quinta-feira, 8 de abril de 2021

.: Entrevista: Alberto Santiago, autor do espetáculo "Medeia em Faces"


"A função da arte é provocar a reflexão e a conclusão da plateia." SANTIAGO, Alberto


No bate-papo com o Instituto IA3.ORG, Alberto conta o processo de construção da peça em suas diferentes fases e fala da expectativa para a nova temporada de apresentações, que acontecerão de forma online durante o mês de abril.

Responsável pela dramaturgia em todas as temporadas de construção do espetáculo “Medeia em Faces”, Alberto Marcondes Santiago, atualmente diretor de produção da peça, conta em detalhes as etapas que marcaram o desenvolvimento do projeto, desde a primeira montagem em 2012. Naquela oportunidade, que nascia do sonho do ator Mauro Morais, os primeiros contatos com os elementos trazidos de Medeia, a tragédia grega de Eurípides (431 a.C.) e, na sequência, o espetáculo sendo retomado em 2018 e agora em 2021, já pela CIA de Teatro Variante, do Instituto IA3.ORG.

Faltando poucos dias para o início das apresentações em formato online da nova temporada do espetáculo “Medeia em Faces”, que acontece dentro do edital do PROAC Expresso (Estadual), por meio da Lei Aldir Blanc, Alberto Santigo traz mais detalhes do projeto, abordando pontos como a construção da narrativa e dos personagens, além de aspectos como iluminação, figurino e cenário.

“Na nossa concepção, diferente de Eurípedes, assumimos uma forma não linear de contar a história”, relata Alberto. “Não ficamos restritos ao tempo de forma direta em relação à contação de Eurípedes, mas com idas e vindas na descrição dos fatos com o objetivo de, além do exercício prático de transformar uma tragédia grega num drama contemporâneo, também propor ao público que se coloque no lugar da outra pessoa e busque pensar da forma como ela pensaria ou agiria nas mesmas circunstâncias”.

Dentro do PROAC Expresso, serão realizadas seis apresentações com transmissões online ao longo do mês de abril, começando no próximo dia 10 (programação completa neste link: https://www.sympla.com.br/produtor/ciadeteatrovariante). Os atores e atrizes da Cia de Teatro Variante irão encenar a peça na Estação Ferroviária Central do Brasil, localizada na região central de Pindamonhangaba (SP) – o prédio é tombado como patrimônio histórico pelo Governo Federal e está em concessão formal ao IA3.ORG. Os integrantes de palco e técnica irão utilizar uma máscara especial, preparada especialmente para o espetáculo em função da pandemia da covid-19, e serão utilizados equipamentos profissionais de áudio, som e iluminação para condução e transmissão da peça.


Quais são os desafios de pegar a história de um mito (Medeia), de uma tragédia grega de 431 a.C., de Eurípides, e pensar a construção do espetáculo na contemporaneidade? 
Alberto Santiago - 
O próprio Eurípedes já nos dá, no texto, indicações sobre esse sentimento incômodo com a situação da mulher da época, por exemplo: “Que mulher poderia falar de sua condição feminina senão Medeia?”. Quando ele evoca essa personagem e lhe dá um perfil muito contrário ao padrão grego, uma mulher estrangeira, feiticeira, ativa, passional, que eleva a sua paixão acima do universo doméstico, acima do que deveria justificar a sua existência, acima mesmo dos filhos, isso nos libera e facilita construir o espetáculo nos aproximando de um contexto feminista e contestador da mulher.


Como acontece esse processo de construção do espetáculo?
Alberto Santiago - 
Para consolidar esse pensamento nos aprofundamos da pesquisa e debate sobre vídeos e notícias atuais que nos remetiam à história de Medeia.

A mulher tem um papel central nessa história - as angústias, sentimentos, reações etc. Qual é a ligação e também as diferenças entre a Medeia de 431 a.C e Medeia de 2018?
Alberto Santiago - Realmente, o protagonismo da mulher se evidencia, especialmente nas suas reações em decorrência dos seus sentimentos e angústias. São reações de um ser humano potente, de força especial, capaz de reações extremadas e consequências inconcebíveis. Para Medeia, o estatuto do homem grego falhou. Ela é uma bárbara e mulher, subordinada a esses estatutos e com a necessidade de invertê-los, que sempre soube que podia contar com os deuses e poder gozar plenamente de seu real direito.


Como as diferenças entre a Medeia do passado e a atual estão traduzidos na peça?
Alberto Santiago - Quando ela diz no texto “sabem os deuses quem principiou o sofrimento”, ela fala por qualquer mulher moderna. Portanto, a mulher nos dias de hoje ainda é sufocada pelas mesmas questões e opressões.


Como foi apresentar essa proposta de texto a um grupo de atores e atrizes tão jovens? 
Alberto Santiago - 
Quando, em 2018, o Wesley [Peterson da Silva, do IA3.ORG] me apresentou a ideia de montar “Medeia em Faces” no processo do ano, dentro do Projeto Atores Sociais, no bairro do Bom Sucesso, eu fiquei a princípio apreensivo, especialmente pelo fator maturidade dos jovens que participariam do programa.  


Como você acompanhou o desenvolvimento de cada um deles junto ao texto?
Alberto Santiago - Depois que ele me apresentou a realidade da vida e o interesse desses jovens na montagem, eu quis conhecê-los mais de perto e participar junto deles. Para mim, que tinha construído esse projeto com um ator experiente, Mauro Morais, foi um aprendizado realmente significativo e uma ótima surpresa a participação desses jovens, de como se entregaram, verticalizando a pesquisa e a análise.


O que destacaria nesse processo evolutivo?
Alberto Santiago - Essa entrega os levou de forma natural ao processo de aprimoramento técnico e ao aperfeiçoamento humano que eles demonstraram.


Em termos de cenografia, figurino, iluminação e música, quais são as características que valem ser ressaltadas desses trabalhos e que podemos adiantar ao público?
Alberto Santiago - Todo o visual cenográfico e de indumentária são de natureza simples e rústica. A base principal do cenário é composta por um grande altar construído com caixotes de feira e imagens semidestruídas; o figurino confeccionado com base em tecido de algodão cru, ataduras médicas, com as saias, corpetes e o corpo manchados por tintura vermelha que simulam o sangue que evidencia a profunda ferida que é impingida à ela e provocada por ela. A sonoplastia é mesclada por música mecânica e intensos sons de natureza; a iluminação densa é ponteada por projeções, em sua maioria, de vídeos de criação e gravação própria.


A sinopse do espetáculo nos aponta para uma história marcada por uma tragédia, mas também por muita reflexão. Qual é a proposta do espetáculo no que diz respeito à relação com o público?
Alberto Santiago - Na nossa concepção, diferente de Eurípedes, assumimos uma forma não linear de contar a história. Começamos já com Medeia tendo realizado sua ação, porém não fixamos no tempo contando a partir daí. Não ficamos restritos ao tempo de forma direta em relação à contação de Eurípedes, mas com idas e vindas na descrição dos fatos com o objetivo de, além do exercício prático de transformar uma tragédia grega num drama contemporâneo, queremos também propor ao público que se coloque no lugar da outra pessoa e busque pensar da forma como ela pensaria ou agiria nas mesmas circunstâncias. E é nesse processo reflexivo que o público deverá buscar suas próprias respostas e simpatias, descobrir sua identidade. Acreditamos que não é função da arte entregar as respostas pré-estabelecidas, mas a de provocar a reflexão e conclusão da plateia.


Um espetáculo produzido pela primeira vez em 2012, retomado em 2018, e que já passou por tantas apresentações e, inclusive, recebeu premiações. O que a nova temporada de “Medeia em Faces” traz de novidades ou de maturidade em termos de espetáculo em relação às fases anteriores?
Alberto Santiago - 
A concepção inicial do trabalho é resultado da pesquisa e experimentação das cenas junto com o ator-criador, Mauro Morais, conforme já dito, e o que queríamos não era falar da Medeia mitológica, mas sobre a banalização da violência na sociedade atual, das ações extremadas e crimes passionais, das reações e inquietudes próprias da alma humana e de refletir sobre a condição da mulher contemporânea dentro desse contexto para concluir que a Medeia de 431 a.C e Medeia de hoje são a mesma. Portanto, a transformação de uma tragédia grega num drama contemporâneo e o processo de refletir esse drama no contexto dos dias de hoje era o foco principal. Isso tudo, apropriado por esse jovem elenco, nessa remontagem com a Cia de Teatro Variante, foi mantido, porém dentro da interpretação pessoal desse novo grupo.


Sinopse do espetáculo
“Medeia em Faces” traz de forma íntima o mito, até hoje recorrente em nossa sociedade, que desafia o tempo ao aproximar a mulher grega da mulher contemporânea provocando o paradoxo da razão versos emoção no público, ao julgar essa amante que oscila entre o mito e o humano. Ela é a bruxa, a mãe e a dona de casa, um ser passional que usa todo o seu conhecimento para dar à Jasão, seu marido, o poder desejado e, em retribuição, é traída por ele. Sem família, sem rumo, ultrajada vai às últimas consequências, do amor incondicional à ira irreversível, ao assassinato dos seus filhos que ela tanto ama.


Sobre o projeto "Medéia em Faces"
Baseado em "Medeia", tragédia grega de Eurípides (431 a.C.), e em livre adaptação do dramaturgo Alberto Santiago, o projeto “Medeia em Faces” nasceu em 2012, do sonho do ator pindamonhangabense Mauro Morais. Desde 2018 apoiado pelo Instituto IA3.ORG, por meio do Projeto Atores Sociais, a iniciativa tem como proposta contribuir para a formação cultural universal de alunos do ensino médio, educadores e público em geral, enfatizando a associação do mito à realidade atual nas relações familiares, despertando a visão humana à figura idealizada da mulher, mãe. Nos últimos anos, o projeto conquistou diversos prêmios, como no 6º Festemec (Mogi das Cruzes) e no 2º Festita (Itapeva) – ambos no estado de São Paulo.


Sobre o projeto Atores Sociais
Amparado nas diversas ferramentas de desenvolvimento, interpretação cênica e exercícios de dramaturgia, o projeto Atores Sociais visa ao protagonismo de crianças e adolescentes e ao fomento à cidadania. Em mais de 5 anos de projeto, foram atendidas cerca de 500 crianças e jovens residentes nos bairros do Araretama, Jardim Regina, Piracuama, Feital e bairros circunvizinhos. Neste período foram mais de 60 apresentações ao público.


Sobre o IA3
O IA3.ORG – Instituto de Apoio ao Desenvolvimento Humano, a Artes e Aprendizagem – foi constituído em 15 de maio de 2008, caracterizando-se como uma associação sem fins lucrativos de iniciativa privada com independência administrativa e financeira. Com sede no bairro Feital, em Pindamonhangaba (SP), o IA3.ORG tem como missão contribuir para a formação integral de adolescentes através de atividades educacionais, culturais, esportivas e qualificação profissional, como alternativa de inclusão social, combate à pobreza e emancipação daqueles em situação de vulnerabilidade social. Em seus 12 anos de atuação no município, são cerca de 4 mil atendidos por meio de múltiplos projetos mantidos pela instituição, como projetos dos Programas Educação para o Trabalho, Incentivo à Cultura e Socialização e Educação e Conscientização Ambiental.

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