Por Helder Moraes Miranda, jornalista e crítico de cultura, especial para o portal Resenhando.com.
Existe algo de profundamente subversivo em um filme que decide tratar de eutanásia com a mesma naturalidade de quem fala sobre o preço do tomate na feira. “Sonhar com Leões”, de Paolo Marinou-Blanco, não tem a pretensão de ensinar nada, tampouco edificar algum tipo de "consciência moralista". O filme prefere rir, debochar e brincar de colocar o espectador diante de uma pergunta incômoda: afinal, quando a vida deixa de ser vida e passa a ser apenas resistência teimosa ao fim inevitável?
Denise Fraga, em um dos melhores momentos da carreira, encarna Gilda - e aqui esqueça a doçura cristalizada da atriz em outros papéis. A personagem dela oscila entre a ternura e a fúria, entre o humor ferino e a fragilidade de quem sabe que o tempo acabou. Ao lado dela, João Nunes Monteiro surge como Amadeu, um jovem que desistiu da vida sem ter vivido de verdade. Se Gilda quer morrer para não perder a dignidade, Amadeu só quer alguém que o enxergue. No fundo, os dois não querem a morte: querem pertencer. E é nesse choque de desejos que o filme encontra a transcendência.
Os diálogos são um espetáculo à parte: afiados, sarcásticos, deliciosamente maliciosos, lembram o frescor de “Pushing Daisies” (no Brasil, "Um Toque de Vida") aquela série que coloria a morte como se fosse uma festa pop. Só que em "Sonhar com Leões", em vez do tom açucarado, há o tempero ácido do pragmatismo, uma ironia que seduz enquanto esbofeteia. A câmera de Paolo, sensível e debochada ao mesmo tempo, transforma até a preparação para o fim em espetáculo metalinguístico: a protagonista fala com o público, chama-o para a intimidade de sua solidão, até não estar mais sozinha.
Victoria Guerra entrega uma participação que beira o politicamente incorreto - e como é bom ver um filme que não teme o risco da inadequação. Roberto Bomtempo aparece como presença especialíssima, discreta mas inesquecível, em uma espécie de presente para o público. Meio brasileiro, meio lusitano, “Sonhar com Leões” é um filme sobre a morte, mas sobretudo sobre propósitos. Discute a estranha e patética necessidade que as pessoas têm de encontrar alguém que segure a mão antes de saltar no escuro. É engraçado, é doloroso, é ridiculamente humano. A morte, nesse filme, não é a vilã. A vilã é a covardia cotidiana de viver sem desejo, de suportar sem sentido, de arrastar-se sem coragem de escolher.
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Ficha técnica
"Sonhar com Leões" | Sala 4
Classificação indicativa: 16 anos. Ano de produção: 2024. Idioma: português. Direção e roteiro: Paolo Marinou-Blanco. Elenco: Denise Fraga (Gilda), João Nunes Monteiro (Amadeu), Joana Ribeiro (Isa), Victoria Guerra (Laurinda), Sandra Faleiro (Eva), Roberto Bomtempo (Lúcio), entre outros. Distribuição no Brasil: Pandora Filmes. Duração: 87 minutos. Cenas pós-créditos: não.
Sinopse resumida de "Sonhar com Leões"
Gilda, uma imigrante brasileira em Lisboa, diagnosticada com câncer terminal, busca formas de morrer com dignidade. Após falhas em suas tentativas de suicídio, ela encontra a Joy Transition International, uma organização clandestina que oferece métodos de eutanásia. Lá, conhece Amadeu, um jovem também em busca de uma saída para sua dor. Juntos, enfrentam desafios que misturam humor negro e tragédia, questionando os limites da vida e da morte.
Sessões no idioma original
14/9/2025 - Domingo: 18h00.
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