terça-feira, 8 de maio de 2018

.: Entrevista com Letícia Birkheuer, a atriz em seu melhor momento no teatro


"...uma das coisas mais interessantes da carreira de atriz é a desconstrução",
Letícia Birkheuer


Por Helder Moraes Miranda, em maio de 2018.

A capacidade de se transformar em um homem no palco mudou a carreira da atriz Letícia Birkheuer. Ela interpreta de maneira tão convincente o papel de Paulo, um dos personagens mais marcantes da peça "Senhora dos Afogados", de Nelson Rodrigues, que completou sete décadas no ano passado e voltou repaginada com a direção impecável de Jorge Farjalla, e tem no elenco Alexia Dechamps, Karen Junqueira, João e Rafael Vitti, entre outros nomes. O público que assiste não reconhece Letícia, e isso é lindo. 

Muito mais amadurecida profissionalmente após vencer esse desafio, criado a partir de um pedido para que fosse desconstruída como atriz, ela já não é mais a mesma. O público que a assiste também não, sai, a exemplo da atriz, repleto de desconstruções. Com uma carreira de sucesso tanto no mundo da moda quanto na televisão, ela demonstra, nessa entrevista exclusiva, que é muito mais do que um rosto lindo e está pronta para saltar de qualquer precipício quando o assunto é arte.  



RESENHANDO - A montagem 2018 de "Senhora dos Afogados" está diretamente ligada ao seu desejo de se desconstruir como atriz. Por que isso era necessário para a sua carreira? 
LETÍCIA BIRKHEUER - Acho que uma das coisas mais interessantes da carreira de atriz é a desconstrução, viver um personagem diferente de tudo aquilo que você já fez, mergulhar num universo distante, desafiar a si próprio, chegar a extremos de dificuldade. Isso é necessário na vida de qualquer ator que deseja um crescimento, um amadurecimento como artista.


RESENHANDO - Seu rosto está atrelado a grandes marcas que exaltam a beleza feminina e a delicadeza. Qual é o principal desafio de interpretar um homem no teatro? 
L.B. - As razões de ter escolhido interpretar um homem: desafiar a mim mesma, provar a minha capacidade, desvincular minha imagem a de uma mulher bonita, sedutora, chique. O principal desafio é não cair no caricato, não tentar fazer um homem e, sim, SER um homem.



RESENHANDO - Para interpretar um personagem masculino, e ficar irreconhecível nele, você precisou abdicar de sua feminilidade em cena. Isso, para muitas, pode ser um tabu. Para você, não. Como foi o processo de criação do personagem?
L.B. - O processo foi desafiador e diria até doloroso. A incerteza, a vontade de desistir, o medo de estar dando um tiro no pé, o medo de ficar caricato, as horas em pé em posições desconfortáveis, as dores nas costas, o fato de não conseguir me enxergar como homem, a insegurança, a raiva, os choros depois dos ensaios exaustivos, foi tudo muito intenso. Uma montanha russa de sentimentos. Mas tudo foi importante, pra conseguir chegar onde estou.


RESENHANDO - Com o que você mais se identifica, e o que mais a distancia desse personagem?
L.B. - O que mais me distancia do Paulo é a ingenuidade do personagem, a fragilidade do personagem. O que mais me aproxima é a bondade, a generosidade.


RESENHANDO - O sucesso desse personagem é uma resposta a quem não acreditava em seu trabalho como atriz?
L.B. - Desde quando fui modelo sempre precisei provar que era capaz. Fui mandada embora de uma agência de modelos no início da carreira pois não acreditavam no meu talento. Demorei sete anos para ser uma das melhores do mundo. Fui persistente. Fui atleta, e meu instinto de vencer é muito forte. Na carreira como atriz, não poderia ser diferente.



RESENHANDO - Jorge Farjalla disse, sobre você, em recente entrevista: “Ela é disponível, pronta para pular do precipício”. O que tem a dizer sobre esse depoimento?  
L.B. - Farjalla é um monstro, no bom sentido. Ele acredita em coisas que nem a gente acredita. Ele aposta, ele é o primeiro a pular do precipício, mas com segurança. Ele é uma pessoa maravilhosa, um grande diretor de ator, diretor de cena. A visão dele, o trabalho de pesquisa dele, a construção, a riqueza em detalhes... Nada passa desapercebido a Farjalla. Se estou com dor de barriga, ele percebe em dois segundos e já vem falando: ”Birk, o que você tem? Estou aqui pra te ajudar”. Ele tem uma sensibilidade invejável.


RESENHANDO - Nelson Rodrigues é um autor atual, mesmo com as peças escritas há muitos anos. Por que ele merece ser lido, e o que ainda tem a dizer, nos dias de hoje?
L.B. - Porque ele fala dos conflitos, dos medos, das  inseguranças do ser humano, da maldade, da inveja, do desejo, do profano, dos problemas familiares... Porque apesar dos textos e peças terem sido escritos há muito tempo, revelam realidades que fazem parte da vida de vários seres humanos hoje e sempre. Isso tudo traz uma reflexão profunda ao espectador e um exercício de entendimento da psique de cada um.


RESENHANDO - Na novela "Belíssima", bem no início de sua carreira como atriz, você interpretou uma personagem rodrigueana: a da filha que rouba o marido da mãe. Como atriz, quanto mais polêmico o papel, melhor, ou isso é indiferente? 
L.B. - Gosto de desafios. A vida é cheia de conflitos, altos e baixos, emoções, dores... Assim deve ser a vida de um personagem interessante. Se o polêmico for interessante, também é válido.

RESENHANDO - Ser uma atriz muito bonita ajuda ou atrapalha na escalação de grandes papéis?
L.B. - Atrapalha. Por que  você precisa se desconstruir o tempo todo e provar que beleza não tem nada a ver com talento. Vivemos numa sociedade machista e preconceituosa que acredita que a mulher é bonita e burra.

RESENHANDO - O que falta você interpretar na TV, no teatro e no cinema? Quais seriam os papéis dos seus sonhos?
L.B. - Muita coisa... Adoraria fazer um drama no cinema, fazer um filme internacional europeu, fazer um filme no interior do Rio Grande do Sul. No teatro, quero um dia fazer um monólogo. Na TV, gostaria de fazer mais séries.



*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.



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4 comentários:

  1. Tive o prazer de assistir a montagem. Eu me encaixo no grupo de ter pensado que Letícia estava sendo substituída no dia da apresentação. Paulo é uma revelação na carreira dela. Atriz de talento, como você escreveu, essa capacidade de se transformar em um homem surpreende. Verdadeira mudança.
    por Elter Ferreira

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    1. Concordo, Elter! Como ela mudou para vida a Paulo. Confesso que não a reconheci e tive que confirmar com outros se era ela, de fato.
      Muito, muito obrigada por comentar.
      Grande abraço.

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  2. Talento e beleza no mesmo pacote. Assim pode ser apresentada Letícia Birkheuer. Fora que mostrou ser uma pessoa extremamente sensível e inteligente.

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  3. Ela é talentosa, até ver essa peça eu desconhecia. Só achava que era mais um rostinho bonito fazendo novela.

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