A estreia de “Foi Apenas Um Acidente”, novo filme de Jafar Panahi, chega aos cinemas cercada de expectativas que ultrapassam a própria ficção. O longa-metragem, uma coprodução entre Irã, França e Luxemburgo, venceu a Palma de Ouro no 78º Festival de Cannes e se tornou, desde então, um símbolo de resistência artística em meio às restrições impostas ao cinema iraniano. Escritor e diretor do projeto, Panahi - que já foi preso diversas vezes e proibido de filmar pelo regime - volta agora com um thriller político que recupera o terreno moral e ético onde sua filmografia sempre encontrou força: o cruzamento tenso entre indivíduos, Estado e memória.
A trama acompanha um grupo de ex-prisioneiros políticos que acreditam ter reencontrado o próprio torturador, agora vivendo sob outra identidade. A partir desse encontro o filme constrói uma espiral de dúvidas, vingança e testemunho. O elenco encabeçado por Vahid Mobasseri, Mariam Afshari e Ebrahim Azizi sustenta, com naturalismo bruto, a tensão de um país ainda marcado por feridas que nunca cicatrizam. Panahi filmou clandestinamente, sem autorização do governo, e permitiu que suas atrizes atuassem sem o uso constante do hijab, gesto que já rendeu críticas internas e elogios internacionais. Segundo a AP News e a IndieWire, parte da força do filme está justamente em sua precisão documental: o espectador sente que a câmera registra algo que nasce da urgência, e não do mero desejo de ficção.
O filme provocou reações diplomáticas reais. Após a consagração em Cannes, o governo francês exaltou a vitória como “um gesto de resistência”, enquanto o regime iraniano classificou o comentário como “interferência flagrante”. O embate gerou notas oficiais, convocação de representantes estrangeiros e uma nova onda de apoio a Panahi entre artistas iranianos no exílio, como a vencedora do Nobel da Paz Narges Mohammadi, que definiu o filme como “um triunfo da arte diante da opressão”.
Lançado na França sob o título "Un Simple Accident" e apontado pela crítica internacional como um dos grandes filmes da década até agora - ocupando posição de destaque em listas da IndieWire -, o longa-metragem consolidou a volta de Panahi ao centro do cinema mundial. Com recepção crítica impressionante (97% no Rotten Tomatoes e 91 no Metacritic), “Foi Apenas um Acidente” chega ao Brasil como uma obra que não se limita à sua trama: é a própria biografia de seu diretor expandida no território da ficção. A história de um país é contada ali, na secura dos diálogos, na crueza das paisagens e no ranger da perna protética de um homem que pode ou não ser quem todos temem. Panahi transforma esse som em metáfora: o passado sempre volta, mesmo quando tentamos enterrá-lo.
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