Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com.
Rafael Gallo acaba de publicar uma nova versão de "Rebentar", romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2016. "O que motivou a nova versão foi uma vontade, já de alguns anos, de mudar certos aspectos do texto, que me pareciam inadequados e de colocar um pouco mais de sal nas personagens", ele explica. O livro, que narra o momento de reconstrução de uma mãe que decide parar de buscar seu filho desaparecido, tem texto de orelha do escritor João Anzanello Carrascoza.
Paulistano nascido em 1981, ele também é autor dos romances "Dor Fantasma", vencedor do Prêmio José Saramago 2022, w do livro de contos "Réveillon e Outros Dias", vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2012. Tem ainda diversos textos em antologias e coletâneas, incluindo publicações em países como França, Estados Unidos, Cuba, Equador e Moçambique. Nesta entrevista exclusiva, o premiado autor fala sobre o processo de reescrita do livro, criação artística e autobiografia. Garanta o seu exemplar de "Rebentar", escrito por Rafael Gallo, neste link.
Rafael Gallo - O que motivou a nova versão foi uma vontade, já de alguns anos, de mudar certos aspectos do texto, que me pareciam inadequados e, confesso, me davam um pouco daquela vergonha de ter escrito, e de colocar um pouco mais de sal nas personagens, digamos. E foi uma experiência ótima revisitar a história, que é tão importante para mim. Eu logo me senti em casa, ali.
Resenhando.com - O que representa a literatura em sua vida?
Rafael Gallo - Muitas coisas, desde uma possível distração em um tempo ocioso, até uma parte muito grande, e fundamental, da minha formação intelectual e emocional.
Resenhando.com - Na sua própria literatura, em que você se expõe mais, e por outro lado, em que você mais se preserva, em seus textos?
Rafael Gallo - É difícil dizer com precisão. Creio que minhas personagens, e minhas histórias, sempre são uma forma de lidar com questões que são muito importantes para mim, muito íntimas e que me tiram o sono. Se coloco essas questões para serem tratadas com personagens aparentemente distantes de mim, em seus tipos e características, não é para me preservar ou me esconder, mas porque acho que essas formas de construção podem representar melhor o que quero dizer.
Resenhando.com - Que conselhos você dá para as pessoas que pretendem enveredar pelos caminhos da escrita?
Rafael Gallo - O primeiro é o de sempre: ler muito. Não há outra maneira de aprendizado melhor do que estar imerso no que quer fazer. O segundo conselho tem a ver com essa parte de querer: pense no que você ama mesmo. Se for a história e a escrita, então importe-se com isso. E o terceiro e último: tenha paciência e saiba que terá de lidar com muito do imponderável.
Resenhando.com - Quais livros foram fundamentais para a sua formação enquanto escritor e leitor?
Rafael Gallo - Muitos. Para citar alguns: “Laços de Família”, da Clarice Lispector; “Várias Histórias”, Machado de Assis; “Final de Jogo”, Julio Cortázar; “Sinfonia em Branco”, Adriana Lisboa; “Cemitério de Pianos”, José Luís Peixoto; “Ensaio sobre a Cegueira”, José Saramago; “Primeiras Estórias”, João Guimarães Rosa, e muitos outros.
Resenhando.com - Como e quando começou a escrever?
Rafael Gallo - De certa forma, desde muito pequeno eu lido muito com a imaginação e com a criação de histórias. Desenhava histórias em quadrinhos, inventava histórias na minha cabeça e tudo mais. Depois, ao longo da vida, flertei com aqueles poemas de adolescente, escrita de letras de canções autorais, tentativas de prosa etc. Mas, escrever mais a sério, com um “projeto literário”, digamos, foi mais perto dos 30 anos de idade. A época de meu primeiro livro mesmo, “Réveillon e Outros Dias”.
Resenhando.com - Quais escritores mais influenciaram a sua trajetória artística e pessoal?
Rafael Gallo - Muitos, incluindo todos que citei na pergunta sobre livros da minha formação. Vou acrescentar mais nomes aqui, para aproveitar a chance: João Anzanello Carrascoza, Maurício de Almeida, Dulce Maria Cardoso, Milan Kundera, Inês Pedrosa, Mário de Andrade. E poderia citar alguns cancionistas, como Chico Buarque, Noel Rosa, Aldir Blanc, Tom Jobim, Caetano Veloso. Todas essas pessoas me ensinaram voos que a palavra pode erguer, para além do uso comum.
Resenhando.com - É possível viver de literatura no Brasil?
Rafael Gallo - Possível, é; só não é fácil e tampouco comum. Dá para contar nos dedos quem consegue isso, de verdade. Porque a gente não pode colocar nessa conta quem não tem outros trabalhos, porém, o dinheiro que paga as contas precisa ser garantido por outra fonte ou pessoa. O difícil é conseguir que, em um país onde a literatura está longe do centro da atenção, haja remuneração suficiente e duradoura.
Resenhando.com - O quanto para você escrever é disciplina? É mais inspiração ou transpiração? Por quê?
Rafael Gallo - Para mim, tem tudo a ver com disciplina. Porém, com uma ideia de disciplina que não é rígida; é uma questão de lembrar-se a si mesmo o que é que você quer, como ouvi, certa vez, de Gil Fronsdal. E, para mim, é bastante trabalhoso. Há a parte de ter ideias, que, no meu caso, costuma acontecer mais fora do ambiente de escrita diretamente. A parte de escrever é mais trabalhosa, no meu caso.
Resenhando.com - Quanto tempo por dia você reserva para escrever?
Rafael Gallo - Não há tempo definido. Em geral, tento ter o máximo que posso.
Resenhando.com - Você tem um ritual para escrever?
Rafael Gallo - Colocar música nos fones de ouvido, comer chocolate e ler algo bom antes.
Resenhando.com - Em um processo de criação, o silêncio e isolamento são primordiais para produzir conteúdo ou o barulho não o atrapalha?
Rafael Gallo - Eu gosto de ouvir música, porque é uma espécie de “som controlado” para mim. Silêncio mesmo não existe, então se eu não ouço música, me distraio com cada ruído que aparece (e eles sempre aparecem). Além do mais, a música me dá uma espécie de injeção de ânimo.
Resenhando.com - O que há de autobiográfico nos textos que escreve?
Rafael Gallo - Tudo, embora pareça que não haja nada.
Resenhando.com - Como começar a ler Rafael Gallo?
Rafael Gallo - Eu sugiro pelos romances, que acredito serem meus trabalhos mais bem acabados. Se for ler o “Rebentar”, garanta que é a nova versão, a de 2023, está escrito na capa, no canto inferior esquerdo.
Resenhando.com - Por qual de seus livros - ou personagem - você sente mais carinho?
Rafael Gallo - Isso é impossível responder. Tenho muito carinho por cada um deles. Talvez seja meu traço mais importante, na hora de escrever.
Resenhando.com - Que livro você gostaria de ter escrito?
Rafael Gallo - “Ensaio Sobre a Cegueira”, do José Saramago. Porque, na minha opinião, é uma história que mostra, da melhor maneira possível, os grandes nós da humanidade. É quase como se fosse a explicação definitiva do funcionamento dos seres humanos; em especial, nas relações coletivas. E, além disso, acho a condução narrativa desse livro perfeita.
Resenhando.com - Hoje, quem é Rafael Gallo por ele mesmo?
Rafael Gallo - O mesmo garoto que sonhava em criar histórias, só um pouco aprimorado.
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