quarta-feira, 2 de outubro de 2013

.: Resenha crítica de "Invocação do Mal", sobre demonologistas e fenômenos

Novo terror em família
Por: Mary Ellen Farias dos Santos*

Em outubro de 2013


Invocação do Mal: Uma boneca que deixa bilhetinhos de saudade. Fofinha? Sim! Contudo, aquela que inicia a narrativa de Invocação do Mal não é meiga, mas endemoninhada. É por meio dela que conhecemos os demonologistas Ed e Lorraine Warren.


Harrisville, Estados Unidos. Um casal (Ron Livinston e Lili Taylor) muda para uma casa nova ao lado de suas cinco filhas. Inexplicavelmente, estranhos acontecimentos começam a assustar as crianças, o pai e, principalmente, a mãe. Preocupada com algumas manchas que aparecem em seu corpo e com uma sequência de sustos que levou, ela decide procurar um famoso casal de investigadores paranormais (Patrick Wilson e Vera Farmiga), mas eles não aceitam o convite, acreditando ser somente mais um engano de pessoas apavoradas com canos que fazem barulhos durante a noite ou coisas do gênero. Porém, quando eles aceitam fazer uma visita ao local, descobrem que algo muito poderoso e do mal reside ali. Agora, eles precisam descobrir o que é e o porquê daquilo tudo acontecendo com os membros daquela família. É quando o passado começa a revelar uma entidade demoníaca querendo continuar sua trajetória de maldades.

Embora trate do trabalho dos demonologistas Ed e Lorraine Warren, Invocação do Mal (The Conjuring, 2013) não toca num ponto polêmico da carreira do casal, as acusações de adulterar casos paranormais - como o famoso ocorrido em Amityville em 1975 - para exagerá-los em adaptações ficcionais, em livros e no cinema.

De qualquer forma, o tom "documental" que o diretor James Wan usa de início, como se estivéssemos diante de um programa investigativo de TV sobre os Warren, com uma introdução pedagógica antes da cartela de créditos, ajuda a dar a Invocação do Mal não só uma cara de terror-baseado-em-fatos, mas principalmente um clima de desafetação.

Ed e Lorraine, vividos por Patrick Wilson e Vera Farmiga, são chamados a investigar uma potencial tentativa de possessão no novo e afastado sobrado de um casal com cinco filhas. Quando surge a família no casarão mal assombrado, nessa pegada desafetada, eles parecem "gente como a gente", e isso é crucial para colocar o espectador do filme.

O segredo, antes de mais nada, está na escalação. Nomes como Farmiga e Wilson trazem consigo personas de credibilidade, pelos dramas que já estrelaram no cinema ou na TV, mas é Lili Taylor o trunfo de Wan. Ela tem a fragilidade das grandes mães dos filmes de terror, como a Ellen Burstyn de O Exorcista ou a Mia Farrow de O Bebê de Rosemary - não uma fragilidade de vítima, mas de quem, apesar dos seus esforços, não tem como lidar com um demônio sozinha.

Nesses filmes citados, a possessão serve de metáfora para os desafios da maternidade, e em Invocação do Mal não é diferente. São cinco filhas, afinal, de idades e perfis e humores distintos, como o roteiro dos gêmeos Carey e Chad Hayes faz questão de diferenciar nas cenas da mudança. São também cinco vezes mais chances de tudo dar errado numa casa projetada para tal.

Pode parecer óbvio, mas para ser efetivo um terror de casa mal assombrada depende de uma casa bem escolhida e, principalmente, bem filmada. O cenário em Harrisville, Rhode Island, parece bastante genérico do lado de fora - árvores ladeando a propriedade, um lago turvo à frente, como sempre - mas aos poucos o sobrado, feito de quartos com portas duplas e muitos vãos, mostra que tem "personalidade" própria.

Pois não é pelo choque ou pelo grotesco que James Wan nos pega, e sim pela forma como se move na casa.

Quando as assombrações se materializam, não há música-de-susto, nem chicote/corte rápido simulando um desviar do olhar - elas simplesmente estão lá, como se fossem parte da mobília. O que desconcerta o espectador é outra coisa: é ser apresentado a essa casa de forma hospitaleira, atenciosa, com planos em traveling, de cômodo em cômodo (a ampla profundidade de campo sempre deixa os objetos na casa em foco), para depois termos esse conforto roubado: a montagem do filme usa o número de portas em cada quarto para nos desnortear, e a multiplicidade de ângulos (câmera ora no teto, ora de ponta-cabeça) e de perspectivas (câmera sobre o ombro da mãe, do pai, das filhas, é gente demais num lugar que já não parece grande o suficiente) termina de fazer o trabalho.

O grande volume de informações no quadro - quando tudo está em foco, tudo pode ser fonte de sustos - faz com que o espectador se comporte como nos terrores "de vigilância" à moda Atividade Paranormal, que dependem da atenção do espectador a todos os detalhes, para funcionar. A diferença aqui é que James Wan evita o formalismo desses terrores de hoje; Invocação do Mal pode soar cheio de tecnicidades mas, mesmo nos seus momentos de virtuose, o diretor ainda mantém um pé na desafetação.

No fim o público tende a ficar apavorado - e não assustado - porque a casa em si se torna uma incerteza, e não só um lugar com focos de terror. Talvez por isso o clímax, em que tudo e todos se comunicam sem respeitar paredes ou andares, seja tão catártico, de fato situado no coração do mal.

Filme: Invocação do Mal (The Conjuring, EUA)
Ano: 2013
Gênero: Terror
Duração: 112 minutos
Direção: James Wan
Roteiro: Chad Hayes, Carey Hayes
Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Lili Taylor, Ron Livingston, Shanley Caswell, Hayley McFarland, Joey King, Mackenzie Foy

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

.: Resenha crítica do filme "O Hobbit - Uma Jornada Inesperada"

O início da grande aventura
Por: Mary Ellen Farias dos Santos

Em janeiro de 2013



O Hobbit: Adaptação do livro da aventura que originou a incrível história da Sociedade do Anel e, agora, na era do cinema em 3D, leva o espectador de volta à Terra-média. Saiba mais!


Retornar ao universo fantástico de J.R.R. Tolkien, foi o melhor presente que Peter Jackson pode dar aos fãs e admiradores da trilogia "O Senhor dos Anéis". Após muitos anos de espera, por meio de "O Hobbit", reencontramos o mago Gandalf (Ian McKellen), Bilbo, o Bolseiro (Martin Freeman), o inescrupuloso Gollum (Andy Serkis) e até Frodo Bolseiro (Elijah Wood), que nem mesmo sonhava em ser o grande herói das histórias seguintes. 


Em "O Hobbit", enredo de tônica leve (originalmente, é um romance para crianças), Gandalf, ainda o Cinzento e os 13 anões formam uma companhia que contrata Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) -sem o conhecimento deste-, para uma jornada até a Montanha Solitária. Com qual objetivo? Bilbo tem mais possibilidades de recuperar os pertences dos anões que foram roubados pelo dragão Smaug (voz de Benedict Cumberbatch).

Intrigante, não? Desta forma, tudo o que surge diante da tela somente contribui para que o espectador -munido de seus óculos 3D- participe intensamente da grande aventura. De fato, o filme é um espetáculo. A fotografia de Andrew Lesnie e a trilha sonora de Howard Shore se completam enriquecendo a trama. Diante de um trabalho excelente, não há como deixar de desejar morar no Condado, além de passar férias em Valfenda e finais de semana em Erebor.

Embora seja um longa-metragem exemplar, "O Hobbit" não chega a ser perfeito. Seja por situações prolongadas como a da "invasão" dos anões na toca de Bilbo ou por tornar desnecessária, quase toda as aparições do mago Radagast, o Castanho (Sylvester McCoy). É claro, que ele se faz importante ao descobrir que o mal se instalou nas ruínas da cidade de Dol Guldur, mas, até então, há a sensação de que ele seja um personagem aleatório, sem conexão com a história.


A verdade é que neste longa de 169 minutos há somente seis capítulos dos 19 existentes no livro, além da introdução e duas cenas de apêndices. No entanto, fica evidente o esforço de Peter Jackson em esticar O Hobbit. Por outro lado, a qualidade de efeitos visuais e a novidade na filmagem com 48 quadros por segundo, logo nos fazem esquecer tais probleminhas. 

Principalmente, diante de cenas como brigas entre gigantes de pedra e fugas dentro de montanhas, os efeitos contribuem para que o público sinta ser um personagem-observador, ou seja, o espectador tem direito a uma visão em primeira pessoa.

Mergulhe você também na aventura em que Bilbo encontra o Um Anel e origina a trilogia O Senhor dos Anéis. Aproveite esta fabulosa imersão!


Filme: O Hobbit - Uma Jornada Inesperada (The Hobbit - An Unexpected Journey 
Nova Zelândia, EUA)
Ano: 2012
Gênero: Fantasia
Duração: 169 minutos
Direção: Peter Jackson
Roteiro: Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens, Guillermo del Toro
Elenco:  Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, James Nesbitt, Adam Brown, Aidan Turner, Dean O'Gorman, Graham McTavish, John Callen, Stephen Hunter, Mark Hadlow, Manu Bennett, Peter Hambleton, Ken Stott, Jed Brophy, William Kircher, Jeffrey Thomas, Mike Mizrahi, Cate Blanchett, Hugo Weaving, Elijah Wood, Andy Serkis, Sylvester McCoy, Lee Pace, Bret McKenzie, Barry Humphries, Benedict Cumberbatch

terça-feira, 2 de outubro de 2012

.: Resenha crítica de "Sombras da Noite", novo filme de Tim Burton

Um vampiro muito louco
Por: Mary Ellen Farias dos Santos*
Em outubro de 2012


Sombras da Noite: Novo filme de Tim Burton apresenta um novo lado "dark" de Johnny Depp. Saiba mais!


Ambiente escuro com algumas peças em um colorido extravagante. Sim, a marca de Tim Burton retorna em grande estilo na adaptação do seriado de TV Dark Shadows (1972), longa-metragem que em português recebeu o nome de "Sombras da Noite". Mais uma produção resultante do saudosismo de Tim Burton? Sim, mas não há como negar, embora a crítica tenha detonado o filme. "Sombras da Noite" é muito bom, principalmente se considerarmos as produções lançadas este ano, que foram, em grande parte, medianas.

Um misto de comédia e sensualidade envolvem a narrativa, que é focada em Barnabas Collins. Apresentado ainda criança, junto aos pais Joshua (Ivan Kaye) e Naomi Collins (Susanna Cappellaro), deixa a cidade inglesa de Liverpool rumo aos Estados Unidos. A história que começa em 1752 é narrada pelo protagonista e acontece no Estado americano do Maine, na cidade Collinsport. Até que... há uma pausa de 175 anos. Como? O conflito da história é gerado por um amor não correspondido! 


Angelique Bouchard (Eva Green) não deixa passar em branco, afinal é uma bruxa. Para se vingar, em grande estilo, transforma o playboy do pedaço em vampiro. Após quase dois séculos, Barnabas é despertado e encontra a mansão que morava em ruínas, além de poucos Collins vivos.

Em meio a um mundo desconhecido, Barnabás conhece Victoria Winters (Bella Heathcote), a nova tutora do pequeno David (Gulliver McGrath). O centenário fica interessado na jovem, devido as semelhanças dela com a de seu amor do passado, Josette (Bella Heathcote). Ao encontrar tudo o que deixou em estado deplorável, Barnabas reergue tudo para fugir da terrível maldição que atingiu a família e, principalmente, a ele. 

Seja na vingança de Angelique ou na difícil compreensão dos alucinados anos 70 de Barnabas, há muito para rir e até se surpreender. Não há dúvida de que vemos um outro lado soturno e cômico de Johnny Depp, enquanto que Eva Green esbanja poder e precisão. Sombras da Noite pode não ser um filme marcante, mas garante 113 minutos de pura diversão. Há até um show (exclusivo) de Alice Cooper! 


A verdade é que Tim Burton retratou o gótico do passado com um toque de modernidade satirizada. Resultado: Conseguimos perdoar situações e personagens mal resolvidas. Afinal, qual foi a finalidade de mostrar o fantasma do lustre? Seria uma homenagem para O Fantasma da Ópera? E a médica com medo de envelhecer, seria uma nova leitura de Peter Pan? Enfim, a maior falha de Burton foi em deixar alguns conflitos para a livre interpretação do público. Que venha (e logo) a versão longa, do curta Frankenweenie!


Filme: Sombras da Noite (Dark Shadows, EUA)
Ano: 2012
Gênero: Comédia
Duração: 113 minutos
Direção: Tim Burton
Roteiro: John August, Seth Grahame-Smith
Elenco:  Johnny Depp, Eva Green, Michelle Pfeiffer, Helena Bonham Carter, Bella Heathcote, Chloë Grace Moretz, Gulliver McGrath, Jackie Earle Haley, Jonny Lee Miller, Christopher Lee, Alice Cooper

domingo, 2 de setembro de 2012

.: Resenha crítica de "O Vingador do Futuro", remake de clássico

Ação explodindo (repetidamente) na telona
Por: Mary Ellen Farias dos Santos*

Em setembro de 2012


O Vingador do Futuro: Remake de clássico de ficção científica deixa a desejar, por abusar de efeitos especiais e esquecer da essência da história original. Saiba mais!


Muita ação, efeitos especiais e um enredo de "grudar" os olhos na telona. "O Vingador do Futuro" (Total Recall) na nova versão, apresenta a história conturbada do operário de fábrica Douglas Quaid (Colin Farrell). Tudo estava (aparentemente) normal, até que, ainda em seu ambiente de trabalho, um novo colega lhe passa informações precisas de como sair da rotina maçante, utilizando "memórias" implantadas no cérebro. Diante da oportunidade aproveitada, o que ele escolher ser? Um super-espião.

Na sala da experiência, a operação dá problema, e Quaid é cercado pela polícia. Contudo, é importante lembrar que o nosso herói escolheu ser um super-espião e, claro, ele consegue escapar da situação (mega coreografada). Entretanto, ele não é esquecido pela "lei". Ainda perseguido, luta ao lado de rebeldes contra um Estado opressor. O mais interessante da história é o jogo entre o real e o imaginário. Desta forma, não fica difícil criar várias e várias possibilidades para explicar a história conturbada de Quaid. Assim, as cenas são repletas de corre-corre e muito quebra-quebra. Este excesso (tenho que confessar) mantém a atenção do público. Ponto positivo para o filme, pois, sinceramente, este gênero não me agrada.

O maior problema é quando a pancadaria passa a ser repetitiva e perde totalmente o efeito surpresa. Resultado: Não mantém a emoção em quem assiste. Culpa da atuação nada cativante de Collin? Talvez. Entretanto, é quase impossível não encher os olhos diante das belas aparições do tanquinho muito bem cuidado por ele. Fato!

Calma, meninos! Tem "alegria" para todos. As belas Kate Beckinsale e Jessica Biel também estão em O Vingador do Futuro. Enquanto uma é a "esposa" (neurótica), a outra mostra ser o verdadeiro amor de Douglas. Ambas são rivais, não apenas por disputarem o mesmo homem, mas pelo fato de uma ser da Federação Unida da Bretanha e a outra da Colônia (antiga Austrália).

A nova versão, dirigida por Len Wiseman, em meio a rostinhos bonitos e corpos sarados, traz efeitos visuais que saltam da tela. Entretanto, não consegue superar o primogênito. A versão de 1990, embora esteja "velha" e não apresente tantos recursos quanto o novíssimo O Vingador do Futuro, é gritantemente melhor. O "velhaco" ganha disparado pelo fato de ser inovador (para a época e até para os dias de hoje, né!), com mutantes, telepatas, alienígenas, Marte (sempre imaginei o planeta vermelho igual ao do filme dirigido por Paul Verhoeven. Fato!) e um enredo verossímil ao contexto da história de ficção científica abordada.

Agora a pergunta: Vale a pena ver o remake de O Vingador do Futuro? Sim, mas é claro que a versão de 1990 precisa ser devorada com antecedência. Pode-se dizer que o original é a essência rica, enquanto que o novo é imediatista (e super falso), tornando-o apenas mais um filme futurístico e não uma referência, como o antecessor.

Cine Roxy 5 Gonzaga: Av. Ana Costa, 443 - Gonzaga - Santos-SP. 5 salas - 1.305 poltronas. Cine Fone (13) 3289-8336
Roxy 6 Brisamar: Shopping Brisamar. Rua Frei Gaspar, 365 - Centro - São Vicente-SP. 6 salas 1.700 poltronas. Cine Fone (13) 3289-8336. Estacionamento de carros, gratuito por 3 horas para clientes do cinema, mediante validação de ticket 
Roxy 4 Pátio Iporanga: Shopping Pátio Iporanga. Av. Ana Costa, 465 - Gonzaga - Santos-SP. 4 salas Cine Fone (13) 3289-8336

Filme: O Vingador do Futuro (Total Recall, EUA)
Ano: 2012
Gênero: Ficção científica
Duração: 118 minutos
Direção: Len Wiseman
Roteiro: Kurt Wimmer, Mark Bomback
Elenco: Colin Farrell, Kate Beckinsale, Jessica Biel, Bryan Cranston, John Cho, Bill Nighy, Bokeem Woodbine, Will Yun Lee, Milton Barnes, James McGowan, Natalie Lisinska

sábado, 1 de setembro de 2012

.: Entrevista com Manoel Herzog, escritor de “Os Bichos”

“Marcas, a vida vai deixando em todos nós, exceto em Dorian Gray – mas o retrato dele é uma lástima. A vida é sucessão de escolhas, concessões e pecados todos cometemos.” - Manoel Herzog


Por: Helder Miranda, com colaboração de André Azenha e Mary Ellen Farias dos Santos
Em setembro de 2012


Ironia e crítica em obra literária que trata da situação política brasileira. Saiba mais do autor de "Os Bichos", Manoel Herzog.


O ditado diz que não se deve discutir política e religião. Mas “Os Bichos”, livro de Manoel Herzog, aborda esses temas de forma irônica e crítica. Editada pela editora Realejo, a obra mistura tarô, natureza e monarquia francesa, em um caldeirão que mira a situação política brasileira. 

Advogado há 22 anos, escreve desde pequeno. Participou de antologias e publicou o primeiro livro em 1987, “Brincadeira Surrealista”, de poesias, pela antiga Livraria Iporanga. Em 2009, foi finalista do prêmio Sesc com o romance ainda inédito “Fuga Amazônia de Mim”, sobre um homem na faixa dos quarenta anos, em crise, que vai ao Amazonas repensar a vida. Também ministra oficinas literárias. 

Em “Os Bichos”, Herzog traça um paralelo entre o urubu, ave que nasce branca e vai escurecendo conforme se alimenta de sujeiras, e o ser humano, que começa puro, mas se contamina com os males da sociedade. A trama acompanha um jovem idealista, que se apaixona pela filha de um político corrupto e acaba fazendo concessões para se aproximar da amada. “Tinha iniciado uma série de contos escritos em primeira pessoa com as vozes desses animais, como um cachorro que viveu comigo durante 16 anos. Tem dez animais que permeiam a narrativa do livro. E a história se desenvolve por um narrador onisciente, em terceira pessoa, e vai nessas duas linhas - seguem em paralelo e se encontram no final”, explica o autor. 

"As alegorias são uma forma direta de crítica dos costumes e serviram de base para o humanismo avançar um milímetro na direção da vida do espírito, evocada por grandes como Montaigne e Leopardi. Neste ‘Os Bichos’, de Manoel Herzog, temos um tipo mais sofisticado de alegoria, onde a ironia sutil é capaz de forjar um pensamento denso, que se alimenta de uma rica simbologia”, definiu o escritor Marcelo Ariel, na contracapa do livro.

Várias personalidades verídicas da Região Metropolitana da Baixada Santista são citadas ao longo da trama, apesar da narrativa acontecer em uma cidade fictícia. Para conceber o projeto, Herzog realizou um intenso trabalho de pesquisa. Inclusive, foi à França, onde buscou informações detalhadas das catedrais de Notre Dame e Saint-Denis, e do Palácio de Versalles - busca que surgiu em uma exposição sobre o lar da monarquia francesa, em São Paulo, anos atrás. “Os personagens do livro são monarquistas. Se compararmos, aquela realeza e os atuais políticos brasileiros estão bem próximos. Eles não se preocupam com a sociedade”, diz.



RESENHANDO – Em “Os Bichos”, você traça um paralelo entre o urubu, ave que nasce branca e vai escurecendo conforme se alimenta de sujeiras, e o ser humano, que chega à vida puro, mas se contamina com os males da sociedade. Há algo de autobiográfico nisso?
MANOEL HERZOG - Marcas, a vida vai deixando em todos nós, exceto em Dorian Gray – mas o retrato dele é uma lástima. A vida é sucessão de escolhas, concessões e pecados todos cometemos. Isso pra gente se converte em rugas, pro urubu, em penas pretas. Tenho procurado me aproximar de Deus, e fugido, na profissão e na vida, de tudo o que contraria meus princípios e, creia, a gente vê muita coisa que contraria. Assim, com esta vida de monge, se eu fizesse algo autobiográfico não despertaria interesse nos leitores. Meu protagonista é refém da corrupção, é venal, depravado, etc. É um eu piorado, digamos.


RESENHANDO - O que você tem de urubu, e vice e versa?
MH - Cada criatura viva tem um pouco da outra, talvez a ligação de cada centelha com a chama primordial. Compreender isto é um processo, digamos, cristão. O contrário é quando se pensa ser diferente, superior, vip, exclusive, privé, first class etc.


RESENHANDO - O ditado diz que não se deve discutir política e religião. Por que fez isso no livro?
MH - Ditados e dogmas existem para serem contestados. Mas não pretendi discutir estes temas no livro, trouxe apenas uma visão.


RESENHANDO - A mistura tarô, natureza, monarquia francesa, podem fazer um bom romance?
MH - Um bom romance não se faz de ingredientes. “Ulysses”, de Joyce, por exemplo, leva mil páginas para falar de um único dia na vida de um homem absolutamente comum, e é uma obra-prima. Não creio em ingredientes para compor narrativas. Talvez temperos, itens que se adicionam para sabor, mas que não são a essência do prato.


RESENHANDO - Como surgiu a ideia de escrever "Os Bichos"?
MH - Andei “internado” no meio do mato um período, um pequeno sítio onde crio alguns bichinhos. Lá, procurando entender a essência de cada bicho, comecei criando contos, em primeira pessoa, como se o cachorro falasse, a vaca, o porco, o galo etc. Enxerguei, depois, um fio narrativo ligando as vozes dos animais, um enredo que era permeado pelos bichos. Foi assim.


RESENHANDO - Como, quando, e porque começou a escrever? 
MH - Maomé, que era analfabeto, ditou o Corão, segundo o recebeu da inspiração divina, a um escriba. Digo isto para tentar desvincular a criação literária da alfabetização. Mas é quase impossível. Aprender a escrever é fundamental. Assim, eu acho que comecei a escrever muito cedo, nos tempos da cartilha “Caminho Suave”, talvez. Mas, com certeza, literariamente, no momento em que usei de alguma criatividade e impressionei a professora, por quem era apaixonado. De lá pra cá escrevo pra uma interlocutora imaginária, a quem busco seduzir. 


RESENHANDO - Por que um advogado resolve escrever literatura?
MH - Não resolve. Eu escrevia antes de ser advogado, e penso mesmo que a profissão inviabiliza a literatura, obrigando a outra forma de uso da palavra escrita.


RESENHANDO - O que seus textos dizem sobre você?
MH - O mesmo que as linhas da mão: tudo. E olha que eu tento falar de outras coisas.


RESENHANDO - O que, por exemplo?
MH - Depende da ignição, a fagulha inicial. Algum comando vem de algum lugar pra escrever aquilo. Daí eu tento.


RESENHANDO - Como foi ser um dos finalistas do prêmio Sesc de Literatura? 
MH - Foi muito agradável e, por isso, perigoso. O ego é o grande inimigo do escritor. Procuro ficar distante. À comissão julgadora, na fase classificatória, eu não tive acesso – mas sou grato por terem escolhido meu romance.


RESENHANDO - Qual a diferença entre “Os Bichos” e o que foi finalista do Prêmio Sesc?
MH - Sou dos que acha que um autor escreve o mesmo livro em sucessivas versões. Os Bichos é reflexo de mais maturidade, só isso.


RESENHANDO - Como as histórias e os personagens surgem para você?
MH - Há, em algum momento, a ignição, e começo a contar alguma história. Depois, sem a menor noção de onde a coisa vai desembocar, deixo que o enredo surja por si, as personagens falem o que querem. Muitas vezes é preciso voltar lá atrás, adaptar, etc. No fim, dá tudo certo.


RESENHANDO - Você ensina literatura. Como um escritor se coloca em aulas desse segmento?
MH - Sempre tenho o cuidado de explicar que não se ensina alguém a ser escritor. Trocam-se ideias, é pra isso que me ponho à frente da turma. No fundo, todos que chegam ali já têm seu estilo, a convivência e a prática é que aprimoram.



RESENHANDO - O que você aprende dando aulas de literatura?
MH - Muitas coisas. Entre elas ver a angústia dos que tentam lutar com a folha em branco, a dificuldade de achar um estilo próprio, a idéia rebelde que resiste à caneta ou ao teclado. Angústias que me são tão conhecidas. E a beleza, a grandiosidade da poesia, a literatura dos grandes mestres, que vou lá estudar com os colegas, compartilhar esse universo tão único com meus alunos/mestres.


RESENHANDO - O que o arrebata como leitor?
MH - O texto honesto, em que se possa ver a alma do autor. E tem umas almas muito loucas, pode acreditar.


RESENHANDO - A sua trajetória como advogado também renderia um romance? 
MH - Tudo rende um romance, é uma questão de saber contar. Assim, a trajetória de um advogado provinciano pode até render um romance. Mas não penso em escrever sobre isto, não vejo nada de interessante. O conflito humano rende boas histórias, e o foro é fértil em conflitos humanos. Há situações picarescas, outras tristes, mas prefiro nunca falar diretamente sobre a humanidade alheia, em respeito aos clientes. Na literatura é mais legal, adaptam-se situações reais a seres fictícios.


RESENHANDO - Você considera que melhorou como escritor ao longo do tempo?
MH - A gente deve melhorar com o passar do tempo, senão está vivendo errado. Gosto de uma das muitas sabedorias do Zeca Pagodinho: “o homem só aprende a vida quando dela se aposenta.” Acho que é isso, a gente vai melhorando. Uma hora, fica tão bom que morre.


RESENHANDO - Qual a musa inspiradora perfeita para um escritor?
MH - A que ele busca encantar. É infinita e múltipla essa musa. Thomas Mann a via como um lindo menino louro, Nabokov como uma Lolita pecaminosa. Pedofilias à parte, Santo Agostinho escrevia para Deus, Joyce para sua mulher, Almodóvar cria para sua mãe, e assim por diante. Comum a todas estas musas é um sentido maior, de poesia, da grande arte que elas personificam e que o artista, seu escravo, lhes tributa, como a uma santa, com olhos suplicantes.

sábado, 2 de junho de 2012

.: Resenha crítica de "Para Roma com Amor", de Woody Allen

Roma varrida para debaixo do tapete
Por: Helder Miranda
Em junho de 2012


Para Roma com Amor: Novo filme de Woody Allen mostra que a "ocasião faz o ladrão". Saiba mais!


“A ocasião faz o ladrão”, foi a primeira frase que escutei de um rapaz com sotaque forte enquanto me direcionava para a saída do Cine Roxy. Bancos confortáveis, boa projeção e, mais uma vez, um filme superestimado: "Para Roma, com Amor", a nova aposta de Woody Allen que segue a linha de homenagear cidades famosas, como o concorrente ao Oscar “Meia-noite em Paris”, uma total sessão da tarde que eu, particularmente, não entendo o motivo de ser tão cultuado. 

Assim como o filme rodado na capital da França, "Para Roma com Amor" começa muito bem. A ponto de me fazer pensar – novamente – que havia gostado de Woody Allen. Mas, do meio para o fim, o roteiro degringola de um jeito que só Woody Allen tem o dom. São quatro protagonistas que compõe o autorretrato do diretor e, neste caso, ator.

Há o Woody Allen da juventude (Jesse Eisenberg, de “A Rede Social”), que se confronta com o cético da atualidade (Alec Baldwin), o Woody casado que começa a esboçar os primeiros erros de seu casamento, o Woody que faz uma graça bobinha com a fama que no final admite não mais viver sem ela, e o Woody cínico, calejado pela vida, interpretado por ele mesmo, com a cobrança interna de descobrir novos talentos para satisfazer o próprio ego. 

Em comum, entre todos esses personagens, é o fato de que, assim como na vida real, não são absolutamente nada geniais. O segredo? Colocar uma “frase cabeça” em uma cena banal, ou metida a engraçadinha – confesso que não ri nenhuma vez – e envernizar a interpretação com a entonação de sarcasmo. As pessoas a-do-ram. Ou fingem que adoram, porque é Woody Allen. E, falar mal deste diretor, nos tempos de hoje, é uma heresia. 

Como o rapaz que saiu da sessão falando a frase “a ocasião faz o ladrão”, o filme bate na mesma tecla para comprovar a tese, mas cutuca, tão repetidamente, no tema da infidelidade que torna tudo muito enfadonho – menos a presença de Penélope Cruz na pele de uma carismática personagem que parece ter saído dos filmes de Federico Fellini.

Todos os personagens formam um mosaico de quem é Woody Allen. Até mesmo o detestável genro politicamente correto, uma resposta aos críticos de plantão do diretor. Não há inverossimilhança no homem que fica famoso da noite para o dia, mas há, muita, no rapaz que se casa virgem e cede aos encantos de uma desconhecida, mesmo que esta seja Penelope Cruz, na esposa virtuosa e perdida que perde a chance de fazer sexo com o seu ídolo e, na oportunidade, vai para a cama com o ladrão que, minutos antes, a assaltava. Ou ainda no sonhador que se apaixona pela garota errada – Ellen Page, que não é tão bonita quanto o enredo quer mostrar, num claro erro de escalação – mas “sabe” que a “coisa certa” é continuar com a namorada traída, “porque ela o ama de verdade”. 


Enfim, tudo uma patacoada só. O trailer é atrativo, mas não avance se você não gostar do estilo do diretor. E, no fim das contas, concluímos, eu e Mary Ellen, minha companheira de tantos anos, também de sala de cinema, que pode tudo na Roma de “a ocasião faz o ladrão”, desde que os erros, depois de cometidos, sejam varridos para debaixo do tapete. Mais Woody Allen, impossível.

Cine Roxy 5 Gonzaga: Av. Ana Costa, 443 - Gonzaga - Santos-SP. 5 salas - 1.305 poltronas. Cine Fone (13) 3289-8336
Roxy 6 Brisamar: Shopping Brisamar. Rua Frei Gaspar, 365 - Centro - São Vicente-SP. 6 salas 1.700 poltronas. Cine Fone (13) 3289-8336. Estacionamento de carros, gratuito por 3 horas para clientes do cinema, mediante validação de ticket 
Roxy 4 Pátio Iporanga: Shopping Pátio Iporanga. Av. Ana Costa, 465 - Gonzaga - Santos-SP. 4 salas Cine Fone (13) 3289-8336

Filme: Para Roma Com Amor (To Rome With Love, EUA, Itália, Espanha)
Ano: 2012
Gênero: Comédia
Duração: 102 minutos
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Alec Baldwin, Jesse Eisenberg, Greta Gerwig, Ellen Page, Alison Pill, Flavio Parenti, Fabio Armiliato, Roberto Benigni, Alessandro Tiberi, Alessandra Mastronardi, Penelope Cruz

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