quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

.: Entrevista exclusiva: Bernardo Braga Pasqualette fala sobre Daniella Perez


Por 
Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. 

Quem tem alguma memória de 1992 com certeza se lembra de onde estava quando descobriu que Daniella Perez, a "namoradinha do Brasil" da época, conhecida nacionalmente como a Yasmin da novela (ainda das oito) "De Corpo e Alma", havia sido assassinada. Não só pela presença impactante da atriz e bailarina na televisão, quando entrava nos lares brasileiros pela porta da frente, mas pela brutalidade como tudo aconteceu.

Todos amavam Daniella Perez e estendiam esse apreço à personagem que ela defendia com unhas,  dentes e muito carisma na novela escrita por Glória Perez, mãe da atriz. Foi um crime tão impactante que marcou gerações. Não teve um único dia, nesses últimos 30 anos, que ela não seja lembrada, também, pelo público que a admirava.

Autor do livro "Daniella Perez: Biografia, Crime e Justiça" , lançado pela editora Record, o escritor Bernardo Braga Pasqualette fala sobre tudo o que permeia essa história em uma entrevista exclusiva. Considerando o mais completo relato investigativo sobre as circunstâncias e motivações do crime hediondo que vitimou a estrela que conquistava cada vez mais espaço no coração do público brasileiro. O livro conquistou o segundo lugar de "Melhores do Ano" na categoria Livros do portal Resenhando.com.

Nesta quarta-feira, 28 de dezembro de 2022, mais de 30 anos se passaram. A partir da estreia da minissérie "Pacto Brutal", dirigida por Tatiana Issa, e agora com a biografia escrita por Pasqualette, a história finalmente passou a ser contada pela ótica da verdade - sem o sensacionalismo que as manchetes da época trataram o caso e sem os boatos maledicentes que envolviam a atriz e o assassino dela. Nesta entrevista exclusiva, ele conta detalhes sobre a história que chocou o país e só agora, mais de 30 anos depois, foi contada com a dignidade que uma estrela merece.


Resenhando.com - Que motivação o levou a se interessar pelo assunto e publicar o livro 30 anos depois? 
Bernardo Braga Pasqualette -
Esse é o trabalho de uma vida. Comecei a acompanhar o caso junto a minha avó, tinha nove anos quando ocorreu o crime. Durante a década de 1990, líamos bastante sobre o caso nos jornais e revistas e recortávamos as principais reportagens. Minha avó ouvia rádio na frequência AM e tomava as próprias anotações, hábito que acabei por adquirir. O rádio era um complemento em relação ao que líamos, só que mais aprofundado. Ouvíamos os debates populares, onde múltiplos pontos de vista eram apresentados. Dessa combinação entre ler e escutar resultou o meu livro.


Resenhando.com - Então essa é uma pesquisa feita ao longo de uma vida?
Bernardo Braga Pasqualette - Sim. Acompanhei o caso de forma muito viva entre 93-97, mas o “dia D” foi 15 de maio de 97, quando tentei acompanhar o julgamento da então acusada Paula Thomaz e fui barrado na porta da sala de audiências. Foi uma decepção muito grande. Li no jornal que havia vagas para estudantes mediante ordem de chegada, cheguei cedo pela manhã (o julgamento começaria à tarde), mas as vagas eram para estudantes de direito e não para alunos do ginásio. Percebi, naquele momento, que algum dia contaria essa história.


Resenhando.com - E o personagem mais marcante desta história, entre os envolvidos, para você, quem foi?
Bernardo Braga Pasqualette - O mais óbvio seria destacar o papel da Glória, mãe da Daniella, pela sua luta por justiça e contra a impunidade. Sem dúvida que o papel dela foi fundamental e muito digno diante de circunstâncias tão adversas. Mas, permito-me destacar o papel do advogado Hugo da Silveira, testemunha ocular dos fatos e cuja participação foi fundamental para a rápida elucidação do caso. Sua altivez a se dispor a testemunhar em várias fases do processo é absolutamente louvável e digna de reconhecimento, sobretudo em um país onde a maioria das pessoas tem medo de testemunhar.


Resenhando.com - Existe algo no caso que você considerou importante para o caso e que poucas pessoas dão importância?
Bernardo Braga Pasqualette - Sem dúvida, o que mais me marcou foi o julgamento do Guilherme. Por dois motivos. Primeiro, porque ao final de 93, quando ele já abandonara a narrativa de que sua então esposa não estivera no local do crime, ele afirmou publicamente que não era inocente, mas apenas que queria assumir a sua responsabilidade no crime e que a ré também assumisse a dela. Minha avó recortou as revistas e, durante o julgamento, ela não se conformava com a tese defendida pela defesa de que o réu era inocente. A sua indignação é algo que retenho na alma. Mais curioso é que ela ficou mais brava com o Paulo Ramalho, advogado do réu, do que com o próprio acusado. Depois, pela postura performática do réu, que se valia de artifícios como voz em falsete, onomatopeias, o que era muito enfatizado pelas rádios. No dia seguinte ao julgamento, li no jornal que enquanto o acusado se comportava como um ator a serviço de seu personagem, o irmão da Daniella não conseguia segurar as lágrimas acompanhando a audiência. Aquilo também me marcou muito.  


Resenhando.com - Quando você percebeu que era a hora de parar de pesquisar e começar a escrever o livro?
Bernardo Braga Pasqualette - Quando eu percebi, já tinha um livro pronto. Foi o primeiro livro que escrevi e o terceiro que publiquei. Sempre houve no Brasil muito insegurança jurídica em relação a biografias não autorizadas, o que só foi decidido pelo STF em 2015. Ainda tinha a discussão sobre “direito ao esquecimento” que também só foi resolvido definitivamente pela Justiça em 2021.  


Resenhando.com - Qual a contribuição dada pela mãe de Daniella, Gloria Perez, para que o livro acontecesse?
Bernardo Braga Pasqualette - Tentei contato com a família da Daniella de diversas formas e, em janeiro de 2022, tive uma reunião com a Gloria e o Rodrigo Perez (irmão da atriz e advogado criminalista). Foi uma conversa sóbria, franca e transparente, porém não evoluiu para uma entrevista. Encaro com naturalidade e entendo ser parte da liberdade de expressão não se manifestar.


Resenhando.com - A que você atribui o fato de ela não ter dado - pelo menos diretamente - uma entrevista para o livro?
Bernardo Braga Pasqualette - Eu realmente acredito que a postura de não se manifestar também é uma forma de resposta, além de fazer parte da liberdade de expressão. Fui aluno do ministro Luís Roberto Barroso e uma de suas lições carrego comigo na alma: “Nunca devemos piorar aquilo que já é ruim”. Tudo o que esteve ao meu alcance para não aumentar o sofrimento da família da Daniella, acredite, eu fiz: a mãe dela foi a primeira a saber do trabalho fora do meu círculo mais íntimo, não fiz lançamento ou noite de autógrafos, não utilizei no encarte fotos da Daniella ao lado do algoz como se fossem um casal na ficção, enfim, tudo o que pude fazer, mantendo a independência do trabalho, eu fiz.

Resenhando.com - Ao contrário do documentário "Pacto Brutal", você optou por dar espaço para os assassinos de Daniella Perez. Por quê?
Bernardo Braga Pasqualette - 
O meu maior objetivo é que o meu livro sobreviva ao tempo, então ouvir todos os lados é algo inegociável. Sou jornalista por vocação, minha prioridade é a informação do público, sem filtros ou embargos. Mais que isso: ao longo da década de 90 havia a narrativa de parcialidade da imprensa, que as defesas não tinham o mesmo espaço na mídia que a acusação, que a opinião pública estava sendo manipulada e por aí vai, então este ponto foi algo que sempre me preocupou bastante. Eu me coloco no lugar da família da Daniella e me questiono o que eu sentiria em relação a alguém condenado pela morte de um ente querido meu? É uma pergunta difícil e eu lhe respondo com a máxima transparência: eu me indignaria com a mera existência desta pessoa. Contudo, como jornalista eu não posso me deixar levar pelas minhas próprias opiniões ou sentimentos, pois a minha obrigação é entregar ao público uma abordagem isenta, com os pontos fortes e fracos das três versões levadas a Juízo. Dali por diante, cada um faz o seu próprio juízo de valor. Encaro eventuais críticas ao meu trabalho com serenidade, mas, friso, que no meu livro realizei uma escuta ativa das defesas e relatei os seus pontos de vista, independentemente de concordar ou não.

Resenhando.com - O que é mais diferente e mais igual entre os Brasis de 1992 e 2022?
Bernardo Braga Pasqualette - 
O Brasil de 1992 era muito mais preconceituoso se comparado à nossa sociedade atual. Basta lembrar os insultos misóginos e homofóbicos direcionados aos acusados. Até hoje, as defesas questionam o tratamento dado pela mídia a ambos, com destaque para o sensacionalismo com o qual suas pretensas escolhas em suas vidas pessoais eram divulgadas, o que, em suas visões, pode até ter comprometido a imparcialidade dos julgamentos. Vou lhe dar um exemplo: na década de 1990 chegou a ser publicado que o crime “teria caraterística nitidamente gay” ou que o Guilherme matou a Daniella por supostamente ser homossexual. Isto é homofobia, algo absolutamente inaceitável e que deve ser combatido. Trato estas questões de forma aberta no meu livro, pois entendo ser dever de todos se insurgir ante o preconceito. Nisso, acho que andamos para frente, as pessoas devem ser julgadas pelo o que elas fizeram e não por suas pretensas escolhas em suas vidas pessoais, que frise-se, diz respeito somente a elas. Hoje, na abordagem de crimes de grande repercussão, noto uma preocupação maior da mídia, tanto em não pré-julgar, como também muito mais restritiva e cautelosa em relação à desqualificação pessoal dos acusados.

Resenhando.com - O que a história de Daniella Perez tem a ensinar nos dias de hoje?
Bernardo Braga Pasqualette - 
Daniella deixa uma lição muito atual, no campo da integridade e da ética, algo que também acaba por passar despercebido ante a brutalidade do crime. Temos que lembrar que a atriz era bailarina por vocação e estava emendando, cada vez com mais destaque, sua terceira telenovela. Naquele momento, tinha uma carreira em linha ascendente e a personagem Yasmin havia arrebatado a audiência. Tanto que naquele segundo semestre de 1992, a atriz tinha adquirido a alcunha de “namoradinha do Brasil”. Além disso, Daniella era filha da autora da trama, o que despertou a cobiça de Guilherme de Pádua. Mesmo sofrendo assédio para que interviesse junto à sua mãe em favor do personagem de Guilherme, ela simplesmente se recusou a agir de forma desonesta. Naquele longínquo 1992, em um momento em que a juventude falou tão alto nas ruas do país em favor do impeachment do (presidente) Collor, uma voz jovem foi brutalmente calada. Uma mulher foi morta justamente por não se permitir claudicar, negando-se a prejudicar seus colegas em favor de quem quer que fosse. Este é um exemplo que sobrevive ao tempo.

Resenhando.com - Em que o livro contribui para a memória de Daniella Perez - e porque as pessoas devem conhecer esta história?
Bernardo Braga Pasqualette - 
Eu penso que o caso deixa duas grandes contribuições à sociedade atual. A primeira delas é a tentativa de culpabilização da vítima, quando o algoz a acusa, ainda no momento inicial, de constantemente o assediar e, posteriormente, de ter mantido um inverossímil caso extraconjugal com ele. Isso é algo absolutamente inaceitável, mas, infelizmente, sempre foi uma estratégia comum em crime praticados contra mulheres. Também é digno de nota o fato de que Daniella estava sendo assediada por um homem em seu ambiente de trabalho. Após o crime, testemunhos foram unânimes que o assédio era público e notório nos bastidores da novela, mas, mesmo assim, nada foi feito para cessar tal conduta odiosa. Não de trata de culpabilizar ninguém pelo o que aconteceu, até porque um crime horrendo como aquele era inimaginável. Porém, é fundamental sublinhar o fato de que uma mulher era assediada em seu ambiente de trabalho, várias pessoas tinham ciência do fato e nada foi feito. Essa situação não deixa de escancarar o machismo estrutural existente em nossa sociedade e como é comum relativizar esta prática nefasta e sexista. Será que algo mudou em nossa sociedade após 30 anos? Deixo essa reflexão final.


+ Sobre o livro
Escrito sob a forma de uma reportagem literária, "Daniella Perez: Biografia, Crime e Justiça", escrito por Bernardo Braga Pasqualette, é composto de um perfil biográfico de Daniella Perez e uma minuciosa análise do crime que a vitimou. Publicado pela editora Record, o trabalho se valeu majoritariamente de fontes primárias, além de terem sido analisadas inúmeras reportagens sobre a investigação criminal, o julgamento e a execução das penas dos condenados, além do processo que os condenou por homicídio duplamente qualificado. O livro conta a história de uma estrela em ascensão e de sua partida precoce, mas também é o mais completo relato investigativo das circunstâncias e motivações de um crime hediondo, trazendo à luz todas as nuances de um crime bárbaro que causou enorme comoção em todo o país.

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