quarta-feira, 6 de agosto de 2025

.: Entrevista: Luciana Carnieli fala sobre a ousadia de (re)viver Sarah Bernhardt

Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: João Caldas F.°

Em tempos de efemeridades, é sempre curioso - e necessário - quando uma atriz decide parar tudo para escavar o tempo. Luciana Carnieli escreveu e interpreta "Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt", mais vai além disso: revive, em carne, voz e memória, o legado da mulher que, ao redefinir o que era ser atriz no século XIX, ainda incomoda o século XXI. 

Com direção de Elias Andreato e trilha sonora que reverbera compositoras esquecidas pela história, o espetáculo colocou em cena duas mulheres: Sarah Bernhardt, a lendária, e uma atriz brasileira contemporânea que se reconhece nela. Entre uma e outra, o tempo se dobra e o palco vira algo sagrado. Nesta entrevista exclusiva ao Resenhando.com, Luciana Carnieli fala sobre teatro, envelhecimento, criação, fantasmas e a insistência corajosa de não se calar quando o pano cai.


Resenhando.com - Ao dar voz a Sarah Bernhardt no Brasil de 2025, você acredita estar dialogando com o espírito da atriz francesa - ou exorcizando fantasmas seus?
Luciana Carnieli - Acredito estar dialogando com o público sobre o Teatro e a trajetória histórica das mulheres nessa arte. E meu ponto de partida é a vida de Sarah Bernhardt.


Resenhando.com - Sarah Bernhardt perdeu uma perna. A atriz brasileira perde o quê, hoje, para continuar de pé no palco?
Luciana Carnieli - Sarah teve um problema de saúde bastante sério e lutou bravamente por manter-se ativa no palco, mesmo após a perda da perna. Mais do que pensar propriamente em “perdas”, o paralelo que uma atriz brasileira contemporânea pode fazer com esse fato da vida de Sarah está na resistência e na força pra superação das dificuldades, quaisquer que sejam.


Resenhando.com - A peça fala de etarismo. Você sente que o teatro também passou a exigir das atrizes uma “eterna juventude” instagramável, ou ainda há espaço para rugas e profundidade? Por quê?
Luciana Carnieli - O etarismo existe, sim. A eterna juventude é extremamente bem-vinda. Mas o Teatro é como a vida: o efêmero é inevitável... as rugas são inevitáveis... E você pode escolher ter “profundidade” ou não.


Resenhando.com - Como autora e intérprete, qual foi o momento em que Sarah Bernhardt deixou de ser personagem e virou espelho?
Luciana Carnieli - Sarah é sempre uma personagem para mim. Aliás, uma personagem maravilhosa! Mas acredito que todos os atores e atrizes são um pouco “Sarah Bernhardt” quando enfrentam o medo. Medo do público, das limitações, da vaidade e da falta de oportunidades pra continuar no caminho da arte.


Resenhando.com - Você já interpretou Cacilda Becker em “Meu Abajur de Injeção” e agora encarna Sarah Bernhardt. O que a atrai tanto em atrizes que já partiram?
Luciana Carnieli - Tanto Cacilda como Sarah foram admiráveis, marcaram época e fizeram história na arte do Teatro. Impossível não se apaixonar por essas mulheres e querer dialogar teatralmente com o público sobre elas.


Resenhando.com - Sarah foi irreverente, escandalosa, revolucionária. Se ela surgisse hoje, você acredita que seria cancelada ou idolatrada?
Luciana Carnieli - Sarah foi extremamente inteligente pra lidar com a parte “celebridade” de sua vida. Acredito que poderia encarar muito bem tudo que envolve ser uma celebridade de hoje, pois foi muito autêntica em suas escolhas, até mesmo quando errava. Aposto que continuaria sendo idolatrada.


Resenhando.com - Em uma era de algoritmos e inteligência artificial, que lugar ainda ocupa uma atriz que se expõe em cena?
Luciana Carnieli - Ocupa o lugar da arte que privilegia o contato humano, a troca direta entre palco e plateia. Pode ser que um dia isso acabe, mas ainda tem muita gente que adora! Gente que gosta de estar no palco e gente que gosta de estar na plateia, frente ao ator, à atriz. E esse encontro é muito valioso e prazeroso.


Resenhando.com - Você já brilhou em musicais, dramas clássicos e comédias. Criar um solo sobre Sarah Bernhardt foi um grito de liberdade artística... ou um ato de sobrevivência?
Luciana Carnieli - Criar, para mim, é sempre um ato de liberdade e também, de sobrevivência, pois vivo do meu ofício. Mas essa criação nasceu para além disso. Veio sem querer, a partir de uma pesquisa que foi se tornando fascinante. E foi do aprofundamento dessa pesquisa, fazendo paralelos com nosso tempo, que revolvi criar um espetáculo sobre Sarah. Uma leitura subjetiva de quem foi Sarah. Por isso chamo o espetáculo de “Rapsódia”. São recortes, impressões, sobre uma personalidade histórica. E o encontro com o diretor Elias Andreato foi fundamental pra essa criação tomar a forma poética da cena. Elias trouxe um olhar muito importante pra nossa criação. E tudo foi sendo construído com harmonia e cumplicidade.


Resenhando.com - A trilha sonora do espetáculo traz compositoras como Lili Boulanger e Cécile Chaminade. Foi um aceno sonoro àquelas mulheres que, como Sarah, compunham em surdina? 
Luciana Carnieli - Tanto Chaminade, quanto Boulanger não foram artistas que viveram “nas sombras” em seu tempo. Tiveram seu espaço, embora Boulanger tivesse uma vida bastante curta. A ideia do maestro João Maurício Galindo de trazê-las para essa peça veio justamente por serem mulheres contemporâneas de Sarah e, também, grandes artistas, com criações belíssimas. A trilha foi muito importante para mim durante a criação do espetáculo. E entrelaça uma sonoridade perfeita à narrativa.


Resenhando.com - Se Sarah Bernhardt assistisse à sua peça, o que você pensa que ela diria... e o que você teria coragem de responder?
Luciana Carnieli - Jamais poderia imaginar o que ela diria... Mas, se eu a encontrasse, faria uma reverência. E assim agradeceria a oportunidade. De tanto...!

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