terça-feira, 10 de abril de 2018

.: Crítica: Em "Senhora dos Afogados", mulheres são forças da natureza


Por Helder Moraes Miranda, em abril de 2018.



Escrita por Nelson Rodrigues em 1947, "Senhora dos Afogados" continua atual. Tudo conspira a favor dessa montagem, necessária diante dos tempos em que o politicamente correto impera na hipocrisia das pessoas, que fazem justamente o que criticam nos outros mas negam veementemente em si mesmos. 


Nenhuma peça em cartaz hoje conversa tão diretamente com o empoderamento feminino quanto a desse autor, que notoriamente sempre escreveu papéis femininos muito fortes. Em cartaz até dia 29 de abril no Teatro Porto Seguro, o espetáculo gira em torno dos Drummond, uma família de 300 anos, com mulheres que se gabam de nunca terem traído os maridos. Tudo começa quando elas choram a morte de Clarinha, a caçula das filhas de Dona Eduarda (Alexia Dechamps) e Misael Drummond (João Vitti). Mas, ao mesmo tempo, algumas prostitutas do cais do porto interrompem suas atividades para lamentar a impunidade do assassinato de uma delas, que morrera há 19 anos.


Tudo isso é pretexto para que duas grandes atrizes de suas gerações brilharem. Naturalmente, Alexia Dechamps e Karen Junqueira (Moema) devoram, com suas personagens, tudo o que representa o masculino. E é justamente entre o conflito entre masculino e feminino que Letícia Birkheuer surpreende no papel de um homem. Não é à toa que o projeto desta montagem surgiu de um desejo dessa atriz de que Jorge Farjalla, o diretor, a desconstruísse em um papel de teatro. Ela interpreta Paulo, o filho do casal pescador, "nunca julgado pela mãe".


Isso não quer dizer que os outros atores do sexo masculino não estejam bem. Tudo nessa montagem é incrivelmente bem-ajustado. João e Rafael Vitti, pai e filho na vida real e na ficção, são levados à extremos e, em uma cena em que toda a carga dramática gira em torno deles a partir de uma vingança desejada, planejada e executada que só pode terminar em tragédia, eles brilham. Em cena como rivais em que a cafajestagem dos homens dá a tônica, ambos são muito consistentes e, até certo ponto, irreconhecíveis em seus papéis. 

Nessa montagem de "Senhora dos Afogados", tudo se encaixa perfeitamente. O mar, no entanto, é o personagem principal. É em frente a ele que tudo acontece, desde o assassinato de uma prostituta ao afogamento de jovens indefesas. Também é testemunha ocular das tragédias pessoais dos personagens o farol que ilumina todas as cenas e traz de volta segredos escondidos que, assim que forem revelados, podem mudar o rumo das situações.


O mar, no espetáculo, é uma "persona" inanimada, mas palpável e sonora, que percorre todas as cenas e serve como pano de fundo para ser o cenário da força de interpretação de Karen Junqueira, extremamente convincente no papel de Moema, a filha apaixonada pelo pai - a ponto de a interpretação dela se tornar uma espécie de possessão, já que a personagem emana por todos os poros da atriz, coisa impressionante para uma intérprete tão jovem. Moema é a protagonista e a personagem agente, tudo acontece a partir das atitudes dela, uma obsessiva pelo amor incestuoso do pai.


A Eduarda de Alexia Dechamps também esboça essa força, um pouco mais contida que a de Moema, mas demonstra a grande atriz que ela é. Dechamps empresta a beleza para a personagem, mas também toda a maturidade de uma mulher que sabe que a força da estrangeira que interpreta depende justamente dos momentos em que precisa de suavidade, para explodir em cena no momento oportuno.


Também se destacam Du Machado, o vendedor de pentes e, no elenco feminino, Nadia Bambirra (Dona Marianinha, a avó) e Jaqueline Farias, a prostituta morta, vizinha e outra prostituta do cais, nesse ambiente em que se alternam sagrado e profano. Memorável e, sem sombra de dúvida, um marco. O cenário é assinado por José Dias e a trilha sonora por João Paulo Mendonça. Os figurinos e adereços são de Jorge Farjalla em parceria com Ana Castilho, e luz de Vladimir Freire e Jacson Inácio. 

Há 71 anos, Nelson Rodrigues escreveu um espetáculo que, mesmo em 2018, soa como uma espécie de "porrada" para o espectador. Tão forte que, de tão intensa, os atores que a encenam devem sair arrebentados do palco.  




Ligações incestuosas & obsessões

Dirigido por Jorge Farjalla, o espetáculo "Senhora dos Afogados", texto de Nelson Rodrigues, está em cartaz no Teatro Porto Seguro até 29 de abril.  No elenco, estão Alexia Dechamps, Joao Vitti, Karen Junqueira, Rafael Vitti, Letícia Birkheuer, Nadia Bambirra, Jaqueline Farias e Du Machado. 

"Senhora dos Afogados" faz parte da saga mítica rodriguiana assim intitulada pelo crítico Sábato Magaldi. Escrita em 1947, segue a linha de "Álbum de Família" (1945), "Anjo Negro" (1946) e "Dorotéia" (1949) e traz uma forte simbologia que se aproxima das tragédias gregas, em que os clãs familiares se entre-devoram num inferno de culpas desmedidas.  


*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.

Ficha técnica:

Texto: Nelson Rodrigues. Direção e encenação: Jorge Farjalla. Elenco: Alexia Dechamps, Karen Junqueira, Joao Vitti, Rafael Vitti, Letícia Birkheuer, Nadia Bambirra, Jaqueline Farias e Du Machado. Dramaturgia: Jorge Farjalla. Direção musical e trilha original: João Paulo Mendonça. Direção de arte e espaço cênico: José Dias. Figurinos e adereços: Jorge Farjalla e Ana Castilho. Desenho de Luz: Vladimir Freire e Jacson Inácio. Preparação Corporal: Jorge Farjalla. Maquiagem e visagismo: Vavá Torres. Assistente de direção: Raphaela Tafuri. Preparação vocal: Patrícia Maia. Design Gráfico: Kalulu Design & Comunicação. Direção de Produção: Lu Klein.

"Senhora dos Afogados", de Nelson Rodrigues
Até 29 de abril – Sextas e sábados, às 21h e domingos, às 19h.
Ingressos: R$ 90 (plateia) / R$ 70 (balcão/frisas).
Classificação: 16 anos.
Duração: 90 minutos.
Gênero: drama.

Teatro Porto Seguro

Al. Barão de Piracicaba, 740 – Campos Elíseos – São Paulo. 
Telefone: (11) 3226.7300.
Bilheteria: de terça a sábado, das 13h às 21h e domingos, das 12h às 19h.
Capacidade: 496 lugares.
Formas de pagamento: todos os cartões de crédito e débito (exceto Cabal, Sorocred e Goodcard).
Acessibilidade: 10 lugares para cadeirantes e 5 cadeiras para obesos.
Estacionamento no local: Estapar R$ 20 (self parking) - Clientes Porto Seguro têm 50% de desconto.
Serviço de Vans: Transporte gratuito Estação Luz – Teatro Porto Seguro – Estação Luz. O Teatro Porto Seguro oferece vans gratuitas da Estação Luz até as dependências do Teatro. Como pegar: na Estação Luz, na saída Rua José Paulino/Praça da Luz/Pinacoteca, vans personalizadas passam em frente ao local indicado para pegar os espectadores. Bicicletário – grátis.

Vendas: www.tudus.com.br

Facebook: facebook.com/teatroporto
Instagram: @teatroporto

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4 comentários:

  1. Simplesmente um espetáculo de qualidade. Eu assisti e recomendo. Que texto!

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  2. Uma grande riqueza do teatro encenada num lugar de qualidade como o Teatro Porto, com atores sensacionais. Saí da apresentação arrepiada e reflexiva. Esse é o poder de um texto de Nelson Rodrigues quando é abraçada por uma equipe que trabalha em harmonia. EU RECOMENDO!

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  3. Dica boa. Vi e recomendo.

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