terça-feira, 21 de abril de 2020

.: Entrevista: Luiz Fernando Almeida e os nove anos do monólogo "Dama da Noite"



Por Helder Moraes Miranda, editor do ResenhandoFotos: Claudio Vitor Vaz e Camila Vech

Nesta terça-feira, 21 de abril de 2020, fazem nove anos que o ator e produtor Luiz Fernando Almeida encenou, pela primeira vez, o monólogo "Dama da Noite", baseado no conto do escritor e jornalista Caio Fernando Abreu (entrevista com ele neste link), morto em 1996 e redescoberto pela internet.

A pré-estreia foi na sala Plinio Marcos, localizada na Oficina Cultural Pagu, onde antigamente funcionava a Cadeia Velho no Centro de Santos. Nada mais simbólico para tratar de um tema ainda tão marginalizado ainda no século XXI como a comunidade LGBTQIA+. A primeira temporada do espetáculo foi no Casarão Santa Cruz, na General Câmara, zona do meretrício santista. 

Desde então, fez uma temporada de quinta a domingo, sendo as quintas e sextas com o projeto "Teatro ao Meio-dia", em parceria com a secretaria de Cultura da cidade, e fazia sessões gratuitas no horário para os trabalhadores da região - alguns assistiram a uma peça de teatro pela primeira vez. 

De lá para cá, sete temporadas na capital de São Paulo e cidades como Araçatuba, Ribeirão Preto, Catanduva, Mogi das Cruzes, Taubaté, São Carlos, Cubatão, São Vicente, Praia Grande, Guarujá, entre outras. A peça seguiu para outros estados, como o Rio de Janeiro, Salvador, Bahia, Curitiba,  Rio Branco ( Acre), contabilizando mais de mil apresentações e um público de aproximadamente seis mil pessoas em muitos teatros e espaços alternativos.

"Dama da Noite" rendeu ao intérprete a indicação ao Prêmio Aplauso Brasil nas categorias melhor ator, melhor espetáculo independente, melhor direção, melhor figurino e melhor cenografia em 2014. Também foi indicado a premiações da comunidade LGBT nos portais Papo Mix e Guia Gay por muitos anos consecutivos.

Luiz Fernando Almeida já atuou em diversos segmentos que vão desde a economia criativa até a produção cultural e outras peças teatrais, como "Gotas de Codeina", que encenava dentro de um apartamento secreto para um público que reservava os ingressos antecipadamente. Mas este ano, enquanto "Dama da Noite" completa nove anos, pela primeira vez, por conta da pandemia do covid 19, o ator terá de comemorar em casa, assim como grande parte do público que já assistiu ao espetáculo. Esta entrevista exclusiva é parte da comemoração do espetáculo resistente e atemporal. Nela, Luiz Fernando Almeida fala sobre "Dama da Noite", a luta pelo respeito à diversidade e a importância de Caio Fernando Abreu.  



RESENHANDO - Nove anos de "Dama da Noite". O que diferencia o Luiz Fernando de nove anos atrás e o de agora? 
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Eu estreei com 36, tenho 45. O mundo mudou muito desde então, e por consequência eu também me modifiquei, amadureci e tenho um olhar completamente diferente do que eu tinha naquela época para o mundo, as pessoas e sobretudo para mim. Um olhar mais tranquilo e amoroso, eu diria. Estamos sempre em movimento, tudo é transitório e a partir do momento em que entendemos isso, conseguimos acompanhar as evoluções internas e externas sem resistência, sem achar que tudo precisa ser de uma forma específica. Em nove anos, a roda girou muitas vezes, como diz a personagem, e eu tenho girado com ela. Horas em cima, horas embaixo, sempre tentando entender o fluxo e aberto para o novo.


RESENHANDO - Como é comemorar nove anos em um momento em que os teatros fechados?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - É a primeira vez que não comemoro nos palcos. Estaríamos em temporada em São Paulo neste momento e tudo foi adiado por conta da pandemia. Fica em casa minha gente, por favor! Dá uma saudade de estar em cena, em contato com o público... Mas eu estou feliz e comemorando aqui em casa no meu isolamento social. Eu poderia ter feito uma live, mas esse espetáculo precisa do público perto, respirando junto comigo. A frase ”A responsabilidade máxima do espectador” tem me acompanhado ao longo da trajetória deste espetáculo, o que torna um desafio permanente pensar o lugar do espectador neste trabalho, porque estabeleço uma relação direta, interdependente, sempre me questionando se o espetáculo pode ou não acontecer sem a intervenção direta do espectador.


RESENHANDO - O que a protagonista da peça mais se assemelha e se distancia de você?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - A Personagem é aquela pessoa que vive em bares todas as noites, fala alto, mexe com todo mundo, gosta de dizer verdades que machucam mas, no fundo, é alguém que sofre por ter sido excluída da vida simplesmente por ser diferente. Acho que todos nós já nos sentimos assim e carregamos um pouco dessa "Dama da Noite" em nosso íntimo. Quando estreei este trabalho, sentia que trazia muito desta personagem em mim. Hoje já não vejo dessa forma, eu mudei, o espetáculo mudou porque está vivo e sempre atualizado, dialogando com os novos tempos. Hoje consigo me ver distante dela, porém ainda ligado, internamente, porque no fundo ela está ali, dentro de todos nós, adormecida.


RESENHANDO - O que essa personagem tem a dizer para o público que a assiste?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - A fala da personagem ecoa e traz consigo a força de milhares de outros corpos, almas, pessoas que se encontram na mesma situação niilista, se sentindo "por fora do movimento da vida". É o eco reflexo de uma multidão que aprisiona seus sentimento e suas angústias por se encontrarem em um mundo que ainda não aprendeu a respeitá-los.



RESENHANDO - Por que encenar "Dama da Noite"?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Caio foi o primeiro autor que me arrebatou. Lendo sua obra ainda na adolescência eu sentia que tudo o que ele escrevia me atravessava profundamente. Sempre fui fã. Eu nunca tinha assistido a encenação deste conto e quando morei no Rio de Janeiro, em 1998, assisti o Gilberto Grawronski fazendo de maneira primorosa. Naquele momento, eu trabalhava apenas como produtor. Estava fora dos palcos e assisti inúmeras vezes esta montagem pensando que se um dia voltasse a atuar, gostaria de montar este texto. E assim, 11 anos depois, num momento de muitos ataques homofóbicos onde figuras como Jair Bolsonaro começam a ganhar uma certa visibilidade atacando a comunidade LGBTQIA+ em programas toscos de TV, minha militância tornou-se fundamental e eu decidi fazer, entendendo que a melhor maneira de sensibilização para este tipo de temática é através da arte.


RESENHANDO - Por que esse espetáculo sobrebrevive, mesmo depois de nove anos em cartaz?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Sempre digo que ele sobrevive porque tem gente querendo assistir, porque o texto do Caio é atemporal e ganha novos leitores o tempo todo. Para além disso, tem muita vontade de fazer ainda, muita cara de pau, persistência, e gente que me fortalece, acredita, oportuniza e ainda vibra junto comigo. Eu pensei em parar inúmeras vezes, sempre ouvindo argumentos de artistas que costumam dizer que: “um ator não deve ficar muitos anos fazendo a mesma personagem para não ficar estigmatizado”. Já ouvi coisas como: ”O Luiz precisa fazer outras coisas” porque na ultima década minha pesquisa no teatro ficou em torno de temáticas LGBTQIA+. Eu não planejei isso, as coisas foram se encaixando e eu precisava falar sobre temas que considero importantes. Pensei em parar porque as dificuldades são imensas pra circular, sem aporte de editais ou instituições. Toda vez que decidia parar, surgia um convite, uma oportunidade de estar em cena e lá ia eu... Hoje eu me sinto um vitorioso, acho que esse papo de que “não se pode ficar muitos anos fazendo a mesma personagem” não me atinge porque este trabalho está vivo, pulsante, em constante transformação e dialogando com o público que ainda quer assistir e se eles querem assistir eu vou continuar fazendo.


RESENHANDO - Como surgiu a ideia de montar a peça?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Eu precisava de um novo desafio porque sempre fui um ator comediante. Nunca tinha feito um texto dramático e um monólogo era algo impensável. Então eu quis me jogar de cabeça, sair da zona de conforto e me possibilitar viver novas experiências artísticas.


RESENHANDO - Como foi adaptar o conto de Caio Fernando Abreu para o teatro?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Nós (eu e André Leahun- diretor do espetáculo - entrevista com ele neste link) fizemos uma adaptação bem fiel ao texto original inserindo alguns trechos que dialogam melhor com esta geração. Nossa preocupação era respeitar a obra e aproximá-la do público que, em sua maioria, conhece Caio pela internet. Essa geração mais consciente de seus direitos e que não tem vergonha de sair do armário.



RESENHANDO - Por que Caio Fernando Abreu, mesmo após 24 anos de morto, continua sendo tão atual e necessário?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Basicamente porque evoluímos muito pouco de lá pra cá. Há muita modernidade, muito "progresso". No entanto, a sociedade continua cada vez mais autocentrada sem entender o verdadeiro significado de empatia.


RESENHANDO - Em que o autor - Caio Fernando Abreu - dialoga com os dias de hoje? 
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Caio escrevia autoficção. Existe sempre um cruzamento entre a realidade e a ficção, embora seja uma obra literária. Talvez por isso ele seja tão adaptado para o teatro, porque seus textos e personagens transbordam humanidade.


RESENHANDO - Você considera Caio Fernando Abreu melhor na prosa ou no teatro?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Sua obra literária é muito mais conhecida e adaptada para o teatro e cinema. Nota-se que sua obra teatral e pouco citada, montada e reverenciada. O livro "O Teatro Completo de Caio Fernando Abreu" traz oito peças em ordem cronólogica para que todos possam conhecer mais sua obra e vale a pena a leitura. Eu, particularmente, gosto mais do Caio na prosa, embora ame textos teatrais dele como "A Maldição do Vale Negro", escrito em parceria com Luiz Arthur Nunes.


RESENHANDO - Como você imagina que será a comemoração de dez anos de "Dama da Noite"?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Eu quero apenas ter a oportunidade de continuar fazendo este espetáculo e chegando em lugares novos, me conectar com os novos e antigos fãs de Caio e colaborar para manter viva a sua obra. O resto é consequência.


RESENHANDO - Gostaria de adaptar outra obra do Caio Fernando Abreu - ou algum outro autor - para o teatro?
LUIZ FERNANDO ALMEIDA - Eu já pensei nesta possibilidade, mas acho que por enquanto não. Estou em outro momento artístico, em busca de um trabalho mais autoral.



Serviço:

"Dama da Noite" - Monólogo com Luiz Fernando Almeida, baseado no conto de Caio Fernando Abreu. O Instagram da peça é @damadanoiteteatro, a página da peça no Facebook é www.facebook.com/damadanoiteteatro. No Twitter, Luiz Fernando Almeida - https://twitter.com/lfalmeidastos - escreve sobre assuntos da atualidade. 



Veja também:

.: "Estar em cena é um risco iminente" - Entrevista com Luiz Fernando Almeida, ator

.: Crítica: "Caio Fernando Abreu - Contos Completos" é o lançamento do ano

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