Buscando ampliar o debate sobre violência estrutural que leva à alienação, o diretor Cesar Ribeiro estreia seu novo trabalho, "Trilogia Kafka". O espetáculo faz sua temporada de estreia no Teatro do Núcleo Experimental entre os dias 23 de maio e 30 de junho, com sessões às sextas, aos sábados e às segundas, às 20h00; e, aos domingos, às 19h00, totalizando 24 sessões. No elenco estão Helio Cicero, André Capuano e Pedro Conrado.
A peça apresenta três textos curtos do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924): "Um Artista da Fome", que conta a história de um artista cujo trabalho é passar fome publicamente e que se sente excluído da sociedade após uma mudança cultural que desvalorizou seu ofício; "Comunicado a uma Academia", sobre um macaco falante que relata a diversos intelectuais sua transição de animal para quase humano e como se tornou um artista de renome no teatro musical; e "Carta ao Pai", em que Kafka escreve ao pai para expor a mágoa diante de seu autoritarismo. A montagem ainda conta com outro escrito na abertura. "Diante da Lei" revela ao público um homem que vai até a porta da lei pedindo acesso à Justiça, sempre negado.
Entre as referências teóricas do projeto estão obras da socióloga brasileira Maria Cecília de Souza Minayo, que define a violência estrutural como aquela "gerada por estruturas organizadas e institucionalizadas, naturalizada e oculta em estruturas sociais, que se expressa na injustiça e na exploração e que conduz à opressão dos indivíduos", e do jornalista e ativista indiano Pothik Gosh, que destaca o tema da justiça na obra kafkiana, entendida como uma esfera em que há completa ausência de sentido que não seja pelo fato de ser uma pura força de dominação, por meio de uma dialética em que a lei inclui ao excluir e exclui ao incluir, refletindo uma realidade em que as pessoas são excluídas hierarquicamente e incluídas produtivamente.
Esse conceito remete à noção de corpos produtivos e corpos matáveis, abordando as políticas de morte e segregação presentes na sociedade contemporânea – assim como, na sociopolítica, abrange os movimentos de luta por soberania e direitos, em que os oprimidos podem escapar da opressão em certo momento temporal, mas os sistemas de opressão persistem.Apoie o Resenhando.com e compre os livros de Franz Kafka neste link.
Sobre a encenação
Dando sequência ao trabalho realizado pelo grupo Garagem 21 em Dias Felizes, O Arquiteto e o Imperador da Assíria e Esperando Godot, a montagem de Trilogia Kafka propõe uma visão das diversas faces dos sistemas de violência, observando, quase com uma lente de aumento, a relação entre opressores e oprimidos. Por meio dessas narrativas, a peça levanta questionamentos sobre temas como justiça, liberdade, censura, repressão, direito e democracia.
"Debater esses conceitos é muito importante neste momento em que os fascistas propositadamente e estrategicamente buscam uma confusão desses termos, que abrangem até a tentativa de vitimização de bandidos que tentaram um golpe de estado", defende Cesar. Para dar conta da dualidade liberdade-dominação, tão presente na obra de Kafka, o cenógrafo J. C. Serroni propôs uma instalação que remete a um grande presídio. O chão preto está cheio de marcas de sangue, como se o local tivesse enfrentado uma chacina recente, simbolizando as vozes dos grupos silenciados ao longo das violências históricas.
"Há uma grade cercando o fundo da plateia, uma grade dividindo público e plateia, que é removida depois da primeira cena, e diversas celas similares a jaulas em que ocorrem partes das narrativas. Os espaços se multiplicam conforme a narrativa por meio do desenho de luz e dessas variações cenográficas, colocando o público também dentro dessa dualidade perpetrador-vítima", detalha o diretor.
Ao mesmo tempo, a composição das cenas foi inspirada na gestualidade do teatro de Tadeusz Kantor e na linguagem das HQs e dos desenhos animados. "Quisemos representar o humano e a humanidade sem dar a aparência de realidade. Por isso, partimos para referências que nos ajudassem a construir nosso próprio universo estético", comenta Cesar. Assim, a montagem foi tomando forma quadro a quadro, a partir de uma visão sobre direção de arte, formação da imagem e formação do olhar que incluem partituras gestuais, desenhos de luz, visagismo e figurinos.
"Em 'Carta ao Pai', por exemplo, há um momento em que o escritor se lembra de sua infância e da vergonha ao ver seu corpo ainda pouco formado ao lado de seu pai forte quando vão nadar. Ele fala como se estivesse falando com o pai, mas na visão da criança o pai é um gigante, então ele olha muito para o alto, ficando nessa imagem durante esse tempo da narrativa. A montagem é decodificada sempre dentro desse campo simbólico, e não de tentativa de reprodução da aparência da realidade, o que não deixa de ser quase uma exigência quando você tem em uma narrativa um macaco falante", acrescenta.
Para o figurino, assinado por Telumi Hellen, existe a mistura de visual futurista com a moda elisabetana. Isso porque os artistas querem transmitir a noção de que, embora existam avanços em relação aos direitos humanos e progressos tecnológicos, a realidade apresenta um constante estado de guerra de grupos humanos privilegiados contra outros grupos humanos. "Em última instância, enquanto houver capitalismo haverá a construção de ossadas", pontua Cesar.
Em decorrência disso, as narrativas variam a voz central. "No primeiro texto há a voz de um antigo opressor que se tornou oprimido em um novo tempo histórico; no segundo, um ser aculturado pela violência torna-se um opressor e agente do sistema; no terceiro texto, o oprimido ganha voz e apresenta uma espécie de teologia da libertação", conclui o diretor. Apoie o Resenhando.com e compre os livros de Franz Kafka neste link.
Sinopse
A montagem reúne três textos curtos de Franz Kafka: em Um Artista da Fome é narrada a trajetória de um artista cujo trabalho é passar fome publicamente e que se sente excluído da sociedade após uma mudança cultural que desvalorizou seu ofício; Comunicado a uma Academia apresenta a história de um macaco falante que relata aos membros de uma academia sua transição de animal para quase humano; já em Carta ao Pai, Kafka escreve ao pai uma carta em que expõe a mágoa diante de seu autoritarismo. Abrindo a montagem ainda está o breve texto Diante da Lei, em que um homem vai até a porta da lei pedindo acesso, sempre negado. Com uma linguagem influenciada pelo teatro de Tadeusz Kantor e a linguagem de HQs e desenhos animados, o espetáculo aborda os modos com que os sistemas de violência conduzem à alienação.
Ficha técnica
Espetáculo "Trilogia Kafka"
Texto: Franz Kafka
Adaptação, direção e trilha sonora: Cesar Ribeiro
Atuação: Helio Cicero, André Capuano e Pedro Conrado
Cenografia: J. C. Serroni
Figurinos: Telumi Hellen
Iluminação: Rodrigo Palmieri
Produção: Marisa Medeiros
Assessoria de imprensa: Canal Aberto
Coordenação de projeto: Edinho Rodrigues
Serviço
Espetáculo "Trilogia Kafka"
Temporada: 23 de maio a 30 de junho, às sextas, aos sábados e às segundas, às 20h; e, aos domingos, às 19h
Teatro do Núcleo Experimental – Rua Barra Funda, 637 – São Paulo
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia-entrada)
Venda online em https://www.sympla.com.br/
Bilheteria física (sem taxa de conveniência): Teatro do Núcleo Experimental
Horário de funcionamento: em dias de espetáculos, a bilheteria abre 1h antes do início da apresentação.
Duração: 100 minutos
Classificação: 12 anos
Capacidade: 65 pessoas
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