domingo, 8 de junho de 2025

.: Literatura no volume zero: o universo íntimo de Bruno Inácio em entrevista


Por 
Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. Foto: divulgação.

No livro de contos "De Repente Nenhum Som", o escritor Bruno Inácio transforma o silêncio em linguagem, em narrativa, em personagens. Colaborador de veículos literários importantes, como o Jornal Rascunho e o site São Paulo Review, o autor recorre ao não dito, à pausa, à ausência – e justamente aí encontra matéria-prima para narrativas que ecoam no lado mais profundo de algum leitor atento. Como ele mesmo diz: “Tem tudo aquilo que só cabe no silêncio” . Nesta entrevista exclusiva concedida ao portal Resenhando.com, Bruno revela como descobriu, quase sem perceber, que o silêncio era seu tema mais íntimo e recorrente - nos papéis de leitor e de escritor.

Com uma escrita concisa e emocionalmente densa, Bruno Inácio compartilha o processo de lapidar frases como quem escolhe palavras para preencher vazios. “Quando compreendi que prefiro escrever frases curtas, foi libertador”, afirma. E é nesse equilíbrio entre delicadeza e brutalidade, cotidiano e introspecção, que ele constrói personagens que, embora comuns, “dialogam com o silêncio” e tornam-se espelhos de quem o lê. Esta conversa é um convite para mergulhar não só na obra de Bruno Inácio, mas também na poética silenciosa que pulsa nas entrelinhas de um texto bem escrito.  Compre "De Repente Nenhum Som" neste link.


"De Repente Nenhum Som" apresenta o silêncio não como ausência, mas como protagonista. Em que momento da sua trajetória como escritor você percebeu que o silêncio podia ser um elemento narrativo tão potente?
Bruno Inácio - Isso aconteceu de forma bastante natural, na verdade. Escrevi um dos contos do livro, “Céu de Ninguém”, em 2018. Mais tarde, em 2022, durante uma oficina de criação literária com o escritor Carlos Eduardo Pereira, surgiram outras duas narrativas: “Alô, Alô, Freguesia” e “Seis Minutos de Análise no Novo Divã”. Percebi, então, que os três contos dialogavam entre si, já que abordavam o silêncio e as relações familiares. Foi quando me dei conta que aqueles eram os temas que mais me interessavam no momento - e não só como escritor, mas também como leitor. Sem perceber isso de forma consciente, eu já estava mergulhado em leituras que abordavam o silêncio há algum tempo.

"De Repente Nenhum Som" mergulha na solidão, nas pausas da vida e no que não é dito. Como você equilibra a escrita econômica com a profundidade emocional que seus contos transmitem?
Bruno Inácio - Quando compreendi que prefiro escrever frases curtas, foi libertador. Como se, enfim, eu estivesse mais próximo de encontrar o meu estilo literário e meus temas. No entanto, ao mesmo tempo descobri que uma palavra mal escolhida pode destruir um parágrafo inteiro. A partir daí, passei a procurar as palavras certas para cada cena, sentimento, ação e, principalmente, para cada silêncio. Não digo palavra perfeita, porque sei que ainda sou alguém que está começando sua jornada na literatura, em meio a erros e acertos. Mas confesso que gastei um bom tempo reescrevendo os contos de “De Repente Nenhum Som” para chegar a esse resultado que você apontou: o equilíbrio entre a escrita econômica e a profundidade emocional.


Você escolheu personagens comuns, mas com dilemas complexos e profundos. Como foi o processo de criação dessas figuras? Houve alguma preocupação em torná-las espelhos do leitor?
Bruno Inácio - Gosto muito do drama presente no cotidiano, dos dilemas e anseios das pessoas comuns. Algumas dessas personagens se baseiam em familiares, outras são projeções de traumas e desejos. A minha maior preocupação no momento de pensar sobre essas pessoas foi tentar entender como cada uma se relacionava com o silêncio. Torná-las espelhos do leitor não foi algo exatamente planejado, mas a literatura tende a se encarregar disso, de uma forma ou de outra.

Um dos contos mais marcantes, "Céu de Ninguém", tem origem em uma experiência real. Como a vivência pessoal impacta sua ficção? Existe um limite entre o vivido e o inventado para você?Bruno Inácio - Uma vez minha psicanalista disse algo que nunca esqueci: toda memória é ficcional. Nesse sentido, sei que os acontecimentos reais que inspiraram alguns dos contos de “De Repente Nenhum Som” já passaram por certos filtros, uma vez que correspondem às minhas versões dos fatos e, consequentemente, à maneira que essas memórias foram construídas e reconstruídas ao longo dos anos. Ainda assim, gosto de explorar experiências autobiográficas na ficção, porque é um jeito de olhar para o passado com novos olhos e, de certa forma, criar novas lembranças.


O livro alterna momentos de brutalidade e de delicadeza com naturalidade. Essa dualidade surgiu de forma intuitiva ou foi construída intencionalmente ao longo dos contos?
Bruno Inácio - Acredito que isso tenha relação com meu interesse pelo cotidiano. O dia a dia é repleto de delicadeza e brutalidade, ainda que não pensemos tanto sobre isso. Eu me considero uma pessoa muito sensível, atenta aos detalhes que justificam a existência. Mas, ao mesmo tempo, sou um pessimista e às vezes me vejo sem grandes perspectivas. Como esse é meu trabalho mais pessoal até agora, essa dicotomia apareceu nos contos de forma bem intuitiva.

A estrutura minimalista dos contos chama atenção: poucas palavras, mas muito significado. Como você chegou a essa forma de escrever? Foi uma escolha estética, técnica ou emocional?
Bruno Inácio - Devo muito ao escritor Marcelino Freire. Antes de fazer sua oficina de criação literária, eu tentava me forçar a escrever frases longas e transitar por diversos gêneros literários. No decorrer das aulas, percebi que era muito mais lógico tentar aprimorar o que eu já sabia minimante fazer, ao invés de tentar “fazer tudo”’. Depois que reconheci minha escrita como concisa, escrever se tornou algo muito mais natural.


A solidão, em suas várias formas, é um tema central no livro. Você acredita que o silêncio e o isolamento dizem mais sobre o nosso tempo do que as falas e os ruídos diários?
Bruno Inácio - Há uma pressa em nossos tempos que me angustia. Tudo é urgente no trabalho, nas redes sociais e nas nossas relações. Isso leva ao isolamento e à interpretação superficial de fatos complexos. Às vezes, isso vem acompanhado de silêncio. Mas o silêncio também pode ser afeto, aconchego e conforto. Seja como for, acredito que ruídos e silêncios nos afetam de formas diferentes e ambos dizem muito sobre os nossos tempos.


A recepção crítica foi bastante positiva, com elogios de nomes importantes da literatura brasileira. Como você lida com esse reconhecimento e que responsabilidade sente ao ser apontado como uma das vozes promissoras da nova literatura?
Bruno Inácio - Ainda parece surreal tudo isso que tem acontecido com o livro. É uma obra de uma editora independente, escrita por um autor iniciante e publicada fora do eixo Rio-São Paulo. Então, sinceramente, não esperava que “De Repente Nenhum Som” chegaria a ser elogiado pelos principais veículos literários do país e por alguns dos mais importantes nomes da literatura brasileira contemporânea. Ser lido por pessoas que são referências para mim é algo com que sempre sonhei. Confesso que ainda não aprendi a lidar com naturalidade com isso de ser apontado como um novo talento da literatura brasileira. Sempre que leio algum comentário nesse sentido, volto a ser aquela criança tímida que não sabia o que responder quando recebia parabéns no seu aniversário.


Como colaborador de veículos como o Jornal Rascunho e a São Paulo Review, você acompanha a cena literária de perto. Onde você posicionaria sua obra dentro do panorama atual da literatura brasileira?
Bruno Inácio - A literatura brasileira vive um ótimo momento, tanto em forma como em conteúdo. Todos os dias conheço autores e autoras que têm feito um trabalho de qualidade junto a grandes, médias e pequenas editoras, além dos que optam pela autopublicação. Estar no meio de tanta gente talentosa e fazer parte de uma geração que tem ficcionistas como Jarid Arraes, Monique Malcher, Andreas Chamorro, Carina Bacelar, Bethânia Pires Amaro, Vanessa Passos, Julia Barandier, Giovana Proença, Mateus Baldi, Paulo Henrique Passos, Marcela Fassy, Camila Maccari, Pedro Jucá, Mariana Basílio e Febraro de Oliveira é um privilégio e uma alegria.


Para quem ainda não leu "De Repente Nenhum Som", que tipo de experiência você espera provocar? O que gostaria que ficasse ecoando no leitor depois da última página?
Bruno Inácio - Tenho usado uma frase do livro nas dedicatórias desde que a obra foi lançada: tem tudo aquilo que só cabe no silêncio. Acho que é o que resume bem o tipo de experiência que quero provocar em leitores e leitoras. Essa percepção de que o silêncio é complexo, repleto de nuances e, às vezes, a síntese de toda uma dinâmica familiar.

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