sexta-feira, 15 de agosto de 2025

.: Entrevista: músico, Péri lança “Poesias Vermelhas” e expõe a nudez da palavra


Por 
Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: Rafael Nogueira

Há artistas que atravessam linguagens como quem muda de rua e sem medo do que vem na esquina. Péri é um desses. Cantor, compositor, produtor e agora, oficialmente, poeta, ele estreia na literatura com "Poesias Vermelhas", livro de 33 páginas que cabe no bolso, mas insiste em ocupar a cabeça por dias. São versos de resistência, desejo e liberdade que passeiam entre o quintal baiano e as esquinas paulistanas, com lirismo ora delicado, ora de combate.

Nesta conversa, reproduzida com exclusividade para o portal Resenhando.com, Péri fala sobre a cor que nomeia o livro, a travessia entre palco e papel, a herança concreta de Augusto de Campos e o que muda quando a música dá lugar ao silêncio. O resultado é um retrato sem retoques de um artista múltiplo, que agora também encontra na poesia um território para provocar, acolher e incendiar.  Compre o livro "Poesias Vermelhas", de Péri, neste link.


Resenhando.com - Você diz que agora pode se declarar oficialmente poeta. O que o impedia de fazer isso antes?
Péri - Porque até então, o que eu escrevia servia, em princípio, a só uma música. Tinha que corresponder a uma métrica musical, servia ao estilo, à forma, ao ritmo da música. Mesmo que, na minha percepção, a letra da música sempre existiu por si só, independente da música. Mas como para as pessoas, pelo menos, aquilo está associado à melodia, aquilo se transforma em canção. Então, a libertação foi poder escrever poesia sem necessariamente pensar em música. Isso foi uma libertação, uma forma boa de libertação.


Resenhando.com - “Poesias Vermelhas” nasceu fora da métrica musical. Se a canção fosse um cárcere, qual verso o libertou primeiro?
Péri - Olha, a libertação poética a que eu me refiro não quer dizer que a prisão em relação à métrica musical fosse uma coisa ruim. Era só uma questão de princípio, de rotina, de pensamento artístico. Então, a partir do momento que eu defini na minha cabeça, olhando a página em branco, puxa, não é música, é outra coisa... E poesia também não é literatura... É uma coisa diferente... É uma outra trincheira... E eu me vi liberto das amarras da métrica musical. Todos os versos me levaram pra frente.


Resenhando.com - Você cita Augusto de Campos como epígrafe. Se pudesse escolher outro poeta para duelar com você numa roda de improviso, quem seria?
Péri - Eu gosto muito de ouvir, não só ler, mas ouvir áudios e assistir vídeos do Darcy Ribeiro, um grande pensador do Brasil, foi também político, candidato a governador do Rio de Janeiro, na época, muitos anos atrás. O Rio teria muito a ganhar se ele tivesse ganho, um grande educador, um grande pensador do Brasil, um grande defensor das causas democráticas e humanistas. E eu gostava do jeito dele falar. Então, pensar uma poesia minha no sentido político, ser declamada por Darcy Ribeiro seria uma honra.


Resenhando.com - Você fala do vermelho como símbolo da paixão e da resistência. Mas e quando a poesia é azul, cinza ou bege? Ela ainda o interessa?
Péri - Esse sentimento de cores da poesia é do jeito que a gente acorda, é do jeito que a gente está aquele dia. Talvez quando o poeta põe para fora todos os seus sentimentos e resolve escrever alguma coisa, isso para mim é uma forma de cura. E o estado de espírito é fundamental. até quando o assunto não é livre quando existe um objeto literário vou escrever sobre tal assunto que está me comovendo no momento o dia que você escreve aquilo é fundamental para o desenrolar tanto é que a gente escreve depois depura muito vai afinando as palavras afinando os sentidos a sintaxe no outro dia muda de novo no outro dia muda de novo então a gente tem que publicar logo senão a gente fica mexendo sempre, porque os sentimentos se alternam sempre, a cada dia, se um dia faz sol, se um dia faz chuva, se um dia a gente acorda assim, se a gente acorda de um outro jeito, isso tudo influencia na nossa escrita. Por isso que quando se escreve, depois de burilar, é melhor publicar logo.


Resenhando.com - Entre o palco e a página, qual deixa você mais nu - o microfone ou o papel?
Péri - Hoje, com o advento das redes sociais, com a expansão das possibilidades de conexão de quem escreve para quem lê, se alargaram muito, é natural ter muitas feiras, muitos encontros em livrarias, fazer aproximação entre o público e o poeta, no caso, e ouvir o que ele tem a dizer e ouvir a forma que ele declama a sua poesia é um mapa do caminho para o leitor. Mas eu acho também que deve existir o momento do leitor sozinho, em silêncio para entender a poesia. Porque poesia, assim, você lê um dia, você entende uma coisa, se você lê uma semana depois, você vai entender outra, um ano depois, é uma outra poesia. Dez anos depois, acontece a primeira revelação uma vida inteira para você descobrir às vezes o sentido de um poema então, às vezes o silêncio a introspecção é importante e necessária.


Resenhando.com - Seu livro foi escrito entre 2020 e 2021. Que palavra o salvou durante a pandemia e que palavra você se recusa a escrever até hoje?
Péri -  Essa época 2020, 2021, uma palavra muito triste que se repetia era a "enfermidade": a enfermidade do mundo, a enfermidade das pessoas, a doença corroendo todas as coisas, os seres humanos, o seu pensamento, o seu comportamento, tanta gente sofrendo. Isso tem um impacto grande em qualquer obra artística e óbvio que teve na minha. E a emoção era tanta que só a música não foi capaz. Então, a poesia me salvou durante a pandemia. Ela foi a que realmente conseguiu me libertar E me fazer expressar o que eu estava sentindo E também dar uma contribuição de sentimento, de esperança para quem estava sofrendo tanto, né?


Resenhando.com - Você já foi gravado por vozes como Gal Costa e Margareth Menezes. Se pudesse colocar uma das suas poesias na boca de alguém improvável - digamos, um político, um pastor ou um influencer - quem você escolheria?
Péri - Olha, Augusto de Campos é uma grande referência para mim, a poesia concreta, junto com Décio Pignatari e Haroldo de Campos, sempre uma referência, uma descoberta, eu sempre estou descobrindo coisas novas, vendo a poesia concreta. E, além do mais, Augusto é um grande tradutor de outras obras, de outros artistas, um grande recriador, e ele me trouxe conhecimento da poesia do mundo. isso foi fantástico. Então, eu tenho uma referência muito forte em relação a ele como poeta e como recriador, tradutor. Mas eu pensaria também em Gregório de Matos, o baiano Boca do Inferno, porque é um dos primeiros que a gente tem notícia, escrevendo, fazendo poesia dentro de uma realidade do princípio de Salvador, do princípio da Bahia, do começo de tudo que a gente entende hoje como Salvador, como Bahia, como a classe dominante, a elite que comandava as coisas, a divisão com a religião. Gregório de Matos foi um vanguardista.


Resenhando.com - A performance é parte do lançamento. Você acredita que a poesia hoje precisa de espetáculo para ser ouvida, ou é o leitor que ficou distraído demais para escutá-la em silêncio?
Péri - O papel é muito mais íntimo. O microfone a gente se expõe muito mais, né? Se expõe na voz, se expõe no que está cantando, se expõe o corpo, a alma, espíritos, né? Subir no palco, olhar para as pessoas. É uma sensação muito forte, é uma ligação muito forte, o artista com o público na relação do palco. Quando está no papel, aí é uma intimidade, entendeu? É quase como eu posso fazer o que eu quiser e não vou ser julgado, mesmo que alguém valer aquilo depois, você colocou aquilo no papel de uma forma tão íntima que o julgamento não importa das pessoas. O que importa é o exercício do que você fez, do que você pôs ali, do que você revelou. E mesmo assim você escreve poesia de uma forma que às vezes não se revela e fica ali o mistério para sempre, ou pelo menos por algum tempo.


Resenhando.com - Como seria uma playlist para acompanhar a leitura de “Poesias Vermelhas”? Tem mais Djavan, Fela Kuti ou silêncio mesmo?
Péri - Olha, eu não consigo ler poesia ouvindo música, principalmente se tiver letra, para mim não tem como. No máximo, um Devu-si, Eric Sati, Vila-Lobos, você ouve mais as melodias tocadas por instrumentos, não com letra, porque aí existe o conflito, você está fazendo o embate entre duas poesias, a que você está lendo e da letra da música que você está ouvindo, eu acho que não combina talvez o silêncio seja a melhor companhia no máximo uma música clássica.


Resenhando.com - Se “Poesias Vermelhas” fosse um corpo, o que ela tatuaria na pele, esconderia sob a roupa e gritaria na praça pública?
Péri - Uma boa tatuagem seria: "meu sangue é vermelho e o seu também". Mostrando para todo mundo que nós todos somos iguais nesse pontinho azul perdido no meio do espaço. Somos uma obra maravilhosa da natureza, ao mesmo tempo somos tão pequenininhos e às vezes a gente se aborrece com coisas tão pequenininhas, a gente se aporrinha com minúsculas coisas, sem a menor importância. Acho que a gente tem que dar mais importância ao que nós somos de verdade, todos iguais. Pessoas passeando na poeira do espaço.







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