Por Helder Moraes Miranda, especial para o portal Resenhando.com. Foto: redes sociais do crítico
Fazer cinema é uma arte. Assistir também. Mas escrever sobre ele com lucidez, coragem e ironia - isso é para poucos. Inácio Araujo, crítico de cinema da Folha de S.Paulo, montador nos anos 1970, professor desde os anos 90 e escritor premiado, transita por essas múltiplas dimensões com uma lucidez rara. Em pleno 2025, quando a crítica cultural parece pisar em ovos e o algoritmo dita a relevância, Araujo continua escrevendo com o refinamento de quem acredita que um filme pode ser desvendado - ou desmascarado.
À frente de mais uma edição do curso “Cinema Moderno e Contemporâneo”, ele conversou com o Resenhando.com sobre cinema, política, redes sociais, farsas premiadas, cochilos confessos e a arte de dizer “esse filme é ruim” sem perder o sono - ou a elegância. Há uma honestidade crua em Inácio Araujo que falta a boa parte da crítica cultural contemporânea - aquela que se preocupa mais com o engajamento que com o pensamento. O resultado é uma conversa entrecortada por humor ácido, referências afiadas e a consistência de quem carrega 40 anos de crítica sem nunca ter pedido desculpas por pensar demais.
Resenhando.com - Você foi montador, roteirista, crítico e professor de cinema. O que mais te emociona: o “corte seco” de uma edição bem-feita ou uma plateia que realmente entendeu um subtexto que o próprio diretor talvez não tenha percebido?
Inácio Araujo - Prefiro o primeiro, porque o segundo não existe, é um sonho.
Resenhando.com - Em tempos de redes sociais, onde todo mundo virou “crítico de cinema” com duas linhas e uma hashtag, como você lida com a banalização da crítica?
Inácio Araujo - Acho que ainda não há tempo para julgarmos as redes sociais, nesse sentido. Me parece muito bom que muitas pessoas possam escrever, pensar, discutir sobre filmes. Claro, sempre haverá quem esteja mais bem preparado ou não para isso. Pessoalmente, quase não frequento redes sociais, mas não por ser contra. Fui formado em outra época. Mas não creio que redes sociais possam ser responsáveis pela banalização do que quer que seja. Talvez a nossa formação, brasileira, seja muito fraquinha. Isso, sim, é uma questão.
Inácio Araujo - Acho que ainda não há tempo para julgarmos as redes sociais, nesse sentido. Me parece muito bom que muitas pessoas possam escrever, pensar, discutir sobre filmes. Claro, sempre haverá quem esteja mais bem preparado ou não para isso. Pessoalmente, quase não frequento redes sociais, mas não por ser contra. Fui formado em outra época. Mas não creio que redes sociais possam ser responsáveis pela banalização do que quer que seja. Talvez a nossa formação, brasileira, seja muito fraquinha. Isso, sim, é uma questão.
Resenhando.com - O curso "Cinema Moderno e Contemporâneo" fala de reinvenção. Qual cineasta contemporâneo você considera uma farsa elegante e qual é um gênio silencioso que ainda será descoberto?
Inácio Araujo - Cineasta farsa: Peter Greenaway. Ainda por ser descoberto: vários, mas André Novais Oliveira me parece especial.
Resenhando.com - . O crítico deve mesmo dizer quando cochila ou há um pacto de silêncio entre o tédio e a diplomacia?
Inácio Araujo - Acho que certas reações indicam o que sentimos. Tive um amigo que, quando gostava mesmo de um filme, não saía da sala para fumar (e era um grande fumante). Por vezes me parece justo, até saudável, reportar alguma reação desse tipo. Mas muito raramente. Não acho que haja pacto, e sempre é possível rever um filme... Só dormi (dormi dormido) em um filme na vida: "Tommy", de Ken Russell. Vai passar numa retrospectiva da Cinemateca. Será que em 50 anos eu mudei, ou o filme mudou?
Resenhando.com - Você já foi acusado de escrever críticas “hostis” demais. Prefere a franqueza que machuca ou a gentileza que mente? Por quê?
Inácio Araujo - Eu posso não gostar de um filme, de um modo de filmar, de olhar o mundo. Mas posso apenas dizer o quanto não gostei do filme. Outras pessoas podem gostar. De todo modo, tomo cuidado de, eventualmente, ser contra o filme, não contra o diretor ou o roteirista. Não ataco pessoas. Tudo de que um crítico dispõe é do seu pensamento, da sua maneira de olhar o mundo. Se você não for fiel a isso, acabou. Pessoalmente, acho desagradável, mas tenho de dizer às pessoas coisas como "olha, eu não gostei". Faz parte e não quer dizer que eu esteja dando a última palavra. Um crítico é um intérprete, não um juiz.
Resenhando.com - Brian De Palma, David Lynch, Abbas Kiarostami: se os três estivessem em uma mesma sala e você tivesse que tirar um para conversar a sós, quem você escolheria - e por quê os outros dois ficariam de fora?
Inácio Araujo - Os três na mesma sala? Eu sairia. Deixa que eles se entendam. Quem sou eu para escolher um deles?
Resenhando.com - Seu texto sobre "Que Horas Ela Volta?" toca em um ponto sensível: a herança escravocrata brasileira. O cinema nacional está preparado para ser político sem virar panfleto?
Inácio Araujo - Está muito bem equipado. Essa geração que surge entre o fim dos 90 e o século XXI é ótima. Mas "Que Horas Ela Volta" é uma falsa boa ideia. Uma ideia traiçoeira...Mas se a mesma Anna Muylaert filmasse, digamos, a história de um cotista e o que ele sofre quando frequenta, por exemplo, a Medicina da USP... Como é hostilizado pelos riquinhos... Tenho certeza de que faria um bom filme. Ela é muito boa diretora… Mas talvez para fazer esse filme que estou propondo fosse melhor chamar o fantasma do Pasolini... O Pasolini do Salô, claro, só ele está à altura de mostrar a sordidez da riqueza nacional.
Resenhando.com - Você já dedicou linhas duras a filmes da Globo Filmes. Se fosse convidado para escrever um roteiro para a própria Globo, você aceitaria?
Inácio Araujo - Veja: enquanto eu falava mal dos filmes da Globo Filmes, minha mulher os estudava. E me convenceu, no fim sobre o quanto esses filmes eram importantes, porque "mercado também é cultura", como dizia o Gustavo Dahl... então, a Globo, os roteiristas e artesãos que fazem esses filmes, compreendem muito melhor um público grande, que eu mesmo não compreendo. Então, eu "falava mal" porque falava em nome dos princípios da arte. Mas arte ou "arte"? Não sei. Agora, claro que a Globo não me convidaria para escrever um roteiro, porque não entendo bem o desejo desse público, o que ele quer ver, por que quer etc... Não que eu tenha mudado de ideia: quase todos esses filmes são insuportáveis para quem tem o hábito de ver filmes, cinema. Mas de vez em quando aparece uma joia, como que para provar que, se a gente insistir, se a gente pensar em aproveitar a experiência dessa população, pode-se chegar a bons resultados. Foi assim com o cinema popular dos anos 60/70. Pode vir a ser de novo... por exemplo, existe uma comédia que uma joia, chama-se "Os Parças" (2017), popular e inventivo. Depois a Globo foi lá e fez "Os Parças 2" e estragou tudo. Acontece. Às vezes a gente tem de entender o que há por trás daquilo. Por que 2 milhões de pessoas foram ver "De Pernas para o Ar"? É claro, porque fala, a seu modo, de liberação feminina. Mas quando você escreve o filme ainda não foi visto... A melhor crítica seria, nesse sentido, aquela que você faz vendo o filme junto com o público. Sobretudo de filmes endereçados a um público diferente do que você é, mas igualmente merecedor de atenção e respeito
Resenhando.com - A crítica cultural, hoje, parece andar sobre ovos para não ser “cancelada”. O que dá mais medo: um filme ruim ou uma plateia que prefere a mediocridade bem embalada?
Inácio Araujo - O problema para mim é que vivemos num mundo em que a intolerância é enorme. A vigilância é permanente, por todos os motivos: políticos, religiosos e tudo mais. Todo mundo virou polícia de todo mundo. E eu não gosto de polícia. Já fui repórter na vida, cobri muita polícia.
Resenhando.com - Aos 40 anos de carreira como crítico, qual foi o momento em que você pensou: “Agora entendi o cinema”?
Inácio Araujo - Nunca. Ele é como o tempo, escapa sempre.
Serviço
Curso “Cinema Moderno e Contemporâneo” com Inácio Araujo
Início: 28 de julho de 2025
Horário: Segundas-feiras, das 20h às 22h30
Plataforma: Zoom (com gravação das aulas para acesso posterior)
Duração: 20 aulas (até 8 de dezembro)
Conteúdo
O curso percorre a transformação do cinema no pós-guerra, com foco em cineastas como Orson Welles e Roberto Rossellini, movimentos como o neorrealismo italiano e a nouvelle vague francesa, e segue até o cinema contemporâneo, incluindo nomes como Abbas Kiarostami, Brian De Palma, David Lynch, além do cinema feminino, negro e das vanguardas orientais.
Investimento: 5 parcelas de R$ 300,00
Inscrições e informações:
WhatsApp: (16) 97414-3634 (com Letícia)
E-mail: cinegrafia@uol.com.br
0 comments:
Postar um comentário
Deixe-nos uma mensagem.