Ao contrário do que se fala por aí, as pessoas não aprendem pela dor. A teoria da pedagoga Maya Eigenmann, autora dos livros "Pais Feridos, Filhos Sobreviventes e como Quebrar Este Ciclo" e "A Raiva Não Educa. A Calma Educa", é justamente ao contrário: por incrível que pareça, as pessoas aprendem pelo amor. Best-seller nacional, ela propõe uma verdadeira revolução amorosa, tão necessária para combater a sociedade em que estamos inseridos, quanto benéfica para corpo e alma.
E o que uma relação baseada no afeto, respeito e acolhimento, pode trazer às crianças de hoje? Em entrevista exclusiva para o Resenhando.com, Maya Eigenmann, que é educadora parental, pós-graduada em neurociências e em Educação Positiva, responde a esta pergunta e muitas outras questões que podem despertar insights e transformar vidas. Compre o livro "Pais Feridos, Filhos Sobreviventes e como Quebrar Este Ciclo", de Maya Eigenmann, neste link.
Resenhando.com - Como surgiu a ideia de escrever o livro “Pais Feridos, Filhos Sobreviventes e como Quebrar Este Ciclo”?
Maya Eigenmann - Esse livro veio com a intenção de dar um passo a mais em relação ao primeiro livro, de se aprofundar mais no autoconhecimento e guiar os leitores para reflexões específicas, para chegar a conclusões de maneira mais estruturada. Por isso, separei espaços de autorreflexão no livro. Queria também trazer um pouquinho mais de prática e faço isso com relatos pessoais, que foi um pedido dos leitores em relação ao primeiro livro. Queria mostrar para as pessoas que educar amorosamente e respeitosamente não é um luxo, mas uma necessidade básica do ser humano.
Resenhando.com - O que torna as pessoas feridas, ao longo da vida?
Maya Eigenmann - As feridas acontecem na nossa infância, principalmente, por causa dessa grande desconexão que há entre os pais e filhos. Os próprios pais também são filhos feridos, que se tornaram adultos feridos, e acontece todo esse ciclo transgeracional de trauma. Então, as feridas vêm principalmente dessa desconexão: a criança que chora e não é acolhida, a que dorme sozinha no escuro com medo, a com a qual gritam e essa criança não tem para onde fugir. Enfim, os casos são muitos, mas normalmente é quando os filhos não são respeitados nem vistos por quem eles realmente são.
Resenhando.com - O que isso pode refletir nos filhos dessas pessoas?
Maya Eigenmann - O reflexo disso é que vamos, querendo ou não, replicar esses acontecimentos também nos nossos filhos, porque é o que recebemos. Eu sempre gosto de dar um exemplo, que é da comida que fica sobrando no prato: vamos supor que você era uma criança que tinha que comer tudo que estava no prato ou, senão, apanhava. Você associou que comida no prato é igual a perigo. Seu cérebro registra isso. Quando você cresce, tem filhos e eles não comem o que está no prato, o teu cérebro também fica em alerta. Claro que isso é um processo inconsciente, mas eu começo a querer controlar essa minha criança, obrigá-la a comer tudo para eliminar a sensação de perigo que eu sinto. E se eu não me conscientizar disso, meu filho acaba pagando o preço que eu também paguei lá na infância.
Resenhando.com - Qual é o primeiro passo para quebrar o ciclo de pais feridos e filhos sobreviventes?
Maya Eigenmann - O primeiro passo é os adultos se conscientizarem dos próprios traumas e das próprias feridas. Isso, às vezes, vai significar perceber que a infância não foi tão florida como a gente imagina. Não de um lugar assim de acusação para com os pais, porque, como falei, eles também são pessoas feridas. Mas, sim, de entender que houve violência e negligência emocional, e isso ficou marcado. Se não olhar para isso, não vou cuidar e vou, querendo ou não, passar para frente
Resenhando.com - No seu livro você defende que não se prospera por meio da dor, mas sim pelo amor. Como se aproximar, então, de temperamentos mais resistentes?
Maya Eigenmann - Quero citar um especialista maravilhoso, o Dr. Steven Porges, criador da Teoria Polivagal, que fala que muitos de nós estamos em um estado de alerta, resistência e agressividade, justamente, porque nos faltou acolhimento na infância. Não tivemos um apego seguro. Nos tornamos resistentes a tudo e a todos, inclusive, ao amor. Então, vamos supor que sou casada com uma pessoa que é resistente à ideia de educar pelo amor. Vou precisar entender que ela está hiper alerta, que é uma pessoa ferida e que só vou conseguir construir um diálogo em um espaço de muita segurança, porque é isso que nos desarma. É a sensação de segurança que nos torna generosos e amorosos. Talvez, a gente possa começar essa conversa com: "Nossa, meu bem, hoje de manhã nosso filho chorou, eu o acolhi enquanto chorava no meu colo e tive uma sensação tão estranha, porque, de um lado, me fazia tão bem vê-lo confiar no meu colo e, por outro, fiquei triste por lembrar que nunca recebi esse colo assim. Como é que você se sente com isso? Como é que era na sua infância? Como é que você se sente quando nosso filho chora?". É desse lugar de vulnerabilidade, honestidade emocional e amorosidade que a gente vai conseguir abrir um diálogo com pessoas que talvez tenham mais resistência.
Resenhando.com - Como a educação positiva pode mudar alguém?
Maya Eigenmann - Então, essa pergunta é capciosa. Acredito que só muda quem quer. Não adianta impor isso a ninguém. Mas não acho que a educação positiva muda; na verdade, é a pessoa que vai mudar. O indivíduo que escolhe olhar para dentro de si e perceber as suas feridas. A educação positiva vai trazer o conhecimento, o conforto e a segurança de que o caminho é esse, que nós precisamos, sim, prosperar no amor, que precisamos dar amor, ser generosos e dar segurança uns aos outros. A gente precisa olhar para os nossos traumas. A educação positiva é uma placa, mas quem faz o caminho somos nós mesmos.
Resenhando.com - Como podemos usar a educação positiva em nosso favor?
Maya Eigenmann - A educação positiva é o nosso caminho de volta para casa. É a sensação de se reencontrar com quem realmente somos. É um presente que temos hoje nessa geração, especificamente de ter acesso a essas informações para poder fazer diferente. É nesse sentido de como posso mudar, me transformar e, por consequência, modificar uma sociedade inteira, se todo mundo se envolvesse com educação positiva. Mas, mesmo que não sejam todos, muitos estão fazendo esse caminho.
Resenhando.com - Em sala de aula, sem apoio dos responsáveis, é possível fazer um trabalho com estudantes que apresentam temperamentos agressivos ou desinteressados?
Maya Eigenmann - Primeiro, temos que entender que o sistema escolar é violento no sentido de que não colocamos a criança no centro, colocamos o conteúdo no centro. Então, precisamos entender isso antes de qualquer coisa, porque, senão, não colocaríamos um adulto apenas para cuidar de 30 crianças numa sala de aula. Isso é totalmente destrutivo para o professor e para o aluno. Não faz nenhum sentido funcionar dessa maneira. Mas, levando em consideração que temos essa realidade, o mais potente é o professor saber que tem muito poder de influência quando cuida do próprio estado emocional. Se ele entra desregulado em sala de aula, vai desregular os seus alunos também. Sei que isso é difícil, porque muitas vezes o professor trabalha três turnos por dia. O que pode ser feito nessa realidade é o professor tentar reduzir danos dentro do que é possível de se regular para estar disponível para os alunos. Mas sem políticas públicas também é muito mais difícil, porque vamos encontrar muita resistência, muito bloqueio e muita injustiça. O professor ganha pouco e tem que fazer muitos turnos. Se fossemos construir uma distopia, um professor poderia dar aula em espaços mais verdes, talvez, até mesmo sem parede alguma com dez alunos em cada turma durante a metade do dia. Seria muito mais proveitoso para o professor e para o aluno, mas a realidade é que colocamos 30 alunos dentro de uma caixinha, que são as paredes das salas de aulas, com um professor apenas.
Resenhando.com - Como pais, mães e educadores podem melhorar os vínculos afetivos com os mais jovens?
Maya Eigenmann - A melhor maneira de aprimorar o nosso vínculo é cuidando dos nossos trabalhos, porque, na verdade, o que me impede de criar um vínculo saudável são as minhas sombras, os meus traumas e as minhas feridas. Por esse motivo, interpreto o comportamento da criança como algo perigoso, assim como o exemplo da comida, que a criança deixa o alimento no prato, e se ela chora ou faz birra, entendo que tenho que controlar. Isso gera desconexão. Se não me deixo ativar por esses comportamentos, a conexão permanece e o vínculo afetivo continua também, esse é justamente o “X” da questão.
Resenhando.com - Em que os vínculos fortalecidos entre pais e filhos podem melhorar - para melhor - uma personalidade?
Maya Eigenmann - Na verdade, todos nós nascemos com uma autenticidade, cada um nasce com um eu próprio muito verdadeiro e cada um é diferente. Esse vínculo afetivo, amoroso e respeitoso vai fazer com que não precise maquiar quem sou para existir. Não é que vai melhorar a personalidade, mas uma relação afetuosa e respeitosa vai fazer com que essa criança não tenha que ser outra pessoa para agradar - ela não vai precisar performar para agradar. Ela não tem que mudar a sua autenticidade e a sua essência para que alguém goste dela. Então, não é que vai melhorar, mas vai dar a liberdade da criança ser quem ela é.
Resenhando.com - Em um mundo repleto de intolerância e narcisismo, quais são os benefícios físicos e emocionais de uma relação baseada no afeto?
Maya Eigenmann - A intolerância, o narcisismo e o preconceito vêm da nossa infância na qual não fomos genuinamente amados. Assim, começa a projetar a raiva nas outras pessoas, porque, no fundo, a criança não pode odiar e ter raiva dos pais. Ela vai ter que achar outro objeto e outra pessoa para projetar essa raiva. Uma frase importantíssima da psicóloga espanhola Ivonne Laborda diz: "Quando vivemos criticando os nossos filhos, eles não deixam de nos amar, deixam de amar a si próprios". Eles vão começar a não gostar de si mesmos e projetar essa raiva em outras pessoas.
Resenhando.com - A revolução que o mundo de hoje precisa é pelo amor?
Maya Eigenmann - Sim. É totalmente uma revolução amorosa, porque quando entendemos que é no amor que prosperamos, sentimos segurança e ficamos bem e que dar amor não vai fazer uma criança ficar mal acostumada. Na verdade, dar amor vai construir sua personalidade em termos de poder ser autêntica. Quando entendo isso, crio uma pessoa para ser honesta, amorosa, generosa e que não vai só olhar para o próprio umbigo. Se muitos fizerem isso com os próprios filhos, vamos começar a ter uma pequena revolução acontecendo de fato. Garanta o seu exemplar de "Pais Feridos, Filhos Sobreviventes e como Quebrar Este Ciclo", escrito por Maya Eigenmann, neste link.