sábado, 10 de dezembro de 2022

.: Entrevista: Leonardo Antunes e os labirintos do minotauro no teatro


Por 
Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando. Foto: divulgação

Leonardo Antunes é o teatro personificado e a vida que pulsa a partir dele. Mas é mais do que isso. Ele dirige o espetáculo "Labirinthos", em cartaz até dia 18 de dezembro no TUSP (Teatro da Universidade de São Paulo) - com a Cia. Teatral Energós que vem se desenvolvendo a cada apresentação, tendo sua dramaturgia e encenação reformuladas neste processo de curtas temporadas itinerantes que antes fez uma bonita trajetória a partir de apresentações nos teatros Paulo Eiró e Alfredo Mesquita.

A peça aborda o mito do Minotauro a partir do texto inédito do premiado escritor brasileiro João Anzanello Carrascoza. A dramaturgia é criada a partir dos fragmentos de duas obras perdidas do tragediógrafo grego Eurípedes (os textos Kretes e Theseus) e relacionando-os com o mundo  contemporâneo. Fragmentos trágicos que, pela primeira vez, foram traduzidos  para o português, pelo diretor da companhia Leonardo Antunes e pelo ator Jean Pierre Kaletrianos. Nesta entrevista exclusiva, ele fala sobre a arte da criação.


Como surgiu a ideia de encenar a peça teatral "Labirinthos"?
Leonardo Antunes -
Há alguns anos eu me dedico a pesquisar o trágico na cena e, de certo modo, a Cia Teatral Energós surgiu dessa busca. Em 2020, eu e Jean Pierre Kaletrianos, parceiro de pesquisa e ator da companhia, traduzimos para o português os fragmentos de duas tragédias perdidas de Eurípedes que tratam do mito do Minotauro - os textos Kretes e Theseus. Ali encontramos um material que nos instigava, tanto pela sua narrativa mítica quanto pelos temas que apontava – como a desmedida do poder e a negação da sombra - tão pertinentes ao mundo contemporâneo.


O que o texto de Carrascoza acrescenta na peça?
Leonardo Antunes - 
Desde 2021, Carrascoza é um parceiro vital para a nossa criação. Os textos de Eurípedes que nos inspiraram são fragmentos, tragédias que foram apagadas pelo tempo, cheias de lacunas. A companhia, então, realizou diversas improvisações abordando passagens do mito que não apareciam naqueles textos. A partir das cenas que surgiram, o Carrascoza trouxe novas palavras, dando uma forma textual às criações da sala de ensaio. Com o nosso projeto “O Mito do Minotauro por São Paulo” (que foi contemplado com o Edital de Apoio a Projetos Culturais de Múltiplas Linguagens, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo), o espetáculo foi apresentado “em processo” – em sua fase de construção – em teatros distritais de São Paulo. A cada estação visitada pela companhia, tanto a dramaturgia quanto a encenação foram reformulados; e durante todo este processo Carrascoza reescreveu e adicionou novas cenas ao texto até chegar ao formato final da dramaturgia.


O que o mito do Minotauro pode ensinar às pessoas no mundo de hoje?
Leonardo Antunes - 
Antes mesmo de existir a filosofia, o homem já buscava refletir sobre a sua existência a partir dos mitos - narrativas que, por meio de eventos concretos, espelham o mundo e a condição humana. O mito do Minotauro, para além de falar sobre a criatura monstruosa que é encarcerada no labirinto, apresenta um governante que não cumpre a sua promessa; uma mulher que paga pelos erros de um homem; e uma política de guerras que faz com que jovens sejam anualmente sacrificados. Entendo que estes temas têm muito a dizer sobre nós e o mundo de hoje. Como toda narrativa mítica, mesmo que na superfície o mito do Minotauro pareça tratar de uma realidade “outra”, diversa da nossa, ele tem a potencia de iluminar questões que ainda afligem a vida contemporânea.


Por que o tragediógrafo grego Eurípedes merece ser lido e conhecido no mundo contemporâneo?
Leonardo Antunes - 
A obra de Eurípides é reconhecida por apresentar o homem questionando a si mesmo. Não é por acaso que seus textos - e as tragédias gregas em geral - sobreviveram ao passar dos anos e às distâncias geográficas: elas influenciaram boa parte do pensamento ocidental e continuam a revelar aspectos atemporais da existência humana. Ao tratar o anseio do homem pelo poder; os sacrifícios impostos à população como consequência das “desmedidas” de um governante; a negação dos aspectos sombrios do ser humano; e o papel da mulher na sociedade – questões que nos circundam ainda hoje – a obra trágica de Eurípedes nos mostra o quanto ainda é relevante para o leitor/espectador contemporâneo.


O que o teatro representa em sua vida?
Leonardo Antunes - 
Entendo que o teatro é a lente pela qual eu enxergo o mundo. Acho difícil dissociar o teatro da vida, porque penso que um reverbera no outro, um ajuda a compreender o outro. Em algumas das apresentações que fizemos do espetáculo ainda em processo, tivemos como público alunos do EJA (Educação de Jovens e Adultos), participantes do Programa Vocacional e pessoas que nunca haviam assistido a uma encenação de tragédia. Ver como essas pessoas ficaram envolvidas pela apresentação e como o tema inspirou questões só reafirmou para mim a importância do trabalho com o teatro; de continuar levando o teatro para novos públicos; de contribuir, de algum modo, para ampliar as referências do espectador e, quem sabe, também ampliar o modo de ver a vida.


Qual o critério para escolher histórias a serem encenadas?
Leonardo Antunes - 
Entendo que o teatro é um fenômeno do “encontro”, e quando produzimos algo de artístico, temos de nos perguntar “como” e “o que” de fato estamos comunicando neste encontro. Eu diria que o critério, portanto, é pensar qual objeto/qual historia melhor dialoga com a nossa vontade de gerar essa comunicação com o outro. E, algo que prezo muito, é buscar uma narrativa - e um modo de contar - que encare o espectador enquanto individuo, e não como massa. Isto é, uma história que se abra para diferentes interpretações, que possa ser completada por cada espectador, que assim passa também a ter um papel atuante neste “encontro” que o teatro proporciona.


Quem é o Leonardo Antunes por ele mesmo?
Leonardo Antunes - 
Ah, ficarei te devendo essa (risos). Essa resposta é constantemente reformulada; e acho bom que seja assim. Mas deixo o convite para que todos assistam a "Labirinthos" - com certeza, há muito de mim ali!

Ficha técnica: 
"Labirinthos"
Direção e iluminação:
 Leonardo Antunes
Dramaturgia: João Anzanello Carrascoza
Direção musical: Jean Pierre Kaletrianos e Leonardo Antunes.
Cenografia: Leonardo Antunes e Márcia Moon
Figurinos: Miko Hashimoto
Elenco: Elaine Alves, Gustavo Andersen, Gustavo Xella, Heidi Monezzi, Isabela Bustamanti, Isabella Bottan, Jean Pierre Kaletrianos, João Muniz e Pedro Ferreira.
Adereços: Fernando Fedora
Cenotécnico: Lucas Barros
Preparação musical (aquários): Orquestra dos Objetos Desinventados
Preparação musical (percussão - adufe): Valéria Zeidan
Treinamento corporal (danças): Vera Athayde
Treinamento corporal (kempo): Ciro Godoy e Mavutsinim Santana   
Fotos: Júlia Gama
Identidade visual: Cláudio Novaes
Design gráfico: Elaine Alves 

Serviço
"Labirinthos" no TUSP (Teatro da Universidade de São Paulo)
Rua Maria Antônia, 294 - Vila Buarque - São Paulo
Até dia 18 de dezembro
Quintas, sextas e sábados às 21h | Domingos às 19h
Gratuito às quintas-feiras (retirada de ingressos apenas na bilheteria, uma hora antes do espetáculo).
Sextas, sábados e domingos a preço popular (R$ 10 inteira, R$ 5 meia entrada).
Venda de ingressos pelo Sympla e na bilheteria uma hora antes do espetáculo.
Sympla: https://energos.page.link/LABIRINTHOS_Tusp_INGRESSOS
Duração:
100 minutos | Classificação indicativa: 14 anos

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