Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: divulgação
Há quem diga que dublagem é uma arte invisível. Mas quando a voz de Fernanda Baronne entra em cena - seja na pele da Viúva Negra, da Lucy alucinada ou da Zora de "Jurassic World: Recomeço" -, o que era invisível vira inconfundível. Com mais de três décadas de microfone e emoção, ela já emprestou as cordas vocais a Scarlett Johansson tantas vezes que, se a atriz americana acordasse falando português fluente, ninguém estranharia. Fernanda dubla com a precisão de quem sabe quando respirar no lugar do outro - e com a ousadia de quem sabe, também, quando não respirar.
Do dramalhão mexicano à ficção científica que treme a tela, Baronne nunca se escondeu atrás da técnica. Pelo contrário: tornou-se referência por habitar cada timbre como se fosse uma extensão de sua própria alma - mesmo quando a alma alheia é digital, barulhenta ou reptiliana. Nesta entrevista exclusiva ao Resenhando.com, Fernanda Baronne fala sobre limites, desejos, vícios sonoros e dinossauros com crises de identidade. O resultado é um passeio irreverente pelos bastidores da voz - onde o talento sempre fala mais alto.
Resenhando.com - Se a Scarlett Johansson resolvesse aprender português só para dublar a si mesma, você toparia ser a coach dela - ou preferiria evitar o risco de perder o posto?
Fernanda Baronne - Claro que eu toparia! Seria a minha chance de conhecer ela!!
Resenhando.com - Você dubla a Scarlett há anos. Já sonhou com ela? Já brigou com ela mentalmente por alguma fala impossível de dublar?
Fernanda Baronne - Nunca sonhei com ela não. No filme “Como Vender a Lua” ela me deu um trabalhinho. A personagem falava rápido demais, mas nunca briguei com ela mentalmente, não. Eu gosto de desafios!
Resenhando.com - É possível desenvolver uma espécie de carinho com as artistas que você empresta a voz? Com quem dessas artistas você mais se indentifica? Ou você impõe algum distanciamento?
Fernanda Baronne - É super possível! Nossa, eu tenho carinho por várias atrizes. A própria Scarlett, Jennifer Garner, Charlize Theron, Eva Green, Katherin Winnick, Carey Mulligan… Mas acho que as mais “próximas” são a Scarlett (principalmente por causa dos 10 anos de Vingadores), e a Jennifer Garner que eu dublo desde a série "Alias" e sempre me identifiquei muito com ela!
Resenhando.com - No universo de "Jurassic Park", qual dinossauro você seria?
Fernanda Baronne - Eu seria um dinossauro herbívoro porque tenho pavor de violência!
Resenhando.com - Alguma vez você já pensou: “essa atriz não me representa, mas vou ter que emprestar a minha voz mesmo assim”? Como lida com esse ruído entre ética e estética?
Fernanda Baronne - Eu acho que quando uma atriz está fazendo um personagem, ela está a serviço do personagem. Eu não estou simplesmente dublando aquela atriz especifica, estou dublando aquela personagem especifica. Então, esse tipo de coisa nunca chegou a me incomodar. Claro que se me chamassem pra dublar um vídeo de fake news ou ofensivo a alguém, eu me recusaria, mas, felizmente, isso nunca aconteceu.
Resenhando.com - Dublar envolve ceder a própria respiração a outra pessoa. Qual foi o momento em que você percebeu que isso virou, para você, uma forma de arte - e não apenas técnica?
Fernanda Baronne - Linda definição sobre a arte! Quando eu dou aula ou estou orientando alguém que está iniciando, eu sempre falo da respiração. Não basta falar na hora em que a pessoa falou e no mesmo ritmo; tem que respirar junto. Não basta respirar junto, tem que reproduzir as expressões. Por exemplo, quando a gente está falando e levanta uma sobrancelha no meio da frase, a nossa inflexão de voz muda. Quando a gente está falando e pega alguma coisa no chão, o nosso jeito de falar, muda. São muitos detalhes que podem parecer pequenos, mas que tornam a dublagem uma arte profunda e sútil. Eu dublo desde pequena, mas acho que comecei a sentir que a dublagem realmente passou a ser uma forma de arte, foi depois que fiz minha formação em teatro. Naquele momento, eu entendi que a dublagem era apenas mais uma ferramenta para o ator expressar a sua arte, assim como o palco, o vídeo, o rádio, e tantos outros veículos…
Resenhando.com - Você começou na dublagem quando “Carrossel” ainda era novidade e o Google nem existia. Hoje, com IA clonando vozes e rostos, o que ainda é irreplicável no trabalho de um dublador de verdade?
Fernanda Baronne - Você disse bem: a “IA clona”. Ela apenas replica, ela não cria. E o que ela “cria” foi alimentado por uma imensidão de dados de trabalhos artísticos protegidos por direitos autorais cujos criadores não receberam qualquer remuneração por isso. Aliás, sequer autorizaram o uso. Mesmo que um dia aprimorem a IA e ela possa soar como alguém de verdade, tem uma coisa que ela jamais vai ter: alma. Um bom trabalho de dublagem traz a alma do dublador nele. A minha maneira de dizer uma frase quando estou dublando alguma personagem feita pela Scarlett, por exemplo, vem não só de todas as experiências artísticas que eu tive até hoje como também de tudo que eu vivi até hoje. Todas as experiências, profissionais e pessoais, moldam o artista; ele é inevitavelmente a soma de todas elas. O que a IA produz é um “Frankenstein”, uma colcha de retalhos sem alma. Uma das formas de nos reconhecermos humanos é através da arte. Como vamos nos reconhecer através de algo que foi produzido sem alma? Se um dia a IA realmente dominar a produção artística, será que não nos tornaremos meros reflexos das máquinas? Sem profundidade e sem alma? Acho que é algo sobre o qual precisamos começar a refletir bem seriamente.
Resenhando.com - Qual personagem você dublaria de novo, mas só depois de um bom vinho, um suspiro fundo e terapia?
Fernanda Baronne - Posso escolher dois? Jackie, de Hilary e Jackie, interpretada magistralmente pela magnífica Emily Watson, e a Marylin Monroe da Anna de Armas em Blonde.
Resenhando.com - Se sua voz fosse congelada em âmbar, como no DNA dos dinossauros de Jurassic World, o que você gostaria que as futuras gerações ouvissem dela?
Fernanda Baronne - Eu adoraria que elas ouvissem minha voz dizer coisas como: “Não há mais guerras no mundo”, ou “O ser humano aprendeu a respeitar a natureza”, ou “Não há mais fome no mundo e todo mundo tem onde morar.”
Resenhando.com - Você dubla mulheres fortes, perigosas, engraçadas, misteriosas. Já teve que inventar emoções que a atriz original não entregou? Como lidar com o papel de "melhorar" a atuação alheia?
Fernanda Baronne - Eventualmente, nós fazemos trabalhos que não parecem estar muito bem realizados. Eu digo “parecem” porque por se tratarem de trabalhos em língua estrangeira, sempre pode ser uma falta de compreensão cultural nossa do que é a interpretação naquela cultura. Mas, sim, isso já aconteceu. Na dublagem, por termos a imagem junto, não dá pra fugir totalmente do que a atriz está expressando fisicamente. Eu sempre dou o exemplo da interpretação clássica em novelas mexicanas que, para a nossa cultura, é bem exagerada. Não dá pra fugir totalmente daquilo, senão fica falso, mas claro que dá pra melhorar, pra aproximar mais da gente. Esse “inventar emoções” nada mais é do que o trabalho de interpretação do ator. Num caso desses, é como se você estivesse pintando sobre uma tela semi pronta, mas na qual você enxerga várias possibilidades de mudança: um sombreado, um tom, um efeito de luz… Você segue o que foi começado, mas dá o seu toque a partir do momento em que pega o pincel. E, às vezes, não tem a ver mesmo com um trabalho de má qualidade, mas com um jeito de interpretar ou de falar totalmente oposto ao que temos aqui. Os K Dramas, por exemplo, que fazem muito sucesso no Brasil. A língua coreana é muito diferente da nossa, o jeito deles de falar, os fonemas, a musicalidade… mas a essência, a alma, o bom trabalho, estão lá. Cabe aos dubladores traduzir aquilo para algo que se assemelhe mais ao nosso “jeito” de viver as coisas. É isso que eu chamo de “versão brasileira”.
Resenhando.com - Em um mundo ideal, que atriz do cinema internacional você ainda não dublou - mas gostaria de dar voz como se estivesse pegando carona em sua alma?
Fernanda Baronne - Hipoteticamente falando, claro, porque a atriz que eu vou citar já é dublada por uma colegas super talentosa que é a Adriana Torres, eu adoraria dublar a Claire Danes. Acho ela incrível!
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“Jurassic World: Recomeço” | "Jurassic World: Rebirth" | Sala 3 | Ação e aventura
Classificação: 14 anos. Ano de produção: 2025. Idioma: inglês. Direção: Gareth Edwards. Elenco: Scarlett Johansson, Jonathan Bailey, Mahershala Ali e outros. Duração: 2h14. Cenas pós-créditos: não. Cineflix Santos | Miramar Shopping | Rua Euclides da Cunha, 21 - Gonzaga - Santos/SP.
Dublado
11/7/2025 - Sexta-feira: 15h15
12/7/2025 - Sábado: 15h15
13/7/2025 - Domingo: 15h15
14/7/2025 - Segunda-feira: 15h15
15/7/2025 - Terça-feira: 15h15
16/7/2025 - Quarta-feira: 15h15
Legendado
11/7/2025 - Sexta-feira: 18h00 e 20h45
12/7/2025 - Sábado: 18h00 e 20h45
13/7/2025 - Domingo: 18h00 e 20h45
14/7/2025 - Segunda-feira: 18h00 e 20h45
15/7/2025 - Terça-feira: 18h00 e 20h45
16/7/2025 - Quarta-feira: 18h00 e 20h45