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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

.: Entre "O Pai, a Faca e o Beijo", Thiago Sobral escreve o romance da omissão



Por 
Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico cultural, especial para o portal Resenhando.com

Há romances que não se contentam em apenas contar uma história. Eles cutucam, provocam, obrigam o leitor a encarar a vida de uma maneira mais pragmática. "O Pai, a Faca e o Beijo", de Thiago Sobral, é um desses livros que estabelece uma relação de gato e rato com o leitor justamente porque não entrega facilmente o que ele quer. A cada página desse excelente livro de estreia, a sensação é de se estar diante de uma tragédia anunciada - e, ao mesmo tempo, a de testemunhar um beijo negado, ou acompanhar a trajetória daqueles que se suicidam em vida.

O romance gira em torno de Santiago e Davi, o “Pirueta”. À primeira vista, parece uma história simples: dois homens tentando se aproximar, ainda que cercados por obstáculos, o principal deles é o embate com um pai que faz o que faz para proteger o filho da maledicência de uma cidade pequena. Mas Sobral não entrega um romance de amor no molde previsível. Em vez disso, o autor cria um campo de batalha em as palavras são mal-entendidas, cada gesto se converte em desentendimentos e cada omissão para evitar o confronto carrega mais peso do que qualquer briga consumada. 

Santiago é o retrato da desesperança: um jovem que parece já ter desistido de si mesmo. Ele também é um paradoxo ambulante: homossexual e homofóbico, negro e racista, puritano e promíscuo, apaixonado e cruel, detestável e vítima das circunstâncias. O protagonista despeja todo tipo de chorume verbal, na fala e nos pensamentos, e ainda assim o leitor insiste em torcer por ele, como se a esperança de redenção pudesse surgir exatamente de quem mais nega a própria possibilidade de mudança e, sobretudo, de ser feliz.

Esse jogo perverso de expectativas é uma das forças do livro. Thiago Sobral não oferece personagens fáceis, mas desafia o leitor a se apegar a eles mesmo assim, como quem insiste em cuidar de uma planta que já nasceu murcha. Essa insistência faz parte da experiência da leitura desse livro: torcer pelo impossível. Mas não são apenas Santiago e Davi que sustentam o enredo de personagens carismáticos e fortes. 

Ao redor deles, um coro de personagens secundários amplia a sensação de claustrofobia emocional. A mãe, apresentada como doce e pilar da família, falha justamente por se omitir - a bondade dela é uma forma de covardia. O padre, que poderia ser refúgio espiritual, é ao mesmo tempo hipócrita e humano até demais, pois também revela-se incapaz de escapar dos dilemas dele. E Severo, o pai opressor e antagonista do próprio filho, representa a insatisfação destilada em cada atitude controversa. 

A falta de conciliação é a espinha dorsal de um livro que se constrói sobre a falha, a omissão e a impossibilidade. Cada gesto que poderia resolver é adiado e cada fala que poderia curar é engolida em um universo onde ninguém é de ninguém e todos se rejeitam o tempo todo. A escrita de Thiago Sobral é impregnada de fé, que no livro não aparece como dogma, muito menos como consolo. O autor, ex-seminarista, sabe quando a religião aperta e escreve sobre espiritualidade sem devoção cega, nem medo de expor as contradições de um universo que insiste em pregar amor enquanto ignora conflitos que poderiam ser resolvidos com uma fala mais incisiva. É uma literatura de coragem porque não teme nomear a ferida.

A influência de Machado de Assis é visível. Não se trata de copiar estilo do Bruxo do Cosme Velho, mas de herdar a ironia fina, a capacidade de desmontar o humano pela sutileza, o gosto pelo pessimismo elegante. Thiago Sobral parece olhar para os personagens que ele cria com a mesma frieza do autor de "Dom Casmurro" diante de Bentinho e Capitu: sem absolvições fáceis e muito menos recorrer ao melodrama.

Curiosamente, a leitura também evoca o cinema. Como no clássico "Casablanca", há uma sensação de destino interrompido, de que os protagonistas sempre carregarão um espaço vazio, um amor não realizado, um “barraco” abandonado em Cubatão, cidade que é cenário de toda essa história, e que traz o peso de uma geografia real para dentro do mito da separação eterna."O Pai, a Faca e o Beijo" é uma ode à liberdade, que nasce do confronto com o que se tentou calar. 

É a liberdade que pode ser percebida nos escombros, no beijo interdito, no pai irredutível e violento, no filho em fuga, naquilo que se faz escondido e no que se varre para baixo do tapete. Não é exagero dizer que também é um soco no estômago. Não há catarse porque não há reconciliação, e talvez esteja aí a ousadia maior do livro: recusar ao leitor a ilusão de que a vida sempre encontra um jeito. Compre o livro "O Pai, a Faca e o Beijo", de Thiago Sobral, neste link.

.: Braulio Lorentz, autor de "Baseado em Hits Reais", e a arqueologia do pop


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.comFoto: Luiz Franco.

Há músicas que grudam feito chiclete e sobrevivem ao tempo mesmo contra a vontade de quem tenta esquecê-las. Canções que explodiram em rádios, trilhas de filmes e pistas de dança, mas acabaram arrastando para o limbo da memória os próprios artistas que as criaram. É nesse território delicado entre o brilho efêmero e o anonimato que o jornalista Braulio Lorentz, editor de cultura do G1 e apaixonado confesso por pop, mergulha em seu novo livro, "Baseado em Hits Reais", publicado pela editora Máquina de Livros.

A obra reúne mais de 40 histórias de nomes que já ocuparam o topo das paradas, de Natalie Imbruglia a Kelly Key, de Lou Bega a Daniel Powter. Artistas que tiveram seu momento de glória e depois precisaram lidar com o rótulo cruel do “one-hit wonder”. Alguns seguiram na música, outros abandonaram os palcos para dar aulas, filosofar ou até programar para gigantes da tecnologia. Todos, no entanto, guardam bastidores surpreendentes, melancólicos e por vezes engraçados sobre o que significa ter vivido “o auge” por um breve instante. Em entrevista exclusiva para o portal Resenhando.com, Braulio Lorentz fala sobre a arqueologia do pop, entre hits inesquecíveis e trajetórias improváveis. Compre o livro "Baseado em Hits Reais", de Braulio Lorentz, neste link.


Resenhando.com - Você humaniza hits esquecidos com uma ternura provocativa. Mas o que você acha que a gente projeta neles - nostalgia, vergonha alheia ou aquele prazer proibido de quem canta “Barbie Girl” no chuveiro?
Braulio Lorentz - Eu concordo que a nostalgia tem um papel para querer cantar e querer saber mais sobre esses hits. Também entendo que muitos deles se encaixam naquilo que se chama de "guilty pleasure", ouvir com culpa. Mas eu, sinceramente, nunca tive disso. Sem querer pagar de diferentão, mas lembro que no meu aniversário de 14 anos um amigo me pergunto qual CD eu gostaria de ganhar e eu disse: “Middle of Nowhere” do Hanson ou “The Colour and the Shape” do Foo Fighters. Ele pensou que eu estivesse zoando e me deu o do Foo Fighters. Mas eu, claro, não estava. Então, a gente projeta um monte de coisa quando ouve, mas, no final, a gente só está em busca de boas canções e boas histórias.


Resenhando.com - Ao escutar tantos relatos de ascensão meteórica e quedas silenciosas, você se viu mais como jornalista, terapeuta ou cúmplice melancólico de um karaokê emocional?
Braulio Lorentz - Eu me senti terapeuta algumas vezes, principalmente nas entrevistas em que eu precisava ir entrando no assunto óbvio (o sumiço, a decadência comercial, as mágoas) aos poucos. Então, talvez em mais da metade dos casos, teve algum momento do papo que a pessoa do outro lado foi se soltando até assumir que, sim, guardava algum tipo de sentimento ambíguo relacionado ao sucesso.


Resenhando.com - Existe algo mais cruel do que o conceito de “one-hit wonder”? Por que a cultura pop tem essa obsessão sádica por canonizar um sucesso e enterrar o resto da discografia - mesmo quando ela é decente?
Braulio Lorentz - Eu gosto muito do resumo feito pelo Vinny, com o qual outros artistas concordam: para a maioria dos artistas, o natural é nunca ter um grande sucesso. Eles furaram a bolha, fizeram muito sucesso e veio um declínio comercial natural. Então, aquele período de sucesso absurdo tem que ser tratado com exceção. Acho que esse ciclo faz parte da música pop: é muito difícil se manter no topo e existe vida fora da parte mais alta das paradas.


Resenhando.com - Você ouviu mais de 40 músicas que foram chicletes - e sobreviveu para contar. Qual delas você nunca mais quer ouvir nem sob tortura midiática?
Braulio Lorentz - Eu consigo ouvir todas sem problema, porque passei a ter um apego por elas. Agora, elas fazem parte da trilha sonora do primeiro livro que eu lancei. Mas, obviamente, gosto mais de algumas do que de outras. Na minha opinião, KT Tunstall e Vanessa Carlton são cantoras muito subestimadas, por exemplo. Acho também que Snow Patrol e Cornershop são nomes mais alternativos do britpop pelos quais eu tenho muito carinho. 


Resenhando.com - Dos entrevistados, quem mais surpreendeu: o filósofo, o programador da Amazon ou o artista que ainda insiste num comeback? Qual dessas reinvenções você achou mais tocante - e qual deu aquele nó na garganta?
Braulio Lorentz - Acho que o depoimento mais genuíno de uma pessoa que encontrou sua verdadeira vocação foi a do vocalista do EMF, o James Atkin. Ele fala com carinho do "Unbelievable", um hit número um do Hot 100 da Billboard americana, mas fala com mais carinho ainda dos alunos e alunas das classes de música no interior da Inglaterra. James é um cara muito good vibes e vê-lo sorrindo quando o comparei ao personagem do Jack Black em “Escola do Rock” foi um dos grandes momentos que estão no livro.


Resenhando.com - Seu livro faz uma espécie de arqueologia pop. Qual foi o fóssil mais valioso que você desenterrou?
Braulio Lorentz - É meio bizarro constatar isso, mas a entrevista que me deu mais trabalho, das publicadas no livro, foi a de um cara que morava no Brasil: Evan Dando, o ex-galã grunge do Lemonheads. Embora tenha desmarcado nosso papo quatro vezes pelos mais variados motivos (falta de luz, lanche da tarde, sonolência, reunião com empresário), Dando foi simpático e atencioso.


Qual hit virou dinossauro sem esqueleto?
Braulio Lorentz - Acho que os dinossauros sem esqueleto foram as entrevistas que tentei marcar, mas sem sucesso. Para tentar falar com o Spin Doctors, por exemplo, mandei uma foto em que segurava meus quatro CDs da banda. Só que “problemas na agenda” me impediram de falar com eles. No primeiro capítulo do livro conto outros casos de entrevistas que eu não consegui fazer.


Resenhando.com - Existe uma verdade incômoda por trás de todo grande hit?
Braulio Lorentz - Não sei se existe. Alguns são apenas o retrato de uma época. “One Thousand Miles” representa quem a Vanessa Carlton era aos 16 anos: uma menina apaixonada que tinha um senso melódico excelente e tocava muito bem piano. No fim, os hits retratam uma fase bem específica do artista e é um baita desafio tentar dar novo sentido àquela velha canção todas as noites. Afinal, muita gente vai ou ia aos shows apenas para ouvir aquela música.


Resenhando.com - Se você fosse obrigado a montar um trio elétrico só com os artistas do livro, quem puxaria o bloco? E quem você deixaria na calçada segurando a pochete?
Braulio Lorentz - Não deixaria ninguém na calçada, coitados. Se chamasse para o carnaval, gostaria que estivessem nos holofotes. Acho que para um trio elétrico botaria todos os artistas do capítulo mais agitado do livro, dedicado ao dance pop (Ace of Base, Alexia, Aqua, t.A.T.u., DJ Bobo e Kasino). Tiraria apenas o Right Said Fred, porque eles são antivax e não quero que eles tenham chance de propagar doenças.


Resenhando.com - O livro tem trilha sonora. Mas se tivesse cheiro, qual seria? Aroma de CD novo? De mofo de sebo? De lágrimas de artista pós-fama?
Braulio Lorentz - Seria cheirinho de loja de encarte amarelado de CD. Aquele que está até meio rasgadinho de tanto tempo que você passou folheando e lendo as letras, vendo as fotos.


Resenhando.com - No fundo, todo jornalista cultural quer escrever sobre o lado B do sucesso? A fama esquecida é mais literária do que a glória?
Braulio Lorentz - Acho que não. Muitos jornalistas preferem falar dos fenômenos pop mais recentes. Eu também me incluo nessa e gosto de explicar o que está rolando agora. Na minha opinião, existem boas histórias de bastidores em todas as épocas. O negócio é correr atrás para contá-las da melhor forma. De preferência falando com quem estava lá. Por isso, fiz questão de só incluir hits de artistas que falaram comigo.


domingo, 31 de agosto de 2025

.: Crítica: "O Último Azul" usa desejo de voar como combustível na velhice

 

Cena de "O Último Azul"


Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em agosto de 2025


"O Último Azul" é mais uma produção brasileira para nos deixar orgulhosos do cinema nacional. Dirigido por Gabriel Mascaro ("Divino Amor"), na trama, Tereza (Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos, muito ativa, entra automaticamente para o programa "O Futuro é Para Todos", tendo sua vida completamente bagunçada. Para tanto, perde o emprego e recebe somente alguns dias para se organizar antes de ir obrigatoriamente para a colônia, local em que vivem todos os idosos brasileiros.

Perdida com tamanha reviravolta, numa conversa ela é instigada a realizar algum desejo antes de seguir seu rumo. Eis que Tereza percebe nunca ter voado. Numa agência de turismo, tenta comprar uma passagem aérea, porém, com a filha como tutora, por telefone, nega a tal viagem, impedindo que o vendedor realize qualquer ação, ainda que a senhora de cabelos branquinhos tenha dinheiro vivo. 

Contudo, ela não desiste. Assim, esbarra em Cadu (Rodrigo Santoro). Viajando num barco suspeito, de modo clandestino para tentar voar de ultraleve, ao fazer uma parada de alerta, surge um raro caracol de gosma azul capaz de trazer revelações diversas. Em tempo, o tal animal volta a aparecer na trama, em outra situação. 

No entanto, um revés coloca a senhora de 77 anos em risco de seguir o destino ditado pelo governo. Por outro lado, Roberta (Miriam Socarrás) pode ser a tábua de salvação de Tereza. Em meio a reviravoltas diversas, a busca pela liberdade da senhora empolga o público durante 1 hora e 27 minutos de filme, despertando curiosidade sobre qual será o destino dela. Imperdível!


O Resenhando.com é parceiro da rede Cineflix Cinemas desde 2021. Para acompanhar as novidades da Cineflix mais perto de você, acesse a programação completa da sua cidade no app ou site a partir deste link. No litoral de São Paulo, as estreias dos filmes acontecem no Cineflix Santos, que fica no Miramar Shopping, à rua Euclides da Cunha, 21, no GonzagaConsulta de programação e compra de ingressos neste link: https://vendaonline.cineflix.com.br/cinema/SAN


"O Último Azul"Ingressos on-line neste linkGênero: ficção científica, fantasiaClassificação: 14 anos. Direção: Gabriel Mascar. Roteiro: Gabriel Mascaro e Tibério Azul, com a consultoria de Murilo Hauser e Heitor Lorega. Duração: 1h 27 min. Elenco: Denise Weinberg, Rodrigo Santoro, Miriam Socarrás, Adanilo e participação de Isabela Catão, como Vanessa. Sinopse: Em um Brasil distópico, uma mulher de 77 anos, Tereza, recusa-se ao exílio compulsório para uma colônia de idosos e navega pelos rios da Amazônia em busca de realizar seu último desejo. Confira os horários: neste link


Trailer de "O Último Azul"

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

.: Crítica: "Os Roses: Até Que a Morte os Separe" é releitura que faz gargalhar

Cena de "Os Roses: Até Que a Morte os Separe"


Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em agosto de 2025


Uma releitura modernizada cinematográfica para um clássico de 1989, originalmente adaptado do livro de "A Guerra dos Roses" (1981), de Warren Adler. Eis "Os Roses: Até Que a Morte os Separe" (The Roses), longa dirigido por Jay Roach ("Entrando Numa Fria" e "Austin Power: O Agente Bond Cama"). Com uma excelente escalação de elenco, capaz de entregar um super filme envolvente e divertido,  o longa é encabeçado pela dupla de perfeita sincronia composta pela vencedora do Oscar de melhor atriz, Olivia Colman e o inesquecível intérprete de Sherlock Holmes e Doutor Estranho, Benedict Cumberbatch.

A produção com texto atual e tão ácido quanto o primeiro filme com Michael Douglas e Kathleen Turner, tendo ainda Danny DeVito. Muito, muito ágil ao longo de 1h45 de duração, "Os Roses: Até Que a Morte os Separe" (The Roses) faz gargalhar e refletir a respeito das relações e seus impasses, incluindo a situação que pode ser comum atualmente, a troca de papéis entre marido e mulher, quando ela chega ao sucesso e ele vê seu fracasso virar meme na internet.

Sem cenas pós-créditos, "Os Roses: Até Que a Morte os Separe" (The Roses) dá o recado completo ao estampar um casal que parece estar em harmonia, mas que vê a parceria desmoronar, provocando assim, a todo momento, por incômodos gerados no público por meio dos ataques trocados entre Ivy (Olivia Colman) e Theo (Benedict Cumberbatch). Com desfecho impactante, o longa reforça que num embate entre pessoas que, pelo menos um dia se amaram -e talvez ainda se amem-, não há vencedores. E que desfecho para a trama!

No filme, Ivy (Olivia Colman) e Theo (Benedict Cumberbatch) são apresentados numa terapia de casal e, aos poucos, toda a história de amor de enlouquecer, vira ódio puro, com direito a um casal de filhos testemunhando tudo. Quando o amor é deixado de escanteio, todas mágoas protagonizam confrontos até mesmo diante de visitas e "amigos". No elenco ainda estão Kate McKinnon (Amy), Sunita Mani (Jane), Andy Samberg (Barry), Ncuti Gatwa (Jefrrey), Allison Janney (Eleanor), Jamie Demetriou (Rory).


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"Os Roses: Até Que a Morte os Separe" (The Roses)Ingressos on-line neste linkGênero: comédia, dramaClassificação: 16 anos. Direção: Jay Roach. Duração: 98 min. Elenco: Olivia Colman (Ivy), Benedict Cumberbatch (Theo), Kate McKinnon (Amy), Sunita Mani (Jane), Andy Samberg (Barry), Ncuti Gatwa (Jefrrey), Allison Janney (Eleanor), Jamie Demetriou (Rory). Sinopse: A vida parece fácil para o casal perfeito Ivy e Theo: carreiras de sucesso, um casamento amoroso e filhos maravilhosos. Mas, por trás da fachada de sua suposta vida ideal, uma tempestade se forma – enquanto a carreira de Theo despenca e as ambições de Ivy decolam, um barril de pólvora de competição acirrada e ressentimento oculto se acende. Confira os horários: neste link

.: “Os Roses” devolve ao cinema a comédia sombria das separações


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com.

Quase quatro décadas depois de o público assistir, com fascínio e desconforto, à explosiva derrocada conjugal de Michael Douglas e Kathleen Turner em "A Guerra dos Roses" (1989), a Searchlight Pictures lança uma nova e ambiciosa releitura: "Os Roses: até Que a Morte os Separe" ("The Roses", no original, e com o título "Um Casal (Im)perfeito" em Portugal). O filme promete atualizar o olhar sobre os limites do amor, da competição e da sobrevivência emocional dentro de um casamento.

Dirigido por Jay Roach, conhecido por transitar da comédia escrachada de Austin Powers até o drama político de "Trumbo e O Escândalo", o longa-metragem conta com roteiro de Tony McNamara, aclamado por seu humor ácido e sua habilidade em expor, com sarcasmo, as falhas humanas em filmes como "A Favorita" e "A Bela e a Fera". Desta vez, McNamara revisita o clássico romance de Warren Adler, publicado em 1981, que inspirou o filme original de Danny DeVito. Mas o roteirista faz questão de frisar: não se trata de um remake, e sim de uma reinvenção - uma tragédia cômica que ressoa ainda mais no nosso tempo, marcado por disputas de ego e pela pressão do sucesso individual.

O coração da narrativa é o casal Theo e Ivy Rose, interpretados por dois gigantes do cinema britânico: Benedict Cumberbatch e Olivia Colman. Ele, um arquiteto de renome que vê sua reputação ruir após um projeto fracassado; ela, uma chef premiada que transforma um restaurante de caranguejos em verdadeiro império gastronômico. O que parecia ser a construção de um casamento sólido e admirável vai pouco a pouco se transformando em um campo de batalha, à medida que a ascensão de Ivy contrasta com a queda de Theo, abrindo espaço para ressentimentos antigos, ironias afiadas e uma guerra de poder que ameaça destruir não apenas a relação, mas também o mundo que construíram juntos.

Roach definiu o tom do filme como “uma tragédia quase shakespeariana disfarçada de comédia”, onde o riso funciona como faca de dois gumes: provoca catarse, mas também expõe a dor. “Esse filme explora como a linguagem do amor pode se transformar de uma provocação em um ataque. E, muitas vezes, é difícil distinguir uma coisa da outra”, afirmou o diretor em entrevistas recentes. Já McNamara observa que, em tempos em que o capitalismo fragmenta vidas e puxa casais em direções opostas, o casamento se torna ainda mais desafiador. Olivia Colman, por sua vez, diz que o roteiro “faz você rir e, em seguida, quebra seu coração”, enquanto Cumberbatch o descreve como “divertido, criativo e cheio de falhas humanas”.

O elenco de apoio reforça o caráter multifacetado da trama: Kate McKinnon e Andy Samberg vivem Amy e Barry, casal que personifica ironicamente a “liberdade” conjugal, mas sem deixar de expor as próprias fissuras; Jamie Demetriou e Zoë Chao dão vida a Rory e Sally, um par competitivo e igualmente disfuncional; Sunita Mani e Ncuti Gatwa aparecem como aliados de Ivy em seu restaurante; e a veterana Allison Janney, vencedora do Oscar por "Eu, Tonya", surge como a advogada implacável de Ivy. Juntos, eles criam um mosaico de relações que serve tanto de espelho quanto de contraponto ao colapso dos protagonistas.

Um detalhe interessante é que o lançamento do filme coincidiu com a reedição do romance "A Guerra dos Roses" no Brasil, pela editora Intrínseca, o que reforça a ponte entre passado e presente. O autor Warren Adler, falecido em 2019, descrevia sua obra como uma sátira sobre as ilusões do amor romântico, mostrando como os pactos matrimoniais podem esconder batalhas silenciosas. A nova versão cinematográfica leva essa crítica um passo adiante, mergulhando na contemporaneidade - em que o culto ao sucesso e a sobrecarga emocional muitas vezes transformam parceiros em rivais.

Com 1h45 de duração, "Os Roses: até Que a Morte os Separe" promete dividir opiniões, provocar debates e arrancar gargalhadas nervosas. Não há cenas pós-créditos, mas talvez não seja necessário: o verdadeiro impacto do filme está no incômodo que deixa após os créditos finais, lembrando ao espectador que, em certas guerras íntimas, não há vencedores.


O livro que inspirou o filme
Se você era fã de comédia nos anos 1980, é muito provável que conheça a história de um casal recém-divorciado que disputa a propriedade do casarão em que morava. Afinal, a icônica guerra entre Jonathan e Barbara Rose no clássico "A Guerra dos Roses", de Warren Adler, já encantou vários leitores e espectadores em 1989, com Kathleen Turner e Michael Douglas. Agora, o aguardado remake estrelado por Benedict Cumberbatch e Olivia Colman promete honrar as memórias dos fãs, além de propor uma releitura moderna da trama. 

Casados há 18 anos, os Roses parecem levar a vida dos sonhos. Pais amorosos de dois adolescentes, Jonathan é um advogado bem-sucedido e Barbara, uma mulher que dedicou a vida à família. O casal mora num lindo casarão com os filhos e animais de estimação, uma valiosa coleção de antiguidades e ainda tem uma bela Ferrari. Mas uma inesperada disputa se inicia logo após Jonathan ter um repentino e suposto ataque cardíaco, que desperta em Bárbara profundas reflexões sobre seu casamento.

Ao perceber que não se importa mais com o marido e deseja uma vida livre dele, ela inicia os trâmites do divórcio. Só que há um desafio para a separação: decidir quem fica com a casa, que representa a paixão de uma vida inteira para ambos. A propriedade se transforma, então, numa completa zona de guerra, já que o casal se recusa a deixar o imóvel e tenta expulsar um ao outro, custe o que custar.

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“Os Roses: até Que a Morte os Separe” | “The Roses” | “Um Casal (Im)perfeito” (em Portugal) | Sala Classificação indicativa: 16 anos | Ano de produção: 2025 | Idioma original: inglês | Direção: Jay Roach | Roteiro: Tony McNamara (baseado no romance "The War of the Roses", de Warren Adler) | Elenco: Benedict Cumberbatch (Theo Rose), Olivia Colman (Ivy Rose), Andy Samberg, Kate McKinnon, Allison Janney, Belinda Bromilow, Ncuti Gatwa, Sunita Mani, Jamie Demetriou, Zoë Chao | Distribuição no Brasil: Searchlight Pictures (Disney) |  Duração: aproximadamente 1h 45min (105 minutos segundo Letterboxd, mas AdoroCinema indica 1h 45min) | Cenas pós-créditos: não.


Sinopse resumida de “Os Roses: até Que a Morte os Separe”:
Theo e Ivy Rose formam um casal que aparenta levar uma vida ideal – ele, um arquiteto talentoso; ela, uma chef bem-sucedida. Quando o projeto de Theo fracassa e sua reputação despenca, enquanto o negócio de Ivy decola, antigas tensões vêm à tona, transformando amor em competição feroz e colocando em risco tudo o que construíram. 


Sessões legendadas
28/8/2025 - Quinta-feira: 15h40, 18h00 e 20h20
29/8/2025 - Sexta-feira: 15h40, 18h00 e 20h20
30/8/2025 - Sábado: 15h40, 18h00 e 20h20
31/8/2025 - Domingo: 15h40, 18h00 e 20h20
1°/9/2025 - Segunda-feira: 15h40, 18h00 e 20h20
2/9/2025 - Terça-feira: 15h40, 18h00 e 20h20
3/9/2025 - Quarta-feira: 15h40, 18h00 e 20h20

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

.: Pedro Süssekind coloca Shakespeare, Homero e Guimarães Rosa na conversa


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação

Finalista da 2ª edição do Prêmio Jabuti Acadêmico, na categoria Letras, Linguística e Estudos Literários, o livro "O Mar, o Rio e a Tempestade: sobre Homero, Rosa e Shakespeare", publicado pela editora Tinta-da-China Brasil, confirma Pedro Süssekind como um dos mais inquietos intérpretes da relação entre filosofia e literatura no Brasil. Professor titular da Universidade Federal Fluminense, pesquisador do CNPq e autor de obras como "Shakespeare, o Gênio Original" e "Hamlet e a Filosofia", Süssekind propõe em sua mais recente publicação um diálogo improvável - e ao mesmo tempo necessário - entre a "Odisseia", de Homero, "Rei Lear", de William Shakespeare, e "Grande sertão: veredas", de Guimarães Rosa.

Com uma escrita que desafia fronteiras acadêmicas, o autor percorre desde a Grécia Antiga até o sertão mineiro, costurando filosofia, estética e crítica literária para revelar como essas obras ecoam entre si. Em entrevista exclusiva ao Resenhando.com, Süssekind comenta os riscos de colocar clássicos em confronto, o papel da filosofia como mediadora da literatura e até os dilemas do pesquisador que também escreve ficção. Compre o  livro "O Mar, o Rio e a Tempestade: sobre Homero, Rosa e Shakespeare", de Pedro Süssekind, neste link.


Resenhando.com - 
Seu livro aproxima Homero, Shakespeare e Guimarães Rosa - três universos culturais e históricos distintos. O que seria mais arriscado: reduzir Rosa a um “Homero do sertão” ou enxergar Shakespeare como um “dramaturgo de jagunços”?
Pedro Süssekind - Dizer que Guimarães Rosa é um “homem do sertão” não o reduz, se pensarmos a partir da perspectiva dele. Numa célebre entrevista que deu a um crítico alemão, ele concorda inteiramente com essa classificação e ainda acrescenta que não se trata só de uma afirmação biográfica, e sim de uma determinação essencial. Porque “o sertão é do tamanho do mundo”, como diz Riobaldo. Não é um lugar determinado, mas uma dimensão existencial. Isso tem a ver com um “super-regionalismo”, para usar um termo de Antonio Candido. Segundo a concepção que aparece na tal entrevista e que remete a "Grande sertão: veredas", Goethe também é do sertão, assim como Tolstoi, Flaubert e Balzac. Me parece que tanto Homero quanto Shakespeare entrariam nessa lista também. Agora, de fato falar de Shakespeare e de jagunços no mesmo livro pode ser estranho. Um trabalho de Literatura Comparada corre sempre o risco de forçar aproximações, ou estabelecer conexões arbitrárias, entre autores que pertencem a contextos culturais distintos. Penso que evitei esse risco no livro, por escrever ensaios dedicados a cada obra (dois sobre a "Odisseia", dois sobre "Rei Lear" e dois sobre "Grande sertão: veredas"), sempre com o cuidado de considerar o contexto histórico dos autores. As aproximações dizem respeito a temas (como por exemplo a errância, que é abordada nas três obras de modos diversos), ou à forma de narrar as histórias (por exemplo, a incorporação de elementos épicos e dramáticos na construção do romance de Guimarães Rosa).


Resenhando.com - Na sua análise, a filosofia funciona como ponte entre literatura e pensamento. Mas até que ponto a filosofia não corre o risco de engessar a força poética da literatura, transformando metáfora em tese?
Pedro Süssekind - Eu diria que o pensamento funciona como ponte entre a filosofia e a literatura. A relação entre as duas foi tradicionalmente carregada de tensão, desde a Antiguidade, quando a filosofia afirmou seu domínio como discurso verdadeiro, em contraposição ao discurso falso (ficcional) da poesia. Isso remete, claro, às críticas a Homero na República de Platão. Mas essa separação foi repensada e posta em questão muitas vezes, em especial desde o Romantismo, no final do século XIX. Em todo caso, concordo que a tentativa de extrair filosofia de uma obra literária pode levar a um engessamento, como se essa obra fosse a ilustração metafórica de determinadas ideias ou correntes de pensamento. Esse tipo de exercício não me interessa muito, ou me interessa só como um aspecto a ser usado a serviço de uma tentativa de entender o que você chamou de força poética da literatura. Podemos chamar isso também de criação literária de uma instância de reflexão. Certamente, como mostrei nos ensaios desse livro, Shakespeare e Guimarães Rosa dialogam com a filosofia, ou seja, incorporam elementos filosóficos em suas obras. Aliás, Riobaldo é um personagem altamente filosófico, à altura de Hamlet... Mas numa peça ou numa narrativa as questões que foram objeto de reflexão teórica por parte de filósofos são apresentadas e pensadas de outra maneira. Não basta identificar questões ou remeter a teorias. Isso é só um aspecto. O trabalho do crítico é discutir essa maneira de pensar da literatura, que muitas vezes põe em xeque teorias e questões do campo da filosofia.


Resenhando.com - "A Telemaquia", "Rei Lear" e "Grande sertão: veredas" podem soar, para muitos, como textos distantes do leitor comum. O que esse “diálogo erudito” oferece ao público que não vive na academia?
Pedro Süssekind - Por que ler os clássicos? Essa pergunta foi usada por Ítalo Calvino no título de um livro do qual gosto muito. Pensei nesse livro muitas vezes enquanto escrevia os ensaios de O mar, o rio e a tempestade. Até usei uma frase dele na orelha: “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer o que tinha para dizer”. Não considero que a literatura De Homero, de Shakespeare ou de Guimarães Rosa seja objeto de estudo acadêmico, assunto de eruditos, peça de museu. A erudição da leitura, no sentido de recorrer a um aparato crítico, tem a ver com a intenção de revelar as marcas das leituras precendentes, porque elas fazem parte de uma história da recepção que vai sendo incorporada a cada um desses livros. Mas esse tipo de erudição fica a cargo do crítico, ou do professor, e só faz sentido se enriquecer a descoberta que é feita numa primeira leitura: a descoberta de algo inédito, inesquecível, inesperado, que vai muito além do que se imagina conhecer por ouvir falar de um clássico. Então, penso que o leitor, qualquer leitor que se interessa por literatura, tem muito a ganhar ao dedicar seu tempo a livros como a Odisseia, Rei Lear ou Grande sertão: veredas. Quando escrevi sobre eles, ou quando dou aula sobre eles, também quero proporcionar um caminho de aproximação para leitores e alunos, tentando mostrar a riqueza, o encantamento e a atualidade desses livros.


Resenhando.com - Quando coloca Adorno e Horkheimer para “lerem” a Odisseia, você não teme que a filosofia crítica alemã se sobreponha a Homero - como um ruído moderno que silencia a oralidade arcaica?
Pedro Süssekind - Nesse caso específico, tomei como ponto de partida a leitura da Odisseia que esses autores fazem na Dialética do esclarecimento. Uma obra literária da Antiguidade lida numa obra de filosofia do século XX. Isso me pareceu um bom ponto de partida não só para pensar a relação entre filosofia e literatura, como também para discutir a atualidade de Homero de um ponto de vista contemporâneo. Mas eu não quis simplesmente adotar a leitura que esses filósofos fazem, para não perder de vista a leitura direta da Odisseia e a minha própria compreensão desse poema, que eu amo profundamente e releio sempre que posso. Explico as hipóteses de Adorno e Horkheimer, ligadas à Teoria Crítica, para discutir e problematizar alguns aspectos da intepretação deles, justamente porque, como você disse, ela silencia elementos importantes da epopeia, ligados à passagem da oralidade para a escrita. É isso que discuto no ensaio “As Sereias e o Narrador”.


Resenhando.com - Shakespeare, Guimarães Rosa e Homero são três autores “canônicos”. O que seria mais subversivo: retirar esses gigantes do pedestal ou recolocá-los em diálogo com vozes literárias marginalizadas?
Pedro Süssekind - Certamente esses autores entraram para o cânone, se pensarmos na História da Literatura, com maiúsculas. Mas essa ideia de um cânone literário me parece problemática por dois motivos. Primeiro, recuperando o que já discutimos, porque distancia as obras dos leitores, nesse sentido de posicioná-las num pedestal, como se só pudessem ser lidas por grandes eruditos, ou como se já tivessem seu lugar determinado e estivessem ali fechadas, prontas, definidas. Um livro fechado não tem vida, um livro já entendido não precisa ser relido. Em segundo lugar, porque o cânone não pode ser nunca definitivo. Uma tradição só continua a existir na medida em que continua a influenciar e alimentar o que é criado atualmente. Aliás, é isso que nos mostraram as vanguardas artísticas, ao criar suas próprias tradições e seus próprios cânones, muitas vezes tirando do esquecimento obras que não eram mais lidas e que se tornaram clássicas a seu modo. Nesse sentido, eu estava mais interessado no meu cânone pessoal de obras clássicas que li e reli ao longo da vida. Mas vou tomar como exemplo "Grande sertão: veredas", que se tornou um grande clássico da literatura brasileira. Como Silviano Santiago comenta em seu ótimo estudo Genealogia da ferocidade, a importância histórica desse livro tem a ver com o impacto destruidor que ele teve sobre o cânone literário: o quanto ele bagunçou as categorias da história da literatura, como regionalismo, modernismo etc. A cada vez que lemos esse romance - e o mesmo se pode dizer sobre obras de Homero ou de Shakespeare -, ele sai daquele pedestal e se torna uma coisa viva, em aberto, a ser interpretada segundo a perspectiva do leitor agora. O diálogo com vozes literárias marginalizadas, por exemplo, faz parte dessa experiência viva da leitura e da crítica.


Resenhando.com - Em sua trajetória, você também escreveu romances. O ficcionista Pedro Süssekind sente inveja da liberdade do filósofo Pedro Süssekind ou é o contrário? Há algum momento em que a filosofia atrapalha a literatura? Ou, ao contrário?
Pedro Süssekind - As formas de escrita da filosofia e a da literatura são muito diferentes. O jargão acadêmico e as exigências formais de artigos e teses atrapalham quem quer desenvolver uma forma própria de pensar, por isso tento escapar das fórmulas e do jargão quando escrevo ensaios. Mesmo assim, quando estou escrevendo teoria, tenho a impressão de que nunca poderia escrever ficção. Mas o contrário não se aplica, e acho meio difícil explicar o motivo. Tem a ver com a imaginação e a carga afetiva do texto de ficção... Por outro lado, meus interesses teóricos alimentam o trabalho ficcional, como aconteceu com meu último romance, "Anistia", que recria o enredo da primeira parte da "Odisseia", a chamada Telemaquia, no contexto brasileiro dos anos de chumbo da ditadura militar. Ou seja, o romance tem uma conexão com os ensaios da primeira parte de "O Mar, o Rio e a Tempestade". No fundo, eu gostaria de aproximar as duas formas de escrita, ficcional e teórica, ou escrevendo ensaios mais literários, ou escrevendo uma ficção ensaística. Mas até o momento me sinto sempre dividido, oscilando de uma forma para outra.


Resenhando.com - Grande parte da crítica insiste em fazer de Rosa um “enigma intraduzível”. O que a sua leitura revela: Rosa é realmente intraduzível ou os críticos é que têm medo de encarar a simplicidade por trás de algo complexo?
Pedro Süssekind - Não considero Guimarães Rosa intraduzível, de modo algum. E a fortuna crítica da obra dele é muito vasta e muito rica, composta por diversas abordagens: leitura sociológica, crítica genética baseada na pesquisa de arquivo, leitura mística e filosófica, discussão linguística. A coisa parece inesgotável. Não rejeito nem adoto em definitivo nenhuma dessas abordagens em particular, mas respeito cada uma delas e tento aprender com os trabalhos de críticos de diversas linhas, até porque me parece que a literatura de Rosa de fato abre a possibilidade de todas essas leituras. Aliás, ela não só está aberta para várias possibilidades, como também se mantém ambígua, inclassificável, desafiadora apesar de todas. Por isso, desconfio de críticas que procuram resolver tudo de uma vez e propõem interpretações definitivas, dogmáticas. Dogmatismo não tem nada a ver com Guimarães Rosa. Considero que os bons críticos lidam com a complexidade e a riqueza da obra dele sem medo.


Resenhando.com - O Prêmio Jabuti Acadêmico é recente e já começa a moldar um cânone acadêmico. Você acredita que prêmios desse tipo consolidam ou engessam o pensamento crítico no Brasil?
Pedro Süssekind - Acho iniciativas como essa importantes porque dão visibilidade ao trabalho acadêmico e contribuem para romper essa barreira entre o que é produzido nas universidades e os leitores que não pertencem a esse mundo. Mas no meu caso, como eu trabalho com literatura e não com uma área mais técnica ou mais árida das ciências, não faço muita distinção entre obras de divulgação (para leigos) e obras acadêmicas. Quando escrevo ensaios sobre literatura e filosofia, a serem publicados em livro, procuro usar uma linguagem clara, sem exigir conhecimento técnico prévio ou formação numa determinada área. Claro que o leitor precisa ter interesse no assunto, em literatura, em filosofia, em história, essas coisas. Sou professor universitário e pesquisador, então faço um trabalho dentro do mundo acadêmico, mas nunca quis ser um especialista. A forma do ensaio me dá liberdade para discutir questões literárias e filosóficas, propor comparações e recorrer a diferentes áreas do conhecimento.


Resenhando.com - Se Homero, Shakespeare e Guimarães Rosa entrassem em uma taberna imaginária, como profundo conhecedor dos três, o que eles discutiriam primeiro - política, poesia ou a tragédia de ser humano?
Pedro Süssekind - Homero, Shakespeare e Guimarães Rosa entram num bar. Talvez seja um bom começo de anedota para literatos... Aliás, Guimarães Rosa gostava muito de anedotas, como sabemos pelo prefácio de Tutaméia. Nesta, ele teria que fazer a tradução simultânea da conversa de um poeta cego da Grécia Arcaica (que não sabemos se existiu de verdade) com um dramaturgo elisabetano. Até porque ele é, dos três, quem leu e poderia reconhecer os outros dois. Mas essa conversa que você imaginou só poderia ser sobre poesia, eu acho. Porque a política, a tragédia e a comédia fazem parte da poesia. O encontro poderia ser no reino dos mortos, como aquele que Dante pôs em "A Divina Comédia". E talvez os três pudessem falar a mesma língua, uma língua original, anterior a todas as outras segundo o mito da Torre de Babel. Estou elaborando a cena porque não sou capaz de inventar uma tirada para encerrar a anedota... Mas um lado bom de autores serem considerados clássicos é que eles foram traduzidos para diversas línguas, por décadas (Rosa), séculos (Shakespeare) ou milênios (Homero), de modo que continuam a reverberar, a despertar interesse e a ter leitores em épocas, lugares e culturas diferentes. Isso me remete às ideias de Walter Benjamin sobre a tradução poética como tarefa que remete àquela língua original, adâmica, capaz de capturar a essência das coisas. Enfim, nem precisamos inventar uma conversa imaginária, já que o encontro entre os três autores existe, na verdade, por meio de suas obras. Como procurei mostrar nos meus ensaios, podemos ler essas obras e fazê-las dialogar.


sábado, 23 de agosto de 2025

.: Crítica: “Memórias do Vinho”: duelo de talentos transforma palco em brinde


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Roberto Setton

Em cartaz até dia 28 de setembro no Teatro Renaissance, o espetáculo “Memórias do Vinho” reúne diversas discussões em uma mesma taça. Com texto inédito de Jandira Martini - escrito em parceria com Maurício Guilherme e finalizado pouco antes da partida dela em 2024 - e direção precisa e sensível de Elias Andreato, a peça segue com as últimas apresentações com Herson Capri e Caio Blat em um verdadeiro duelo de talentos.

O enredo parece simples: pai e filho, distantes há anos, em um reencontro por necessidade. No entanto, a adega do patriarca, repleta de garrafas raras e um diário secreto de vinhos, abre espaço para revelações, mágoas não-verbalizadas e lembranças engarrafadas pelo tempo. No espetáculo, o vinho não é apenas bebida, mas metáfora da memória, do envelhecimento e do que se guarda, às vezes com zelo, às vezes por egoísmo. É justamente nessa simbologia que o espetáculo cresce.

A narrativa, que poderia descambar para o ressentimento, é transformada em uma crônica delicada sobre a passagem do tempo, a carência afetiva e a mágica de celebrar a vida em família, mesmo quando nunca se fala o que se tem a dizer. Herson Capri imprime a maturidade de quem coleciona experiências como quem coleciona rótulos raros; Blat, por sua vez, entrega a intensidade da juventude frustrada, mas ainda capaz de sonhar. O jogo de cena é bonito de se ver: não há vaidade, há partilha. Os dois passam a bola, provocam-se e se escutam - como se o palco fosse também uma mesa de jantar em que o brinde só faz sentido se for coletivo.

Elias Andreato conduz com a sobriedade de quem sabe que menos é mais. O cenário de Rebeca Oliveira é elegante sem exageros, deixando que os atores e o texto sejam a principal safra da noite. A iluminação de Cleber Eli contribui para a atmosfera intimista, quase etílica, em que o público se vê cúmplice daquele acerto de contas. “Memórias do Vinho” é um espetáculo agradável como um bom gole: provoca sorrisos, aquece a alma e convida à reflexão. Mais do que a história de um pai e um filho, é um brinde ao que fica - o amor, os gestos, os vínculos. No final, a peça deixa no ar uma pergunta saborosa: o que guardamos em nossas próprias adegas de lembranças? Nesse caso, cabe levantar a taça e brindar: à vida, ao vinho e ao teatro.

Ficha técnica
Espetáculo "Memórias do Vinho"
Autores: Jandira Martini e Maurício Guilherme
Direção: Elias Andreato
Assistente de direção: Rodrigo Frampton
Cenário: Rebeca Oliveira
Contrarregra: Tico (Agilson dos Santos)
Figurino: Mari Chileni
Camareira: Gisele Pereira
Iluminação: Cleber Eli
Operação de luz: Ian Bessa
Operação de som: Eder Soares
Trilha: Elias Andreato
Fotos: Nana Moraes
Design e identidade visual: Rodolfo Rezende / Estúdio Tostex
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
Produção Executiva: Elisangela Monteiro
Direção de produção: Fernando Cardoso e Roberto Monteiro
Realização: Mesa2 Produções


Serviço
Espetáculo "Memórias do Vinho", de Jandira Martini e Maurício Guilherme
Temporada: de 5 a 27 de julho - sábados, às 21h00, e domingos, às 19h00
Teatro Renaissance - Alameda Santos, 2233 - Jardim Paulista / São Paulo
Ingressos: R$ 150,00 (inteira), R$ 75,00 (meia-entrada)
Lotação: 432 lugares
Venda on-line pelo Sampa Ingressos: www.sampaingressos.com.br
Bilheteria (sem taxa de conveniência): aberta 2 horas antes das sessões.
Classificação: 12 anos
Duração: 70 minutos
Capacidade: 432 lugares
Acessibilidade: Teatro é acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida
Bilheteria (sem taxa de conveniência): aberta de sexta a domingo a partir das 14h até o início do espetáculo.
Acessibilidade: o teatro comporta 432 pessoas, sendo 412 poltronas numeradas e oito espaços para cadeirantes. Dentre os 412 lugares fixos, há oito poltronas “Assentos Obeso” e outras oito poltronas para deficientes visuais com espaço reservado para o cão guia.
* O comprovante de meia-entrada deverá ser apresentado na entrada do espetáculo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

.: Crítica: "A Luz", de Tom Tykwer, lança provocações poéticas sobre ser família

 

Cena de "A Luz", em cartaz na Cineflix Cinemas de Santos

Por: Mary Ellen Farias dos Santos, editora do Resenhando.com

Em agosto de 2025


"A Luz", nova produção alemã do diretor Tom Tykwer de sucessos como "Corra, Lola, Corra" e "Perfume, a História de Um Assassino", apresenta uma família completamente disfuncional, os Engels, tendo nela um quinto elemento, o garotinho Dio (Elyas Eldridge) fascinado em cantar a última canção que aprendeu, "Bohemian Rapsody" do Queen. No entanto, a grande mudança acontece quando a família perde a governanta de modo totalmente assombroso, mas a substitui com a síria Farrah (Tala Al Deen).

Enquanto Farrah tenta melhorar a dinâmica da casa e unir o que está rompido entre marido, mulher e filhos, uma prática da nova empregada com o uso da luz consegue revelar segredos, não somente dos Engels, mas também da família de Farrah. Em meio a conflitos de emoções diversas despertadas que parecem, finalmente, alinhados. No entanto, as verdades ocultas de Farrah tentam modificar a existência da família implicam no pequeno Dio.

A produção que abriu o 75º Festival Internacional de Cinema de Berlim tem bela fotografia, inclui números musicais e até mesmo cenas mescladas com animação. Com roteiro e direção de Tom Tykwer, o filme de 2 horas e 42 minutos lança provocações diversas a respeito do que importa no seio familiar. Vale a pena conferir!

 

O Resenhando.com é parceiro da rede Cineflix Cinemas desde 2021. Para acompanhar as novidades da Cineflix mais perto de você, acesse a programação completa da sua cidade no app ou site a partir deste link. No litoral de São Paulo, as estreias dos filmes acontecem no Cineflix Santos, que fica no Miramar Shopping, à rua Euclides da Cunha, 21, no Gonzaga. Consulta de programação e compra de ingressos neste link: https://vendaonline.cineflix.com.br/cinema/SAN



"A Luz" ("Das Licht")Ingressos on-line neste linkGênero: dramaClassificação: 16 anos. Duração: 2h42. Direção: Tom Tykwer. Roteiro: Tom Tykwer. Elenco: Tala Al Deen, Lars Eidinger, Nicolette Krebitz. Sinopse: Em A Luz, uma família alemã disfuncional enfrenta o próprio colapso enquanto lida com os problemas típicos da modernidade. Tim e Milena dividem um apartamento em Berlim com seus filhos gêmeos Frieda e Jon e o enteado de Tim e filho de Milena, o jovem Dio. Apesar de viverem sob o mesmo teto, os cinco vivem vidas separadas, pouco interessados um no outro. Essa relação individualista e sem afeto, porém, está prestes a mudar quando uma misteriosa e magnética doméstica chamada Farrah entra em cena. A presença da síria desafia a família Engels de maneiras inesperadas, revelando emoções enterradas e verdades ocultas. Farrah, entretanto, tem seu próprio plano, um que promete abrir uma nova dimensão para os cinco e mudar a forma como a família entende o mundo para sempre. Confira os horários: neste link

Trailer "A Luz"



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