos pertence e de que não estamos sós.


Resenhando.com - Ao revisitar a periferia, você enfrenta o “saboteador” interno que Eliana Monteiro menciona. Essa batalha é mais pessoal ou coletiva, e até que ponto ela continua após o espetáculo terminar?
Adelino Costa - 
A partir das reflexões anteriores, fica clara a natureza social da obra. O silenciamento gradativo da nossa identidade e voz provoca reações individuais distintas em cada indivíduo. Foi necessário, após 23 anos de carreira, que eu escrevesse, dirigisse e atuasse neste espetáculo para resolver questões que me são inerentes. Contudo, a arte possui o poder do compartilhamento: o teatro é feito de pessoas para pessoas. Acredito que tenha conseguido transformar questões pessoais em universais. Assim, eu saio de cada sessão levando um pouco de cada um, e o público, um pouco de mim.


Serviço
Monólogo "Não Tem Meu Nome"
Até 26 de outubro, com sessões às sextas e sábados, às 20h00, e aos domingos, às 18h00
Teatro Arthur Azevedo - Av. Paes de Barros, 955 - Mooca/São Paulo

.: Entrevista com Aguinaldo Silva, de volta à TV Globo com "Três Graças"


Criador de clássicos como "Tieta" e "Senhora do Destino", Aguinaldo Silva está de volta com "Três Graças", nova aposta da TV Globo para o horário nobre. Foto: Globo/Edu Lopes


Dramaturgo e escritor, Aguinaldo Silva retorna à teledramaturgia da TV Globo seis anos após "O Sétimo Guardião" (2019) com a nova novela das nove, "Três Graças". Jornalista de formação e apaixonado por literatura, o autor consolidou uma das carreiras mais marcantes da televisão brasileira, com títulos que definiram épocas. Ao lado de nomes como Dias Gomes, Gilberto Braga, Leonor Bassères e Ricardo Linhares, assinou sucessos como "Roque Santeiro" (1985), "Vale Tudo" (1988), "Tieta" (1989), "Pedra Sobre Pedra" (1992), "Fera Ferida" (1993), "A Indomada" (1997), "Senhora do Destino" (2004), "Fina Estampa" (2011) e "Império" (2014) - essa última vencedora do Emmy Internacional de melhor novela.

Agora, em parceria com Virgílio Silva e Zé Dassilva, Aguinaldo apresenta uma trama contemporânea ambientada em São Paulo, que reflete o Brasil real por meio de três mulheres unidas por um mesmo destino: tornaram-se mães na adolescência e precisaram enfrentar sozinhas as desigualdades de uma sociedade que insiste em puni-las por existir. "Três Graças" mistura crítica social e folhetim clássico - marcas registradas do autor -, e promete revisitar a força feminina, a ironia e os dilemas morais que sempre fizeram parte das grandes histórias elaboradas por ele. Compre os livros de Aguinaldo Silva neste link.


Do que trata "Três Graças", a nova novela das nove? 
Aguinaldo Silva - "Três Graças" fala de três mulheres que foram mães muito cedo, aos 15 anos, que não tiveram o apoio dos pais das crianças e foram à luta, passaram por situações extremas. Elas levam uma vida muito parecida com a vida dos nossos espectadores. Ou seja, elas batalham, são otimistas, têm fé no futuro e se envolvem com histórias típicas de um folhetim. É uma ficção que tem o privilégio de poder se inspirar na realidade. Nossa protagonista, a Gerluce (Sophie Charlotte), é uma mulher inconformada com a injustiça, com as maldades que assolam sua comunidade e sua família, numa São Paulo que abriga milhões de brasileiras como ela. Ela repetiu o destino da mãe Lígia (Dira Paes): engravidou de Joélly (Alana Cabral) na adolescência. Mas, quando a gestação precoce da filha se confirma, ela vai fazer de tudo para impedir que Joélly renuncie a seus projetos e ambições, assim como ela e a mãe foram obrigadas a fazer. Ao mesmo tempo, ao se ver diante de corruptos que prejudicam uma multidão de doentes em benefício próprio e com a mãe entre a vida e a morte, Gerluce encara um dilema. Até onde ir quando se precisa batalhar pela sobrevivência?    


A novela vai trazer uma história contemporânea, que se passa na maior metrópole da América Latina, São Paulo. Que assuntos da atualidade são abordados na trama? 
Aguinaldo Silva - A novela se passa em dois ambientes: a comunidade fictícia Chacrinha, onde vivem os personagens mais carentes, e os bairros nobres de São Paulo, onde estão os responsáveis pelo crime dos remédios falsos. Esses mundos se cruzam porque Gerluce (Sophie Charlotte) trabalha na casa de Arminda (Grazi Massafera), uma das vilãs da história. Estamos criando uma novela com uma linguagem bastante popular e abrangente, que fala do dia a dia das pessoas, dos desafios que se encontram em uma grande metrópole, de quem sai às 5h da manhã e pega três ônibus para ir trabalhar. Ao mesmo tempo, a novela também fala sobre os dramas pessoais de cada um e de como é possível ser otimista e positivo diante das desigualdades e injustiças. É uma obra da atualidade, do ônibus, do metrô, do trem, mas não será uma novela naturalista: a ficção é a base para a nossa criação. Ainda assim, a trama propõe reflexões importantes a partir de temas hoje discutidos. Teremos, no núcleo das protagonistas, a questão da gravidez na adolescência; falaremos de corrupção e falsificação de remédios. Também vamos abordar aspectos da nossa sociedade. Tudo isso num contexto ficcional.  

 
A gravidez na adolescência é um tema de destaque na novela. Como surgiu a ideia de retratá-lo na obra? 
Aguinaldo Silva - Quando eu estava escrevendo "Duas Caras", por uma razão que tinha a ver com a trama da novela, fui fazer uma pesquisa na maternidade Leila Diniz, no Rio de Janeiro. Quando cheguei lá, logo cedo, tinha uma fila enorme de mulheres esperando para serem atendidas, e eu percebi que a maioria dessas mulheres eram meninas. Isso me chocou profundamente, porque eram adolescentes grávidas, de 15, 16 anos. Algumas ainda com jeito meio infantil. Um amigo que foi comigo na ocasião falou uma frase que me marcou: “Você está vendo algum homem aqui?”. Ou seja, eram mães solo, o que me tocou demais. Isso foi lá em 2007, mas eu fiquei com aquela ideia da fila de meninas grávidas à espera de atendimento da maternidade. Achei que um dia eu teria de escrever sobre elas, e foi, na verdade, desse meu compromisso que surgiram essas três Graças: três mulheres que foram mães muito precocemente, sem que houvesse nenhum homem na família que as apoiasse nesse processo.


A novela também trata de um esquema criminoso de falsificação de remédios. Você se baseou em algum episódio verídico para trazer esse assunto para a história? 
Aguinaldo Silva - Esse é mais um tema que parte da realidade para a ficção, muito embora a novela não seja um retrato fiel, porque a linguagem da dramaturgia é outra. Mas o noticiário fala de casos assim, de remédios falsificados, de apreensão, de ação policial contra fábricas clandestinas. É um assunto grave. Já houve casos no Brasil em que pessoas foram enganadas ao tomar medicamentos placebo, que não fazem efeito. Lembro do caso de mulheres que engravidaram por causa de pílulas anticoncepcionais feitas de farinha, isso em 1998, e ficaram anos buscando reparação. Nessa novela, a fábrica chama-se “casa de farinha”, porque os "medicamentos” são feitos dessa matéria-prima. A mensagem que queremos passar com essa trama é a confrontação que existe na sociedade brasileira entre as pessoas que trabalham e dão tudo de si, e pessoas muito egoístas que só visam o dinheiro e pouco se importam com quem está sendo prejudicado pelo mal que praticam.


De que forma a escultura das "Três Graças" aparece na história?
Aguinaldo Silva - A novela se chama "Três Graças" porque é o sobrenome das três protagonistas, mas também porque existe na casa da Arminda (Grazi Massafera) uma escultura neoclássica que se chama "Três Graças". Nós criamos um escultor chamado Giovanni Aranha, que é italiano, e que fez aquela obra especificamente. Arminda e Ferette (Murilo Benício) usam essa estátua de uma maneira bastante ilegal. Ela é mantida no quarto, na casa dela, e nunca é exposta. Ninguém sabe mais que essa estátua está com eles, é um mistério, porque ela guarda um segredo que vai ser revelado. Gerluce (Sophie Charlotte) será a primeira a desconfiar de seu verdadeiro valor.  


Suas novelas anteriores foram marcadas por grandes personagens, como as vilãs Perpétua, de "Tieta", Nazaré Tedesco, de "Senhora do Destino", e mulheres fortes, como Tieta, da novela homônima, e Maria do Carmo, também de "Senhora do Destino", além dos carismáticos Crô de "Fina Estampa" e o comendador Zé Alfredo, de "Império". Em que personagens está apostando em "Três Graças"? 
Aguinaldo Silva - Estamos apostando muito na protagonista, a Gerluce, que tem um caráter multifacetado e é sempre altamente positiva. Mas tem personagens muito interessantes, como a Josefa (Arlete Salles), a mãe da Arminda (Grazi Massafera). Ela sabe que a filha é uma bandida e faz o possível para infernizar a vida dela. Eu uso inclusive a suposta falta de memória, que ela realmente tem, para atrapalhar a vida da filha e castigá-la. Ela não é uma velhinha doce, ela é terrível. Tem a Arminda, que é uma daquelas minhas vilãs completamente ensandecidas, que são capazes de fazer as coisas mais absurdas e, ao mesmo tempo, parecer que são engraçadas, mas não são; são cruéis. Eu tenho toda uma linhagem de mulheres vilãs, além das heroínas, que causaram muito rumor. Foi o caso da Nazaré (Renata Sorrah em "Senhora do Destino"), que até hoje continua viva andando aí pelas ruas do Rio de Janeiro (risos).  

Como tem sido criar e escrever essa história ao lado do Virgílio Silva e do Zé Dassilva? 
Aguinaldo Silva - Tem sido muito legal, com a gente não tem tempo ruim. Começamos a trabalhar eu e o Virgílio, e então chamamos o Zé. Formamos o trio dos Silvas. É um trabalho que funciona como uma fábrica de montagem, somos três autores. Eu me acostumei a trabalhar em equipe no jornalismo. Na minha época, você tinha a obrigação de diariamente botar um jornal nas bancas, então todos trabalhavam para isso.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

.: Entrevista: Marcelo Viana e a poesia escondida nos números


Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Bel Pedrosa

Há algo de poético em ver um matemático virar texto de vestibular. Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e um dos maiores nomes da ciência brasileira, acordou um dia e descobriu que suas palavras estavam sendo “avaliadas” por milhares de jovens na UERJ (Unoiversidade do Estado do Rio de Janeiro). Justo ele, que há anos tenta mostrar que a matemática é mais humana do que parece - feita de dúvida, descoberta e espanto.

Autor de "Histórias da Matemática: da Contagem nos Dedos à Inteligência Artificial", publicado pela editora Tinta-da-China Brasil, Viana acaba de ser lido por um público que talvez ainda não saiba que também faz parte dessa história. Ele agora está de volta às livrarias com "A Descoberta dos Números", um livro ilustrado que transforma a curiosidade em caminho.

Nesta entrevista exclusiva para o portal Resenhando.com, Marcelo Viana fala sobre o medo que a escola criou da matemática, a beleza escondida nas equações, o papel da inteligência artificial e as surpresas de quem vive entre o caos e a ordem, tanto na teoria quanto na vida cotidiana. Leia a crítica do livro - Antes do “pix” e da fatura do cartão, havia uma ovelha e Marcelo Viana conta - neste link.

Resenhando.com - Seu livro "Histórias da Matemática" virou texto de vestibular e agora “examinou” milhares de estudantes. O que é mais assustador: estar diante de uma banca de especialistas ou ver seu próprio texto servir de filtro para futuros universitários?
Marcelo Viana - De repente me ver no lugar dos autores daqueles textos que estudei na escola. Por alguma razão, lembro particularmente de Érico Veríssimo... Foi um pouco assustador: lisonjeiro, claro, mas um pouco intimidador. Mas o mais assustador foi o pensamento: “Será que eu sei responder as perguntas sobre o meu texto?”.

Resenhando.com - O senhor transita entre a teoria do caos e a contagem nos dedos. No fundo, a matemática é mais sobre ordem ou sobre desordem?
Marcelo Viana - A matemática é sobre o universo, sobre tudo o que nos rodeia. Tanto a ordem quanto o caos estão incluídos. Como seres pensantes, nós precisamos estruturar as nossas percepções, organizar para compreender. Passei boa parte da minha vida como matemático identificando padrões, organizando o caos.


Resenhando.com - Muitos têm medo da matemática como se fosse um monstro inatingível. Na sua opinião, a escola mata mais sonhos matemáticos do que estimula?
Marcelo Viana - Eu acredito que o gosto pela matemática é inato a (praticamente) todos nós. Em seguida, as experiências dos primeiros anos moldam o modo como realmente nos relacionamos com a disciplina. Primeiro no seio da família, logo nos bancos escolares. É bem cedo, na primeira infância que o que vivenciamos determina se a matemática vai ser um pesadelo ou uma fonte de prazer.


Resenhando.com - O livro "A Descoberta dos Números", é ilustrado e acessível. Isso é uma estratégia de “popularizar” ou, secretamente, de mostrar que até os grandes teoremas cabem num traço de desenho?
Marcelo Viana - Esse livro nasceu sozinho: ele já existia, do jeito que ele é, bem antes de eu tomar consciência disso. Foi durante uma conversa com a editora, a Sofia Mariutti, que eu me apercebi: “Peraí, isso que vem passando pela minha cabeça constitui um pequeno livro sobre um tema fascinante”. Estou exagerando, claro. Durante a escrita eu conversei com colegas que me inspiraram a ir mais além, o próprio pessoal da Tinta-da- China Brasil contribuiu com várias ideias ótimas, e o belo traço do Rafael Sica transformou as ilustrações em algo diferente. Mas o conceito de um livrinho que conta a todo mundo o fascínio da aventura dos números, sem fugir nunca da verdade matemática, lançando mão de diferentes recursos para falar com diferentes pessoas ao mesmo tempo, esse a Musa trouxe prontinho da caverna de Platão.


Resenhando.com - Se o senhor pudesse escolher uma única equação para ser lida em voz alta todos os dias pelas pessoas, como um mantra, qual seria?
Marcelo Viana - “Muitas eras devem ter passado antes que alguém se apercebesse de que um par de dias é um casal de pássaros são, ambos, manifestações do número dois”, frase de Bertrand Russel. Pode não parecer uma fórmula como as pessoas entendem fórmulas, mas isso é intencional. Uma fórmula é apenas uma forma compacta (e muito útil) de expressar uma ideia. Infelizmente, muitas vezes ficamos com a fórmula e ignoramos a ideia. Mas a ideia é tudo. E nessa frase Russel descreve, melhor do que ninguém, uma das grandes façanhas do intelecto humano: a descoberta do número.


Resenhando.com - O senhor já ganhou prêmios importantes, como o Louis D. na França. Mas no Brasil, onde a ciência é sempre disputada com a precariedade, qual é o verdadeiro prêmio: o reconhecimento externo ou a resistência diária para manter a pesquisa viva?
Marcelo Viana - O apoio à ciência no Brasil hoje é precário e amplamente insuficiente. Quando eu era recém doutor e decidi ficar no país e me tornar pesquisador, ele era essencialmente inexistente. Então precisamos reconhecer os avanços e ir à luta por cada vez mais apoio e melhores condições para a pesquisa científica. Para mim, o prêmio maior é ajudar a construir o futuro, sobretudo a satisfação de formar jovens pesquisadores talentosos. A satisfação de ver seu orientando ter suas primeiras ideias originais não é muito diferente do que sentimos quando um filho bebê dá os primeiros passos.


Resenhando.com - O senhor acredita que os números são descobertos ou inventados? E o que essa resposta revela sobre como vemos a realidade?
Marcelo Viana - (Risos) Eu sou platônico, tal como a maioria dos matemáticos: acredito que as ideias matemáticas fazem parte do tecido da realidade e que a nossa tarefa é descobri-las. Euler observou que se contarmos o número de faces (F), de arestas (A) e de vértices (V) de qualquer poliedro, o valor de F-V+A é sempre 2. O que tem de inventado nisso? É uma lei do universo, tanto quanto a lei da gravitação de Newton ou as leis do eletromagnetismo de Maxwell.


Resenhando.com - A inteligência artificial, tema abordado em "Histórias da Matemática", já começa a resolver problemas que antes eram exclusivos de matemáticos. Há um risco real de a IA tornar o matemático obsoleto - ou a máquina ainda precisa aprender a errar com criatividade?
Marcelo Viana - Algumas décadas atrás acreditávamos que a máquina nunca poderia jogar xadrez melhor do que nós, porque ela seria ensinada por humanos e portanto não poderia nos ultrapassar. Então Deep Blue venceu o campeão do mundo, Gary Kasparov. E hoje em dia as máquinas nem precisam ser ensinadas por humanos para jogarem de um modo que nós nunca conseguiremos. Mas isso não tornou o xadrez obsoleto, nem diminuiu o prazer em jogá-lo. Eu acredito que não está longe o dia em que algoritmos resolverão problemas matemáticos e provarão teoremas importantes e, portanto, nos ajudarão a fazer avançar o conhecimento. Mas não acredito que isso torne o matemático humano obsoleto.


Resenhando.com - Como diretor do IMPA, o senhor lidera um espaço de elite da ciência brasileira. Mas se tivesse que ensinar matemática para uma turma de alunos do ensino médio de periferia, por onde começaria?
Marcelo Viana - Esse é um enorme desafio, provavelmente o maior na minha área de atuação. Acho que eu começaria tentando buscar um tema do interesse dos alunos e levar a turma a se debruçar sobre esse tema para entendê-lo e identificar um conceito matemático nele. Não sei qual tema, mas acho que teria que ter a forma de um desafio, com um resultado concreto em vista. Provavelmente eu falharia na primeira tentativa rsrsrs Mas sei muito bem o que eu não faria: “Hoje vamos estudar a fórmula de Baskhara”


Resenhando.com - O senhor vive imerso em sistemas dinâmicos e caos. Mas, no plano pessoal, o que mais bagunça sua própria rotina: números, política científica ou o inesperado da vida cotidiana?
Marcelo Viana - Eu sou bastante organizado, o meu instinto é planejar as coisas tanto quanto possível. Mas do jeito como as coisas funcionam no Brasil isso não é nada fácil. Os meus colegas do exterior se surpreendem que a minha agenda para daqui 1 ano parece totalmente livre, quando a deles já está bem lotada. Eles nem imaginam como a minha agenda para mês que vem está, menos ainda as mudanças que estão acontecendo neste exato momento na agenda da semana que vem (risos).

terça-feira, 7 de outubro de 2025

.: Lúcia Nascimento mergulha no luto e na linguagem em “Aqui, Ontem”


Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.comFoto: Tais Oliveira 

Premiada com o livro de contos "Ruínas",  a escritora Lúcia Nascimento estreia no romance com "Aqui, Ontem", publicado pela editora 7Letras, uma narrativa que se move entre a dor e a delicadeza, entre o vazio e a tentativa de preenchê-lo pela palavra. Descrito pelo poeta Wilson Alves-Bezerra como um “romance-pergunta”, o livro acompanha Alice, uma mulher que enfrenta o luto pela morte da mãe adotiva e, em meio a memórias, tenta reconstruir a própria história e a si mesma pela escrita.

Nesta entrevista exclusiva para o portal Resenhhando.com, a autora fala sobre a escrita como gesto de sobrevivência, o risco de transformar dor em estética, a influência da pesquisa acadêmica sobre a ficção e a tênue fronteira entre o abandono e o amor. Com sensibilidade e lucidez, ela reflete sobre o que resta de nós quando o outro parte, e sobre o poder da ficção em adiar, ainda que por instantes, o fim das coisas. Compre o livro  "Aqui, Ontem", de Lúcia Nascimento, neste link.

Resenhando.com - Seu romance é descrito como um “romance-pergunta”. O que mais lhe interessa: tentar respondê-las ou deixar o leitor preso à vertigem de nunca ter respostas?
Lúcia Nascimento -
Quando formulamos respostas, o final está dado. Não há mais para onde ir. Quando pensamos em perguntas, quando tudo está em aberto, contemplamos possibilidades. E é isso o que me interessa: esse é meu modo de entender o mundo, de criar esteticamente, de escrever literatura. No romance “Aqui, Ontem”, que está sendo lançado pela Editora 7Letras, tento trazer os leitores e leitoras para dentro da experiência da protagonista: ela vive o luto pela perda da mãe adotiva, está imersa nas repetições que um momento como esse causa, e é nesse cenário que ela se questiona sobre tudo que nunca chegará a saber sobre a própria vida. Meu desejo é que, mesmo quem nunca viveu uma perda dessa magnitude, consiga se conectar com o que é vivenciado, experimentado e sentido pela protagonista. A ficção, assim, não deixa de ser uma tentativa de resposta, uma tentativa de preencher os vazios que ela no fundo sabe serem impossíveis de preencher.


Resenhando.com - Alice, sua protagonista, mergulha no luto e na escrita ao mesmo tempo. Para você, escrever é um modo de sobreviver ou um jeito sofisticado de se afogar com mais consciência?
Lúcia Nascimento - Eu costumo brincar que minha versão escrita é a minha melhor versão. Sempre gostei de escrever, e desde pequena arrisquei a criação de ficções. E, sem dúvida, escrever é o meu modo preferido de refletir e de interagir com o mundo. Mas, quando me proponho a escrever um romance, a escrita como sobrevivência, aquela que faço em diários e anotações pela casa, perde espaço para um processo muito mais rigoroso de criação. Talvez minha escrita venha não de um modo sofisticado de me afogar com mais consciência, mas de pegar quem lê pela mão, com o convite para nos afogarmos juntos, porque, ao tocarmos o chão, teremos mais forças para dar um impulso e voltar à superfície. Já Alice, a protagonista de “Aqui, Ontem”, escreve como uma tentativa de ficcionalizar os vazios sobre a própria história, como tentativa de preencher com histórias aquilo que nunca vai saber. 


Resenhando.com - O luto costuma ser tratado como silêncio. No seu livro, ele se transforma em linguagem. Há um risco de transformar dor em estética?
Lúcia Nascimento - Nossa sociedade tende a silenciar processos que deveriam ser vividos coletivamente e em público. Se nos calamos sobre o que sentimos e vivemos, nos fragilizamos: é o oposto do que tendemos a imaginar, já que chorar escondido nos vulnerabiliza muito mais do que contar nossas histórias e receber o apoio de outras pessoas. Quando minha mãe morreu, percebi o quão importante era dialogar com pessoas que já tinham passado pela mesma situação, porque os sentimentos experimentados são muito semelhantes, tantas vezes. A escrita do romance “Aqui, Ontem” começou bem antes da morte da minha mãe, antes de eu descobrir que ela estava doente, mas essa experiência mudou radicalmente a escrita: a sensação é de que só depois dessa vivência eu consegui encontrar uma forma que não fosse artificial para narrar o luto da minha protagonista. Então o luto real me ajudou a encontrar a forma do livro. Mas, se a escrita do luto for apenas uma tentativa de elaborar a dor, e não uma experimentação que passa pela estética da obra, há um risco grande de a escrita se tornar frágil. 


Resenhando.com - Em "Aqui, Ontem", Alice procura a mãe biológica. Se você tivesse acesso a uma única história não contada da sua própria família, qual seria a pergunta que faria?
Lúcia Nascimento - Eu nunca me contentaria com uma única história (risos). E talvez venha daí boa parte do meu desejo pela escrita: minha família nunca foi de contar muitas histórias, e várias delas eu realmente nunca vou chegar a conhecer.


Resenhando.com - Na sua concepção, há também um “romance-ferida”, além do "romance-pergunta"? Qual é a cicatriz que você preferiu deixar exposta?
Lúcia Nascimento - Para responder a essa pergunta preciso primeiro avisar que ela virá com um spoiler. Porque, ao final da narrativa, a Alice vai concluir que ela precisava escrever aquilo que escreve para imobilizar a mãe, já morta, em suas palavras. Se o luto a impede de seguir em frente, de recuperar o movimento e a voz, é a escrita o que devolverá a ela o movimento. Que, no entanto, só é possível porque a escrita é também parte do processamento do luto, e o luto não deixa de ser o processo de enterrar de verdade aqueles que já se foram. Então, nesse sentido, acredito que a escrita da Alice, ao longo da narrativa, poderia se aproximar do que você chama de “romance-ferida”.


Resenhando.com - A personagem se chama Alice. É inevitável lembrar de Lewis Carroll. Sua Alice caiu na toca do coelho da vida adulta. O que há de mais assustador nesse “país das maravilhas” que é envelhecer?
Lúcia Nascimento - Minha Alice e a Alice do Lewis Carroll se aproximam porque as duas, de certo modo, questionam tudo o que viveram até o momento em que “caem na toca do coelho”. No texto clássico, a Alice questiona suas vivências anteriores ao ser confrontada com o absurdo de suas aventuras. A Alice de “Aqui, Ontem” questiona quem ela mesma era, antes das perdas, e quem ela pode ser, depois de tudo. Não se trata de pensar o envelhecimento, mas de refletir sobre os momentos em que a vida se transforma radicalmente, e apenas seguir em frente não faz mais sentido.


Resenhando.com - O romance é atravessado por memórias que morrem junto com quem se vai. Você acredita que escrever é também uma forma de ressuscitar quem não volta?
Lúcia Nascimento - A escrita ficcional pode ser uma ferramenta para adiar o final, porque ela possibilita a criação de novas cenas para histórias que não existem mais ou que nunca chegaram a existir. Em “Aqui, Ontem”, a escrita da Alice pretende recuperar histórias da mãe que ela não conhece, e gosto de imaginar algumas dessas cenas como aquelas que aparecem após os créditos de um filme. Minha fixação pelas histórias que morrem junto com cada pessoa é um desejo de ficcionalização, uma ode à nossa possibilidade de reimaginar a vida.


Resenhando.com - Sua formação em teoria literária parece dialogar com cada frase do livro. Não há perigo de a pesquisadora sabotar a romancista?
Lúcia Nascimento - O risco sempre existe. Na minha experiência, o processo de pesquisa foi fundamental para a escrita do romance. No meu mestrado, estudei a obra da Elvira Vigna. A obra dela é complexa, e adentrar aquela escrita me fez entender os meandros da construção de um romance, as possibilidades de tratar o tempo e o espaço de modos pouco convencionais, de criar personagens que não vão viver grandes aventuras, mas lidar com a angústia do dia a dia. Não tenho dúvidas de que, sem a experiência como pesquisadora, meu romance teria camadas a menos. E, para mim, essas camadas de construção e interpretação são o que mais gosto naquilo que leio e escrevo.  


Resenhando.com - No livro, Alice encara a traição. Para você, a infidelidade amorosa dói mais do que a morte - ou é apenas outra forma de desaparecimento?
Lúcia Nascimento - Alice é casada com Pedro e, pouco antes da morte da mãe adotiva, ela descobre que havia sido traída pelo marido. Com medo do vazio, e sem forças para mais uma despedida, ela se mantém nessa relação que, aos poucos, vai se reconstruindo. Mas eu e a protagonista de “Aqui, Ontem” somos bastante diferentes nesse sentido: ela escolhe ficar por medo de mais mudanças, por estar esgotada e não se imaginar vivendo mais um abandono. Para ela, a infidelidade do marido se associa ao abandono, que ela viveu com a mãe biológica e também, de algum modo, com a morte da mãe adotiva.


Resenhando.com - Seu primeiro livro se chamou "Ruínas". Agora você lança "Aqui, Ontem". Há em seus títulos uma fixação no que já se perdeu. Quando virá o livro sobre o que ainda resta em pé?
Lúcia Nascimento - Apesar de abordarem temas bem diferentes, os dois livros têm uma ligação bastante especial, aquilo que une praticamente tudo o que escrevo: em ambos, a ficção se apresenta como possibilidade de reconstruir tudo de novos jeitos. Em “Ruínas”, meu livro de contos que foi vencedor do Prêmio Ufes de Literatura, falo de laços familiares e vidas interrompidas, a partir de situações de violência. Já no romance “Aqui, Ontem”, as perdas estão associados ao luto e ao abandono. Se tudo está em ruínas ou se estamos nos afogando em meio ao luto, é a ficção que talvez guarde em si alguma esperança.

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

.: Entrevista com Marco Ribeiro: a voz por trás do "Homem de Ferro" fala


Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com. Na imagem, Marco Ribeiro com um dos personagens mais incônicos que emprestou a voz: o Woody de "Toy Story". Foto: divulgação

Ele é a voz por trás de alguns dos personagens mais amados - e lembrados - do cinema mundial. Marco Ribeiro não apenas fala por Woody, de "Toy Story", Tony Stark, o "Homem de Ferro" da Marvel, ou pelos atores Jim Carrey e Tom Hanks: ele dá alma brasileira a esses ícones globais. Em 38 anos de carreira, o dublador, ator e diretor de dublagem ajudou a construir o que hoje se reconhece como a “escola brasileira de dublagem” - sensível, criativa e tecnicamente impecável.

Entre as cabines de som e os grandes estúdios, Marco transita com naturalidade entre fé, arte e técnica. Nesta entrevista exclusiva ao portal Resenhando.com, ele revisita personagens lendários, comenta o fim da liberdade criativa nos estúdios, reflete sobre inclusão e revela qual “virada de trama” ainda espera para a própria vida. Do humor anárquico de "O Máskara" à emoção existencial de "Toy Story", Marco Ribeiro fala com a serenidade de quem entende que dublar é, no fundo, traduzir almas - e que a voz certa pode atravessar gerações.

Resenhando.com - Você dá voz a heróis que enfrentam vilões intergalácticos, detetives excêntricos, brinquedos com crises existenciais e até insetos revolucionários. Qual desses personagens exigiu a dublagem mais difícil de sustentar?
Marco Ribeiro -
Creio que tenha sido o Woody, pela sutileza da interpretação do Tom Hanks. São várias nuances em uma mesma frase e buscamos ficar bem em cima da obra original.


Resenhando.com - Já que estamos falando de vozes: existe algum personagem que gostaria que tivesse chegado até você e ainda não aconteceu?
Marco Ribeiro - 
O Batman e o Superman, assim como o Homem de Ferro, fizeram muito parte da minha infância pelos filmes e quadrinhos. Gostaria de ter dublado um desses heróis com capa, mas, na verdade, eles já estão em boas mãos com dubladores maravilhosos.


Resenhando.com - Em Yu Yu Hakusho, seu Yusuke virou lenda urbana com frases como “pára o bonde que Isabel caiu”. Existe improviso assim hoje em grandes franquias ou a dublagem atual virou refém do “politicamente correto”?
Marco Ribeiro - 
Hoje, por várias questões, não temos mais tanta liberdade como tínhamos. O caso de Yu Yu Hakusho foi especial: uma união de ótimos dubladores, criativos, com liberdade de criação por parte do diretor, que era eu (risos), e também dos clientes.

Resenhando.com - Você é dublador do Robert Downey Jr. há quase três décadas. Já teve a impressão de que, no imaginário do público brasileiro, a sua voz é a voz original do ator?
Marco Ribeiro - 
Sim. Já dublei o Robert Downey Jr. em vários filmes e personagens diferentes - psicopata, bonzinho, infantil, dramático. Colocamos a voz e a interpretação onde o personagem exige. Nas minhas redes sociais, vejo muita gente dizendo que não consegue mais ver o ator com outra voz. Alguns até afirmam que a voz brasileira é melhor que a original. Paixões à parte, acredito que criei uma identidade brasileira para o ator, e é isso que a boa dublagem deve fazer. Foi assim que ela se tornou respeitada, elogiada e admirada no mundo todo.

Resenhando.com - Se você pudesse reunir no mesmo estúdio todos os personagens que já dublou… quem brigaria com quem, e quem sairia de alma lavada?
Marco Ribeiro - (
Risos) Creio que seria uma convivência pacífica. Até os mais agitados ficariam calmos participando da magia do estúdio e da dublagem. Seria um clima de harmonia.

Resenhando.com - O Brasil é um dos países mais respeitados do mundo quando o assunto é dublagem. Mas ainda há quem torça o nariz para o “filme dublado”. Que resposta você faria para esse público?
Marco Ribeiro - 
Hoje falamos muito de inclusão, mas não pensamos nos 11 milhões de analfabetos que temos no Brasil e nos quase sete milhões de cegos ou pessoas com deficiência visual. A dublagem é, sobretudo, inclusiva. Ela proporciona a essas pessoas, muitas vezes excluídas do entretenimento, a chance de sonhar, se divertir e se emocionar com histórias, vozes e aventuras. O que precisamos é exigir sempre uma boa dublagem. Se ela for ruim, feita por pessoas sem qualificação e sem qualidade artística, devemos reclamar — como fazemos com qualquer produto malfeito.


Resenhando.com - Você já dublou personagens que morrem, ressuscitam, trocam de universo ou de consciência. Se a vida fosse roteirizada como os filmes que você dubla, qual virada de trama você ainda espera para o seu próprio enredo?
Marco Ribeiro - Espero poder viver em paz e contribuir para o bem do mundo e das pessoas ao meu redor, levando uma mensagem de esperança, amor e fé, através de Jesus.

Resenhando.com - Você é a voz de Robert Downey Jr., Tom Hanks e Jim Carrey. Qual a sua opinião pessoal sobre esses artistas? Já chegou a conhecê-los pessoalmente?
Marco Ribeiro - 
Infelizmente ainda não os conheci pessoalmente, mas são atores fantásticos, para os quais tenho o prazer de emprestar minha voz. Espero que tenham longa vida e muito trabalho, e que eu também possa estar por aqui para dar vida, em português, a tantos personagens incríveis que eles venham a interpretar. Sempre reforçando a hashtag criada por mim em 2017: #PrestigieABoaDublagem, para valorizar e preservar essa linda arte.


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.: Entrevista com Bea, defensora do pagode no "Estrela da Casa"


Natural de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, cantora defendeu o pagode ao longo da temporada e agora planeja se dedicar a um projeto audiovisual. Foto: Globo/Fábio Rocha


Bea deixou a disputa do talent show "Estrela da Casa" no último dia 30, já mirando na carreira de sucesso que pretende trilhar. Com 27 anos, a cantora natural de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, defendeu o pagode ao longo da temporada e agora planeja se dedicar a um projeto audiovisual. Com a certeza de que foi fiel à sua verdade do início ao fim, Bea afirma que não mudaria nada em sua participação no reality. “Tudo que as pessoas viram na TV é exatamente o que eu sou no dia a dia.  Eu sou isso na vida e não pretendo mudar”, ressalta. 


O que foi mais especial na sua participação no "Estrela da Casa"?
Bea -
Todo o aprendizado que eu pude absorver. Todas as oficinas, desafios de composição, as provas, tudo tinha um aprendizado muito genuíno. O que eu mais consegui desenvolver através desse aprendizado foi o meu lado de composição. Eu sempre compus, mas sempre tive uma limitação para compor. Sempre precisava de algum acontecimento para me inspirar. Hoje eu consigo compor aqui, sentada, só pegando um papel e uma caneta e começando a inventar. Isso é graças ao "Estrela da Casa". 
 

Qual foi sua dinâmica preferida? 
Bea - Eu acho que o "Desafio Musical" com o tema "Vilão de Novela", em que a gente teve que fazer uma música para o personagem Marco Aurélio, da novela "Vale Tudo". Foi literalmente um desafio, mas foi muito legal de fazer, porque eu usei todo o meu lado engraçado para compor a música junto com as outras pessoas. E foi interessante como saiu uma música muito boa, que super poderia ser usada na trilha da novela. 

 
De qual apresentação sua você mais gostou? 
Bea - Quando cantei “A Loba”, da Alcione. Foi a melhor de todas. Eu amo todas as minhas apresentações, mas eu nunca me entreguei 100% como eu me entreguei nessa apresentação, em toda a minha vida. 
 

Quais aprendizados você levou do "Estrela da Casa" para sua carreira? 
Bea - Bom, primeiro que a gente precisa organizar a carreira antes de subir no palco. Isso em todo o quesito: jurídico, comunicativo, visual, olhar para toda a gestão de carreira em si. A gente precisa ter uma estrutura para atender contratantes e donos de casas de shows. Não dá para ir faltando nada. Posicionamento no palco. Entender para onde olhar. Como se comunicar com o público. Como trazer o público para você. Aprender como ensinar o público a sua música nova, isso eu aprendi com a Daniela Mercury quando ela nos visitou no Centro de Treinamento. É preciso pensar no que fazer no pós-show. Por mais que se tenha uma equipe que responda para você, o artista tem que entender tudo o que está acontecendo. Não dá para eu entregar todas as suas demandas na mão de alguém sem saber o que esse alguém vai fazer. Então, essas coisas foram aprendizados muito importantes e que eu vou levar para a vida. Porque eu quero ter vários e vários anos de carreira. 
 

O que faria diferente, se tivesse a chance? 
Bea - Acho que eu não faria nada diferente. Eu seria exatamente o que eu fui, porque meu melhor amigo falou para mim que eu nunca fui tão fiel a mim como nesse programa. Nunca fui eu de maneira tão íntegra. E tudo que as pessoas viram na TV é exatamente o que eu sou no dia a dia. Com os meus pais, com os meus irmãos, com os meus amigos, com os meus fãs, com os meus funcionários, meus sócios. Eu sou isso na vida e não pretendo mudar. Mesmo que algumas pessoas não concordem com algumas coisas, sempre vai ter alguém que não vai concordar. Nem Jesus agradou todo mundo, então eu também não tenho como agradar. Mas me alegra saber que estou sendo eu. 
 

Quem tem mais chances de sair vencedor ou vencedora? E para quem fica sua torcida?   
Bea - Eu acho que quem tem mais chance é o Hanii, porque ele é um artista completo. Ele tem vocal, tem performance, ele lida bem com a câmera, é um artista confiante. Ele pode estar passando a barreira que for, mas se ele precisa entregar alguma coisa, ele se concentra e entrega. Ele é dedicado, ensaia igual louco, se cobra, pede opinião... é uma pessoa empática. É uma pessoa que trata muito bem os fãs. Ele merece muito porque ele é de fato uma estrela. E a minha torcida é toda para ele. Eu vou votar muito, dar a minha vida para esse menino ganhar esse programa. 

Quais são os próximos passos da sua carreira?
Primeiro eu quero entender como ficaram as coisas aqui fora. Eu tenho um projeto de pagode lá em Campinas, em São Paulo, e eu tive que deixar esse projeto com alguns amigos cantando no meu lugar, fazendo o projeto no meu lugar, que rola todo sábado. E agora eu quero entender como é que ficou isso, se a casa vai comportar o meu público novo, se esse projeto vai continuar. Mas a minha grande meta, a médio prazo, é o meu audiovisual, o meu DVD. Já estou com várias ideias. Algumas coisas já passei para o bloco de notas do celular. Quero pôr em prática para, no máximo, já ter gravado até abril do ano que vem. 

domingo, 5 de outubro de 2025

.: Kikito na mochila e boletos na bolsa: Isabel Guéron fala sobre as entressafras



Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.comFoto: Manuel Águas

Atriz e escritora, Isabel Guéron volta aos palcos com o monólogo "Entressafra", uma comédia de sutilezas e dores, construída a partir do livro homônimo escrito por ela. No palco do Teatro Glaucio Gill, em Copacabana, ao longo das quatro quartas-feiras de outubro, 8, 15, 22 e 29, sempre às 20h00, ela transforma o que há de mais comum - boletos, maternidade, reuniões de pais, ônibus lotados e silêncios - em arte.

Com humor e delicadeza, Isabel expõe a rotina sem filtro de uma mulher-atriz de mais de 40 anos, desafiando o estereótipo do glamur e colocando o público diante do avesso do ofício. A conversa a seguir, exclusiva para o portal Resenhando.com, revela bastidores da peça, o equilíbrio entre a artista e a mãe, a parceria familiar em cena e as cicatrizes das “entressafras” da vida. Um diálogo sobre arte, sobrevivência e o riso como forma de resistência.

Resenhando.com - "Entressafra" mostra a vida sem filtro de uma atriz com mais de 40 anos. Qual foi a situação mais “glamurosa” da sua vida que, por dentro, era puro caos e boleto atrasado?
Isabel Guéron -
Quando ganhei em Gramado, foi uma surpresa. Eu não ia ao festival, estava há duas semanas de uma estreia no teatro, Depois da Chuva, que eu fiz com direção do Thierry Tremouroux, com ensaios a todo vapor. Mas a produção do filme me convenceu a ficar só dois dias, eu pedi dispensa dos ensaios e fui. Cheguei no dia da exibição do "Buffo Spallanzani", o filme que eu fiz, e no dia seguinte já era a premiação! Eu não tinha visto os filmes concorrentes, estava totalmente sem expectativa. Aí, de repente, meu nome foi anunciado! Tomei um susto! No caminho da minha cadeira até o palco eu só pensava que não tinha preparado nada pra dizer. Quem me entregou o prêmio foi o Othon Bastos! Foi uma emoção sem fim, noite de gala, fotos, festa de cinema. No dia seguinte voltei correndo pro Rio. Fui do aeroporto pro ensaio com o Kikito na mochila (risos). Aí fiz a graça de no meio do ensaio tirar um Kikito da mochila, assim como quem não quer nada; foi uma alegria!


Resenhando.com - No palco você ri de si mesma e do ordinário. Mas e quando o cotidiano não tem graça nenhuma? Como você segura a atriz que mora dentro de você para não transformar tudo em espetáculo?
Isabel Guéron - 
Eu rio de mim mesma no palco e fora do palco. A peça fala sobre isso também: a graça das coisas que aparentemente são banais, a beleza por trás dos acontecimentos banais. E ser atriz, assim como escrever, me joga muito nesse lugar, de observadora. Uma vez, quando trabalhamos juntos, o Tony Ramos me disse que aceitou fazer o personagem quando leu uma cena singela, onde o detetive (personagem em questão) guardava um bolinho num envelope e punha na gaveta, pra lanchar depois. Ele enxergou a profundidade do personagem aí, nesse momento singelo e sem importância. Achei isso tão bonito, tão particular. A vida é assim: se revela nos detalhes. Eu vou vivendo e sendo atriz, é tudo junto. Às vezes é mesmo um espetáculo, mas na maioria do tempo a gente tá ensaiando. 


Resenhando.com - Você já ganhou um Kikito em Gramado, mas também já contou que enfrentou períodos de vazio profissional. Qual dos dois momentos foi mais difícil de encarar: o auge ou a ausência?
Isabel Guéron - 
O elogio e a crítica não podem ser levados muito a sério. É claro que o reconhecimento é uma alegria, e a entressafra pode ser muito dura. Mas eu não tenho outra opção senão continuar.


Resenhando.com - No espetáculo, a reunião de pais aparece como cena. Na vida real, já aconteceu de uma mãe ou pai te reconhecer ali como “a atriz da novela” e você ter que responder ao boletim escolar com a mesma seriedade de uma protagonista de Nelson Rodrigues?
Isabel Guéron - 
(Risos) Não, nunca aconteceu. Imagina uma personagem rodrigueana numa reunião de pais! Eu sou uma mãe mais leve... (risos).


Resenhando.com - A peça fala do ordinário, mas sua trajetória cruza com gente como Walter Lima Jr. e Maria Ribeiro. O que essas pessoas já disseram de você que não caberia num release, mas que ficou gravado na sua memória?
Isabel Guéron - 
Tenho a felicidade de ter amigos muito especiais e eles me dizem o tempo todo coisas importantes. Maria é minha parceira, amiga que eu amo, ficamos grávidas juntas as duas vezes, criamos um podcast juntas, o Isso não é Noronha foi um barato. Estamos amadurecendo juntas e temos uma relação familiar. O Walter é amigo que admiro muito, tenho profundo afeto. Já fui dirigido por ele algumas vezes e sempre tenho algo a aprender. Certa vez ele viu uma peça minha e me chamou pra um café e me disse Bel, você precisa, sua rapidez de raciocínio, sair do texto se for preciso. Ele estava reclamando do meu jeito CDF, de não querer errar e com isso me enrijecer. Tem anos isso, e eu nunca mais abri mão desse conselho. Ontem mesmo nos encontramos no caixa do mercado. Somos vizinhos!


Resenhando.com - A autoficção pode apresentar um reflexo perigoso: o que você descobriu sobre a Isabel Guerón que preferia não ter revelado ao público - mas que o palco a obrigou a escancarar?
Isabel Guéron - 
Descobri muito sobre mim escrevendo o texto. Na hora de adaptar e ensaiar eu atravessei muitos momentos. Chorei sozinha no ensaio algumas vezes e no processo de criação apresentei um esboço da peça em alguns lugares. Escola noturna, universidade, grupo de alunos de teatro. Foi importante entender o que gerava identificação nas pessoas mais diversas, escolher o que era extrapolação do âmbito pessoal. Eu não queria que fosse uma peça sobre mim, e acho que não é. Sou uma desculpa, um pretexto pra falar o que queria dizer.


Resenhando.com - Seu marido está na trilha sonora, seu filho opera o som. Família no teatro é mais companhia ou mais exposição? Alguma vez você já quis “desescalá-los” do processo criativo?
Isabel Guéron - 
Meu marido está na trilha sonora porque ele é um músico genial, sou muito fã do trabalho dele, e eu tenho essa sorte de ser casada com meu trilheiro oficial. Já trabalhar com o Joaquim é uma experiência nova. Quando a gente vê os filhos cresceram, né? E o Joca além de escrever suas músicas, está estudando teatro. Então, achei que seria uma oportunidade interessante para ele, estar dentro da equipe, encarar uma temporada. E ele estava doido pra trabalhar! Foi lindo de ver a dedicação e seriedade dele. Além da sensibilidade e companhia deliciosa! Eles sempre estiveram próximos. Quando eu fazia turnê com eles pequenos, de vez em quando, levava um filho comigo. Eu gosto dessa onda família de circo. E gosto também de viajar sozinha, de sair de casa, de ficar fora um tempo.


Resenhando.com - 
Você vive a entressafra como estado natural da existência. Mas, sinceramente: qual foi a entressafra mais dolorida, aquela que fez você cogitar largar tudo?
Isabel Guéron - 
Depois do meu primeiro filho fiquei assustada. Eu fiquei um ano e meio cuidando dele e depois foi difícil voltar. Porque não é só voltar a trabalhar, é se reencontrar depois da maternidade e ter estrutura pra deixar a criança. Aí fui fazer aulas, oficinas e fui voltando. Outro momento difícil foi a pandemia. Foi pânico total. Eu e Rodrigo somos artistas, ele trabalha com Carnaval, tudo parado. Nós, profissionais da cultura, fomos os primeiros a parar e os últimos a voltar. Eu montei estúdio caseiro e gravei um audiolivro atrás do outro pra fazer algum dinheiro, Rodrigo fazia show e aula on-line, as crianças tendo aula em casa, aquele cenário desolador no país com Bolsonaro, foi um momento que eu pensei: Acabou! Não vamos mais conseguir viver disso que a gente sabe fazer. Mas passou porque tudo passa. A gente ainda se sente meio reconstruindo, mas acho que isso é inerente.


Resenhando.com - A desigualdade social atravessa sua narrativa, do ônibus ao palco. Como atriz e cidadã, você sente que a arte que faz consegue tocar essa ferida ou, no fundo, ainda se fala para uma bolha privilegiada?
Isabel Guéron - 
Eu sou uma mulher ligada em política de modo geral. Meus pais eram professores universitários, de esquerda. Meus três irmãos trabalham com educação. Na minha casa sempre se discutiu política na mesa de jantar, todo mundo sempre tinha uma opinião sobre as coisas. É da minha natureza que as questões sociais atravessem minha vida e consequentemente meu trabalho. Mas eu tenho consciência da bolha em que vivo, e, por isso, meu esforço na dramaturgia da peça foi escapar da bolha. Talvez não escapar, porque é difícil. Mas o que reverbera aqui na minha bolha é que também pode reverberar em outros lugares? Ainda não sai do Rio com a peça. Mas o que eu mais gosto é de viajar com teatro e chegar em lugares diferentes. Jamais vou esquecer quando fui fazer uma peça com Silvio Guindane e Ângelo Paes Leme em Juazeiro, no Ceará, e a fila do teatro dava a volta na Praça. É lindo demais quando a gente consegue isso!


Resenhando.com - Se "Entressafra" fosse adaptado para a televisão - essa máquina de glamour e ilusão -, qual cena você faria questão de manter crua, sem maquiagem, para que ninguém dissesse depois: “a vida real não é assim”?
Isabel Guéron - 
Eu quero adaptar para TV! Já estou até pensando nas parcerias. Adoro a cena em que eu vou registrar minha casa no cartório. Foi uma situação tão inusitada, beirando o absurdo, que não poderia deixar de fora. Agora quem quiser ver a cena tem que ir assistir a peça no Teatro Glaucio Gill, dias 8, 15, 22 e 29 de outubro, quartas-feira. Em curtíssima temporada!

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