domingo, 22 de junho de 2025

.: Canta, dança e vinga: a fúria pop de Barbit em "Barbitch"


Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Fabio Audi

Ela nasceu na internet, brilhou no "Corrida das Blogueiras" e agora deixa sua marca definitiva nos fones de ouvido e pistas de dança do Brasil. Com o lançamento do EP "Barbitch", Barbit se reinventa - ou melhor, se reencontra - como uma artista completa: feroz, pop, politizada e inegavelmente performática. "Eu não escondo a política: eu faço ela dançar", afirma.

 Misturando funk, eletrônico e pop com letras afiadas, beats provocantes e uma estética de dar inveja, a influenciadora e cantora estreia oficialmente na música ao lado de uma constelação de estrelas trans, provando que representatividade e talento caminham juntos. 

Mais do que um projeto musical, "Barbitch" é um manifesto travesti que transforma vivências de dor e exclusão em afirmação e vingança dançante. Nesta entrevista exclusiva para o Resenhando.com, Barbit fala sobre fetiche, política, deboche, parcerias e o som que grita liberdade. "Quem olha vê mil reflexos distorcidos, e em todos eu tô linda", conclui. Prepare-se: a coleira agora está nas mãos dela - e a guia também!


Você batizou o EP como "Barbitch". Qual foi a primeira vez que te chamaram de “bitch” e você entendeu que isso podia ser poder - e não insulto?
Barbit - Foi um amigo meu que me chamou de "Barbitch" pela primeira vez, quando eu ainda era só a Bárbara. E eu amei - tinha tudo a ver comigo! Comecei minha vida na internet com esse nome, me sentindo poderosa, debochada, afiada. Depois, quando percebi que queria ganhar dinheiro com publis e me profissionalizar, comecei a me podar para ser bem vista pelas marcas. Aí o “Barbitch” virou “Barbit”, mas o fonema ficou. E agora, com esse EP, eu me reencontro com essa versão sem filtro - a que sempre existiu, mas que agora tá de volta sem pedir licença.


O Brasil é um país onde ser travesti ainda é resistência por existir. Como foi transformar essa dor em pista de dança sem diluir sua força política?
Barbit - A pista de dança sempre foi nosso campo de batalha. Se eu tô rebolando, não é só prazer - é vingança. Cada batida é um chute no sistema. A dor tá lá, mas eu transformo em corpo quente, em beat acelerado, em letra que provoca. Eu não escondo a política: eu faço ela dançar.


Você já performou no YouTube, no Instagram e agora no Spotify. Qual a diferença entre viralizar um meme e eternizar uma faixa?
Barbit - É muito mais fácil ter um vídeo viral do que uma música viral. Eu ainda tô caminhando pra que meu hit aconteça na música - e tô sem pressa, porque é só o começo. Metade das minhas amigas tem cinco, seis, sete anos de carreira e só agora começaram a ter um pouco de relevância. Eu tô feliz com o que consegui criar nesses oito meses desde o meu primeiro lançamento. Tá tudo no tempo certo.


Em "Cachorra", você assume a coleira e a morde ao mesmo tempo. Como foi o processo de construir uma persona sonora que encara o fetiche sem se submeter a ele?
Barbit - “Cachorra” não é submissa - ela é perigosa. Eu me inspiro no fetiche, mas quem dita as regras sou eu. A coleira só entra no pescoço se for de diamante, e quem segura a guia sou eu mesma. A música brinca com o desejo, mas sempre com a dominância de quem já entendeu que fetiche também é poder.


Seu som mistura pop, funk e eletrônico - três gêneros que nasceram marginalizados. Qual foi o desafio de fazer tudo isso soar coeso sem cair no pastiche?
Barbit - Foi ouvir muito, estudar e sentir no corpo. Cada beat tem sua alma, sua história. Não é sobre colar referências, é sobre costurar vivências. O desafio foi respeitar a raiz de cada som e ainda dar meu toque travesti glam, que é sempre exagerado, mas nunca raso.


Muita gente acha que o “deboche” na arte LGBTQIAP+ é só escudo. No seu caso, ele é mais armadura, espada ou espelho?
Barbit - Espelho quebrado. Porque quem olha vê mil reflexos distorcidos, e em todos eu tô linda. O deboche é minha forma de sobreviver e de revidar. Às vezes é armadura, às vezes é veneno, mas sempre tem intenção. Deboche é minha estética, meu idioma e meu veneno.


Você escolheu trabalhar com artistas trans em quase todas as faixas. Foi uma decisão estética, política, afetiva - ou as três misturadas no mesmo batidão?
Barbit - As três. Eu quero minha tribo brilhando comigo. Quando uma travesti sobe comigo no palco ou no som, o mundo treme. É político porque incomoda, é estético porque somos belíssimas, e é afetivo porque ninguém entende a gente como a gente mesma.


No palco, você entrega performance. No estúdio, entrega conceito. Qual foi a faixa mais difícil de parir - e qual foi a que nasceu gritando?
Barbit - “Perigo” foi a mais difícil. Tinha raiva demais, sensualidade demais, precisava do equilíbrio certo. Já “Dale” nasceu gritando em espanhol, em português, rebolando e suando - Mia Badgyal entrou no estúdio e a faixa simplesmente aconteceu. Foi possessão sonora.


Se o "Barbitch" fosse uma criatura mitológica, com que cabeça, corpo e rabo ele viria ao mundo?
Barbit - 
Cabeça de górgona, que transforma machinho em pedra com um olhar. Corpo de sereia, escorregadio, perigoso e hipnotizante. Rabo de escorpião cravejado de strass, que dá o bote com veneno doce. Uma criatura que canta, dança e vinga.


Você está abrindo caminho numa cena que ainda engatinha na inclusão trans. O que falta para o pop brasileiro sair do armário de verdade?
Barbit - Falta coragem de olhar além do que já foi aprovado por gente cis. Falta parar de tratar artista trans como cota, e começar a ouvir como revolução estética e sonora. E falta palco, falta investimento, falta respeito. Mas o que não falta é talento. A gente já chegou. O pop brasileiro que lute!

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