quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

.: Resenha crítica do filme "O Hobbit - Uma Jornada Inesperada"

O início da grande aventura
Por: Mary Ellen Farias dos Santos

Em janeiro de 2013



O Hobbit: Adaptação do livro da aventura que originou a incrível história da Sociedade do Anel e, agora, na era do cinema em 3D, leva o espectador de volta à Terra-média. Saiba mais!


Retornar ao universo fantástico de J.R.R. Tolkien, foi o melhor presente que Peter Jackson pode dar aos fãs e admiradores da trilogia "O Senhor dos Anéis". Após muitos anos de espera, por meio de "O Hobbit", reencontramos o mago Gandalf (Ian McKellen), Bilbo, o Bolseiro (Martin Freeman), o inescrupuloso Gollum (Andy Serkis) e até Frodo Bolseiro (Elijah Wood), que nem mesmo sonhava em ser o grande herói das histórias seguintes. 


Em "O Hobbit", enredo de tônica leve (originalmente, é um romance para crianças), Gandalf, ainda o Cinzento e os 13 anões formam uma companhia que contrata Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) -sem o conhecimento deste-, para uma jornada até a Montanha Solitária. Com qual objetivo? Bilbo tem mais possibilidades de recuperar os pertences dos anões que foram roubados pelo dragão Smaug (voz de Benedict Cumberbatch).

Intrigante, não? Desta forma, tudo o que surge diante da tela somente contribui para que o espectador -munido de seus óculos 3D- participe intensamente da grande aventura. De fato, o filme é um espetáculo. A fotografia de Andrew Lesnie e a trilha sonora de Howard Shore se completam enriquecendo a trama. Diante de um trabalho excelente, não há como deixar de desejar morar no Condado, além de passar férias em Valfenda e finais de semana em Erebor.

Embora seja um longa-metragem exemplar, "O Hobbit" não chega a ser perfeito. Seja por situações prolongadas como a da "invasão" dos anões na toca de Bilbo ou por tornar desnecessária, quase toda as aparições do mago Radagast, o Castanho (Sylvester McCoy). É claro, que ele se faz importante ao descobrir que o mal se instalou nas ruínas da cidade de Dol Guldur, mas, até então, há a sensação de que ele seja um personagem aleatório, sem conexão com a história.


A verdade é que neste longa de 169 minutos há somente seis capítulos dos 19 existentes no livro, além da introdução e duas cenas de apêndices. No entanto, fica evidente o esforço de Peter Jackson em esticar O Hobbit. Por outro lado, a qualidade de efeitos visuais e a novidade na filmagem com 48 quadros por segundo, logo nos fazem esquecer tais probleminhas. 

Principalmente, diante de cenas como brigas entre gigantes de pedra e fugas dentro de montanhas, os efeitos contribuem para que o público sinta ser um personagem-observador, ou seja, o espectador tem direito a uma visão em primeira pessoa.

Mergulhe você também na aventura em que Bilbo encontra o Um Anel e origina a trilogia O Senhor dos Anéis. Aproveite esta fabulosa imersão!


Filme: O Hobbit - Uma Jornada Inesperada (The Hobbit - An Unexpected Journey 
Nova Zelândia, EUA)
Ano: 2012
Gênero: Fantasia
Duração: 169 minutos
Direção: Peter Jackson
Roteiro: Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens, Guillermo del Toro
Elenco:  Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, James Nesbitt, Adam Brown, Aidan Turner, Dean O'Gorman, Graham McTavish, John Callen, Stephen Hunter, Mark Hadlow, Manu Bennett, Peter Hambleton, Ken Stott, Jed Brophy, William Kircher, Jeffrey Thomas, Mike Mizrahi, Cate Blanchett, Hugo Weaving, Elijah Wood, Andy Serkis, Sylvester McCoy, Lee Pace, Bret McKenzie, Barry Humphries, Benedict Cumberbatch

terça-feira, 2 de outubro de 2012

.: Resenha crítica de "Sombras da Noite", novo filme de Tim Burton

Um vampiro muito louco
Por: Mary Ellen Farias dos Santos*
Em outubro de 2012


Sombras da Noite: Novo filme de Tim Burton apresenta um novo lado "dark" de Johnny Depp. Saiba mais!


Ambiente escuro com algumas peças em um colorido extravagante. Sim, a marca de Tim Burton retorna em grande estilo na adaptação do seriado de TV Dark Shadows (1972), longa-metragem que em português recebeu o nome de "Sombras da Noite". Mais uma produção resultante do saudosismo de Tim Burton? Sim, mas não há como negar, embora a crítica tenha detonado o filme. "Sombras da Noite" é muito bom, principalmente se considerarmos as produções lançadas este ano, que foram, em grande parte, medianas.

Um misto de comédia e sensualidade envolvem a narrativa, que é focada em Barnabas Collins. Apresentado ainda criança, junto aos pais Joshua (Ivan Kaye) e Naomi Collins (Susanna Cappellaro), deixa a cidade inglesa de Liverpool rumo aos Estados Unidos. A história que começa em 1752 é narrada pelo protagonista e acontece no Estado americano do Maine, na cidade Collinsport. Até que... há uma pausa de 175 anos. Como? O conflito da história é gerado por um amor não correspondido! 


Angelique Bouchard (Eva Green) não deixa passar em branco, afinal é uma bruxa. Para se vingar, em grande estilo, transforma o playboy do pedaço em vampiro. Após quase dois séculos, Barnabas é despertado e encontra a mansão que morava em ruínas, além de poucos Collins vivos.

Em meio a um mundo desconhecido, Barnabás conhece Victoria Winters (Bella Heathcote), a nova tutora do pequeno David (Gulliver McGrath). O centenário fica interessado na jovem, devido as semelhanças dela com a de seu amor do passado, Josette (Bella Heathcote). Ao encontrar tudo o que deixou em estado deplorável, Barnabas reergue tudo para fugir da terrível maldição que atingiu a família e, principalmente, a ele. 

Seja na vingança de Angelique ou na difícil compreensão dos alucinados anos 70 de Barnabas, há muito para rir e até se surpreender. Não há dúvida de que vemos um outro lado soturno e cômico de Johnny Depp, enquanto que Eva Green esbanja poder e precisão. Sombras da Noite pode não ser um filme marcante, mas garante 113 minutos de pura diversão. Há até um show (exclusivo) de Alice Cooper! 


A verdade é que Tim Burton retratou o gótico do passado com um toque de modernidade satirizada. Resultado: Conseguimos perdoar situações e personagens mal resolvidas. Afinal, qual foi a finalidade de mostrar o fantasma do lustre? Seria uma homenagem para O Fantasma da Ópera? E a médica com medo de envelhecer, seria uma nova leitura de Peter Pan? Enfim, a maior falha de Burton foi em deixar alguns conflitos para a livre interpretação do público. Que venha (e logo) a versão longa, do curta Frankenweenie!


Filme: Sombras da Noite (Dark Shadows, EUA)
Ano: 2012
Gênero: Comédia
Duração: 113 minutos
Direção: Tim Burton
Roteiro: John August, Seth Grahame-Smith
Elenco:  Johnny Depp, Eva Green, Michelle Pfeiffer, Helena Bonham Carter, Bella Heathcote, Chloë Grace Moretz, Gulliver McGrath, Jackie Earle Haley, Jonny Lee Miller, Christopher Lee, Alice Cooper

domingo, 2 de setembro de 2012

.: Resenha crítica de "O Vingador do Futuro", remake de clássico

Ação explodindo (repetidamente) na telona
Por: Mary Ellen Farias dos Santos*

Em setembro de 2012


O Vingador do Futuro: Remake de clássico de ficção científica deixa a desejar, por abusar de efeitos especiais e esquecer da essência da história original. Saiba mais!


Muita ação, efeitos especiais e um enredo de "grudar" os olhos na telona. "O Vingador do Futuro" (Total Recall) na nova versão, apresenta a história conturbada do operário de fábrica Douglas Quaid (Colin Farrell). Tudo estava (aparentemente) normal, até que, ainda em seu ambiente de trabalho, um novo colega lhe passa informações precisas de como sair da rotina maçante, utilizando "memórias" implantadas no cérebro. Diante da oportunidade aproveitada, o que ele escolher ser? Um super-espião.

Na sala da experiência, a operação dá problema, e Quaid é cercado pela polícia. Contudo, é importante lembrar que o nosso herói escolheu ser um super-espião e, claro, ele consegue escapar da situação (mega coreografada). Entretanto, ele não é esquecido pela "lei". Ainda perseguido, luta ao lado de rebeldes contra um Estado opressor. O mais interessante da história é o jogo entre o real e o imaginário. Desta forma, não fica difícil criar várias e várias possibilidades para explicar a história conturbada de Quaid. Assim, as cenas são repletas de corre-corre e muito quebra-quebra. Este excesso (tenho que confessar) mantém a atenção do público. Ponto positivo para o filme, pois, sinceramente, este gênero não me agrada.

O maior problema é quando a pancadaria passa a ser repetitiva e perde totalmente o efeito surpresa. Resultado: Não mantém a emoção em quem assiste. Culpa da atuação nada cativante de Collin? Talvez. Entretanto, é quase impossível não encher os olhos diante das belas aparições do tanquinho muito bem cuidado por ele. Fato!

Calma, meninos! Tem "alegria" para todos. As belas Kate Beckinsale e Jessica Biel também estão em O Vingador do Futuro. Enquanto uma é a "esposa" (neurótica), a outra mostra ser o verdadeiro amor de Douglas. Ambas são rivais, não apenas por disputarem o mesmo homem, mas pelo fato de uma ser da Federação Unida da Bretanha e a outra da Colônia (antiga Austrália).

A nova versão, dirigida por Len Wiseman, em meio a rostinhos bonitos e corpos sarados, traz efeitos visuais que saltam da tela. Entretanto, não consegue superar o primogênito. A versão de 1990, embora esteja "velha" e não apresente tantos recursos quanto o novíssimo O Vingador do Futuro, é gritantemente melhor. O "velhaco" ganha disparado pelo fato de ser inovador (para a época e até para os dias de hoje, né!), com mutantes, telepatas, alienígenas, Marte (sempre imaginei o planeta vermelho igual ao do filme dirigido por Paul Verhoeven. Fato!) e um enredo verossímil ao contexto da história de ficção científica abordada.

Agora a pergunta: Vale a pena ver o remake de O Vingador do Futuro? Sim, mas é claro que a versão de 1990 precisa ser devorada com antecedência. Pode-se dizer que o original é a essência rica, enquanto que o novo é imediatista (e super falso), tornando-o apenas mais um filme futurístico e não uma referência, como o antecessor.

Cine Roxy 5 Gonzaga: Av. Ana Costa, 443 - Gonzaga - Santos-SP. 5 salas - 1.305 poltronas. Cine Fone (13) 3289-8336
Roxy 6 Brisamar: Shopping Brisamar. Rua Frei Gaspar, 365 - Centro - São Vicente-SP. 6 salas 1.700 poltronas. Cine Fone (13) 3289-8336. Estacionamento de carros, gratuito por 3 horas para clientes do cinema, mediante validação de ticket 
Roxy 4 Pátio Iporanga: Shopping Pátio Iporanga. Av. Ana Costa, 465 - Gonzaga - Santos-SP. 4 salas Cine Fone (13) 3289-8336

Filme: O Vingador do Futuro (Total Recall, EUA)
Ano: 2012
Gênero: Ficção científica
Duração: 118 minutos
Direção: Len Wiseman
Roteiro: Kurt Wimmer, Mark Bomback
Elenco: Colin Farrell, Kate Beckinsale, Jessica Biel, Bryan Cranston, John Cho, Bill Nighy, Bokeem Woodbine, Will Yun Lee, Milton Barnes, James McGowan, Natalie Lisinska

sábado, 1 de setembro de 2012

.: Entrevista com Manoel Herzog, escritor de “Os Bichos”

“Marcas, a vida vai deixando em todos nós, exceto em Dorian Gray – mas o retrato dele é uma lástima. A vida é sucessão de escolhas, concessões e pecados todos cometemos.” - Manoel Herzog


Por: Helder Miranda, com colaboração de André Azenha e Mary Ellen Farias dos Santos
Em setembro de 2012


Ironia e crítica em obra literária que trata da situação política brasileira. Saiba mais do autor de "Os Bichos", Manoel Herzog.


O ditado diz que não se deve discutir política e religião. Mas “Os Bichos”, livro de Manoel Herzog, aborda esses temas de forma irônica e crítica. Editada pela editora Realejo, a obra mistura tarô, natureza e monarquia francesa, em um caldeirão que mira a situação política brasileira. 

Advogado há 22 anos, escreve desde pequeno. Participou de antologias e publicou o primeiro livro em 1987, “Brincadeira Surrealista”, de poesias, pela antiga Livraria Iporanga. Em 2009, foi finalista do prêmio Sesc com o romance ainda inédito “Fuga Amazônia de Mim”, sobre um homem na faixa dos quarenta anos, em crise, que vai ao Amazonas repensar a vida. Também ministra oficinas literárias. 

Em “Os Bichos”, Herzog traça um paralelo entre o urubu, ave que nasce branca e vai escurecendo conforme se alimenta de sujeiras, e o ser humano, que começa puro, mas se contamina com os males da sociedade. A trama acompanha um jovem idealista, que se apaixona pela filha de um político corrupto e acaba fazendo concessões para se aproximar da amada. “Tinha iniciado uma série de contos escritos em primeira pessoa com as vozes desses animais, como um cachorro que viveu comigo durante 16 anos. Tem dez animais que permeiam a narrativa do livro. E a história se desenvolve por um narrador onisciente, em terceira pessoa, e vai nessas duas linhas - seguem em paralelo e se encontram no final”, explica o autor. 

"As alegorias são uma forma direta de crítica dos costumes e serviram de base para o humanismo avançar um milímetro na direção da vida do espírito, evocada por grandes como Montaigne e Leopardi. Neste ‘Os Bichos’, de Manoel Herzog, temos um tipo mais sofisticado de alegoria, onde a ironia sutil é capaz de forjar um pensamento denso, que se alimenta de uma rica simbologia”, definiu o escritor Marcelo Ariel, na contracapa do livro.

Várias personalidades verídicas da Região Metropolitana da Baixada Santista são citadas ao longo da trama, apesar da narrativa acontecer em uma cidade fictícia. Para conceber o projeto, Herzog realizou um intenso trabalho de pesquisa. Inclusive, foi à França, onde buscou informações detalhadas das catedrais de Notre Dame e Saint-Denis, e do Palácio de Versalles - busca que surgiu em uma exposição sobre o lar da monarquia francesa, em São Paulo, anos atrás. “Os personagens do livro são monarquistas. Se compararmos, aquela realeza e os atuais políticos brasileiros estão bem próximos. Eles não se preocupam com a sociedade”, diz.



RESENHANDO – Em “Os Bichos”, você traça um paralelo entre o urubu, ave que nasce branca e vai escurecendo conforme se alimenta de sujeiras, e o ser humano, que chega à vida puro, mas se contamina com os males da sociedade. Há algo de autobiográfico nisso?
MANOEL HERZOG - Marcas, a vida vai deixando em todos nós, exceto em Dorian Gray – mas o retrato dele é uma lástima. A vida é sucessão de escolhas, concessões e pecados todos cometemos. Isso pra gente se converte em rugas, pro urubu, em penas pretas. Tenho procurado me aproximar de Deus, e fugido, na profissão e na vida, de tudo o que contraria meus princípios e, creia, a gente vê muita coisa que contraria. Assim, com esta vida de monge, se eu fizesse algo autobiográfico não despertaria interesse nos leitores. Meu protagonista é refém da corrupção, é venal, depravado, etc. É um eu piorado, digamos.


RESENHANDO - O que você tem de urubu, e vice e versa?
MH - Cada criatura viva tem um pouco da outra, talvez a ligação de cada centelha com a chama primordial. Compreender isto é um processo, digamos, cristão. O contrário é quando se pensa ser diferente, superior, vip, exclusive, privé, first class etc.


RESENHANDO - O ditado diz que não se deve discutir política e religião. Por que fez isso no livro?
MH - Ditados e dogmas existem para serem contestados. Mas não pretendi discutir estes temas no livro, trouxe apenas uma visão.


RESENHANDO - A mistura tarô, natureza, monarquia francesa, podem fazer um bom romance?
MH - Um bom romance não se faz de ingredientes. “Ulysses”, de Joyce, por exemplo, leva mil páginas para falar de um único dia na vida de um homem absolutamente comum, e é uma obra-prima. Não creio em ingredientes para compor narrativas. Talvez temperos, itens que se adicionam para sabor, mas que não são a essência do prato.


RESENHANDO - Como surgiu a ideia de escrever "Os Bichos"?
MH - Andei “internado” no meio do mato um período, um pequeno sítio onde crio alguns bichinhos. Lá, procurando entender a essência de cada bicho, comecei criando contos, em primeira pessoa, como se o cachorro falasse, a vaca, o porco, o galo etc. Enxerguei, depois, um fio narrativo ligando as vozes dos animais, um enredo que era permeado pelos bichos. Foi assim.


RESENHANDO - Como, quando, e porque começou a escrever? 
MH - Maomé, que era analfabeto, ditou o Corão, segundo o recebeu da inspiração divina, a um escriba. Digo isto para tentar desvincular a criação literária da alfabetização. Mas é quase impossível. Aprender a escrever é fundamental. Assim, eu acho que comecei a escrever muito cedo, nos tempos da cartilha “Caminho Suave”, talvez. Mas, com certeza, literariamente, no momento em que usei de alguma criatividade e impressionei a professora, por quem era apaixonado. De lá pra cá escrevo pra uma interlocutora imaginária, a quem busco seduzir. 


RESENHANDO - Por que um advogado resolve escrever literatura?
MH - Não resolve. Eu escrevia antes de ser advogado, e penso mesmo que a profissão inviabiliza a literatura, obrigando a outra forma de uso da palavra escrita.


RESENHANDO - O que seus textos dizem sobre você?
MH - O mesmo que as linhas da mão: tudo. E olha que eu tento falar de outras coisas.


RESENHANDO - O que, por exemplo?
MH - Depende da ignição, a fagulha inicial. Algum comando vem de algum lugar pra escrever aquilo. Daí eu tento.


RESENHANDO - Como foi ser um dos finalistas do prêmio Sesc de Literatura? 
MH - Foi muito agradável e, por isso, perigoso. O ego é o grande inimigo do escritor. Procuro ficar distante. À comissão julgadora, na fase classificatória, eu não tive acesso – mas sou grato por terem escolhido meu romance.


RESENHANDO - Qual a diferença entre “Os Bichos” e o que foi finalista do Prêmio Sesc?
MH - Sou dos que acha que um autor escreve o mesmo livro em sucessivas versões. Os Bichos é reflexo de mais maturidade, só isso.


RESENHANDO - Como as histórias e os personagens surgem para você?
MH - Há, em algum momento, a ignição, e começo a contar alguma história. Depois, sem a menor noção de onde a coisa vai desembocar, deixo que o enredo surja por si, as personagens falem o que querem. Muitas vezes é preciso voltar lá atrás, adaptar, etc. No fim, dá tudo certo.


RESENHANDO - Você ensina literatura. Como um escritor se coloca em aulas desse segmento?
MH - Sempre tenho o cuidado de explicar que não se ensina alguém a ser escritor. Trocam-se ideias, é pra isso que me ponho à frente da turma. No fundo, todos que chegam ali já têm seu estilo, a convivência e a prática é que aprimoram.



RESENHANDO - O que você aprende dando aulas de literatura?
MH - Muitas coisas. Entre elas ver a angústia dos que tentam lutar com a folha em branco, a dificuldade de achar um estilo próprio, a idéia rebelde que resiste à caneta ou ao teclado. Angústias que me são tão conhecidas. E a beleza, a grandiosidade da poesia, a literatura dos grandes mestres, que vou lá estudar com os colegas, compartilhar esse universo tão único com meus alunos/mestres.


RESENHANDO - O que o arrebata como leitor?
MH - O texto honesto, em que se possa ver a alma do autor. E tem umas almas muito loucas, pode acreditar.


RESENHANDO - A sua trajetória como advogado também renderia um romance? 
MH - Tudo rende um romance, é uma questão de saber contar. Assim, a trajetória de um advogado provinciano pode até render um romance. Mas não penso em escrever sobre isto, não vejo nada de interessante. O conflito humano rende boas histórias, e o foro é fértil em conflitos humanos. Há situações picarescas, outras tristes, mas prefiro nunca falar diretamente sobre a humanidade alheia, em respeito aos clientes. Na literatura é mais legal, adaptam-se situações reais a seres fictícios.


RESENHANDO - Você considera que melhorou como escritor ao longo do tempo?
MH - A gente deve melhorar com o passar do tempo, senão está vivendo errado. Gosto de uma das muitas sabedorias do Zeca Pagodinho: “o homem só aprende a vida quando dela se aposenta.” Acho que é isso, a gente vai melhorando. Uma hora, fica tão bom que morre.


RESENHANDO - Qual a musa inspiradora perfeita para um escritor?
MH - A que ele busca encantar. É infinita e múltipla essa musa. Thomas Mann a via como um lindo menino louro, Nabokov como uma Lolita pecaminosa. Pedofilias à parte, Santo Agostinho escrevia para Deus, Joyce para sua mulher, Almodóvar cria para sua mãe, e assim por diante. Comum a todas estas musas é um sentido maior, de poesia, da grande arte que elas personificam e que o artista, seu escravo, lhes tributa, como a uma santa, com olhos suplicantes.

sábado, 2 de junho de 2012

.: Resenha crítica de "Para Roma com Amor", de Woody Allen

Roma varrida para debaixo do tapete
Por: Helder Miranda
Em junho de 2012


Para Roma com Amor: Novo filme de Woody Allen mostra que a "ocasião faz o ladrão". Saiba mais!


“A ocasião faz o ladrão”, foi a primeira frase que escutei de um rapaz com sotaque forte enquanto me direcionava para a saída do Cine Roxy. Bancos confortáveis, boa projeção e, mais uma vez, um filme superestimado: "Para Roma, com Amor", a nova aposta de Woody Allen que segue a linha de homenagear cidades famosas, como o concorrente ao Oscar “Meia-noite em Paris”, uma total sessão da tarde que eu, particularmente, não entendo o motivo de ser tão cultuado. 

Assim como o filme rodado na capital da França, "Para Roma com Amor" começa muito bem. A ponto de me fazer pensar – novamente – que havia gostado de Woody Allen. Mas, do meio para o fim, o roteiro degringola de um jeito que só Woody Allen tem o dom. São quatro protagonistas que compõe o autorretrato do diretor e, neste caso, ator.

Há o Woody Allen da juventude (Jesse Eisenberg, de “A Rede Social”), que se confronta com o cético da atualidade (Alec Baldwin), o Woody casado que começa a esboçar os primeiros erros de seu casamento, o Woody que faz uma graça bobinha com a fama que no final admite não mais viver sem ela, e o Woody cínico, calejado pela vida, interpretado por ele mesmo, com a cobrança interna de descobrir novos talentos para satisfazer o próprio ego. 

Em comum, entre todos esses personagens, é o fato de que, assim como na vida real, não são absolutamente nada geniais. O segredo? Colocar uma “frase cabeça” em uma cena banal, ou metida a engraçadinha – confesso que não ri nenhuma vez – e envernizar a interpretação com a entonação de sarcasmo. As pessoas a-do-ram. Ou fingem que adoram, porque é Woody Allen. E, falar mal deste diretor, nos tempos de hoje, é uma heresia. 

Como o rapaz que saiu da sessão falando a frase “a ocasião faz o ladrão”, o filme bate na mesma tecla para comprovar a tese, mas cutuca, tão repetidamente, no tema da infidelidade que torna tudo muito enfadonho – menos a presença de Penélope Cruz na pele de uma carismática personagem que parece ter saído dos filmes de Federico Fellini.

Todos os personagens formam um mosaico de quem é Woody Allen. Até mesmo o detestável genro politicamente correto, uma resposta aos críticos de plantão do diretor. Não há inverossimilhança no homem que fica famoso da noite para o dia, mas há, muita, no rapaz que se casa virgem e cede aos encantos de uma desconhecida, mesmo que esta seja Penelope Cruz, na esposa virtuosa e perdida que perde a chance de fazer sexo com o seu ídolo e, na oportunidade, vai para a cama com o ladrão que, minutos antes, a assaltava. Ou ainda no sonhador que se apaixona pela garota errada – Ellen Page, que não é tão bonita quanto o enredo quer mostrar, num claro erro de escalação – mas “sabe” que a “coisa certa” é continuar com a namorada traída, “porque ela o ama de verdade”. 


Enfim, tudo uma patacoada só. O trailer é atrativo, mas não avance se você não gostar do estilo do diretor. E, no fim das contas, concluímos, eu e Mary Ellen, minha companheira de tantos anos, também de sala de cinema, que pode tudo na Roma de “a ocasião faz o ladrão”, desde que os erros, depois de cometidos, sejam varridos para debaixo do tapete. Mais Woody Allen, impossível.

Cine Roxy 5 Gonzaga: Av. Ana Costa, 443 - Gonzaga - Santos-SP. 5 salas - 1.305 poltronas. Cine Fone (13) 3289-8336
Roxy 6 Brisamar: Shopping Brisamar. Rua Frei Gaspar, 365 - Centro - São Vicente-SP. 6 salas 1.700 poltronas. Cine Fone (13) 3289-8336. Estacionamento de carros, gratuito por 3 horas para clientes do cinema, mediante validação de ticket 
Roxy 4 Pátio Iporanga: Shopping Pátio Iporanga. Av. Ana Costa, 465 - Gonzaga - Santos-SP. 4 salas Cine Fone (13) 3289-8336

Filme: Para Roma Com Amor (To Rome With Love, EUA, Itália, Espanha)
Ano: 2012
Gênero: Comédia
Duração: 102 minutos
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Alec Baldwin, Jesse Eisenberg, Greta Gerwig, Ellen Page, Alison Pill, Flavio Parenti, Fabio Armiliato, Roberto Benigni, Alessandro Tiberi, Alessandra Mastronardi, Penelope Cruz

sexta-feira, 1 de junho de 2012

.: Entrevista com Edson Flosi, jornalista e escritor

“Todo jornalista é um escritor em potencial.” - Edson Flosi

Por: Helder Miranda, com a colaboração de Ana Paula Alencar


Em junho de 2012


Conheça melhor aquele que desvendou o jornalismo. Saiba mais de Edson Flosi!



São 500 reportagens em 30 anos de jornalismo que fazem de Edson Flosi um jornalista diferenciado. Nascido em São Paulo em 1940, começou no jornalismo aos 20 anos e exerceu a profissão durante 30 anos, passando pelos jornais Folha de S.Paulo, Jornal da Tarde, O Globo e outros veículos da imprensa. Ocupou quase todos os cargos de uma redação: repórter, redator, pauteiro, chefe de reportagem, editor e secretário. Mas sempre voltava às ruas para fazer o que mais gostava: reportagem. Em toda a sua carreira foi essencialmente repórter policial. Milita, há 20 anos, no Fórum de São Paulo como advogado criminalista e, desde 1996, atuou como professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, onde exerceu o cargo de assessor da Diretoria.

Lançou, este ano, o livro “Por Trás da notícia - O Processo de Criação das Grandes Reportagens”, da Summus Editorial, que reúne 15 reportagens selecionadas, publicadas ao longo de sua trajetória profissional. Embora tenha se notabilizado pelas reportagens policiais, a obra mostra uma faceta pouco divulgada de Flosi: perfis de personalidades e de gente comum, mostrando assim versatilidade e talento para apurar boas histórias.

Os capítulos começam com os bastidores da produção de cada reportagem e apontam ainda eventuais percalços enfrentados pelo autor na época da realização das matérias - boa parte delas escritas durante a ditadura militar de 1964. Em seguida, traz fac-símiles de cada reportagem e, depois, a reprodução textual destas.

Entre as matérias mais importantes de Flosi estão duas sobre o famoso assalto ao trem pagador, ocorrido em 10 de agosto de 1968. A polícia suspeitava que o assalto havia sido planejado por guerrilheiros que lutavam contra a ditadura. 

Hoje, dominada por grandes empresas de comunicação - mais interessadas nos lucros do que nas notícias -, o jornalismo brasileiro atravessa uma crise: a apuração, o texto bem escrito e o contato direto com as fontes quase desapareceram. Entretanto, há apenas algumas décadas, a profissão era exercida "na raça" e nas ruas, com informações bem costuradas em grandes matérias. E é exatamente isso que Edson Flosi, testemunha e personagem dessa época, apresenta: uma amostragem histórica do jornalismo à moda antiga.

Mas foi em novembro de 1968 que Flosi publicou suas reportagens mais conhecidas. Depois de obter uma cópia de um dossiê do Departamento de Ordem Pública e Social (Dops), o repórter escreveu duas matérias que abordavam as ações da guerrilha do Araguaia. Uma delas trazia fotos e curtos perfis de 13 guerrilheiros. "Eu sabia que a documentação era verdadeira. Confiava na fonte e no meu trabalho. É um momento difícil na vida de um repórter: decidir se escreve ou não uma reportagem desse tipo. E nesse momento ele está sozinho; ninguém pode ajudá-lo - a decisão é só dele", recorda Flosi.

Fosse investigando crimes ou contando histórias corriqueiras, Flosi legou aos estudantes de jornalismo e a todos os que se interessam pela produção de notícias uma obra inigualável, fruto de uma vida inteira de trabalho. "Não tomei parte no jornalismo ‘empresarial’. Minha carreira acabou antes. Mas, sonhador irreverente, acredito na volta da grande reportagem e do jornalismo literário, o que dependerá das novas gerações de jornalistas, que terão de lutar por mais espaço dentro das empresas se quiserem atingir esse objetivo", finaliza.


RESENHANDO - Os jornalistas do passado eram melhores, ou os novos jornalistas foram prejudicados pela industrialização de notícias, ou a rapidez dos veículos de comunicação?
EDSON FLOSI – Os jornalistas do passado não eram melhores, mas tinham mais tempo e as despesas pagas para escreverem grandes reportagens, praticando nelas o jornalismo literário. Hoje, os jornalistas escreverem duas ou três matérias por dia sem sair da redação, por telefone ou pela internet.


RESENHANDO - Como foi o critério de seleção destas 15 reportagens?
EF – Assinei, em 30 anos de carreira, cerca de 500 reportagens. Selecionei 15 para o livro que escrevi, “Por Trás da Notícia”, não porque fossem as melhores, mas porque se adaptavam aos comentários que pretendia publicar com elas.


RESENHANDO - Para você, a morte do dentista Cícero Sumio Yajima foi suicídio ou assassinato? 
EF – Na reportagem “Um Mistério em Oito Capítulos”, sobre a morte do dentista Cícero Sumio Yajima, havia elementos que apontavam tanto para suicídio como para assassinato. A polícia não chegou a nenhuma conclusão. Eu também não.


RESENHANDO - Como se distanciar de casos pavorosos, como o trucidamento da família Kubitzky? 
EF – Não há que se distanciar de casos pavorosos. O repórter escreve sobre qualquer caso.


RESENHANDO - Cobrir este caso teve alguma consequência em sua trajetória, pessoal e profissional?
EF – Na história do assassinato da família Kubitzky, cuja reportagem faz parte do meu livro, fiquei impressionado com a brutalidade do crime, mas isso não impediu que eu escrevesse uma grande reportagem sobre a tragédia. O caso não teve nenhuma consequência para a minha carreira.


RESENHANDO - Era comum, na época em que era repórter, citar as pessoas pelo tom de pele. Acredita que a patrulha do politicamente correto pode atrapalhar na elaboração de um bom texto? 
EF – O patrulhamento do politicamente correto é coisa de quem não tem o que fazer. Às vezes, beira à irracionalidade. Outras vezes, à estupidez. Não vejo mal nenhum, quando necessário, em descrever características físicas ou fisionômicas de um personagem: alto, baixo, negro, branco, gordo, magro, feio, bonito, simpático, antipático. O leitor só tem o nome do personagem, não sabe quem é, como é, e precisa ser informado disso. Não se deve sonegar informações ao leitor.


RESENHANDO - De alguma maneira, em alguma dessas reportagens publicadas no livro, você deixou o profissional de lado e passou a agir como personagem, inserido na reportagem - mesmo que não tenha escrito isso?
EF – O repórter deve manter distância emocional do fato ou corre o risco de escrever um texto apaixonado ou parcial. Sempre que puder, ele deve ouvir as duas partes, publicar as duas versões da história. No meu caso, algumas vezes me envolvi, mas isso deve ser evitado. Não lembro, entretanto, de ter prejudicado alguém, mesmo envolvido na história.


RESENHANDO - O que é preciso ter em mente para elaborar uma grande reportagem?
EF – Uma grande reportagem nasce de uma ideia, de um fato, de uma informação. Para elaborar uma grande reportagem, é preciso tempo, apoio financeiro do jornal e espaço para a publicação. Uma grande reportagem exige cuidado na apuração, pesquisas, entrevistas e um texto, no mínimo, acima da média.


RESENHANDO - Você ocupou quase todos os cargos de uma redação: repórter, redator, pauteiro, chefe de reportagem, editor e secretário... 
EF – Ocupei, realmente, na minha carreira, todos os cargos de uma redação, menos o de diretor. Mas foi sempre por curtos períodos e logo que podia voltava às ruas para fazer o que mais gostava: reportagem. Fui essencialmente repórter policial.


RESENHANDO - Esse jornalismo "à moda antiga", nos tempos de hoje, colabora com o estereótipo do jornalista no imaginário popular - aquele que passa por cima de tudo e todos em busca de um furo de reportagem?
EF – O furo de reportagem não tem mais o sentido de antigamente por causa da quantidade de informações e os novos meios de comunicação. São tantos os casos criminais e de corrupção que um jornal pode dar um furo por dia se quiser. É só escolher um caso que não interessou aos concorrentes. Muitas vezes, o furo de reportagem está ligado ao jornalismo investigativo. Quanto ao comportamento do repórter, ele tem que ser ético em qualquer trabalho, não importa tratar-se, ou não, de um furo de reportagem.


RESENHANDO - Em tempos de internet, ainda é possível fazer grandes reportagens?
EF – Eu acho que é possível e há leitores para elas, desde que o tema escolhido seja interessante e bom o texto do autor, capaz de levar o leitor até o fim da matéria. A internet não concorre com os jornais impressos em termos de grandes reportagens.


RESENHANDO - Jornalismo é uma profissão que infla egos? 
EF – Toda profissão infla o ego, o “eu” de cada indivíduo, desde que exercida com amor e satisfação. A vaidade é inerente à natureza humana e o jornalista não escapa disso. O produto final de um trabalho, quando aplaudido, infla o ego do repórter e o torna feliz.


RESENHANDO - O que pensa sobre a não-obrigatoriedade do diploma para jornalistas?
EF – A faculdade de Jornalismo não forma necessariamente um bom jornalista. Ela apenas o prepara para a vida e a carreira. Bons jornalistas saíram dos meios acadêmicos e bons jornalistas foram autodidatas e não frequentaram nenhum curso universitário. Não sou a favor da obrigatoriedade do diploma para jornalistas, mas entendo que a faculdade o ajudará muito, assim como, se tiver tempo, ele deve cursar duas faculdades: uma de jornalismo e outra de sua livre escolha.


RESENHANDO - Pensa em escrever outros textos, além das matérias, como um romance?
EF – Todo jornalista é um escritor em potencial. Escrevi um livro e, se tiver tempo e condições, escreverei outros, entre eles um romance policial.


RESENHANDO - Por que, com uma trajetória tão marcante no jornalismo, resolveu se tornar advogado?
EF – Quando me aposentei, após 30 anos de trabalho como jornalista, e já formado em Direito, passei a advogar na área criminal, talvez porque tenha sido repórter policial durante tanto tempo. Precisava ganhar dinheiro para sobreviver. Então fui advogar. Depois, convidado a lecionar, tornei-me professor do Curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, onde fiquei 16 anos. Agora sou escritor. A vida é assim mesmo e a luta continua.

Livro: Por Trás da Notícia - O Processo de Criação das Grandes Reportagens 
Autor: Edson Flosi
Editora: Summus Editorial
Site: www.summus.com.br

quinta-feira, 29 de março de 2012

.: Entrevista com Seu Jorge, cantor, “o cara mais legal do mundo”

“O samba é uma festa, é um encontro, uma reunião” - Seu Jorge


Da reportagem
Em março de 2012


Seu Jorge: “O cara mais legal do mundo” complementa a entrevista anterior.


Seu Jorge é dono de uma façanha que talvez apenas nomes como Roberto Carlos e Ivete Sangalo alcancem: ele conversa com todas as classes. Ele costuma apresentar em reuniões com publicitários os resultados de uma pesquisa de imagem que encomendou para constatar que fala com as classes A, B, C e D. “É uma figura que não tem rejeição. Homens, mulheres, jovens, velhos, gays, héteros: todos simpatizam com Seu Jorge”, revela Ralph Choate, diretor da agência de comunicação Bigman. Choate o contratou em 2009 para fazer duas campanhas da marca Pool, da Riachuelo.


RESENHANDO – Como surgiu o projeto do CD “Seu Jorge & Almaz”?
S.J. – Começou em 2008, nada foi focado. Descobrimos a sonoridade juntos, a gente tocava cantando, dando canja. O Antonio fez músicas para “Cidade de Deus”. Eu já tinha feito esse filme, e descobrimos a sonoridade juntos. A gente notou que, naquele momento, o Brasil não tinha muito, fora a “Nação Zumbi”, grupos que tinham essa preocupação com a música, sonoridade. A gente falou: “Vamos nos encontrar amanhã, depois do expediente. Cada um traz meia dúzia de cerveja, capitais do Vinícius, vamos ouvindo e a gente vai gravar”. Em uma semana gravamos, acho que umas 18 canções. E, em sete, oito dias, a gente gravou. Muito rápido e muito “relax”, era ao vivo, no estúdio do Antonio. É cômodo, confortável, o Pupillo estava em uma sala, eu, em outra, e Antonio e ele na cabine. Nós podíamos tocar ao vivo e as coisas, na maioria das vezes, foram tudo “good take". Tirando as músicas em inglês que ninguém fazia, não fala a língua, é complicado.

RESENHANDO - Foi difícil?
S.J. – Não, não foi, por que eu já tinha intimidade com as músicas. Mas tinha uma preocupação. O Antonio fala inglês desde criança, então ajudava na correção. O Mário Caldato, que é americano, ajudou na correção, no entendimento das palavras, e acho que foram só essas canções em particular que deram um pouquinho mais de trabalho, mas as outras saíram de primeiro take. O Mário adorou o projeto e fez a pós-produção, mas no momento, lá em 2008, eu, a Nação e o próprio Antonio tínhamos muitos compromissos, então tivemos que esperar um pouco e achar um momento. Quando foi em 2010, a “Now Again” com a “Stone Stroke” fizeram uma proposta. O Mário introduziu, o Lúcio sugeriu quem fizesse a capa e rapidamente acertamos e fomos para os Estados Unidos. Lançamos o disco lá depois tive a felicidade de soltar o disco no Brasil.


RESENHANDO - Como foi a receptividade do público com o “Almaz” no exterior?
S.J. – Incrível, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. A surpresa particularmente foi ver a receptividade da imprensa nos Estados Unidos. O público, já imaginávamos, mas a imprensa foi uma bela e grata surpresa. A gente teve as melhores rádios dos Estados Unidos e o prestígio de tocar ao vivo nessas rádios com um público ouvindo na hora, e também mídia especializada de música. Os lugares que a gente tocou também criou uma boa impressão. Na Europa já era mais fácil. Eu, pelo menos, estava bem em casa na Europa. A França foi majestosa com a gente, Inglaterra, enfim... Em todos os lugares que a gente passou recebemos carinho. 


RESENHANDO – E a receptividade em relação a esse novo trabalho, no Brasil e exterior?
S.J. – O CD vendeu bem lá fora, diferente da situação brasileira. A gente tem um mercado difícil, uma tributação muito alta, mas a pirataria é um aspecto que não podemos ignorar. Mas, com tudo isso, a gente tem muita fé de que no Brasil possamos expandir com esse trabalho, fazer mais concertos, expor, com nosso som, que o Brasil tem sua própria música, reconhecida no mundo inteiro. É o que eu digo para a gringalhada lá fora: “Nós não viemos vender caipirinha e feijoada, que vocês já conhecem, nós viemos mostrar uma sonoridade mais cosmopolita para o mundo todo, e a nossa proposta é mostrar que o Brasil também é um país com preocupações de primeira, além de ter problemas de terceiro mundo”.


RESENHANDO – Como foi o critério de seleção para as músicas que entraram nesse CD?
S.J. – O Pupillo botou a ideia de “Rock With You”. Cada um de nós tomava uma cervejinha, ouvia o som, e o vinil que trouxemos. A gente ouviu várias coisas, muitas ficaram, mas na seleção final entraram as que estão no CD. O Mário também sugeriu: “É, escolham essas. Acho que vai contar uma história bonita de vocês nessa junção”.


RESENHANDO - Qual música é a maior pérola resgatada no disco?
S.J. – Destaco “Saudosa Bahia”, que é uma das canções que traz uma restauração e um resgate bacana do Noriel Vilela. Ele é outro artista que também tem uma entrada forte na música brasileira, uma presença forte, porque ele fala muito da coisa africana e da religião negra, brasileira e baiana. Esse artista ficou diluído nesse processo da música brasileira que teve uma evolução muito rápida, virou gênero de primeira necessidade. Em muitos casos, ela até substitui a literatura e a gente sabe disso. É música cultural que a gente passa junto de pai pra filho. Noriel Vilela faz parte desse legado.


RESENHANDO - Vocês começaram o CD em 2008, mas quanto tempo levou pra fazer?
S.J. – Em 2010, quando estávamos conversando com os Estados Unidos, o disco já estava pronto. A gente tomou esse cuidado porque é uma junção nova e a gente não sabia como iam receber esse trabalho. Então, decidimos testar isso em uma praça neutra, onde não necessariamente as pessoas nos conheçam a gente possa chegar e expor esse trabalho.


RESENHANDO – Vocês se apresentaram na Turquia. Como os turcos receberam a música brasileira?
S.J. – Muito bem, muito legal! Fiquei até surpreso. Eles conhecem nossa música lá. Jogador brasileiro foi para lá, e o atleta futebolista regula quase tudo do Brasil no mundo todo. Ele é um dos porta-vozes de levar muito da nossa cultura. O Vagner Love é um dos caras, inclusive, que leva muito da nossa cultura. E só o fato de ele estar lá e levar o samba, o pessoal já fica ligado, já acessa a internet e vê “como é que é que faz isso com o pé”.


RESENHANDO - Seja em qualquer lugar, o passaporte brasileiro “tira onda”?
S.J. – Na Turquia, você “tira onda” porque lá você não paga visto pra entrar. O Brasil tem um acordo comercial com a Turquia e eu fiquei muito surpreso com isso. O nosso passaporte é muito bem vindo lá.


RESENHANDO – Para vocês, qual é o estilo predominante?
S.J. – Samba e um pouco de tudo. (risos) O samba, não necessariamente, tem que ser de cavaquinho, de pandeiro e de tamborim. O samba é uma festa, é um encontro, uma reunião. E se a capital do Brasil fosse Pernambuco, talvez o frevo fosse a música mais importante. Então, o samba representa muito. Os artistas do samba são magníficos, deixam uma história bonita para a gente e não renegamos nada disso, somente damos uma alimentada no sonho de estarmos mais abertos, porque a gente também comunica na linguagem deles. É bacana chegar à Inglaterra e ver o cara do “The Gard” virar e falar: “esse cara humilhou todos os guitarristas da Inglaterra”. Chegar à Inglaterra e quebrar os guitarristas de lá é sambar muito! Tem que sambar bem! (risos)


RESENHANDO – Qual o papel da guitarra nesse CD?
S.J. – O mais bonito no trabalho do Lúcio, em minha opinião, é a possibilidade de espaço que é permitido também para as outras coisas acontecerem. Esse é conceito do disco também. Ela permite espaço, todo mundo jogando para o time, sabe?! Sem essa coisa assim de fiscalizar. A gente está muito longe de formatar a música como um grupo que estamos fazendo um gênero específico. ‘Ah, isso é psicodélico, isso é rock.’ Isso é o que você sentir, o que você quiser perceber. A gente dá espaço para você perceber a coisa. E os clichês, a gente não tem como evitar, mas de uma forma geral eu acredito que a gente procurou evitar ao máximo possível de clichês, de voz, de guitarra, de baixo, de bateria. A gente tentou jogar para o time, ser um time coeso. A gente tentou fazer uma coisa mais voltada para o espaço, para a atmosfera da música.


RESENHANDO - O Almaz tem a preocupação de ser uma big band com consistência e durabilidade ou são apenas quatro amigos que resolveram tirar um som?
S.J. – Não, temos consistência, temos coisas. Somos quatros amigos tirando um som, mas não há de ser uma big band. Nós somos quatro, cinco caras, é um power trio mesmo.


RESENHANDO - Vocês investiram em um som mais ao vivo ou fazem alguma coisa mais parecida da produção do CD?
S.J. – O show é igual ao disco. O som é igualzinho.Com Pediá, é fácil. É um pouco mais caro, mas é muito melhor. Para quem não sabe, Pediá é o meu técnico francês. Ele é maravilhoso, é um engenheiro ótimo. Aliás, nosso primeiro show foi na Irlanda, antes de lançarmos o disco. Fizemos um test drive na Irlanda, em Dublin, e foi o Pediá que fez e foi alucinante. Foi um espaço pequeninho, igual a esse que nós vamos fazer. E foi lá que eu conheci o Damien Rice. Ele foi ao show e me cumprimentou porque eu tinha feito o show com a Ana Carolina. Ele falou que vinha ao Brasil e veio mesmo, participar do meu DVD, o América Brasil.
Eu já tinha esquecido dessa história!


RESENHANDO - Vocês são os que mais “piram” o som brasileiro, na opinião de vocês?
S.J. – Eu posso dizer que não somos os que mais “piramos”, mas o mundo todo gosta da nossa música. O francês parece que é o que mais entende. A sensação que eu tenho é que são os que mais compreendem, não de música em geral, mas eles aceitam a história da música, das artes, ficam muitos envolvidos com isso. E se tem alegria na brincadeira, se a música é a alegre, aí é que eles querem mesmo. O show em Paris foi brincadeira. Estava com sold out há três semanas.


RESENHANDO - Vocês podem falar do curta The Model, que foi disponibilizado do Youtube. Como é que foi concebido?
S.J. – Olha, fizemos a tour e já estava na agenda. A gente parou um pouco, uma semana, para investigar. Saímos do Brasil com a ideia de filmar alguma coisa. Indo começar nos Estados Unidos, lá em Los Angeles, ou seja, a meca desse negócio, da música, do entretenimento, do show business. E a gente tinha um universo de relações, o Mário Caldato, Jack Jonhson e todos os amigos. Vindo da produtora da Sofia Copolla, eu, com a Stone Stroke e a Now Again, tivemos a proposta de fazer um vídeo, e eu falei logo: ‘Olha gente, eu sou ator e odeio esse negócio de vídeo fingindo que está cantando com a guitarra sem estar ligada no cabo. Não gosto dessa coisa, não suporto isso e acho que não tem nada a ver comigo, não fico bem com isso. Eu gosto de película, e se eu gostasse de vídeo, eu fazia novela, não vamos fazer uma coisa mais voltada pra isso”. Então, a gente resolveu contar uma historinha dessa modelo, desse cara que não dorme, que tem um sono prejudicado e que vive sonhando com essa pessoa. E dividimos em dois capítulos. O primeiro é um teaser com três músicas do álbum e era a história daquele cara sonhando com o ambiente da casa dele e as festas, os filhos, o encontro, a música, a comida... E ele descobre que tudo aquilo era sonho, que tudo aquilo era fantasia, e fica completamente perdido. Acho que o resultado ficou muito bonito, contanto com o pouco tempo que tivemos, dois dias pra fazer tudo, e o custo baixíssimo. A gente fez aquilo com, sei lá, três mil dólares.


RESENHANDO - E o projeto? Vamos falar dos vídeos...
S.J. – O démodé é a mesma história, só que em dois capítulos. Um é esse teaser com três faixas, e a óltima já vem contando a história do Marcelo, que é esse cara que não dorme. É um curta.

RESENHANDO - Você acredita que ainda tem pessoas que fazem a distinção entre sons afros e europeus? 
S.J. – Acredito que não tem como hoje em dia você ficar engessado em um gênero. 


RESENHANDO - Você acha importante manter a história de uma origem sem renegar o que esta por vir, ou você deixa se fundir e vira o que virá?
S.J. – Acho que tudo tem de se fundir, e tudo vai acabar se fundindo mesmo. Mas a distinção que eu acho que tem que existir entre uma coisa e outra fica em um departamento mais clássico. No que está em um departamento mais alternativo, está tudo misturado. Porque o que é clássico, o que está colocado como clássico, a música clássica europeia, a música rítmica africana e, em algum momento, o cenário alternativo vai pegar o fundamento disso tudo e vai fundir, misturar. Eu acredito muito na mistura das coisas, não vejo essa coisa de separar mais, não. Vejo a música se fundindo e as pessoas se relacionando. Os sites de relacionamento fazem isso, por que a musica não vai fazer?



RESENHANDO - Quando vocês fizeram o CD “Seu Jorge & Almaz”, foi feito na intenção do Brasil primeiramente?
S.J. – A gente nem sabia que ia sair, na real. A gente falou ‘Vamos fazer um CD para gente vender e colocar em uma gravadora. A gente fez um disco de sonoridades e passou dois anos, conseguimos uma companhia que, por acaso, era lá fora. Mas, podia ter sido aqui no Brasil, alguém ter feito uma proposta para gente. Mas como o Mário estava lá, mostrou para uns amigos deles e o cara se interessou, batemos um papo, encontrei com a turma, e acertamos tudo. A gente já estava feliz de gravar juntos e quando ia sair, por quem ia sair, toda maneira aconteceu. A gente deixa na mão de Deus.


RESENHANDO - Esse é um projeto puramente genuíno. Como foi o encontro da sonoridade deste projeto?
S.J. – A gente já tinha a base de algumas coisas gravadas. Eu lembro que estava sentado de frente e me mostraram “Errare Humanum Est”. Eu nunca tinha ouvido aquilo! Era Jorge Ben! A minha fase Jorge Ben era outra, era mais “W/Brasil” pra cá, a coisa mais antiga eu não tinha ouvido. Eu achei da pesada! Ele, o Pupilo e o Antonio me mostraram a música. E já tinha toda a base pronta da outra música que eu gravei, que era “Juízo Final”. E assim, eu fui me adequando porque a sonoridade já é muito deles. Só faltava a minha voz para dar uma coisa diferente ali e eu tentei me comportar de acordo. E eu gostei do que eu estava fazendo, da sonoridade que estava rolando, da minha participação com eles. Eu não precisava falar nada porque é diferente, é trabalhar com artista. Eu não preciso dizer o que o Lúcio precisa fazer na guitarra dele. Ele toca e eu gosto. Antonio toca, eu me amarro. Eu estou cantando, e eles se amarram também. Isso foi muito valioso no processo. Acho que o encontro da sonoridade foi isso, encontrar com artistas, gente que pensa como você e não necessariamente ter que dizer o que precisa ser feito.

RESENHANDO - Quem exatamente trouxe o Michael Jackson para o projeto?
S.J. – Pupillo. Ele falou “Eu acordo todo dia de manhã com essa música e tomo banho” (risos). Legal, então vamos nessa. Vamos gravar “Rock With You”.


RESENHANDO - Com esse conhecimento forte que vocês têm de cinema, quando escuto o Seu Jorge e Almaz, é claro que vocês vão receber convite para fazer trilhas sonoras. O que vocês acham disso?
S.J. – Na nossa música está muito associada à imagem, tem tanta cor...


RESENHANDO - A última frase do Tropa de Elite 2 é: “O sistema é foda”. Como podemos inverter isso com a música?
S.J. – Acho que tem que colocar muita responsabilidade na música. Os músicos podem ser embaixadores de uma ideia nova no Brasil e para o sistema. Os artistas, músicos e cidadãos em geral são importantes na construção do seu país, na soberania do país e na indenização do mesmo. É muito triste o que a gente vive, entendendo que o Brasil é um país do futuro e sempre foi dito isso. A gente cresceu aprendendo e acreditando que a gente vive em um país do futuro, mas quer ver este resultado na prática. Hoje, me parece um Brasil muito mais propenso a ser um país grande, melhor para o seu povo, que influencia na qualidade de vida dos seus filhos, da sua nação. Tem tudo para atravessar um bom momento e assumir o seu lugar de gigante pela própria natureza. É importante no território da América do Sul porque ele pode espelhar coisas para nossos vizinhos, como a Venezuela, a Colômbia e o Equador que vivem ainda ditaduras. 


RESENHANDO - Como que a música pode ter um impacto no sistema para deixar de ser foda ou ser foda no bom sentido?
S.J. – O aspecto democrático do Brasil pode ser muito útil, mas é necessário também que efetivamente a gente tenha resultados mais eficazes no que diz respeito ao aspecto social. E o sistema não está favorecendo uma igualdade social, ainda é necessária uma reforma política no Brasil; e essa reforma política só se dará com uma reforma no Legislativo. Então, há uma série de etapas a se pensar, a se construir, para a gente poder ter uma dimensão e um país melhor do que é a prospecção de futuro, do que é positivo para o Brasil e do que é negativo e que não a gente não deseja mais. 


RESENHANDO – O que falta, então?
S.J. – Cidadania é necessário. Formação é fundamental. Educação, saúde, todas essas coisas são necessárias para gente melhorar o nosso sistema. Mas a gente tem que conceituar o Brasil melhor, o país ainda não tem um conceito armado, não se sabe no que vai dar. A gente está muito feliz com a liberdade, com a permissão de muitas coisas, entre essas coisas, coisas boas e coisas ruins. Eu acho que esse sistema que não é bom, de permissão a todo direito. Acho que a gente tem que ver o que é bom para ser permitido e o que não é.


RESENHANDO - Você está otimista com o governo?
S.J. – Eu tenho fé no governo, na posição da mulher, do que a gente pode permitir, que essa mulher e o homem acertem as contas. Se as contas públicas tiveram uma redução, já está bom...Tem um êxodo de repatriação muito grande. A gente sabe que o Brasil vai bem, mas muito por conta do detrimento do mundo, das hostilidades que estão rolando na Europa e nos Estados Unidos... A própria inglesa de um programa de televisão e de rádio que nós fomos fazer, falou: “Qualquer hora vocês vão comprar tudo na Inglaterra. Vocês têm tudo para comprar tudo aqui na Inglaterra”. Eu quero isso, quero chegar lá e empreender, ter um negócio, empresas abrindo suas filiais lá fora, eu vejo esse país crescendo. Eu vejo empresas também muito interessadas no Brasil. Agora a gente precisa melhorar nossa capacitação, nossa infraestrutura. Isso vai levar um pouquinho de tempo, mas a gente tem esse caminho lateral. O mundo está olhando
para a gente com bons olhos. Saiu na CNN as 12 nacionalidades mais legais do mundo e o Brasil está em primeiro lugar. E adivinha quem é o ícone do povo? Eu! Engraçado os caras colocarem lá que Seu Jorge representa os 190 milhões e o Brasil é o povo mais legal do mundo, ou seja, o mais legal sou eu. Eu fiquei amarradão.

sexta-feira, 23 de março de 2012

.: Resenha de "A Estrela Mais Brilhante do Céu", Marian Keyes

Marian Keyes de volta, com níveis extras de profundidade
Por: Helder Miranda 

Em março de 2012


Dizem que a vingança é um prato que se come frio. Marian Keyes aposta neste tema desde sua estreia no país, com “Melancia”, que a apresentou ao público brasileiro no final de 2003.


A expectativa em torno de “A Estrela Mais Brilhante do Céu”, lançado no finalzinho de 2011, no entanto, era maior. Pois a própria autora considera este, mais um lançamento da Bertrand Brasil, o seu melhor livro. A surpresa sobre tal declaração vem na contramão de outras, em que afirmou se sentir insultada quando lhe perguntavam qual era a obra favorita escrita por ela. Com “A Estrela Mais Brilhante do Céu”, a justificativa é simples e instigante: “ele transmite um incrível sentimento de otimismo”.

Mais do que um habilidoso plano de vingança, a obra surpreende pela celebração às mulheres dos 20 aos 80 anos. A inconsequência da faixa etária menor é retratada com a taxista Lydia, que divide o aluguel com dois poloneses grandalhões e os aterroriza. A crise dos 40, com a autossuficiente de fachada Katie, às voltas com o namorado workaholic. O amadurecimento com Jemina, a vidente telefônica que, ao lado do fiel cão Rancor (que, às vezes, se torna um divertido narrador), dá a impressão de que está acenando para a vida, mas recebe a visita inesperada do filho de criação, caso raro que mistura príncipe encantado e falta de higiene.

Com a habitual leveza de Marian Keyes, temas delicados voltam a fazer parte de mais uma obra, desta vez com o casal Maeve e Matt, que enfrentam um dilema que os coloca à prova. Todos, de alguma maneira, estão ligados, ou, ao longo da história, passam a interagir. A exemplo de “Tem Alguém Aí?”, a obra flerta com o sobrenatural, tendo como narrador um ser sobrenatural que tem dois meses para cumprir uma missão com um desses moradores do edifício de quatro andares do número 66 da Star Street, em Dublin, na Irlanda. 

Enquanto permanece atravessando paredes entre um apartamento e outro, vivencia dramas particulares e o cotidiano dos personagens, marcados por grandes amores, decepções, receios e, como talvez por ser o livro mais denso de Marian Keyes até então, pouca dose de descontração. 

Leitores habituados à Marian Keyes de antes podem estranhar os personagens que imaginam quantos bolos de chocolate têm de comer para morrer, ou sentem alívio em arriscar a vida em sinais de trânsito. Com “A Estrela Mais Brilhante do Céu”, é possível perceber uma autora mais aprofundada, mais vivida, que cresceu acompanhada de seu público pisando fundo em searas tempestuosas, como abuso sexual, depressão, divórcio, drogas, infidelidade e luto. É uma leitura sobre morte e vida, mas, principalmente, sobre a linha tênue que separa os arrependimentos das segundas chances que todos recebem sem esperar e podem conduzir à redenção. 

Marian Keyes em raio-x: Ela tem como escritores favoritos Kate Atkinson, Sebastian Barry, Alexander McCall Smith, Christopher Brookmyre, Michael Connolly, e hoje é figura tarimbada na lista de livros mais vendidos ao redor do mundo. Irlandesa, a escritora Marian Keyes considera magnífico que haja muitas escritoras irlandesas. “Nós temos a tradição em contar histórias, com o colonialismo, tudo foi deixado para nós. Mas os irlandeses ainda formam uma sociedade patriarcal, então temos muito trabalho a fazer”, diz ela. 

Ela nasceu em Limerick, na Irlanda, em 1963. “Não escrevia até os 30 anos e não tinha ideia de que escrever era algo que gostaria de fazer. Minhas bases não estavam na escrita”, disse ela, em entrevista ao Resenhando.com. “O meu primeiro conto foi muito poderoso, até porque eu nunca tinha feito nada com que eu me sentisse útil e me orgulhasse de alguma forma”. Depois de tudo o que passou, principalmente por ter dado a volta por cima ao lutar contra o vício do alcoolismo, ela acredita que as dificuldades serviram para torná-la escritora, mas não se preocupa em ser famosa. “O melhor de tudo é ter contato com as pessoas ao redor do mundo”. 

Mas ela não esperava que o primeiro livro, lançado no final de 2003 pela Bertrand Brasil, fizesse tanto sucesso. “Pensei que as pessoas de fora da minha família não iriam recebê-lo bem e que os britânicos não iriam entendê-lo. No final, o sucesso ao redor do mundo foi surpreendente”. Autora de grandes personagens femininas, ela acredita que suas personagens são heroínas. “Elas passam por momentos difíceis, sobrevivem e emergem, fortes e sábias”.

Cenário para toda obra: Todos os livros de Marian Keyes, até mesmo “Los Angeles”, cuja maior parte da trama se passa na cidade do título, têm Dublin como cenário. O lema deste lugar, muitas vezes lembrado pelos pubs, na atualidade, e também pela característica medieval, é: "Feliz a cidade onde os cidadãos obedecem". Será mesmo? Entre os escritores, além de Marian Keyes, estão George Bernard Shaw, Bram Stoker, Jonathan Swift, Oscar Wilde, William Butler Yeats, Samuel Beckett e James Joyce. 

Localizada na costa oriental da Irlanda, na província de Leinster, é a capital e maior cidade deste país. Repleta de história, Dublin e seus habitantes passaram por profundas transformações ao longo dos séculos, passadas de geração em geração como herança das revoltas, das guerras e das conquistas deste lugar. 

Em 1960, Dublin passou por um significativo processo de restauração. A Dublin moderna, mostrada nos romances de Marian Keyes, hoje é uma cidade de glamour, como as maiores capitais europeias, que segue respeitando o patrimônio histórico e, ao mesmo tempo, permanece ligada às tendências da modernidade, sem deixar de manter um padrão econômico de país desenvolvido.

O clima é caracterizado por invernos suaves e verões frios, mas tem menos dias chuvosos, em média, do que Londres. Na área de educação, são três universidades e várias outras instituições de ensino. Culturalmente, Dublin abriga grandes festivais que já são tradição, desde festivais religiosos até feira literárias. Mas a festa mais popular, e também a que atrai mais turistas, é o Dia de São Patrício, comemorado em 17 de março.
Famílias a grupos de amigos, munidos de cervejas e o tradicional café irlandês, saem às ruas fantasiados ou com os rostos pintados, em uma espécie de carnaval. Na ocasião, podem ser vistos grandes bonecos infláveis, teatro de rua, artistas circenses, exibição de filmes irlandeses, shows e brincadeiras.

É fácil se movimentar pelo centro de Dublin, levando em consideração que a maioria dos monumentos e os principais pontos turísticos da cidade são acessíveis a pé e estão situados em uma área pequena. Por isso, não é necessário nenhum meio de transporte para ver o centro da cidade. No entanto, se o visitante quiser chegar um pouco mais longe, poderá alugar automóveis ou utilizar a ampla rede de transportes públicos de Dublin. Também se pode fazer uma visita guiada por meio do “Viking Splash Tour”, cujos guias se disfarçam de vikings para explicar a história da cidade, ao mesmo tempo que um veículo anfíbio percorre as ruas mais populares de Dublin. A visita guiada inclui uma parte do percurso na água, dentro do Grand Canal Docklands.

Livro: A Estrela Mais Brilhante do Céu
Título original: The brightest star in the sky
Autora: Marian Keyes
Tradutor: Maria Clara Mattos
598 páginas
Ano: 2011
Editora: Bertrand Brasil
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