domingo, 30 de setembro de 2007

.: Resenha de "O Dia do Curinga", de Jostein Gaarder

Por: Mary Ellen Farias dos Santos

Em setembro de 2007


Viagem no tempo revela um universo maravilhoso. Viagens ao passado e personagens conhecidas dão agilidade ao texto de "O Dia do Curinga", deixando toda a história de Jostein Gaarder ainda mais intrigante e irresistível.


Um livro com capítulos nomeados de Espadas, Paus, Curinga, Ouros e Copas, sendo que cada um dos citados contém subcapítulos de títulos bastante curiosos como por exemplo o primeiro e o último: "Ás de espadas ... um soldado alemão passou pedalando pela estrada..." e "Rei de copas ...as lembranças se afastando mais e mais daquilo que um dia as criou...". É desta forma que o leitor irá perceber em suas mãos o livro "O Dia do Curinga", de Jostein Gaarder.

É certo que aqueles que já leram algo de Jostein Gaarder não terão algum estranhamento quanto a esta forma criativa do autor de "anunciar" o que há melhor nos próprios livros. Já em O Mundo de Sofia, também publicado pela Companhia das Letras, o autor mostra este seu dom ao trazer para o público uma garota às vésperas de seu aniversário de quinze anos. Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões postais bastante estranhos. Os bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o mundo em que vivemos. Os postais foram mandados do Líbano, por um major desconhecido, para uma tal de Hilde Knag, jovem que Sofia igualmente desconhecia. Em meio a tanto mistério e "lições" o leitor trilha a história da filosofia ocidental.

Ok. O livro em questão é "O Dia do Curinga" que tem como protagonista o jovem Hans-Thomas. Entretanto, nesta história, ele também mergulha no túnel do tempo e viaja no passado e não deixa sua vida naufragar. Tudo começa quando o garoto e seu pai, seguem à procura da mulher que os deixou oito anos antes, e assim, cruzam a Europa, da Noruega à Grécia.


"Há seis anos, em frente às ruínas do antigo temo de Posêidon, no cabo Súnio, eu olhava para o mar Egeu. Há cento e cinqüenta anos o padeiro Hans chegava á misteriosa ilha no Atlântico. E há duzentos anos o navio da Frode naufragava na viagem entre o México e a Espanha.

Tenho de voltar tantos anos no tempo para entender por que mamãe nos deixou e fugiu para Atenas...

Gostaria muito de pensar em outra coisa. Mas sei que preciso tentar escrever tudo enquanto restar em mim um pouco da criança que fui.

Sentado à janela da sala de Hisoy, observo as folhas caindo das árvores. Elas planam no ar e pousam na rua formando um acolchoado macio. Uma garotinha brinca lá fora, amassando com os pés as folhas e as castanhas que caem das árvoes por entre as cercas dos jardins.

Nada parece ter sentido.

Quando penso nas cartas da paciência de Frode, tenho a impressão de que o equilíbrio da natureza desapareceu por completo".


Reflexões sobre a própria história, como por exemplo, ao analisar a história de vida dos avós de Hans-Thomas que seu pai contava quando pararam em um posto de estrada, perto de Hamburgo. Chegar a entender quem ele é, passa a ser interessante, pois caso seus avós não tivessem encontrado-se por causa de um pneu furado e anos depois, seus pais não tivessem permitido que Hans-Thomas nascesse ele não seria ele, e sim, uma outra pessoa.

É no meio desta viagem em família (e na história desta família), que surge um livro misterioso que desencadeia uma narrativa paralela, em que mitos gregos, maldições de família, náufragos e cartas de baralho que ganham vida transformam a viagem de Hans-Thomas numa autêntica iniciação à busca do conhecimento - ou à filosofia. Também pudera o pai do garoto adorava filosofar e se interessava por robôs, pois para ele um dia a ciência conseguiria produzir seres artificiais e pensantes.


"Achei um tanto estranho que a padaria estivesse aberta à tarde. Antes de tomar qualquer decisão, olhei para a estalagem Zum Schönem Waldemar, só para ver se por acaso meu já não tinha saído, satisfeito com a degustação da aguardentes dos Alpes. Como não o vi, abri a porta da padaria e entrei. [...]

O velho padeiro entrou num outro cômodo que havia nos fundos da padaria. Pouco depois, voltou com quatro pãezinhos, que colocou num saco de papel. Entregou-me o embrulho e disse, num tom sério e solene:

- Você precisa prometer uma coisa. Uma coisa muito importante, meu filho. Prometa-se que deixar o pãozinho maior por último e que só vai comê-lo quando estiver sozinho. E não conte nada a ninguém, entendeu?".


O que dizer desta passagem do livro? Pura magia literária. Já no primeiro subcapítulo quando pai e filho estão em Legoland, local em que há enormes bonecos feitos de peças de Lego o pai comenta: "- Imagine se de repente tudo isso ganhasse vida, Hans-thomas - disse ele. - Imagine se, de uma hora para outra, todos esses bonecos saíssem andando no meio dessas casinhas de plástico. O que nós faríamos?", e ainda conclui seu pensamento dizendo: "No fundo somos todos figuras de Lego, só que vivas".

"O Dia do Curinga" é a história de muitas viagens fantásticas que se entrelaçam numa viagem única e ainda mais fantástica - e que só pode ser feita por um grande aventureiro: o leitor. Seja um curinga, diferente, "pois ele veio ao mundo com defeito de ver coisas demais e de ver todas elas em profundidade".

Agora não lhe restam dúvidas se deve ou não ler O Dia do Curinga, não é? Espero que não, pois este é um dos pouquíssimos livros que garantem com tranqüilidade 100% no quesito qualidade de texto aliada à uma excelente criatividade. Faça como Hans-Thomas, entre na sua casa, pegue o seu volume e comece a ler, pois é certa a "sensação de estar entrando num outro mundo". Alguma dúvida? A única que ainda resta é em saber porque nenhum dos fantásticos livros de Jostein Gaarder foram transpostos para a telona, nem mesmo O Mundo de Sofia!

O Autor: Jostein Gaarder nasceu em 1952, na Noruega. Estudou filosofia, teologia e literatura, e foi professor no ensino médio durante dez anos. Estreou como escritor em 1986, tornando-se logo um dos autores de maior destaque em seu país, e a partir de 1991 ganhou projeção internacional com O Mundo de Sofia, já traduzido para 42 línguas. Pela Companhia das Letras publicou ainda Através do Espelho, A Biblioteca Mágica de Bibbi Bokken, O Castelo do Príncipe Sapo, Ei! Tem Alguém aí?, A Garota das Laranjas, Maya, Mistério de Natal, O Pássaro Raro, O Vendedor de Histórias e Vita Brevis. Mora em Oslo, com a mulher e dois filhos.


Livro: O Dia do Curinga

Autor: Jostein Gaarder

140 páginas

Ano: 2007

Editora: Companhia das Letras 

← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

0 comments:

Postar um comentário

Deixe-nos uma mensagem.

Tecnologia do Blogger.