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domingo, 4 de junho de 2023

.: #Resenhando20Anos: Resenha crítica da animação "Divertida Mente"

No dia 4 de junho de 2023 o Resenhando.com completa 20 anos. Durante esse mês, matérias emblemáticas que foram destaque no portal editado pelos jornalistas Mary Ellen Farias dos Santos e Helder Moraes Miranda serão republicadas. Ao fazer essa visita ao passado, percebemos que os textos conseguem estar muito atuais. 

Algumas delas, republicadas na íntegra, embora extremamente relevantes, apresentam aspectos datados ou têm marcas de expressões, pensamentos e linguagens que podem estar ultrapassadas, mas são um registro da história deste veículo. A resenha crítica da animação "Divertida Mente" é uma das mais lidas nos 20 anos de Resenhando.com.

.: Resenha crítica da animação "Divertida Mente"

Por Mary Ellen Farias dos Santos*
Em julho de 2015

As animações Disney sempre tiveram um colorido chamativo e vibrante, mas após a definitiva junção com a Pixar, no quesito visual, a beleza ficou ainda melhor. Em "Divertida Mente" não é diferente. Cores e brilhos chamativos e, para a nossa alegria, uma boa e diferente narrativa. Quem nunca quis saber o que se passa na mente do outro que atire a primeira pedra.

Não pense que a produção descreve a mente humana. Embora trate disto, o foco está no papel das emoções. Observe um dos cartazes do longa. De fato, quem manda e desmanda na história é justamente a "montanha-russa das emoções". Com um roteiro muito bem elaborado, diferente das últimas produções, como por exemplo, "Aviões", a produção dirigida por Pete Docter está além da média dos filmes da própria Pixar. É uma animação tão boa que ao terminar deixa uma enorme vontade de rever tudo o que aconteceu com Riley para desbravar detalhes que passaram despercebidos.

Em "Divertida Mente", tudo começa no nascimento da jovem Riley. Já aos 11 anos, a garota divertida enfrenta mudanças importantes em sua vida. Calma! Além dos "problemas" da puberdade, ela precisa deixar a cidade natal, no centro dos Estados Unidos, para viver em São Francisco. E... lá vamos nós novamente para São Francisco, tal qual em "Operação Big Hero". (Resenha de Operação Big Hero/Tudo sobre Operação Big Hero)


É em São Francisco que o cérebro de Riley passa a lidar -mais frequentemente-  com várias emoções distintas, como a Alegria, o Medo, a Raiva, a Repulsa e a Tristeza. Quem são eles na história? Os personagens que convivem de modo organizado e fazem a narrativa ganhar ritmo e, claro, emoção. No entanto, a Alegria perde o controle geral quando Riley tem um momento complicado na nova escola. Resultado: Todas as emoções se misturam.

Antes que toda a situação seja normalizada, ou melhor, restruturada, é difícil segurar as lágrimas. Sim! 
"Divertida Mente" consegue ser um filme infantil, mas de conteúdo tão bom que também se comunica com os adultos. Afinal, quem nunca teve uma explosão confusa de emoções e, então, sentiu saudade da infância? É imperdível!

Filme: Divertida Mente (Inside Out, E.U.A.) Elenco (vozes): Amy Poehler, Bill Hader, Mindy Kaling, Phyllis Smith, Lewis Black, John Ratzenberger
Direção: Pete Docter
Gênero: Infantil
Duração: 101 min.
Distribuidora: Walt Disney
Classificação: Livre



* Mary Ellen é editora do site cultural www.resenhando.com, jornalista, professora e roteirista, além de criadora do www.photonovelas.blogspot.com. Twitter: @maryellenfsm 


sábado, 3 de junho de 2023

.: #Resenhando20Anos: Crítica: "A Lista", com Lilia Cabral e Giulia Bertolli


No dia 4 de junho de 2023 o Resenhando.com completa 20 anos. Durante esse mês, matérias emblemáticas que foram destaque no portal editado pelos jornalistas Mary Ellen Farias dos Santos e Helder Moraes Miranda serão republicadas. Ao fazer essa visita ao passado, percebemos que os textos conseguem estar muito atuais. 

Algumas delas, republicadas na íntegra, embora extremamente relevantes, apresentam aspectos datados ou têm marcas de expressões, pensamentos e linguagens que podem estar ultrapassadas, mas são um registro da história deste veículo. A resenha crítica do espetáculo "A Lista", que está excursionando pelo país, é uma das mais lidas nos 20 anos de Resenhando.com. Na republicação da crítica, foi retirado o serviço da peça.


.: Crítica: "A Lista", com Lilia Cabral e Giulia Bertolli, mãe e filha no teatro

Por 
Helder Moraes Miranda, editor do Resenhando. 

Depois de dez anos, Lilia Cabral volta ao teatro em São Paulo na estreia nacional da peça "A Lista", ao lado da filha Giulia Bertolli, juntas no palco pela primeira vez. A montagem inédita segue em cartaz nos palcos do Teatro Renaissance com dramaturgia de Gustavo Pinheiro e direção de Guilherme Piva. Foto: Pino Gomes

Algo de mágico acontece nas noites de São Paulo entre o sábado e o domingo. É quando as atrizes Lilia Cabral e Giulia Bertolli sobem ao palco do Teatro Renaissance para apresentar "A Lista", peça teatral escrita por Gustavo Pinheiro. Sob a direção cheia de sensibilidade de Guilherme Piva, elas emocionam, divertem e falam sobre o agora, em um momento em que a pandemia ainda está entre nós e atingiu tanta gente: a catarse é generalizada.

A partir de dois pontos de vista antagônicos, as personagens Laurita (Lília Cabral) e Amanda (Giulia Bertolli) discutem a relação construída a partir de uma gentileza: a história da jovem prestativa que se oferece para fazer compras por alguns moradores de um condomínio, entre eles uma senhora que, para se protager do coronavirus, não sai de casa há meses.

Amanda erra produtos da lista, Laurita não agradece nunca e sempre reclama. Estabelece-se uma péssima relação até que uma delas resolve cortar o vínculo e, a partir de uma conversa franca, passar a limpo uma relação formada por indiferença, mágoas e mal-entendidos. A magia do palco se faz diante dos olhos de um público maravilhado. Impossível não reconhecer o talento de Lilia Cabral e nem se apaixonar pela atuação de Giulia Bertolli.

Na vida real, são mãe e filha - será que há na genética o talento de artista? Talvez essa pergunta permeasse a apresentação no início do espetáculo. Depois, a dúvida se dissolve. Ter parentesco com um artista consagrado, além de ser uma dádiva, também deve ter o dissabor de ter que provar a todo mundo que se é bom no que faz. No caso de Giulia, se por acaso isso ainda for uma questão, a plateia não percebe. Não há um duelo e nem um embate entre quem é melhor - há um complemento, uma sincronia e uma espécie de linha invisível que amarra as duas e envolve a todos em uma espécie de hipnose.

É notório que o público está ali para ver de perto a grande dama da televisão brasileira. Lilia Cabral, musa das reexibições das novelas no período da pandemia em horário nobre da emisssora líder de audiência no país - foram duas protagonistas e um papel de destaque em sequência: "Fina Estampa" (de Aguinaldo Silva), "A Força do Querer" (de Glória Perez) e "Império" (de Aguinaldo Silva).

No palco, não é novidade a entrega de uma artista tarimbada pela televisão - é o que se espera dela, mas o grande ponto de interrogação era a atuação da filha. Giulia Bertolli é, surpreendentemente, a cereja do bolo de "A Lista" - e talvez a espinha dorsal de tudo o que gira em torno desta produção. Em um embate de falas contundentes entre as personagens - a atriz, que chega a interpretar duas personagens - brilha de uma maneira que nenhuma artista da idade dela, diante de um mito feito Lilia Cabral, conseguiria fazer. Há segurança e integridade em todas as falas ditas por ela, mas também há muita humanidade.

Não há a competição de quem é melhor entre as atrizes porque não há disputa. Há, sim, uma atmosfera de afeto que talvez não fosse possível perceber se não fossem mãe e filha em palco cujo público está rendido. Não existe "A Lista" sem Lília Cabral, muito menos o espetáculo não teria o mesmo impacto sem a presença marcante de Giulia Bertolli. Qualquer substituição possível não teria o mesmo efeito.

"A Lista" é sobre o agora, mas é também sobre a urgência de encarar a própria vida e transformar o que restou dela. É imprescindível assistir e, se por algum motivo você não sair mudado, reveja (a vida e a peça - nas duas situações, pode ter certeza, você sairá no lucro).

Ficha técnica:
Espetáculo: 
"A Lista". Texto: Gustavo PinheiroDireção: Guilherme Piva. Elenco: Lilia Cabral e Giulia Bertolli. Cenários e figurinos: J.C. Serroni. Iluminação: Wagner Antônio. Direção de movimento: Marcia Rubin. Assessoria de imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes. Fotógrafo: Pino Gomes. Programador visual: Gilmar Padrão Jr. Direção de produção: Celso Lemos.


A Lista", com Lilia Cabral e Giuliana Bertolli. Foto: Bob Sousa

sexta-feira, 2 de junho de 2023

.: #Resenhando20Anos: resenha de "Estrelas Tortas, de Walcyr Carrasco


No dia 4 de junho de 2023 o Resenhando.com completa 20 anos. Durante esse mês, matérias emblemáticas que foram destaque no portal editado pelos jornalistas Mary Ellen Farias dos Santos e Helder Moraes Miranda serão republicadas. Ao fazer essa visita ao passado, percebemos que os textos conseguem estar muito atuais. 

Algumas delas, republicadas na íntegra, embora extremamente relevantes, apresentam aspectos datados ou têm marcas de expressões, pensamentos e linguagens que podem estar ultrapassadas, mas são um registro da história deste veículo. A resenha crítica de "Estrelas Tortas", livro escrito pelo novelista Walcyr Carrasco, é uma das mais lidas nos 20 anos de Resenhando.com.


Livro narra a batalha de um  deficiente 
Por: Mary Ellen Farias dos Santos

Em maio de 2005.

A história de uma garota bonita, alta, jogadora de vôlei. Esta é a jovem Marcella. "Estrelas Tortas", de Walcyr Carrasco, narra a batalha de uma adolescente que após um acidente de carro fica paraplégica. A obra publicada em 1997, na Coleção Veredas, pela Editora Moderna, soma 96 páginas de pura emoção.

Contada na visão de vários personagens que convivem ou tentam conviver com a garota. Juntos, familiares e amigos, descobrem o quanto é difícil perder, e o quanto é precioso aprender a ganhar. "'Sua irmã nunca mais vai andar'. Foi assim que papai me deu a notícia. Quando ele falou, fiquei um tempão tentando entender o que queria dizer, exatamente". É desta forma que o irmão de Marcella, Guilherme, chamado carinhosamente de Gui, começa a contar a história.

A sequência da história fica por conta da sua melhor amiga, Mariana. Na terceira parte está a visão de Bira, o garoto mais bonito da escola e namoradinho da jovem. A mãe, Aída e o irmão, são os que falam da atenção e carinho que devem ser dados a um deficiente. A história ganha um toque especial quando Emílio revela como entrou na vida da personagem principal. No capítulo sétimo, o de Bruno, pai de Marcella, fica visível sua insatisfação ao desconfiar que sua filha está namorando Emílio. 

Detalhe: Bruno pensa que a filha tornou-se um vaso que poderia quebrar a qualquer momento e que necessita de de muito cuidado, isto é, Marcella havia tornado-se uma eterna dependente. No oitavo capítulo é que Marcella tem voz. Nele, a adolescente mostra-se capaz e quer vencer todas as barreiras.

No décimo capítulo é Gui quem finaliza a história de sua vida, vida que teve uma grande mudança ao precisar acompanhar a irmã em muitas coisas. "A gente é como um pedaço da noite. De longe, estrelas perfeitas. De perto, estrelas tortas".

"Estrelas Tortas" é um livro o qual mostra a dificuldade e o sofrimento de um deficiente e das pessoas que o rodeiam, ao menos, até acostumar com o problema. O escritor comenta que preferiu falar da vida de uma paraplégica, para mostrar, também, como todos nós somos livres para voar. "Só quem tem força interior supera as dificuldades do dia-a-dia e brilha, enfim, como estrela", diz. 

Você pode comprar "Estrelas Tortas" de Walcyr Carrasco aqui: Amazon neste link.

Livro: "Estrelas Tortas"
Autor: Walcyr Carrasco
96 páginas
Ano: 1997
Coleção: Veredas
Editora: Moderna
Link de venda: amzn.to/3bFCIve

*Mary Ellen Farias dos Santos é criadora e editora do portal cultural Resenhando.com. É formada em Comunicação Social - Jornalismo, pós-graduada em Literatura, licenciada em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos e formada em Pedagogia pela Universidade Cruzeiro do Sul. Twitter: @maryellenfsm

  

quinta-feira, 1 de junho de 2023

#Resenhando20Anos: "A literatura permeia tudo", diz Ana Miranda


No dia 4 de junho de 2023 o Resenhando.com completa 20 anos. Durante esse mês, matérias emblemáticas que foram destaque no portal editado pelos jornalistas Mary Ellen Farias dos Santos e Helder Moraes Miranda serão republicadas. Ao fazer essa visita ao passado, percebemos que os textos conseguem estar muito atuais. 

Algumas delas, republicadas na íntegra, embora extremamente relevantes, apresentam aspectos datados - como, no caso da entrevista com a escritora Ana Miranda, a pergunta à escritora em relação ao político Eduardo Suplicy que a imprensa, à época, noticiava - ou têm marcas de expressões, pensamentos e linguagens que podem estar ultrapassadas, mas são um registro da história deste veículo. Esta foi a primeira entrevista, feita por e-mail, concedida com exclusividade ao Resenhando.com.


Por Helder Moraes Miranda, e
m junho de 2004.

A escritora de romances e poesias, Ana Miranda, contemplada pela segunda vez com o prêmio jabuti e premiada pela Biblioteca Nacional é a autora de "Desmundo", romance recentemente adaptado para o cinema, "Boca do Inferno" e "Dias e Dias". Ana Miranda é colaboradora da revista "Caros Amigos", mas começou na literatura por meio de poemas e poesias, surgindo seus dois primeiros livros: "Anjos e Demônios" (editora José Olympio/INL, Rio de Janeiro, 1979) e "Celebrações do Outro" (editora Antares, Rio, 1983).

Em 1989, publica seu primeiro romance, "Boca do Inferno", uma visita literária ao passado colonial brasileiro pela recriação das vidas do poeta Gregório de Matos e do jesuíta Antonio Vieira. A obra foi bem recebida pelo público, pela crítica - recebeu o Prêmio Jabuti de 1990 - e por professores que a adotaram como fonte para estudos literários sobre o barroco brasileiro. O romance foi lançado também na França, Inglaterra, Itália, Estados Unidos, Argentina, Noruega, Espanha, Suécia, Dinamarca, Holanda e Alemanha.

Outro tema histórico é recriado em seu segundo romance, "O Retrato do Rei", de 1991. A seguir, "Sem Pecado", de 1993, traz a autora à ação contemporânea, mas em seu romance seguinte, "A Última Quimera", de 1995, a Belle Époque do Rio de Janeiro é o cenário em que outro poeta, Augusto dos Anjos, tem sua vida ficcionalizada. A obra rendeu à autora uma bolsa da Biblioteca Nacional.

"Desmundo" (livro que originou o filme dirigido por Alain Fresnot) , outra ficção histórica, é de 1996. Com uma linguagem do século XVI, conta a história de órfãs mandadas de Portugal ao Brasil para se casar com os colonos. Todos os romances acima foram publicados pela Companhia das Letras, em São Paulo. Outra figura sagrada da literatura brasileira, desta vez Clarice Lispector, é transformada em personagem. A novela "Clarice" é lançada em 1996 na Alemanha e no Brasil pela Fundação Rio.

A Companhia das Letras reeditou a obra em 1998. Ainda pela Companhia das Letras, é publicado em 1997 o romance "Amrik", passado no fim do século 19, sobre os imigrantes libaneses em São Paulo. Em 1999, são publicados os primeiros contos de Ana Miranda, reunidos no volume "Noturnos". Em 2002, outro poeta se transforma em personagem. Em "Dias e Dias", Gonçalves Dias é aproveitado pela autora para dar voz à linguagem do romantismo.


Além da produção literária, Ana Miranda escreve artigos, resenhas e ensaios para jornais e revistas, roteiros de cinema e trabalha na edição de originais, organizando obras de nomes como Vinícius de Morais e Otto Lara Resende. Em 1998, reuniu para a editora Dantes uma coletânea de poesias de amor conventual, "Que Seja em Segredo", e em 2000, uma antologia de sonhos intitulada "Caderno de Sonhos". Foi escritora visitante na Universidade de Stanford em 1996, e faz palestras e leituras em universidades e instituições culturais de diversos países. Desde 1999, Ana Miranda faz parte do grupo de escritores que concede anualmente, em Roma, o Prêmio União Latina de Romance.

Ana Miranda nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1951, e mudou-se para o Rio de Janeiro aos quatro anos de idade. Em 1959 foi para Brasília, ao encontro de seu pai, engenheiro, que trabalhava na construção da cidade. Em 1969 voltou para o Rio de Janeiro, a fim de prosseguir com seus estudos de artes. 

Vale lembrar que Ana Miranda tem uma longa história no cinema como atriz e roteirista. Foi uma índia em "Como Era Gostoso o Meu Francês" (1970/72) e protagonizou, com Jofre Soares, o longa-metragem "A Faca e o Rio", que o holandês George Sluizer realizou no Brasil em 1972. Desde 1999 Ana Miranda mora em São Paulo. 


Resenhando.com - O que representa a literatura em sua vida?
Ana Miranda - É o meu trabalho, é o meu alimento espiritual, é a minha vida, não poderia mais viver sem literatura, seja lendo, seja escrevendo. 


Resenhando.com - Você já escreveu "Boca do Inferno", sobre a vida de Gregório de Matos,  "A Última Quimera", sobre Augusto dos Anjos, "Clarice", sobre Clarice Lispector, e "Dias e Dias", sobre o poeta Gonçalves Dias. De onde vem sua paixão por biografias, por que só escritores, e até que ponto é possível romancear a vida de alguém?
Ana Miranda - Na verdade não escrevo biografias, são romances, em que poetas ou escritores são personagens, e o foco não é a biografia desses autores, mas o mundo em que eles viveram. Isso nasceu de meu amor pela poesia, e pela palavra, esses poetas que escolhi como tema são fontes literárias muito ricas. Meus personagens não são apenas escritores, são padres, prostitutas, governadores, índios, moças do interior, bandidos, etc, mas parece que o que tem marcado mais meu trabalho, para os leitores, é a presença dos personagens poetas e escritores. Falo sobre mundos em que a história literária é fundamental, sim, em alguns livros, mas há muito mais entre o céu e a terra... As biografias, em geral, mesmo quando objetivas, sempre têm um ar de romance, sempre que se usa a palavra para contar algo, a visão é muito subjetiva, porque a palavra é subjetiva. 


Resenhando.com - Em uma de suas entrevistas, você afirma que seu trabalho deve aparecer mais que sua vida pessoal. Em contrapartida, o fato de ganhar pela segunda vez o prêmio Jabuti de Literatura, e a adaptação de "Desmundo" para o cinema faz com que ganhe cada vez mais notoriedade. O que isso muda em sua carreira?
Ana Miranda - Minha vida continua a mesma de sempre, gosto de escrever, escrever, escrever, e ler, ler, ler, e ficar em casa quieta escrevendo e lendo. Nem os prêmios, nem o filme, mudam minha vida, sinto que estou ficando cada vez mais conhecida, pelo Brasil afora, mas a minha vida continua a mesma.


Resenhando.com - A maioria de suas protagonistas são mulheres vindas de outros continentes e o pano de fundo é quase sempre um momento histórico. Não teme ser considerada escritora de uma só história?
Ana Miranda - Não, acho que todos os escritores estão sempre escrevendo o mesmo livro, porque o livro é um retrato da alma de quem o escreveu, e a alma é sempre a mesma, ainda que mudem o cenário, a época, os personagens. Acho bom sentir uma certa unidade em meu trabalho, até busco essa unidade. 


Resenhando.com - Seus personagens são muito ardentes e sensuais. Há algum reflexo de personalidade entre eles e o temperamento da autora?
Ana Miranda - Não acho o Braço de Prata ardente ou sensual, nem o padre Vieira, nem a Bernardina Ravasco, nem a Feliciana, nem tantos outros. O que acontece é que o tema de "Boca do Inferno" é ardente e sensual, é a Bahia colonial, com muita devassidão, muitos pecados. Também a Amina, de "Amrik", é muito sensual, pois é uma dançarina libanesa e há a presença da literatura árabe, as Mil e uma noites, o Jardim das delícias, que são livros ardentes e sensuais. Claro que gosto de lidar com essa matéria, tenho um lado sensual e ardente, todos temos, alguns escondem, alguns ignoram, mas todo ser humano é dotado de sensualidade. 


Resenhando.com - Qual a sua opinião sobre a importância que, hoje em dia, o livro exerce sobre a população?
Ana Miranda - Não sei medir, sei que os livros são fundamentais, a literatura permeia tudo, desde sempre, e para sempre, não seríamos a humanidade que somos se não houvesse o livro. É uma peça de extraordinária profundidade na história da comunicação humana, um museu da alma, do intelecto, do espírito, do tempo, do sentimento, um museu da humanidade.


Resenhando.com - Quem você acha que são as pessoas que constituem seu público alvo? Por que?
Ana Miranda - Não tenho público alvo, escrevo para mim mesma. As pessoas que gostam dos meus livros são as pessoas que têm afinidade comigo, com o que eu escrevo, mas são as mais variadas, só têm em comum o fato de serem alfabetizadas. 


Resenhando.com - Para você, a evolução tecnológica está afastando as pessoas dos livros, da boa leitura?
Ana Miranda - Quem gosta de ler sempre vai gostar de ler, a tecnologia não tem nada a ver com isso, apenas ajuda a se escrever mais facilmente um livro, a se imprimir melhor os livros, a se comprar mais facilmente um livro. Mas não há nenhum plano no sentido de usar a tecnologia para aproximar as pessoas dos livros, ou da boa leitura, o que seria muito bom, se acontecesse.


Resenhando.com - O que você sente quando um livro seu é lançado? 
Ana Miranda - Sinto alívio quando termino um livro, sinto apreensão quanto ao que vai acontecer, ao que vão dizer, se vão compreender o livro. Mas, em geral, quando o livro é lançado, já estou escrevendo outro, e isso dilui um pouco a minha relação com o lançamento. 


Resenhando.com - Quem são seus ídolos na literatura? Sofreu ou sofre alguma influência deles?
Ana Miranda - Não tenho ídolos, nunca tive, vejo os escritores como seres humanos, com suas peculiaridades. Claro, admiro profundamente certos textos, como os de Shakespeare, Kafka, Proust, Borges, etc etc, uma infinidade de autores e livros me encantam. E todos eles me influenciam, sou muito permeável a influências. 


Resenhando.com - Na literatura, tem algum nome da nova safra de escritores que você destaca? Por quais motivos?
Ana Miranda - Você está falando da literatura brasileira, certamente. Acho que tenho mais afinidade com o Miltom Hatoum, acho-o maravilhoso, sério e profundo, mas gosto de muitos, muitos, o Cristóvão Tezza, o Bernardo Carvalho, a Patrícia Melo, o Carlos Sussekind, o Marçal Aquino, o Bernardo Ajzenberg, adoro a poesia de Marco Luchesi, acho-o surpreendente e elevado como o infinito, poderia fazer uma lista imensa, são muitos os escritores a destacar. 


Resenhando.com - Fale sobre seus poemas. Continua escrevendo-os? Existe alguma possibilidade de reeditá-los?
Ana Miranda - Continuo recebendo poesias em minha cabeça, e anoto, guardo, esqueço. Não penso em publicá-las, não sou boa em poesia. Não gostaria de reeditar meus livros de poesia, não são bons, e não quero ocupar o espaço dos poetas, que é tão restrito, poucas editoras se aventuram a publicar poesia de novos poetas. Louvo as que o fazem. 


Resenhando.com - Você prefere escrever romances, contos ou poemas? Por que? E para ler, prefere qual desses gêneros literários?
Ana Miranda - Prefiro escrever romances, sou romancista, sinto mais desenvoltura quando escrevo romance, sinto que estou fazendo o que gosto de fazer, o que aprendi a fazer, não sou boa contista, são coisas muito diferentes. Isso não significa que meus romances excluam os outros gêneros, hoje os limites são muito difusos. Para ler, gosto, primeiro, de poesia, depois de romance, depois de conto, geralmente é assim, mas tem épocas em que só leio contos, e outras em que só leio poesia, e outras em que só leio romances, isso depende de meu estado de espírito.


Resenhando.com - O que sente tendo seus livros publicados em outras línguas?
Ana Miranda - Acho horrível, arriscadíssimo, tenho a sensação de que não é mais o meu livro, não escrevi nada daquilo, gostaria que todos aprendessem português para ler os nossos livros no original. Mas sinto orgulho quando olho a minha estante de meus livros traduzidos, sei que isso é bom, mesmo com as deficiências inerentes à tradução. Tenho muita gratidão pelos tradutores, todavia, pois não falo nem árabe nem alemão nem grego nem russo, nem tantas outras línguas, e admiro demais os tradutores, há pessoas que fazem isso de forma genial.


Resenhando.com - Explique seu conceito de invisibilidade.
Ana Miranda - Não entendi essa pergunta. Há diversas invisibilidades. O Mandrake fica invisível, e eu adorava sonhar que eu também tinha esse poder, quando lia as suas histórias em quadrinhos. E às vezes quase consigo, gosto de uma posição discreta, de observadora. Mas há outras espécies de invisibilidade. 


Resenhando.com - Descreva todos os seus talentos na infância. Por que escolheu a literatura?
Ana Miranda - Nasci, como todas as crianças, com todas as aptidões da sensibilidade, para desenho, música, movimento, ritmo, cor, teatro, fantasia, sonho, mas tive a sorte de ver as minhas aptidões desenvolvidas, sou uma pessoa versátil, e isso sempre foi uma faca de dois gumes, atrapalhou e ajudou, mas consegui solucionar esse problema, hoje convivo melhor com isso. 


Resenhando.com - Como foi a sua experiência como atriz? Pretende voltar a atuar, por que?
Ana Miranda - Foi uma ótima experiência, aprendi muito, principalmente sobre o Brasil, pois pude viajar e penetrar muitas realidades de nosso país, conheci muitas pessoas inesquecíveis, adoro cinema. Mas não sei se posso chamar minha experiência de um trabalho de atriz, eu apenas estava por ali, e me convocavam a participar dos filmes, au gostava de viajar com as equipes de cinema, era um tempo em que se fazia cinema por amor, mas a minha compulsão sempre foi autoral, jamais soube interpretar, não gosto de ser olhada. 


Resenhando.com - Todo escritor escreve sobre relações humanas. Como você analisa o relacionamento das pessoas nos dias de hoje. Dá para comparar as relações atuais e as do passado?
Ana Miranda - Estão muito mais complexas, a sociedade está mais complexa. Antigamente você conhecia umas vinte, cinquenta, cem pessoas em sua vida, e se relacionava com poucas. Hoje conhecemos milhares de pessoas, de culturas diferentes, o mundo está pequenino, pega-se um avião e no dia seguinte tudo mudou, e os grupos familiares são os mais inesperados, e a vida íntima das pessoas hoje é pública, tudo isso complica as relações. Mas os seres humanos continuam os mesmos, com seus sentimentos, amor, ódio, ciúme, inveja, traição, desejo de poder, etc etc. 


Resenhando.com - Se pudesse voltar no tempo, reescreveria algo, achando que poderia ter feito melhor?
Ana Miranda - Tenho sempre reescrito meus livros, faço revisões em livros publicados, acabo de fazer uma revisão de "Boca do Inferno", tomada de uma visão mais ampla, sempre se pode fazer melhor, sempre. 


Resenhando.com - A mídia explorou bastante um suposto romance seu com o senador Eduardo Suplicy. O que acha sobre esse tipo de informação? Existe alguma verdade nestas notícias?
Ana Miranda - Sempre preservei a minha vida pessoal. Não gosto desse tipo de publicidade. O Eduardo e eu somos amigos, e nos gostamos muito. 


Resenhando.com- Comente essa frase, dita em uma entrevista para a revista Caros Amigos: "estou sempre a favor do mais fraco, mesmo que ele esteja errado".
Ana Miranda - Essa frase resume a minha atitude política, e ética. Tenho muito amor pelo pobre, pelo oprimido, por aquele que não tem oportunidade, pelo abandonado, pelo frágil, pelo fraco, um sentimento meio maternal. Não posso ver alguém em dificuldade, quero ajudar. Isso me faz sofrer muito. 


Resenhando.com - Para você, qual o real significado da palavra solidão?
Ana Miranda - Faz parte da condição humana, a solidão. Todos somos solitários, e vivemos em busca do outro, mas sempre somos apenas nós mesmos, e ninguém, jamais, tem o poder de compreender totalmente o outro, a compreensão, a afinidade, a conjunção, são apenas um desejo de fugir à solidão. A natureza de nosso trabalho, de escritores, nos põe em contato direto e constante com a solidão. Mas gosto de me iludir, achando que a solidão pode ser substituída pela comunhão, mas a comunhão se dá em momentos, momentos sublimes, mas fugazes.
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